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III JORNADAS DE ESTUDIOS

\ SOBRE
FUERTEVENTURA Y
LANZAROTE

o SENHORIO NO ATLÂNTICO INSULAR ORIENTAL


ANÂLlSECOMPARADA DA DINÂMICA INSTITU CIO NAL
DA MADEIRA E CANÁRIAS NOS SÉCULOS XV E XVI

ALBERTO VIE IRA

I
1. O estudo da dinâmica institucional insular assenta nas suas prin·
cipais componentes adm inistrativas que deram consistência à estrutura
societal implantada pelos povos ibéricos no Atlântico. Nesse contexto o
século xv surge como o momento mais importan te dessa dinâmica: ter·
minado o processo de reconquista peninsular as coroas ibéricas estarão
em condições de avança r além·A tlântico. As ilhas do Atlântico Oriental
porque posicionadas à saída da Europa se rão em simultâneo, o viveiro
das novas sociedades e economias atlânticas e pontos de apoio à navega·
ção e domínio do oceano . Aí a Madei ra e as Canérias detiveram uma
import ância primordial para as aspirações das coroas peninsulares. To-
davia condicionalismos de vâria rndole implicaram uma diferente form u-
lação das instituições e formas de governo. Enquanto na Madeira a sua
silUação de abandono favoreceu essa rápida ocupação e valorização só-
cio-económica, nas Canárias, porque ocupadas por uma população indi·
gena·guanche, o processo foi moroso e requereu um a demorada guerra
de conquista. Por outro lado enquanto em Portugal a expansão se afirma
como uma rea lidade nacional que congrega as principais forças vivas
em torno das aspirações da coroa. em Caste la as condições políticas náo
o permitiam. pelo que essa iniciativa foi dominada por interesses parti-
culares de acordo com os pad rões comportamentais da cavalaria nor-
manda; foi necessário que um est rangeiro oferecesse os seus présti mos à
coroa para que se avançasse com essa conquista . Ao normando Jean de
Bette ncourt associam-se os interesses da burguesia sevilhana interesada
no comércio dos seus recursos naturais.
A ideia de conquista e posse das Canárias inicia-se com a transmissão
da titularidade, adquirida desde 1344. junto do papado. A coroa castel·
hana só intervirá a partir de 1477 quando Diego Garcia de Herrera lhe
cede o direito de conquista das ilhas de G ran Canaria , La Palma , Tene-
rife. Essa intervenção da coroa resultou da relativa estabilidade da pc-
ninsula e da necessidade de firmar a sua posição nestas ilhas em face da
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disputa de particulares e coroa portuguesa I. Todavia a situação man-
ter-se-á conturbada alé à resolução da posse deste arquipélago (1480) e
lo xv emerge em pleno uma nova sociedade e economia que será um
lo xv emerge empleno uma nova sociedades e economia que será um
importante marco referencial para a afirmação castelhana no Atlântico.
2. O reconhecimento e a ocupação da Madeira, se bem com forte
colaboração particular, foram feito sob orientação e olhar vigilante da
coroa. O empenhamento do infante D. Henrique e dos homens da sua
Casa surge como un serviço prestado aos intentos da coroa; era uma
cruzada de reconhecimento e ocupação e a coroa chamava a si o direito
de posse bem como a sua administração. Note-se que a legitimação ins-
titucional para e intervenção da Casa do infante só foi concedida
em 1433 2 • A partir dessa data a gesta de reconhocimento ou descobri-
mento do Atlântico ficará subordinada ao empenho do grão-mestre da
Ordem de Cristo - o infante O. Henrique.
De acordo com a carta de doação o infante D. Henrique recebe o
senhorio das ilhas que compõem o arquipélago da Madeira .. com todo-
lias dereytos rendas ... com sua jurisdiçam civi e crime salvo em sentença
de morle ou talhamento de membro ... posa mandar fazer nas ditas ylhas
todollos proveytos e bemfeytorias ... e dar em perpetuo ou a tempo ou a
forar todas las ditas terras.,.a quem lhe aprouver ... ». Apenas se recomen-
da o curso da moeda do reino e a obediência aos foros régios. conheci-
dos como direitos magestáticos.
O monarca Dom Duarle ao atribuir, em 1433-1439, responsabilida-
des atlânticas à Ordem de Cristo. ia ao encontro dos interesses e pertiná-
cia do infante, ao mesmo tempo que lançava as bases para uma nova
estructura na dinâmica institucional lusíada - senhorio atlântico insular,
composto pelas ilhas dos arquipélagos da Madeira e Açores. Durante
mais de sessenta anos (1433-1497) a administração destas ilhas estará a

I. Propositadamente ignoramos a controvérsia em torno da posse do senhorio das Ca·


nárias, remetendo o seu conheeimento para: JOSE PERAZA DE AYALA . .. La
sucessión deI seiiorio de Canadas ( ... )_, in Hislorio Gtntr(ll de /41 is/lU C(l/f(lrÍlu, II .
Las Palmas, 19n, ))3·166; MIGUEL A. LADERO QUESADA, .. Los senores de
Canarias en su conte~to Scvillano (1403·14n)_, in AnlUlrio de Esllldios All6nlicos.
n." 23, 19n, 125·164; ACIlt'rdos dt'/ cabildo dt' Flltrlt'Vtnlllr(l 1605·1659, Santa Crut
de Tenenfe, 1970, 11·15; ANTONIO RUMEU DE ARMAS . ..O seiiorio de Fuerte·
ventura en el siglo XVI_ (Comunicação apresentada no presente congresso).
2. Esta doação enquadra·se no tipo de senhorio existente em Portugal que fota regula·
mentado pcllll OrdtnaçMs A/onsiflas e ui Mtnl(ll. veja·se: ANTONIO MANUEL
HESPANHA, Hislóri(l das InsliIUiçoo ... , Coimbra. 1983, 282·301. 325; FERNAN·
DO JASMINS PEREIRA, A Ilh(l do M(ldeir(l no perlodo henriquino (/4JJ·I46()).
Lisboa, 1961.

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cargo da Ordem de Cristo por meio dos seus grão-mestres. Durante esse
período sucederam-se quatro senhores que imprimiram à sociedade ma-
deirense uma adequada dinâmica de desenvolvimento .
O afastamento do donatário destas áreas de ocupação. as dificulda-
des nas comunicações com o reino em consonância com a necessidade de
distribuir benemesses pelos principais obreiros do rcconhecimenlo e
ocupação do arquipélago, implicaram uma nova eSlrUlUra nas institui-
ções insulares: surgem assim os capitães do donatário, camo lídimos re-
presentantes do donatário a administrar a área (capitania) que lhe fora
concedida.
Nas Canárias. confrontados com duas (ormas separadas de interven-
ção , a estrutura institucional a implementar será necessáriamente outra .
Assim para as ilhas em que vingou a iniciativa particular, que serão con-
hecidas como senhoriais, vigorará um sistema de governo particular por
cada um dos usufrutuários das referidas ilhas. Ao invés nas ilhas em que
a coroa intervém no processo de conquista. enviando os seus emissários,
conhecidas como realengas , afirmar-se-á a presença régia na pessoa dos
governadores D. Pedro de Vera e Alonso de Lugo. As prerrogativas
enunciadas nas diversas recomendaçõcs régias associadas à prática des-
tes governadores aproximam-nos dos capitães do donatário da ilha da
Madeira. Note-se que, não obstante a sua situação jurídica de funcioná-
rios régios, estes destacam-se muitas vezes nos privilégios de tipo senho-
rial , como sejam o direito de o filho os suceder e o usufruto do título de
adelantado.
Na informação de Esteban Perez de Cabito (1477) recolhem-se, nos
vários documentos de transacção. compra e venda, ou confirmação régia
desses actos , elementos que nos elucidam sobre a jurisdicão do senhorio
de Canárias. Assim conforme o declara em 1430 o Conde de Nieble este
era um «senorio e propriedad e tenencia e posecion e derecho e mero
misto ynperio e voz e accion,. 3. A par disso enuncia as suas atribuiçôes
que lhe cede: .. todo el seóorio e propriedad e voz e razon e accion e
thenencia e posesion e conquista e justicia civil c creminal e juredicion
alta e baxa e mero e mixto ymperio e vasallos e vasallajes e feudos e
fortalezas e fazer de moneda e tributos e rentas e pechos e con todas
suas entradas e salidas, e con todas sus tierras e montes e prados e pas-
tos e rios e fuentes e aguas estantes e corrientes e manantes. e con todos
sus puertos de mar I) metales e minerias ... " ". Em confirmação régia da

3. Publicado por CHIL Y NARANJO. Esrudios Hist6ricos ...• t. II. 1888.556; confron-
te-se pp. 520. 5JO.31. 543-49. 580. 606.
4. Ibidem . 549.

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posse do senhorio de Lanzarote e La Gomera a Fernan de Peraza o
monarca alude «Ia justiça e jurisdicion civil e cremi nal , alta c baxa e
mero mixto ymperio por ciertos justos e derechos titulas" s.
3. Será possível uma aproximação de ambos os modelos institucio-
nais definidos pelos reinos ibêricos para a expansão atlântica? De uma
forma genérica essa aproximação torna-se possível e desejável, mas no
particular esbarrará com condicionanrtes de vária índole que poderão
conduzir a uma visão incorrecta dessa realidade . Note-se que como refe-
rimos de ambos os lados. na ilha ou no continente, deparamos com uma
conjuntura diversa que pesará de forma significativa no lançamento das
bases institucionais da nova sociedade. Nas Canárias os condicionalis-
mos internos e externos conduzem a uma gesta de tipo feudal. enquanto
na Madeira deparamos com uma inovação que se enquadra nos parâme-
tros que assumirá o senhorialismo em POrlugal 6 • Desta forma nas Caná-
rias os vestígios feudais são mais marcantes que na Madeira.
Além disso o sen horio que desponta em princípios do século xv nas
Canárias é marcado por laços feudais. como a enfeudação. enquanto na
Madeira esses não existem. pois com a doação régia de 1433 apenas são
concedidas algunas prerrogativas jurisdicionais conducentes à sua ade-
quada administração e o sen horio fará uso dessa jurisdição em nome do
rei . Todavia este último não abdicava de certos domínios jurisdicionms
como a pena de morte. talhamento de membro, direito de fazer guerra e
a cunhagem de moeda . Note-se que o início da conquista das Canárias
começou com uma campanha normanda e o necessário aClo formal de
vassalagem e prestação de pleito e homenagem (1403-1412) do seu chefe
ao monarca de Castela a quem as ilhas perteneciam por bula papal de
1344. Além disso Jean de Bettencourt usufruia do direito de cunhar
moeda (1403), privilégio que a História ignora o seu usufruto ou não.
Por outro lado a Adelantado que surge nas ilhas realengas é uma forma
de instituição militar usual em terras de fronteira.
O senhorio da Madeira, por sua vez, como forma de recompensa aos
criados da Coroa e de melhor eficácia gobernativa delegará em João
Gonçalves Zarco (1450) . Tristão Vaz Teixeira (1440) e Bartolomeu Pe-
restrelo (1446) o governo das áreas do Funchal, Machico e Porto Santo.

S. Ibidtm, 580.
6. LUIS FILIPE R. THOMAS. _Estruturas quasi-feudais na expansão por!ugue~ .. , ln
Colóql'io /nttmacional dt História do Modtiro, Funchal, 1986: ANTONIO MURO
OREGON. "Edad Media en Canarias y Am~riea.., in / Coloqulo de Histoflo C/llla-
rio-Amtrkono (/976). Las Palmas. 1977. 43-64: ALFONSO GARCIA -GALLO .
.. Los sistemas de: coloniz.aciÓn de Canarias y América en tos siglos xv 'I XVt» in ibi·
dtm, 423-442 .

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Estes eram ai os representantes do donatário e em seu nome exerciam
em .. justiça e dereyto». a jurisdição do cível e crime e procediam à
nomeação dos funcionários do município, organização da defesa. distri-
buição das terras. Todavia encontramos algumas situações muito pareci-
das com esta . Assim no início Jean de Beuencourt nomeia o seu teniente
ou governador geral que com os sargentos nomeados para as diversas
ilhas, asseguravam a justiça ' . Note-se ainda que na ilha de La Gomera o
senhorio delegara no alcaide mayor o poder cível e de nomear os rege-
dores, alferez, alguacil mayor e escribanos.
Os governadores de Tenerife e Gran Canaria, pelas atribuições que
recebem e pelo modo que as valorizam se assemelham em muito aos
capitães madeirenses. o que os diferencia é a pessoa que representam e a
precaridade ou não da jurisdição que lhes é acometida; a reforçar essa
ideia está o título de Adelantado que adquire um carácter hereditário
(1491-92. 1496).
A durabilidade destas instituiçõcs permite outra aproximação ; en-
quanto na Madeira a silUação de senhorio durou apenas sessenta e qua-
tro anos (1433-1497), nas Canárias perdurou até ao século XIX só se ex-
tinguindo com as Cortes de Cadiz em 6 de Agosto de 1811. Essa similitu-
de só será possível em relação ao governador. Assim em ambos os lados
os alvores do século XVt coincidem com o fim ou diminuição da influên-
cia destes . Note-se que a partir de 1519 o aparecimento de novas institui-
ções conduzem ao esvaziamento desta estrutura de mando. Todavia a
extinção do senhorio na Madeira. pela forma que o monarca D. Manuel
a realizou , não levou à extinção das capitanias madeirenses. apenas con-
dicionou a situação destas, pois a partir de 1497 os capitães passam a
depender directamente da Coroa e não do grão-mestre da Ordem de
Cristo. Também nas Canárias a intervençáo centralizadora da Coroa de
Castela não pôs termo ao senhorio e governador. mas a criação de novas
instituições que conduziram à limitação da sua alçada.
Num e noutro arquipélago o senhorio usufrufa de determinados pro-
ventos económicos resultantes do usufruto do monopólio da recolha , fa-
brico e venda de certos produtos ou do lançamento de alguns direitos
sobre a produção e comércio. Assim nas Canárias este reservava para si
o monopólio do comércio da urzela, conchas marinhas. além de uma
renda senhorial (o quinto) que onerava o dinheiro, o gado e o comér-
cio 8.
Na Madeira o senhorio, de acordo com a carta de doação régia rece-

7. LA cam"itn , La Laguna , 1960. 320-323; VIERA Y CLAVIJO, lbidtm, 1.342.


8. Ibidtm, 310.

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bera o usufruto de todas as rendas e direitos existentes ou a lançar nes-
ses domínios. O principal tributo era o dízimo que onerava o aproveita-
mento dos recursos, a agricultura. pecúaria, pesca, transacções e comér-
cio. Ao capitão estava reservado o usufruto do redízimo destes direitos,
alguns privilégios exclusivos e a punição dos réditos resultantes da explo-
ração das suas terras.
4. Os condicionalismos decorrentes da necessária cenlralização ré-
gia. levada a cabo por D. Manuel (1497) e continuada com D. João JJJ
(1524), conduzirão ao paulatino degenerescimento desta estrutura arcai-
ca e à afirmação de uma nova dinâmica institucional adequada ao pro-
gresso sócio-económico da ilha. Nas Canárias a manutenção do sen ho-
rio, durante quatro séculos. resultará certamente da relativa importância
económica das ilhas senhoriais e do paulatino reforço da autoridade ré-
gia nessas ilhas com a quebra, óbvia, da jurisdição do senhorio. Assim a
criação da Audiência (1526) e do cargo de capitão general de Canárias
(1589) associados às sucessivas polémicas sobre a sucessão do senhorio
contribuiram para o rápido descrédito desta estrutura de mando e refor-
ço do poder real. Desta forma o senhorio canário será confrontado com
a mesma posição do capitão madeirense, a partir do século XVI, ambos
perdem prerrogativas jurisdicionais e a sua importância resume-se mais
aos réditos económicos que à sua capacidade de intervenção na adminis-
tração da sua área. De senhores ou administradores plenipotenciários
passam a meros gestores dos seus proventos económicos assentes em
bens fundiários e rendas de tipo senhorial. coma a redízima ou o quinto.
Simão Gonçalves da Câmara, terceiro capitão da capitania do Fun-
chal. ao reclamar junto da coroa contra o envio do Corregedor Diogo
Taveira Bisforte expressa o sentimiento destes em face dessa mudança ,
segundo refere «pelos serviços que tinha feitos a EI-Rei não lhe merecia
meter-lhe corregedor na sua jurisdição sendo governador de justiça cm
toda a sua capitania .. 9, E vexado com a medida do monarca saíra para
Castela e só voltou com uma solução satisfatória lU, Todavia o processo
era irreversível e os capitães ou senhores insulares tiveram que se con-
formar com as mudanças .
Também nas éanárias tivemos manifestações anti-senhoriais que
contribuiram para uma chamada de atenção ao poder régio . Os excessos
de intervençâo de Maciot de Bettencourt valeram-lhe o epíteto de Tibé-
rio de Cal/árias e conduziram a várias reclamações dos vizinhos ou a fuga
para as ilhas realengas.

9. Saudadts da Ttm~. L.~


II. Funchal. 1873.246.
lO. Açu~rdO.J d~1 CabUdo dt Futrttvtnlufa 1605-1659. II-IS.

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Desta sublevações contra os senhorios destacam-se as de Fuerlcven-
lura em 1456. Lanzarote em 1475 e La Gomera em 1477-78 lI. Na suble-
vação de Lanzarote os vizinhos da ilha auto proclamam-se vassalos do
rei. considerando injusta, ilegítima e repressiva a sujeição do senhorio.
Este motim conduziu a um alerta da coroa que em 1476 ordena uma
investigação sobre a posse e legitimidade do senhorio que não abonou
favoravelmente os amotinados.
Num e noutro lado as arbitrariedades dos senhores, governadores e
capitães conduziram a essa situação. Os monarcas perante a insistente
reclamação dos vizinhos e dos seus funcionários aí sediados vêm-se for-
çados a cercear os poderes destes. Assim na Madeira a morte do infante
D. Henrique (I460) marca um passo importante nesse processo. Com o
infante D. Fernando, desde 1461. os capitães são sujeitos a uma nova
dinâmica institucional, mercê do reforço do poder. municipal e do alma-
xarifado. Por outro lado aos capitães é retirada e capacidade decisória
dos feitos que ficam a cargo dos juizes ordinários. Com o governo dos
donatários. que se seguiram. o poder municipal adquire uma nova
pujança na estrutura administrativa da ilha, perdendo os capitães o po-
~er decisório. A afirmação da vereação como tribuna de debate dos in-
teresses dos vizinhos é sem dúvida a forma mais adequada de fazer fren-
te aos discricionarismos de actuação do senhor ou capitão. Daí o recurso
por parte da coroa a esta estrutura como forma de fazer vingar o seu
projecto de centralização. Os funcionários e toda a estrutura municipal
liberta-se destes e autonomiza-se. Num e noutro lado o rei intervém
nesse processo colocando aí funcionários da sua confiança os seus repre-
sentantes, ao mesmo tempo que retira ao dito senhor o poder de nomear
alguns funcionários da vereação 12. Todavia a omnipresença do capitão
ou senhor na capitania ou ilha conduzirá a sua rápida afirmação no Sena-
do da Câmara. Este para além de manter uma posição de prestígio nessa
estrutura de mando. detém ainda poderes que fazem dele uma peça-cha-
ve do governo municipal. Assim em Fucrteventura, até 1714, o senhor
manterá uma posição de destaque no cabildo, nomeando os alcaIdes,
regidores e personero-general u. Por outro lado a sua presença é sempre

11. VIERA Y CLAVUO. oh. cit., 1,369,446,475-80; CHIL Y CLAVIJO, ob. dI. II,
518-642,
12. LEOPOLDO DE LA ROSA. «Organiutión dei cabildo.. , in AC/ltrdOl dtl cabi/do dI!
Tf!nui{f!, II. 1952, XIX-XXXIV; I. III, 1965 , XIX-XXIII; idem , LA t,'ol/lcioll dtl
rlglmf!1I locQI I!II las is/os CQIIQrios, Madrid, 1946.39-94.
13. ACIlf!rdOl dd cabl/do dt Flltrff!Vf!rrtllra /605·1659, 16-19: JUAN IGNACIO SER·
MEJO GIRONES, Los CQbildos /1I$IIIQfU df! Canorias, Santa Cruz de Tenerire.
1952,23·25.

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notada nas sessões do cabildo em que afirma sempre o seu parecer c
interesses em face das principais questões em debate . Essa situação ê
fortalecida com o carácter vitalício ou hereditário que assumem os diver-
sos cargos ou funçõcs O que dá ao município uma solidez monolítica nas
suas decisões e gera uma oligarquia municipal I". Idêntica é a situação do
Funchal, onde as principais famílias fazem parte do rol dos homens-bons
e como tal dominam as diversas funçóes municipais. Aí encontramos os
Vasconcelos. os arnelas. os Beltencourls, os Câmaras e. alguns estran-
geiros avizinhados. como os Acialoi, os Salvagos, os Valdavessos, e os
Salamancas.
O exercício do poder, nomeadamente o municipal. era uma das prin-
cipais formas diferenciadoras dessa aristocracia madeirense: note-se que
só em 1484 foi permitida uma representação dos mesteres. Assim um
reduzido número de personalidades tinha assento na vereação . Em 1471.
do grupo de vinte e oito homens-bons arrolados para o governo munici-
pal. contam-se cinco relacionados com o capitão e sete com o senhorio ;
o que marca bem a importância destes na dinâmica social e politica ma-
deirense.
a rol dos homens-bons era estabelecido pelo monarca mediante indi-
cação das gentes da ilha; dele só constavam personalidades de renome
na vida local. Todavia em finais do século xv o seu alargamento a outros
sectores sociais conduziu a uma reacção dessas principais e influentes
famnias que reivindicam em 1508 15 a sua composição apenas por fidal-
gos. Dar terão resultado as listas nominativas de 1508. 1510 e 1511 e a
exclusão de alguns das mesmas 16.
Essa oligarquia do poder municipal causava inúmeros prejuízos à ad-
ministração da ilha e forte reacção de alguns funcionários régios. Nesse
sentido se manifestava em 1543 o meirinho de Machico quando referia
que os grandes da vila não o queriam lá 17. a mesmo justificará, dois
anos após. as razões da inépcia da acção camarária, pois COmo refere «os
homens de Câmaras. que andam nos pelouros de juízes e vereadores são
pais e filhos e parentes e fazem O que dá ou o que esperam. que lhes
façam e com suspensões e favores e modos que entre eles têm. se pre-
verte a justiça, que nâo podem alcançar os baixos» 18. Idêntica é a posi-

14. Â,uudos dtl , abildo dt FutrftvtllluTa /605-/6J9, 54; LEOPOLDO DE LA ROSA ,


..Organización dei cabildo_. in A,ut,dos dtl CDbildo eh Tttluift, III, 1965, XXI.
IS . Arquivo Regional da Madeira, C4maTa Municipal do Fum;ha/, registo geral, t. I.
roo. 334 v.--33S v.O
16. Idem, ibidem. t . I. rols. 331 v.o-333 (1508). 3JO-3JO v.O(1509). 334·334 v.O (1511).
17. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Corpo CTOno/68icO, 11·7)-107. 2S de Junho.
18. Ibidtm, 11-76-58.21 de Maio de 1545.

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ção de Diogo Cabra l em 20 de Outubro qua ndo refere ao rei que t<os
vereadores da cidade e vilas são fe itos à vOnlade do capitão e metem
seus criados por vereadores tendo V. A. nesta terra muitos criados e fi·
dalgos e cavaleiros que o podem ser como se costuma em todo o reino:.. III.
Desta forma o município que surgirá como forma de oposição ao
discricionarismo senhorial e porla·voz dos interesses do povo não canse·
gue resistir ao assalto da oligarquia insular se ndo absorvido por esta. De
pouco terá resuldado a intervenção da coroa na definição institucional
das alçadas pois a prática corrente de adm inistração insular comprova
que o vigor dos senhores ou donatários é imbatível. Mas os séculos XVI e
XVII marcados por profundas alte raçôes na dinâmica sócio-económica
insular e Atlântica conduzirão ao degenerescimento desse empenho da
aristocracia insular e ao cada vez mais apagar da estrutura senhorial ou
de capitania na vivência das gentes. Por outro lado a excessiva tendência
centralizadora da cora. mediante as contingências da conjuntura penin·
sular e atlânt ica, acabou por retirar·lhes a sua capacidade reivindicativa.
Na Madeira o reforço da estrutura fiscal e judicial aliada ao aparecimen-
to do governador geral, como o governo filipino, faz iam antever a certi-
dão de óbito passada a partir de 1766 pelo governo pombalino. Ent re-
tanto nas Canárias a insistente reclamação das populações e descrédito
conduziram à sua extinção em 1811 , com o advento das ideias liberais.
5. O senhorio português das ilhas da Madeira (1433) e Açores
(1439) e mais espaço atlânl ico (l443) legitimado pelas bulas papais
(1452, 1454) assentava não só no domfnio económico·social e institucio·
nal, mas também no espiritual. Assim os Administradores da Ordem de
Cristo, através do Vicariato de Tomar,usufruiam da administração espi·
ritual e religiosa do novo espaço ocupado no Atlântico Insular. O pró-
prio senhorio -o infante D. Henrique- empenhou-se nessa acção orde-
nando a construção das cappelas de Sa nta Maria , do Porto Santo e De·
sertas. Esta situação manter·se-á até 1514 altura em que foi criada a
diocese do Funchal com jurisdição sobre todas as terras descobertas lO.
Nas Canárias a coroa nunca delegou esse direito de patronato , atribuído
em 1486 pelo papa Inocêncio VIII , manlendo·o como seu exclusivo pri·
vilégio 2\. Em síntese o senhorio canário e madeirense têm um carácler

19. /bid~m, 11·91-31. 20 de Outubro de 1552.


20. CHARLES MARllAL DE WI1TE. Ln bul/Q pontifit;Q/u ~11'~xpansiofl poflu&uQi·
S~ QU XV"'"" sitc1~. Louvain. 1958 . .,le5 bulles d'ercction d,: la prOVince edesiâstique
du Funchal,.. in Arqujl'O Histórico dQ MQdrirQ, XIII . 1962+63; ANTON IO BRASIO •
..O Padroado da Ordem de Cristo na Madeira_. in ArquillO Hislórico dQ MQd~i'Q,
XII. 196(}.61.
21. JOSEPH DE VIERA Y CLAVIJO. His/oria dI! Olflarias, 11 . 1952.476 e segs.

43
misto e precário. Note-se que em ambos os arquipélagos este necessita·
va de confirmação régia em qualquer alleração. Todavia nas ilhas portu-
guesas a sua posse é mais estável uma vez que apenas se conhece uma
transacção por venda da capitania da ilha de S. Miguel a Rui Gonçalves
da Câmara em 1474. Ouanto ao senhorio a sua posse regulamentava·se
pelas normas sucessórias em vigõr, devendo apenas se r rectificado com a
mudança de monarca . Nas Canárias deparamo-nos com uma assídua
transacção por venda do sen horio das ilhas, o que implicava uma neces·
sária confirmação régia .
Num e noutro arquipélago o senhor lança um conjunto de tributos
senhoriais, que oneram as principais riquezas da terra . sendo , por vezes,
considerados pelos vizinhos como vexatórios. Esta tributação associada
ao usufruto de cerlos privilégios eram as principais fomes de receita da
casa senhorial.
As peculiaridades do senhorio canário e madeirense não derivam
apenas da dimensão que o feudali smo adquiriu em ambas as coroas pe-
ninsulares, mas acima de tudo da conjuntura diversa que serviu de base
ti conquista ou ocupação destas ilhas. A articulação do modelo inslitu-
cional sera condicionada pela situação diversa destas ilhas. E neste caso
o facto de as Canárias serem já ocupadas e de na sua maioria se destacar
empenhamento e acção dos particulares conduziram a uma peculiar for-
mulação das estructuras de mando. O maior ou menor empenhamento
da coroa deu origem a uma divisão das ilhas em realengas e sen horiais.
todavia nos dois arquipélago conjuga-se a intervenção da roroa. no sécu-
lo XVI, no reforço da sua posição cm face das tentativas autonomistas
dos senhores ou capitães. É uma tentativa de adequar cstas instituições ti
novaa realidade de centralização e afirmação do poder real.

BI8 1.,IOG R,u1A E FQNTf.s

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45
SENHORIAIS

SENHORIO .

MILITAR CAB ILDO JUSTiÇA

ALCALDE MA VQR

ALGUACIL MA YOR

1 SEN HORIO I I COROA I


I
j I I I
CABILDO
REGIDORES I-
1--1 AUDIENCIA
1526
I CAPITÃ O
GEf'lERAL
JUZGADO
DE
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I I '''''
[ AleAlDES [
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REALENGAS

j I I I
CAPITÃO H CAB1LDO AUOIENCIA I JUZGADO
GENERAL 1526 DE
' 589 IND IAS
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! '564
ALCALDES I
46
143J.I460 1460-1495

MONARCA
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DONAT6- R1 0 MONARÇ'A" - DO:'llAT~RIO#

-,
SENlíORIO _",Có'RÓA
- SEl"[HORIO

I I
I ALMOXARIFADO I I[C~A~P~IT~A~-oD----~C~O~N~C~EL~H~ol I ALMOXARIFADO I I JU IZES
I
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1495

FAZENDA
I I
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I ALFANDEGA I I ALMOXARIFADO I
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l REGEDORES
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FUNCIONARIOS

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