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Arquivologia e Pós-modernismo: novas formulações

para velhos conceitos


Terry Cook
terry.cook@sympatico.ca
University of Manitoba, Canada.

Resumo: Processo em vez de produto, se tornando em vez de ser, mais dinâmico do que
estático, contexto em vez de texto, refletindo tempo e lugar em vez de absolutos
universais - estas têm se tornado as palavras de ordem pós-modernas para analisar e
entender ciência, sociedade, organização e negócios, entre outras. Estas deveriam
também se tornar as palavras de ordem para a Arquivologia no novo século, bem como
o fundamento para um novo paradigma conceitual relativo à profissão. O Pós-
modernismo não é a única razão para reformular os principais preceitos da
Arquivologia. Mudanças significativas no objetivo dos Arquivos como instituições e a
natureza dos documentos arquivísticos são outros fatores que, combinados com
percepções Pós-modernas, formam a base da nova percepção dos Arquivos como
documentos arquivísticos, instituições e profissão na sociedade. Este ensaio explora a
natureza do Pós-modernismo e da Arquivologia e sugere ligações entre ambos. Delineia
duas mudanças amplas no pensamento arquivístico que sustentam o deslocamento do
paradigma arquivístico, antes de sugerir novas formulações para os conceitos mais
tradicionais da Arquivologia.
Palavras-chave: Arquivologia, governança, pós-modernismo, memória social.

Archival Science and Postmodernism: new formulations for old concepts

Abstract: Process rather than product, becoming rather than being, dynamic rather than
static, context rather than text, reflecting time and place rather than universal absolutes
– these have become the postmodern watchwords for analyzing and understanding
science, society, organizations, and business activity, among others. They should
likewise become the watchwords for archival science in the new century, and thus the
foundation for a new conceptual paradigm for the profession. Postmodernism is not the
only reason for reformulating the main precepts of archival science. Significant changes
in the purpose of archives as institutions and the nature of records are other factors
which, combined with postmodern insights, form the basis of the new perception of
archives as documents, institutions, and professions in society. This essay explores the
nature of postmodernism and archival science, and suggest links between the two. It
outlines two broad changes in archival thinking that underpin the archival paradigm
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shift, before suggesting new formulations for most traditional archival concepts.
Keywords: archival science, governance, postmodernism, social memory.
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quivologia” como termo e corpo teórico,

O
papel da Arquivologia num
mundo Pós-moderno desafia coloca problemas conceituais, bem
arquivistas em toda parte a separados do impacto do pós-
repensar a sua disciplina e prática1. Uma modernismo, que precisam ser es-
profissão enraizada no Positivismo do clarecidos nas novas realidades em que
século XIX, muito mais do que em vivemos e trabalhamos. Essas alterações
estudos anteriores ligados à Diplomática, significam uma mudança paradigmática,
resultou em estratégias e metodologias como os editores me convidaram a tratar,
que já não são viáveis num mundo pós- ou a profissão está apenas adaptando os
moderno e computadorizado2. Até “Ar- seus princípios, como foi feito na-
teriormente, às novas mídias e técnicas
1 Sinto-me honrado por ter sido convidado
de criação de documentos? Neste ensaio,
pelos editores desta revista [Archival Science,
onde o texto foi publicado originalmente. eu confirmo minha resposta dada em
Nota do Revisor] a apresentar nesta edição outro lugar de que uma mudança no
inaugural a minha visão sobre o estado da
âmbito paradigmático da Arquivovologia
Arquivologia, o curto espaço de tempo torna
este artigo uma reflexão pessoal em vez de está de fato ocorrendo, e vai crescer em
uma pesquisa inédita sustentada. Eu utilizei intensidade no novo século para desafiar
esta pesquisa como tinha feito anteriormente
a maneira como os arquivistas pensam e
e publiquei em outro lugar, como indico em
notas subsequentes, fontes das quais em geral fazem seu trabalho3.
podem ser encontradas citações muito mais
completas. O presente trabalho é um ensaio Preben Mortensen, “The Place of Theory in
sobre a Arquivologia e o Pós-modernismo; Archival Practice”, Archivaria 47 (Primavera
não há nenhuma pretensão de ter pesquisado de 1999): 1-26.
exaustivamente tudo o que tem sido escrito
sobre o assunto, mesmo em língua inglesa. 3 Ver Terry Cook, “What is Past is Prologue:
Eu gostaria de agradecer a Tim Cook, dos A History of Archival Ideas Since 1898, and
Arquivos Nacionais do Canadá, pelos seus the Future Paradigm Shift” Archivaria 43
comentários úteis neste ensaio, assim como (primavera de 1997): 17-63 (uma versão
aos comentários de dois revisores anônimos menor e menos completa foi também
da Archival Science; todos os erros e publicada como “Interaction of Archival
interpretações continuam sendo meus. Theory and Practice Since the Publication of
the Dutch Manual”, Archivum (1997) 191-
2 Para Positivismo e Arquivos, ver Verne 214); o ensaio foi reimpresso em P. J.
Harris, “Claiming Less, Delivering More: A Horsman, F. C. J. Ketelaar e T. H. P. M.
Critique of Positivist Formulations on Thomassen (editores), Naar een nieuw
Archives in South Africa””, Archivaria 44 paradigma in de archivistiek. Jaarboek 1999
(outono de 1997):132-141; assim como, pelo Stichting Archiefpublicaties ('s – Gravenhage
menos implicitamente, todas as fontes 1999), 29-67. Ambos originados de um
escritas por arquivistas sobre a revolução discurso na plenária do Décimo Terceiro
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pós-moderna e o seu impacto na profissão, Congresso Internacional de Arquivos,


muitos dos quais são apresentados na nota 13. sediado em Beijing, China, em 1996. Eu já
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É necessário prestar atenção à crítica tinha usado o termo


abrangente sobre as formulações positivistas “paradigma”anteriormente , em um artigo
da Teoria Arquivística e da Arquivologia por precursor há quase duas décadas, para sugerir

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No coração do novo paradigma arquivos para o arquivamento, do


está a mudança que faz com que os documento para o seu contexto; do
documentos arquivísticos deixem de ser resíduo “natural” ou subproduto passivo
vistos como objetos físicos estáticos e da atividade administrativa para a
passem a ser entendidos como conceitos conscientemente construída e ativamente
virtuais dinâmicos; uma mudança na mediada “arquivização” da memória
visão dos documentos arquivísticos social4.
como produto passivo da atividade Em um mundo em mudança, os
humana ou administrativa para serem princípios fundamentais arquivísticos
considerados como agentes ativos na somente serão preservados descartando
formação da memória humana e muitas das suas atuais interpretações,
organizacional; ou seja, uma mudança implementações estratégicas e aplicações
igualmente distante de ver o contexto de práticas. Pode a princípio parecer
criação dos documentos descansando contraditório afirmar uma mudança
dentro organizações hierárquicas es- paradigmática, ao mesmo tempo em que
táveis, para situá-los dentro de redes de também se sugere que os arquivistas
fluxo horizontal na funcionalidade do deveriam permanecer focados nas suas
fluxo de trabalho. Para os arquivistas, a pesquisas eruditas e formulações teóricas
mudança de paradigma requer deixar de dos princípios fundamentais tradicionais
identificar a si mesmos como guardiões - aqueles centrados na “origem, Respect
passivos de um legado herdado, para des Fonds, contexto, evolução,
celebrar o seu papel na formação ativa interrelações, [e] ordem” dos
da memória coletiva (ou social). Dito de
outra maneira, o discurso arquivístico
teórico é a mudança do produto para o
4 Para arquivização e sua exposição por
processo, da estrutura para a função, dos
Jacques Derrida em Mal de Arquivo, ver Eric
Ketelaar, “Archivalisation and Archiving”,
que pesquisa renovada e estudos contínuos Archives and manuscripts 27 (maio de 1999):
para arquivistas sobre história e o contexto 54-61; e (sem o termo) Tom Nesmith, “Still
dos Arquivos, em oposição ao foco Fuzzy, But More Accurate: Some Thoughts
profissional centrado na época em questões on the 'Ghosts” of Archival Theory”,
metodológicas e tecnológicas, permitiriam Archivaria 47 (primavera de 1999): 136-150;
que arquivistas e, mais importante, usuários assim como muitas das fontes descritas na
de arquivo descobrissem conhecimento e o nota 13 sobre o Arquivo Pós-moderno. A
entendimento humanista no mar de mais completa análise publicada sobre
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informação dos acervos arquivísticos; ver Derrida por um arquivista está em Brien
Terry Cook, “From Information to Brothman, “Declining Derrida: Integrity,
Knowledge: An Intelectual Paradigm for Tensegrity, and the Preservation of Archives
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Archives” Archivaria 19 (Inverno de 1984- from deconstruction”, Archivaria 48 (outono


1985): 28-49. de 1999): 64-88.

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documentos5. A referência aos princípios Este ensaio vai explorar a


fundamentais arquivísticos não soa como natureza do Pós-modernismo e da
uma radical mudança de paradigma! Arquivologia e sugerir ligações entre
Porém, os resultados de pesquisas ambos. Irá descrever brevemente duas
realizadas por arquivistas preocupados amplas mudanças no pensamento
com estes fundamentos tradicionais, são arquivístico que sustentam o
agora tão diferentes das suposições que deslocamento paradigmático, antes de
dominaram a profissão durante a maior sugerir novas formulações para os
parte dos dois séculos passados, que eu tradicionais conceitos em Arquivologia.
acredito que uma mudança de paradigma Todas as três dimensões deste ensaio são
está realmente ocorrendo. perspectivas diferentes da mesma
Thomas Kuhn articulou a ideia de mudança paradigmática na Arqui-
uma mudança de paradigma em A vologia.
Estrutura das Revoluções Científicas, de
1962. Ele argumentou que uma mudança Pós-modernismo e ciência arquivística
radical ocorre no quadro interpretativo A mentalidade pós-modernista
para qualquer teoria científica, que afeta os arquivos de duas maneiras. Nós
chamou de mudança paradigmática, vivemos numa era pós-modernista de
quando as respostas para as questões das discussão teórica, gostemos ou não.
pesquisas não mais explicavam Começando numa análise arquitetônica e
suficientemente os fenômenos sendo evoluindo da crítica filosófica e literária
observados (no caso da Arquivologia, a francesa pós-Sartre, o pós-modernismo
informação registrada e seus criadores) tem crescido e influenciado quase todas
ou quando as metodologias práticas as disciplinas, desde a história até a
baseadas na teoria de tal observação não literatura, a psicanálise, a antropologia;
funcionam mais (como certamente não da análise cartográfica ao filme, à
funcionam para muitas atividades fotografia, estudos da arte, e sem falar na
arquivísticas, e não apenas à lida com influência do Feminismo e da Teoria
documentos eletrônicos). O foco nas Marxista, que por sua vez tem mudado
perguntas e pesquisas, portanto, muitas disciplinas. O educador-
permanece “tradicional numa mudança arquivista Terry Eastwood observou que
de paradigma”, mas não as respostas. E “é necessário entender o meio político,
assim acontece com os arquivos. econômico, social e cultural de qualquer
126

sociedade para entender seus arquivos”,


acrescentando que “as ideias existentes
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5 Cook, “From Information to Knowledge: sobre arquivo, num dado momento, não
An Intellectual Paradigm for Archives”, 49.
são, senão, uma reflexão das mais

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amplas correntes da história esteira de Derrida7. O pós-modernismo


6
intelectual” . Seguindo esta lógica, a está, assim, preocupado com a criação e
tendência intelectual dominante desta era natureza dos documentos e suas
é o pós-modernismo, e isso neces- designações, sobrevivência e pre-
sariamente afeta os arquivos. Os servação como arquivos. Muitos críticos
arquivistas devem começar a especular pós-modernistas também abordaram
como e por que, e mudar adequadamente explicitamente os Arquivos como
suas formulações da Arquivologia. instituições e seu rol na formação da
O segundo, e mais direto, memória oficial ou sancionada do
impacto do pós-modernismo se baseia na Estado. É importante distinguir aqui o
especulação sobre a natureza de textos impacto do pós-modernismo e da
históricos e de outros textos. O maior informática nos documentos e,
pensador pós-moderno vivo, Jacques finalmente, na Arquivologia. Derrida
Derrida, publicou O Mal de Arquivo em certamente diria que as perguntas mais
1995/96 para tratar explicitamente do radicais que estão sendo feitas hoje sobre
arquivo e seu significado na sociedade, e os Arquivos, estimuladas pelos
uma onda de estudos seguiram-se na documentos eletrônicos e meio-
ambientes virtuais, são igualmente
aplicáveis a toda tradição ocidental de
escrita e produção documental: a
6 Terence M. Eastwood, “Reflections on the
Development of Archives in Canada and instabilidade do texto e das relações
Australia”, in Sue McKemmish e Frank autor-texto, ou a sombra fantasmagórica
Upward, ed., Archival Documents: Providing do rasto de atividades passadas, são
Accountability Through Recordkeeping
(Melbourne, 1993), 27. Ver também Barbara talvez mais aparentes com mídia
Craig, “Outward Visions, Inward Glance: eletrônica, mas têm sido de fato uma
Archives History and Professional Identity”,
realidade persistente desde que a
Archival Issues: Journal of the Middle West
Archives Conference 17 (1992): 121. A mais linguagem e a escrita começaram a ser
completa argumentação sobre pesquisa, usadas.
escrita, e leitura e conhecimento para os
arquivistas está em Richard J. Cox, “On the
Value of Archival History in the United 7 Jacques Derrida, Mal de Arquivo: Uma
States” (originalmente 1988), in Richard J. Impressão Freudiana (Chicago e Londres,
Cox, American Archival Analysis: The 1996, publicado originalmente na França em
Recent Development of the Archival 1995, sobre palestras em 1994). Duas edições
Profession in the United States (Metuchen, da revista History of the Human Sciences, 11
127

N. J., 1990), 182-200. Ver também os (Novembro de 1998) e 12 (Fevereiro de


argumentos (e exemplos) em toda parte de 1999), foram dedicadas a ensaios feitos por
Cook, “What is Past is Prologue: A History quase vinte acadêmicos em “The Archive”.
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of Archival Ideas Since 1898, and the Future Nenhum era arquivista e muito poucos
Paradigm Shift”. artigos de arquivistas foram citados.

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O problema com o pós-mo- revelam a ilógica de textos alegadamente


dernismo é, claro, a definição. Ele afeta racionais. O contexto por trás do texto,
tantos aspectos da sociedade hoje, que as relações de poder que modelam o
pode significar qualquer coisa de- patrimônio documental, e até a estrutura
pendendo da perspectiva e disciplina da do documento, o sistema de informação
qual fale um especialista. O campo do residente e as convenções narrativas, são
pós-modernismo está cheio de paradoxos mais importantes que a coisa objetiva em
e ironias, desde Michel Foucault si ou o seu conteúdo. Fatos em textos
ancorando textos em realidades de poder não podem ser separados da sua atual ou
sócio-políticos e históricas, para passada interpretação, nem o autor do
entender sistemas de conhecimento assunto ou o público, tampouco o autor
organizado e suas hegemonias dis- da sua obra, ou obra do contexto. Nada é
cursivas, até Jacques Derrida neutro. Nada é imparcial. Nada é
desconstruindo ou desmontando aqueles objetivo. Tudo é moldado, apresentado,
mesmos sistemas, incluindo a própria representado, reapresentado, simbo-
linguagem sobre a qual se apoiam. A lizado, significado, assinado, construído
Teoria da Informação abrigada sob o pelo orador, fotógrafo, escritor, com um
pós-modernismo, fica ainda mais propósito definido. Nenhum texto é um
complicada, pois abrange filosofia, mero e inocente subproduto da ação,
linguística, semiótica, estruturalismo, como Jenkinson afirmava; ao invés,
hermenêutica e iconologia, além do trata-se de um produto conscientemente
marxismo e o feminismo. Mesmo construído, embora essa consciência
correndo o risco de fazer uma grosseira possa estar tão transformada em padrões
simplificação, eis aqui algumas semiconscientes ou até inconscientes de
formulações gerais pós-modernistas, comportamento social, processo de
enfatizando, claro, para esta revista, suas organização e apresentação de in-
implicações para os arquivos, e seu formação, que a conexão com a
impacto na Arquivologia. realidade externa e as relações de poder
O pós-moderno desconfia e se ficam muito escondidas. Os textos
rebela contra o moderno. A noção de (incluindo imagens) são todos uma
verdade universal ou conhecimento forma de narração muito mais
objetivo baseada nos princípios do preocupada com a construção de
racionalismo científico do Iluminismo, consistência e harmonia para o autor,
128

ou no emprego do método científico ou melhorando posição e ego, em


da análise textual clássica, é descartada conformidade com as normas de
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como quimera. Através de uma análise organização e os padrões de discurso


lógica impiedosa, os pós-modernistas retórico, do que com evidências de atos e

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fatos, ou enquadramentos jurídicos ou Algumas dessas generalizações


legais. E não existe apenas uma narrativa sobre pós-modernismo são apoiadas por
numa série ou coleção de documentos, uma crescente literatura sobre a história
mas muitas narrativas e histórias, dos Arquivos - infelizmente não escrita,
servindo a muitos propósitos para muitos em geral, por arquivistas. Jacques Le Goff e
públicos, através do tempo e do espaço. LeGoff observa que “o documento não é documento
O tom pós-modernista é de uma objetivo, nem matéria prima inocente,
dúvida irônica, de desconfiança, de mas expressa o poder passado [ou
sempre olhar sob a superfície, de presente] da sociedade sobre a memória
perturbar a sabedoria convencional. Os e sobre o futuro: o documento é o que
pós-modernistas tentam desnaturalizar o fica”. O que é a verdade de cada
que a sociedade assume como natural, o documento é a verdade dos arquivos
que tem sido aceito durante gerações, ou coletivamente. Não é por acaso que os
mesmo séculos, como normal, natural, primeiros arquivos foram aqueles
racional, comprovado – simplesmente o vinculados ao poder na antiga
jeito que as coisas são. O pós- Mesopotâmia, no Egito, na China e na
modernismo toma tais fenômenos América pré-colombiana – seja nos
“naturais”- como quer o patriarcado, o centros de poder da religião, dos templos
capitalismo, os cânones ocidentais da e sacerdotes; dos negócios, comércio e
boa literatura, ou os Arquivos- e declara contabilidade, ou dos reis, imperadores e
que eles são “antinaturais”, ou faraós. A cidade capital nesta e, em
“culturais”, ou “construídos”, ou “feitos posteriores civilizações, se torna, nas
pelo homem” (usando “homem” palavras de LeGoff, “o centro de
deliberadamente), e precisam de políticas de memória” onde o rei
pesquisa e análise profundas8. implanta, em todo o território que ele
reina, um programa de lembranças onde
ele é o centro”. Primeiro a criação e
8 Parece não haver motivo para citar aqui
depois o controle da memória levam ao
uma prateleira completa de livros pós-
modernistas. No entanto, além da controle da história, da mitologia e, em
metodologia histórica e análise próprias de última análise, do poder9. Estudiosas
Foucault, e o volume seminal de Derrida, a
minha compreensão do pós-modernismo deve
muita a uma precoce exposição ao trabalho
exploraram em vez de ignorar o pós-
da acadêmica canadense Linda Hutcheon,
modernismo, com descritos na nota 13.
The Politics of Postmodernism (Londres e
129

Nova Iorque, 1989), e Poética do Pós- 9 Jacques Le Goff, História e Memória,


modernismo: História, Teoria e Ficção traduzido [para o inglês] por Steven Rendall e
Página

(Nova Iorque e Londres, 1988), e é claro aos Elizabeth Claman (Nova Iorque, 1992) p.
artigos daqueles poucos arquivistas Xvi-xvii, 59-60, e passim.
(felizmente crescendo em número) que

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feministas, como Gerda Lerner em seus extraídos, reconstruídos, até destruídos –


trabalhos pioneiros, demonstraram , não para manter a melhor evidência ju-
convincentemente que o poder por trás rídica de transações legais ou
dos primeiros documentos, arquivos e comerciais, mas para servir a propósitos
memórias foi impiedosa e inten- históricos e sacro/simbólicos, porém
cionalmente patriarcal: as mulheres somente para aquelas figuras e eventos
foram deslegitimadas pelo processo de julgados merecedores de celebração, ou
arquivamento no mundo antigo, um de lembrança, dentro do contexto do seu
processo que continuou até este século10. tempo11. Mas quem é merecedor? E
Agora estão surgindo muitos exemplos quem determina o merecimento? De
de arquivos coletados – e mais tarde acordo com quais valores? E o que
acontece quando os valores e o seu
Curiosamente, um dos mais importantes
determinador mudam ao longo do
questionadores da arquivística ortodoxa e
principal defensor dos arquivos virtuais e de tempo? E quem é considerado não
perspectivas interinstitucionais deu, como merecedor e esquecido, e porquê?
título a sua primeira exposição importante,
algo que lembra muito os temas de Le Goff:
Exemplos históricos, em resumo, nada é neutro
ver Helen Willa Samuels, “Whio Controls the sugerem que não há nada neutro,
Past”, American Archivist 49 (Primavera de objetivo ou “natural” neste processo de
1986): 109-124.
lembrança e esquecimento.
10 As acadêmicas feministas têm plena Em última instância os pós-
consciência dos caminhos que o sistema de
linguagem, a escrita, o registro de modernistas têm uma profunda
informações, e a preservação dessas ambivalência sobre o documento.
informações são baseados na sociedade e no Enquanto duvidam da verdade histórica,
poder, tanto agora quanto em milênios
passados. Por exemplo, ver Gerda Lerner, enquanto percebem os arquivos como
The Creation of Patriarchy (Nova Iorque e meros rastos de universos de registros e
Oxford, 1986) p. 6-7, 57, 151, 200 e passim;
atividades, hoje perdidos ou destruídos;
e Riane Eisler, O Cálice e a Espada (São
Francisco, 1987) p. 71-73, 91-93. O mais
recente estudo de Lerner, The Creation of 11 Ver, por exemplo, Patrick J. Geary,
Feminist Consciousness: From the Middle Fantasmas da Lembrança: Memória e
Ages to Eighteen-seventy (Nova Iorque e Esquecimento no Fim do Primeiro Milênio
Oxford, 1993), detalha cuidadosamente a (Princeton, 1994), p. 86-87, 177, e
exclusão sistemática das mulheres da história particularmente o capítulo 8; “Memória
e dos arquivos, e as tentativas das mulheres, Arquivista e a Destruição do Passado” e
começando no final do século dezenove, de passim. Para outros exemplos e numerosas
corrigir isto criando arquivos de mulheres: citações, ver Cook, “What is Past is
ver especialmente o capítulo 11, “The Search Prologue”, 18, 50. Nós temos o doloroso caso
130

for Women’s History”. Ver também Bonnie em nosso próprio tempo, da deliberada
G. Smith, Gênero e História: Homens, destruição de documentos em Kosovo e
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Mulheres e a Prática Histórica (Cambridge Bósnia para apagar memórias e marginalizar


MA e Londres, 1988). pessoas.

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enquanto veem os documentos como começando a explorar as implicações


truques de espelhos que distorcem fatos dessas ideias pós-modernas na sua
e realidades passadas em favor do profissão13. O pós-modernismo não é
objetivo narrativo do autor/público,
recorrem muitas vezes à historia e à 13 A primeira menção sobre o pós-
modernismo (pelo menos em inglês) feita por
análises históricas. Michel Foucault
um arquivista no título de um artigo foi de
realizou estudos históricos importantes Terry Cook, em “Electronic Records, Paper
sobre doença mental, criminologia e Minds: The Revolution in Information
Management and Archives in the Post-
sexualidade humana, por exemplo. Um Custodial and Post-Modernist Era”, Archives
pós-modernista argumenta, exibindo esta and Manuscripts 22 (Novembro de 1994):
mesma ambivalência paradoxal, 300-329, do qual dependem muitos dos
poucos parágrafos anteriores. Os temas
continuaram no seu “What is Past is
que todos os documentos ou artefatos usados
Prologue”, já citado. Dois arquivistas
pelos historiadores são evidências não neutras
para a reconstrução de fenômenos, que supõe- pioneiros do pós-modernismo, antes de Cook,
se, têm alguma existência independente fora também eram canadenses, Brien Brothman e
deles. Todos os documentos possuem Richard Brown. Dentre outros trabalhos, ver
informações e a própria maneira de tê-las é, Brien Brothman, “Orders of Value: Probing
por ela mesma, um fato histórico que limita a the Theoretical Terms of Archival Practice”,
concepção documentária do conhecimento
Arquivaria 32 (Verão de 1991): 78-100; “The
histórico. Este é o tipo de percepção que
conduziu a uma semiótica da história, pois os Limits of Limits: Derridean Deconstruction
documentos tornam-se sinais de eventos que and the Archival Institution”, Archivaria 36
os historiadores transmutam em fatos. Os (Outono de 1993):205-220; e sua análise de
documentos são também sinais dentro de Mal de Arquivo de Jacques Derrida, in
contextos já semioticamente construídos, que Archivaria 43 (Primavera de 1997): 189-192,
dependem de instituições (se forem registros cujas ideias são muito mais desenvolvidas no
oficiais) ou indivíduos (se forem narrativas de
seu ”Declining Derrida: Integrity, Tensegrity
testemunhas oculares).a lição aqui é que o
passado já existiu, mas o nosso conhecimento and the Preservation of Archives from
dele é transmitido semioticamente. 12 deconstruction”, Archivaria 48 (já citada); e
Richard Brown, “The Value of 'Narrativity' in
O documento é um sinal, um the Appraisal of Historical Documents:
Foundation for a Theory of Archival
significante, uma construção mediada e Hermeneutics”, Archivaria 32 (Verão de
em constante mudança, não um 1991): 152-156; “Records Acquisition
Strategy and Its Theoretical Foundation: The
receptáculo vazio no qual atos e fatos
Case for a Concept of Archival
são derramados. O modelo positivista Hermeneutics”, Archivaria 33 (Inverno de
baseado na integridade de uma 1991-1992):34-56; e “Death of a Renaissance
Record-Keeper: The Murder of Tomasso da
ressurreição científica de fatos do Tortona in Ferrara, 1385”, Archivaria 44
passado e do documento como um (outono de 1997): 1-43. Além dos artigos
imparcial e inocente subproduto da ação incisivos de Preben Mortensen, “The Place of
131

Theory in Archival Practice”, e Tom


está completamente desacreditado. E Nesmith, “Still Fuzzy, But More Accurate:
alguns arquivistas estão agora Some Thoughts on the “Ghosts’ of Archival
Página

Theory”, ambos citados acima da Archivaria


12 47 (primavera de 1999) outros arquivistas
Hutcheon, Poetics of Posmodernism, 122.

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necessariamente antitético à pós-moderno. Ambas as questões


Arquivologia, e um novo tipo de interessam aos arquivistas. Eric Ketelaar
Arquivologia – ou paradigma – será refere-se à “Torre de Babel dos
necessário para provocar um feliz arquivistas” através dos países, idiomas
casamento entre ambos. Voltemos e tradições arquivísticas nacionalizadas
primeiro à Arquivologia. e de “culturas” arquivísticas enraizadas,
O que é “Arquivologia”? Em que causam divisões. Nota, ainda, que
certo nível, o termo e seu significado são “qualquer discurso pressupõe en-
invisíveis ou ilusórios. Em outro, são tendimento e compreensão”. Parte desse
formulados, algumas vezes, de forma entendimento requer trazer essas
bastante incompatível com o pensamento diferenças à luz, em vez de negá-las ou
buscar impor uma universalidade que
canadenses que mostram influências pós- não existe, exceto, talvez, na mente de
modernistas pelo menos em suas publicações alguns teóricos tradicionalistas14. Em
em inglês incluem Bernadine Dodge, “Places
nenhuma área isso é mais necessário do
Apart: Archives in Dissolving Space and
Time” Archivaria 44 (Outono de 1997): 118- que na “Arquivologia”. É também outra
131; Theresa Rowatt, “The Records and the boa razão para a existência deste
Repository as a Cultural Form of
periódico!
Expression”, Archivaria 36 (outono de 1993):
40 -74; e Lilly Koltun, “The Promise and Para arquivistas australianos e
Threat of Digital Options in an Archival norte-americanos, o termo “Arqui-
Age” Archivaria 47 (primavera de 1999): 114
– 135. Os arquivistas pós-modernos não vologia” é tão estranho que não tem
canadenses incluem Eric Ketelaar, lugar no seu extenso glossário de
“Archivalisation and Archiving”, e Verne publicações. Recentemente, sob o efeito
Harris “Claiming Less, Delivering More: A
Critique of Positivists Formulations on de ideias importadas da Europa, tem sido
Archives in South Africa”, ambos já citados mencionado, eventualmente, nos seus
assim como o trabalho complementar de
discursos profissionais 15. Para muitos
Verne Harris: “Redefining Archives in South
Africa: Public Archives and Society in
Transition, 1990 -1996, Archivaria 42 14 Eric Ketelaar, “The Difference Best
(outono de 1996): 6 – 27 e implicitamente Postponed? Cultures and Comparative
pelo menos alguns dos artigos dos Archival Science”, Archivaria 44 (outono de
americanos Margaret Hedstrom, Richard Cox 1997): 142-148, reimpresso in Horsman,
e James O’Toole e dos australianos Frank Ketelaar e Thomassen (editores), Naar een
Upward, Sue McKenmish e Bárbara Reed. nieuw paradigma in de archivistiek. Jaarboek
Os simpósios e publicações programados 1999 Stichting Archiefpublicaties, 21-27.
para o ano que vem para pesquisar arquivos e
15 Ver Lewis Bellardo e Lynn Lady
132

a construção da memória social ajudarão


muito a aumentar o número e nacionalidades Bellardo, A Glossary for Archivists,
dos arquivistas envolvidos na consideração Manuscript Curators and Records Managers,
Página

das implicações do pós-modernismo em sua Society of American Archivists (Chicago,


profissão. 1992); Glenda Acland, “Glossary”, in Judith
Ellis, ed., Keeping Archives, segunda edição

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arquivistas europeus, em contrapartida, Para este inexperiente olhar norte-


a “Arquivologia” está profundamente americano, neste tipo de texto o termo
arraigada em sua postura profissional. parece, às vezes, abranger todo o
Como exemplo, três dos mais conhecimento profissional que constitui
importantes arquivistas de três países a disciplina intelectual dos arquivos,
europeus, que tem usado “Arquivologia” incluindo teoria arquivística, história
no título de recentes artigos escritos para arquivística, estratégia arquivística,
explorar aspectos de seu significado, não metodologia arquivística e mesmo a
definem o termo, ou o explicam, diplomática ou aspectos da gestão
simplesmente assumem que os seus documental. Porém, a Arquivologia
leitores sabem o que eles querem dizer16. parece mais frequentemente equiparada
por estes escritores ao que os norte-
(Port Melbourne, 1993), 459-481. Enquanto
esses são glossários dirigidos a agentes da americanos pensam como “Teoria
prática, eles refletem participações de Arquivística” e, mais especificamente,
teóricos e o estado da literatura profissional
com conceitos relativos à disposição e à
nesse tempo. “Arquivologia” ganhou
recentemente maior aceitação como termo na descrição de arquivos para proteger sua
América do Norte com base numa maior proveniência ou integridade contextual.
disponibilidade e apreciação da literatura
Para Oddo Bucci, um teórico
arquivística europeia da última década, e pela
influência de Luciana Duranti, uma arquivista europeu que define conhecimento
educadora arquivista canadense da Europa, e Arquivologia muito claramente, “co- arquivistico
alguns de seus alunos. Mesmo assim, para difere de
muitos, o termo ainda provoca discordâncias. nhecimento arquivístico” e “Arqui- arquivologia
vologia” não são a mesma coisa.
16 É claro que os artigos, como um todo,
explicam implicitamente aspectos da
Conhecimento arquivístico é a forma
“Arquivologia”. Por isso é que foram articulada da prática diária por vários
escritos, mas eles não explicitam
propriamente o termo ou quais aspectos ele disponível para preparar este artigo, eu não
engloba. Ver Paola Carrucci (Itália), fiz nenhuma pesquisa sistemática sobre os
“Arquivologia hoje. Princípios, Métodos e variados usos de “Arquivologia” por
Resultados” in Odo Bucci, ed., Arquivologia escritores europeus. O francês Bruno Delmas
no Limiar do Ano 2000 (Macerata, 1992): 55- pode ser mencionado como o pai da diferença
68; Bruno Delmas (France), “Qual é o estado entre Arquivologia prática, descritiva e
da Arquivologia na França hoje”, O Conceito funcional (e talvez a alemã Angelika Menne-
de documento: relatório da segunda Haritz seja a madrasta). A mais recente
Conferência de Estocolmo em Arquivologia e panorâmica da Arquivologia europeia, que
o conceito de documento. 30-31 de Maio de tanto analisa o conceito quanto rastreia seu
1996 (Riksarkivet, Suécia, 1998): 27-35; e desenvolvimento através do tempo, está em
Eric Ketelaar (Holanda), “The Difference Theo Thomassen, “The Development of
133

Best Postponed? Cultures and Comparative Archival Science and its European
Archival Science” já citado. Eu adianto estes Dimension”, The Archivist and the Archival
Página

exemplos apenas como sugestão de três Science (Landsarkivets i Lund Skriftserie 7)


escritores bem conhecidos, cujos trabalhos (Lund 1999): 75-83
estavam na minha estante; no tempo

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momentos, lugares, usos, mídias e cada vez mais incompatíveis com a


“valores” de arquivos, enquanto que continuação de uma doutrina que
Arquivologia é “a construção sistemática procura permanecer encerrada nos
e conceitual” do conhecimento baluartes de seus princípios tradicionais
arquivístico em integridade disciplinar. e que “é necessário que a Arquivologia
Bucci continua: saia do seu isolamento, se abra para a
sociedade e procure numa Teoria da
...ao realizar essa tarefa de elaboração teórica,
a Arquivologia trabalha para canalizar,
Sociedade as garantias de unidade
estruturar, organizar sistematicamente e (disciplinar) que a Teoria do Estado não
estabelecer ordem no conhecimento
arquivístico. Este último abre o caminho para a é mais capaz de prover.... Uma Teoria da
Arquivologia, mas ainda não a tem nele. Os Sociedade pode alternativamente provar
termos não estão, no entanto, destinados a
permanecer separados sem nunca se encontrar. ser capaz de oferecer categorias
Existe entre ambas uma relação dialética. É unificadas em que toda a gama de
necessário que o conhecimento arquivístico se
transforme por si mesmo em Arquivologia, problemas arquivísticos possa ser
assim como é necessário que a Arquivologia
elabore conhecimento arquivístico dentro de si.
apresentada”17. Vários escritores arqui-
vistas apoiam Bucci, vendo o contexto
Esta dialética significa que a social, organizacional e funcional da
Arquivologia não é nem universal nem criação de documentos e sua manutenção
imutável. Sua vertente tradicional “deu à como essencial para a disciplina de
disciplina a sua inclinação empírica, a compreensão dos Arquivos para, na
construiu como ciência descritiva e a terminologia de Bucci, informar
adaptou ao imperativo da historiografia conhecimento arquivístico e dirigir
positivista, que visava à acumulação de melhor a prática arquivística. O foco está
fatos, mais do que à elaboração de externamente no que eu chamei de “ato
conceitos”. Essa historiografia positi- criativo ou intenção de autoria ou
vista e o empirismo baseado em fatos contexto funcional por trás dos
foram desacreditados pelo pós-
modernismo. Ao reconhecer este fato,
Bucci assevera que as novas mudanças
sociais “minam hábitos e normas de
conduta, envolvendo uma quebra com
princípios que há muito tempo regem o
processo pelo quais os documentos
17 Oddo Bucci, “A Evolução da Ciência
134

arquivísticos são criados, transmitidos, Arquivística e o seu Ensino na Universidade


conservados e explorados”. Ele conclui de Macerata”, in Bucci, ed., Ciência
Página

Arquivística no Limiar do Ano 2000, 18, 34-


dizendo que “as inovações radicais nas
35; e “Prefácio”, 11.
práticas arquivísticas estão se tornando

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documentos” mais do que internamente características de documentos in-


nos próprios documentos18. dividuais, a Arquivologia se aplica as
Luciana Duranti discorda. Ela é séries e fundos, embora ela também a
uma arquivista teórica, com um pé no equipare com a “história da
mundo europeu e outro no norte- Administração e sua documentação e a
americano, que é precisa na sua historia do Direito”. A conexão com a
definição de Arquivologia, apesar de que Diplomática é nítida. A Arquivologia
a sua definição seja a antítese da de “constitui a necessária mediação entre a
Bucci em termos de natureza e teoria diplomática e sua aplicação a
significância da Arquivologia19. casos concretos e reais...” Duranti não
Arquivologia, para Duranti, é “o corpo desconsidera o meio ambiente social que
do conhecimento sobre a natureza e as rodeia a criação de documentos, mas
características dos arquivos e do trabalho para ela, esse contexto encontra-se
arquivístico sistematicamente orga- estreitamente definido pela “doutrina
nizado em teoria, metodologia e prática” legal” e por costumes jurídicos no
Em contraste com a Diplomática que se contexto do produtor. Muito mais
preocupa com o conhecimento problemática que essa estreiteza jurídica,
sistemático sobre a natureza e as no entanto, é a visão positivista de
Duranti da “ciência”, seja Arquivologia
18 Cook, “What is Past is Prologue”, 48. ou Diplomática. Ela acredita que seus
Outros grandes escritores da escola “social”
princípios e conceitos são “univer-
ou de “arquivização” de pensamentos
arquivísticos, evidentemente em adição a Eric salmente válidos” e trazem “objeti-
Ketelaar, e eu, incluem, com maior destaque, vidade” às pesquisas arquivísticas em
Hans Booms, Helen Samuels, Hugh Taylor,
contextos documentais, cujas carac-
David Bearman, Margaret Hedstrom, Rick
Brown, Brien Brothman, Tom Nesmith, terísticas ela equipara a ter “maior
Frank Upward, e Verne Harris. No social em qualidade científica”. Os preceitos da
oposição à base estadista para a teoria
arquivista, ver Cook, “What is Past is
Arquivologia “encontram sua validade
Prologue”, 30-36 e abaixo neste ensaio. em lógica e consistência internas, mais
do que no seu contexto histórico, legal
19 Ver Luciana Duranti, “Diplomática:
Novos usos para uma Velha Ciência [Parte ou cultural”. A Arquivologia é “um
Um]”, Archivaria 28 (Verão de 1989): 8-11 sistema autorreferente, totalmente
para as ideias citadas; e sua “Arquivologia”,
in A. Kent, Enciclopédia da Ciência da
autônomo das influências de concepções
Biblioteca e da Informação 59 (1996), 1, 5, políticas, jurídicas ou culturais”. Isto é
135

12. Para uma mais completa caracterização e Arquivo como positivismo lógico.
crítica da visão “científica” de Duranti, ver
Mortensen, “O Lugar da Teoria”, 2-3, e Tais noções de universalidade,
Página

passim; a sua análise é baseada numa ampla autonomia lógica, interiorização e anti-
leitura na história e na filosofia da ciência.
historicidade são o completo oposto do

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pós-modernismo. Entre as visões de Tais visões tradicionais da


Bucci e Duranti da Arquivologia, “ciência” podem ser consideradas
encontra-se um abismo maior que o que erradas em dois pontos. Primeiro,
separa a visão geral da Arquivologia dos confundem “ciência” com “cienti-
europeus de um lado e dos norte- ficismo”. O crítico social Neil Postman
americanos e australianos do outro. É o escreve sobre pseudociências como a
abismo entre pré-modernismo e pós- Psicologia, Sociologia ou Administração
modernismo. Contudo, muitos arqui- – poderíamos adicionar Biblio-
vistas se agarram à noção pré-modernista teconomia, Ciência da Informação e
de Jenkinson, talvez sem a precisão Arquivologia? – que tentam legitimar o
consciente da articulação de Duranti, seu trabalho aplicando os métodos de
mas ainda acreditando (ou esperando?) pesquisa e análise lógica da observação
que os arquivistas deveriam permanecer de objetos naturais (ou fenômenos) das
como uma espécie de mediador ideal ciências físicas para os assuntos (ou
neutro, desinteressado e imparcial entre fenômenos) sociais, humanos ou
criadores e usuários dos documentos20. similares não naturais - como os
20
sistemas de informação? – para as quais
Eu reconheço que existe um debate em muitas
disciplinas sobre o que é “Modernismo”, assim é eles são inapropriados21. Isto é feito
muito importante afirmar a minha posição, que o frequentemente, talvez inconscien-
que eu quero dizer por pré-modernismo (e pós-
modernismo) faça sentido para o leitor. Para temente, na esperança de ganhar para
alguns, o modernismo se opõe à Idade Média e estas novas profissões o status, respeito,
tem o seu nascimento no Renascimento; para
outros, o modernismo está situado no poder e cachê, antes concedido a
racionalismo do Iluminismo e sua rejeição às
paixões religiosas do século anterior. Eu pego a
químicos, biólogos ou físicos, par-
visão mais estreita de que Modernismo é a
mentalidade e os valores dominantes em muitas modernista é representada por Schellenberg e o
disciplinas e artes na primeira metade ou dois impacto do pensamento organizacional/gerencial
terços do século vinte, em oposição à Era em arquivos; e o pensamento arquivístico pós-
Vitoriana. Nesta distinção, e para uma história moderno é, como diz Thomassen, o novo
intelectual estimulada do Ocidente no século paradigma, a natureza e o impacto de que
passado, ver Norman Cantor, The American constitui o objeto do presente ensaio. Posto de
Century: Varieties of Culture in Modern Times outra forma, os pré-modernistas tinham fé no
(Nova Iorque, 1997). Esta aproximação é documento como refletindo atos e fatos
complementar à distinção útil de Theo empíricos, e na História da escola de Von Ranke,
Thomassen (in “The Development of Archival como capaz de interpretar tais documentos para
Science and its European Dimension”, já citado) chegar à realidade objetiva do passado histórico;
da Arquivologia pré-paradigma (Era Vitoriana), o Modernismo questionou a objetividade da
Arquivologia clássica desde o Manual dos História, percebendo que haviam diversas
Holandeses de 1898 até os últimos anos interpretações históricas possíveis de um mesmo
(modernismo), e agora o prospecto de um novo conjunto de documentos descrevendo o mesmo
136

paradigma para a Arquivologia (pós- assunto ou evento; o pós-modernismo questiona


modernismo). Eu acredito que as três fases são a objetividade e “naturalidade” desses
um pouco diferentes: a Arquivologia pré- documentos.
Página

moderna envolve os valores vitorianos (como 21 Neil Postman, Tecnopólio (Nova Iorque,
Cantor os define) evidentes na Diplomática, o 1993), 144-163 e passim.
Manual dos Holandeses, até Jenkinson; a

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ticularmente no campo acadêmico. Nossa percepção de arranjo,


Enquanto dois átomos de hidrogênio e organização e classificação da infor-
um de oxigênio sob as mesmas mação, que é central para a
condições físicas, em qualquer lugar da Arquivologia, revela Michael Foucault,
terra em qualquer momento, irão reflete a tradicional noção ocidental de
produzir uma molécula de água, dois racionalismo científico e positivismo
criadores de documentos, na mesma lógico. Tais sistemas de organização da
função, e a necessidade de registrar informação confrontam os arquivistas,
evidências de alguma tarefa ou transação não somente nos seus escritórios durante
idêntica em países diferentes em séculos as atividades de avaliação, criação de
diferentes, nunca produzirão o mesmo documentos ou uso contemporâneo, mas
documento de arquivo. A Arquivologia são impostos pelos próprios arquivistas
moldada sobre as leis universais das nas suas práticas descritivas internas. A
ciências físicas colocaria o humano, lógica aparentemente racional da
histórico e idiossincrático fora do categorização da informação em tais
processo social (manutenção de sistemas, explica Foucault, pode seduzir
documentos) com o qual está os observadores (incluindo os
inexoravelmente conectada. arquivistas) a assumir que o que está
E o segundo erro é que as sendo transmitido é informação ou fatos
ciências físicas tradicionais, desde neutros ou a “verdade”. Ainda que a
Popper e Kuhn, sem falar na mais estruturação de tais sistemas possa
recente onda pós-modernista, há muito ocultar ou desvalorizar a mente por trás
abandonaram as reivindicações de da matéria, a inteligência por trás do
objetividade, neutralidade, impar- fato, a função por trás da estrutura, o rico
cialidade, autonomia e universalidade, contexto, que ironicamente, os
que alguns arquivistas acadêmicos – e arquivistas têm-se dedicado a proteger
muitos praticantes da arquivística – por trás do conteúdo superficial da
ainda mantêm. Para qualquer ciência, as informação. O pós-modernismo analisa a
escolhas de projetos, métodos e agentes linguagem, metáforas, e os padrões de
da prática, bem como seus critérios discurso das palavras, ou o documento,
educacionais, seus padrões de aceitação ou a totalidade do sistema de
e as razões para exclusão e fracasso, informação, no contexto do seu tempo e
refletem necessidades e interesses e, de lugar, para revelar a mentalidade
137

forma mais profunda, lutas de poder subjacente, as motivações, e estruturas


social, de gênero, linguístico, ideológico, de poder de quem produziu os
Página

político e emocional. documentos usando estes padrões. Os


Arquivos para Foucault estão ancorados

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numa teoria social contextual mais do construção teórica. E como aqueles


que no positivismo científico22. cientistas contemporâneos na vanguarda
Com a constante necessidade de da nova física, deveriam abandonar a
reavaliar, desconstruir e aceitar a aproximação atomística (focada nos
evolução da teoria e prática arquivística, documentos) da velha ciência por “uma
os arquivistas do novo século deveriam nova ciência baseada na primazia do
aceitar mais do que negar a sua própria processo” onde a dependência contextual
historicidade, ou seja, a sua própria do todo seja mais importante que a
participação no processo histórico. autonomia das partes, e onde a ciência
Deveriam reintegrar o subjetivo (a esteja situada no seu contexto histórico e
mente, o processo, a função) ao objetivo ideológico23.
(a matéria, o produto registrado, o
23 Evelyn Fox Keller, Reflections on Gender
sistema da informação) na sua and Science (New Haven e Londres, 1985) p.
11-12, 5-9, 130 e passim. Ver também
Carolyn Merchant,The Death of Nature:
22 Em Foucault suas palavras-chave para os Women, Ecology, and the Scientific
arquivistas são: As Palavras e as Coisas: uma Revolution (Nova Iorque, 1980, 1990) p. xvii,
arqueologia das Ciencias Humanas (Nova xviii. Ela demonstra que as novas teorias da
Iorque, 1970, originariamente na França em termodinâmica e do caos também servem de
1966) e A Arqueologia do Saber (Nova base para conclusões similares sobre
Iorque, 1972, originariamente na França em pensamento contextual, independente e
1969). Uma boa introdução para este baseado em processos. Para um exame
pensamento é Gary Gutting, Michel arquivístico destes assuntos em relação à
Foucault’s Archaeology of Scientific Reason natureza ideológica da ciência, que também
(Cambridge, 1989); ver particularmente explora as implicações no trabalho
páginas 231-244 para a análise de Foucault arquivístico, ver Candace Loewen, “From
sobre documentos. Para um exemplo pioneiro Human Neglect to Planetary Survival: New
da aplicação destas percepções pós- Approaches to the Appraisal of Enviromental
modernistas no registro de documentos, ver J. Records”, Archivaria 33 (Inverno de 1991-
B. Harley, “Desconstructing the Map ”, 1992):97-98, 100 e passim. As ideias dela
Cartographica 26 (Verão de 1989): 1-20. estão refletidas em parte em Hugh A. Taylor,
Harley explora o poderoso contexto social “Recycling thePast: The Archivist in the Age
por trás do mapa, assim como vê no mapa of Ecology”, Archivaria 35 (primavera de
elementos metafóricos e retóricos onde antes 1993):203-213. As ricas notas nos trabalhos
os acadêmicos viram somente medidas e de Loewen e Taylor podem guiar aos leitores
topografia. Ele demonstrou que a cartografia interessados a muitas outras fontes de apoio.
é menos “científica” do que o previsto, e Dentre muitas análises históricas mostrando
reflete tanto as preferências funcionais dos que “ciência” é tanto um produto da ideologia
seus patrocinadores quanto a face da terra. quanto uma observação desinteressada, ver
Para análise e conclusão similares de outro David F. Noble, A World Without Women:
meio arquivístico, ver Joan Schwartz, “We
138

The Christian Clerical Culture of Western


make our tools and our tools make us: Science (Nova Iorque, 1992) ou Margaret
Lessons from Photographs for the Practice, Wertheim, Pythagoras Trousers: God,
Página

Politics and Poetics of the Diplomatics”, já Physics, and the Gender Wars (Londres,
citada. 1997).

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Apesar da análise supra, o pós- julgamento de valor de alguma realidade


modernismo e a Arquivologia não anterior; nossa orientação fixada, física,
precisam ser opostos. A preocupação do focada na estrutura não precisa mudar
pós-modernismo com os “contextos quando confrontada com um mundo pós-
semioticamente construídos”24 de moderno desestabilizado, virtual,
criação de documentos reflete o interesse descentralizado. A menos que a
arquivístico de longa data para pela Arquivologia possa se adaptar às
contextualidade, pelo mapeamento do realidades pós-modernas, a menos que
inter-relacionamento entre o produtor e o ela possa ser centrada numa teoria social
documento, para a determinação do e numa contextualidade histórica, a sua
contexto ao ler através e por trás do relevância para a profissão será cada vez
texto. Desta forma, os arquivistas podem mais remota.
ter sido, sem saber, os primeiros pós- Eu sugiro que a Arquivologia
modernistas – décadas antes que o termo olhe as ideias de Arquivo, estratégias e
fosse sequer inventado! Além deste nível metodologias ao longo dos últimos
inicial de conforto, no entanto, o pós- séculos, e de agora em diante, nos
modernismo deveria preocupar os séculos vindouros, como conceitos que
arquivistas pelas muitas formulações estão evoluindo constantemente, até
tradicionais sobre Arquivologia. O pós- mudando, se adaptando continuamente,
modernismo, por implicação, questiona por causa de mudanças radicais na
certas reivindicações centrais da natureza dos documentos, estruturas de
profissão: os arquivistas são neutros, organização de documentos, culturas
guardiões imparciais da “verdade”, nas organizacionais e de trabalho, funções
palavras de Jenkinson25; os Arquivos sociais e institucionais, preferências de
como documentos arquivísticos são manutenção de documentos individuais e
desinteressantes ou inocentes pessoais, sistemas institucionais de sua
subprodutos de ações administrativas; a manutenção, seus usos contemporâneos,
procedência está enraizada no escritório e as tendências culturais, legais,
ou lugar de origem mais do que no tecnológicas, sociais e filosóficas mais
processo e no discurso de criação; que a amplas da sociedade.
“ordem” e a linguagem impostas nos Os arquivistas devem ser capazes
documentos através do arranjo e de pesquisar, reconhecer e articular todas
descrição do arquivo são recriações sem essas mudanças radicais na sociedade
139

para então tratar conceitualmente do seu


24 Ver nota 12 acima.
impacto na teoria, metodologia e prática
Página

25 Ver discussões e citações em Cook, “What arquivística. Esta articulação forma o


is Past is Prologue”, 23-26
nosso discurso coletivo como profissão,

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a meta-narrativa que anima a nossa amplas e de utilidade pública. Esta


prática diária e, portanto, é ampla mudança reflete em parte o
adequadamente o foco da Arquivologia domínio durante o século até muito
no novo século. recentemente dos historiadores como a
força motriz da profissão e no
Mudanças no pensamento treinamento de arquivistas, e em parte na
Arquivístico mudança de expectativa dos cidadãos
O pós-modernismo não é a única sobre que deveriam ser os arquivos e
razão para a reformulação dos principais como o passado deveria ser concebido,
preceitos da Arquivologia. Mudanças protegido e valorizado. Os arquivos
significativas no propósito dos arquivos foram tradicionalmente concebidos pelo
como instituições e na natureza dos Estado, para servi-lo, como parte da sua
documentos são outros fatores que, estrutura hierárquica e organização
combinados com ideias pós-modernistas, cultural. Não deve surpreender que a
formam a base da nova percepção dos Arquivologia tivesse encontrado sua
Arquivos como documentos, instituições legitimidade inicial em teorias e modelos
e profissão na sociedade26. estatais e no estudo das características e
Houve uma mudança acentuada propriedades de velhos documentos
na própria razão pela qual a instituição estatais. Os conceitos teóricos resultantes
arquivística existe – ou no mínimo foram desde então adotados por
arquivos públicos e com financiamento praticamente todos os outros tipos de
público, as empresas privadas ou os instituições arquivísticas em todo o
arquivos de corporações mundo, incluindo até arquivos de
reconhecidamente não compartilham coleções particulares.
integralmente estas mudanças. Houve No começo do século XXI, as
uma mudança coletiva, durante o século normas públicas para arquivos na
passado, de uma justificação jurídico- democracia têm mudado funda-
administrativa para os Arquivos mentalmente desde o modelo estatal
fundamentada em conceitos de Estado, inicial: os arquivos são agora, na
para uma justificativa sociocultural memorável frase de Eric Ketelaar, do
fundamentada em políticas públicas mais povo, para o povo, até pelo povo27.
Enquanto a manutenção da res-
26 As seguintes discussões refletem minha
27 Eric Ketelaar, “Archives of the People, By
140

análise da história das ideias arquivísticas


desde o Manual dos Holandeses, com the people, For the People”, South Africa
apresentado em ibid. Eu não vou repetir aqui Archives Journal 34 (1992): 5-16, reimpresso
Página

as extensas notas de referência dadas lá que em Eric Ketellar, The Archival Image.
apoiam as conclusões deste resumo. Collected Essays (Hilversum, 1997): 15-26.

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ponsabilidade do governo e da “Governança” inclui ser conhecedor das


continuidade administrativa e a proteção interações dos cidadãos com o Estado, o
dos direitos pessoais continuem sendo impacto do Estado na sociedade, e as
devidamente reconhecidos como funções ou atividades da própria
objetivos importantes dos Arquivos, a sociedade tanto quanto das estruturas
principal justificativa do arquivamento internas do governo e seus burocratas. A
para a maioria dos usuários e para o avaliação do arquivista e em todas as
contribuinte público em geral, como ações subsequentes deveria focar nos
vemos também na maior parte da registros de governança, não somente do
legislação nacional e estatal sobre governo, quando trata com documentos
arquivos, repousa no fato do Arquivo ser institucionais. Esta perspectiva também
capaz de oferecer aos cidadãos um senso complementa melhor o trabalho de
de identidade, localidade, história, arquivistas que lidam com Arquivos
cultura, e memória pessoal e coletiva. Pessoais ou Privados. Devo acrescentar
Simplificando, não é mais aceitável aqui que este relacionamento interativo
limitar a definição da memória da cidadão-estado deveria estar refletido em
sociedade apenas ao resíduo documental outras jurisdições pela interação dos
deixado (ou escolhido) por poderosos membros com sua igreja ou sindicato,
produtores de documentos. A res- estudantes com a universidade, clientes
ponsabilidade pública e histórica com uma empresa, e assim por diante –
demanda mais dos Arquivos e dos esta perspectiva mais ampla de
arquivistas. “governança” não é somente para
Os arquivistas que trabalham arquivistas que atuam no governo, mas
principalmente em Arquivos nacionais para todos os arquivistas.
ou institucionais precisam começar a O desafio para a Arquivologia no
pensar em termos de processo de novo século é preservar evidências
governança, não apenas na registradas de governança, não somente
administração dos governos28. de governos cumprindo sua função de
governar. Esta tarefa agora inclui
28 Ver Ian E. Wilson, “Reflections on também levar os Arquivos para as
Archival Strategies”, American Archivist 58
(Outono de 1995): 414-429. Para os
arquivistas que apenas (e humildemente) continuidade do financiamento, isto é, como
fazem o que eles pensam que seus diz Shirley Spragge, uma renúncia muito fácil
patrocinadores governamentais querem em
141

à missão e às responsabilidades do arquivista.


relação a seus próprios documentos Ver a sua “The Abdication Crisis: Are
institucionais, ou os arquivistas que pensam Archivists Giving Up Their Cultural
Página

que irão agradar a estes patrocinadores e Responsability?”, Archivaria 40 (Outono de


assim mostrar que os arquivistas são bons 1995): 173-181.
jogadores corporativos dignos da

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pessoas, ou encorajá-las a vir usá-los. Os era desconhecida ou desencorajada.


Arquivos não são um parque privado Defender o contexto físico original era
onde uma equipe profissional pode considerado uma parte crítica desta
saciar seu interesse na história ou na sua proteção. De fato, até a metade do
interação pessoal com historiadores e século, os arquivistas recriavam
outros estudiosos ou, igualmente, na sua frequentemente a ordem física original
inclinação de participar de políticas do sistema departamental de registros
públicas e na infraestrutura da documentais nas pilhas de arquivos
informação de suas jurisdições; são um [permanentes – nota do supervisor],
patrimônio público sagrado que arquivando novos documentos no lugar
preservam a memória da sociedade que correto entre seus predecessores já sob
devem ser amplamente compartilhados. custódia dos Arquivos [como
Os arquivistas servem à sociedade, não instituições de guarda permanente ou na
ao Estado, mesmo que trabalhem para fase de Arquivos Permanentes – Nota do
um órgão da burocracia estatal. Revisor].
A segunda grande mudança O foco agora mudou, passando
arquivística refere-se aos documentos da preservação da prova para sua criação
arquivísticos, e especificamente à forma e avaliação. Os arquivistas tentam
como Arquivos e arquivistas têm tratado preservar documentos em contextos
de preservá-los autênticos, confiáveis, confiáveis assegurando que eles sejam
como evidência de ideias e transações. criados inicialmente de acordo com
No seu núcleo, a Arquivologia procurou padrões aceitáveis de prova e, indo além,
compreendê-los esclarecendo seu para assegurar que todos os atos e ideias
contexto ou origem ou sua ordem dentro importantes estejam documentados
de uma série ou sistema, mais do que seu adequadamente por essa prova confiável,
conteúdo. Os arquivistas primeiro em vez de esperar, passivamente, que
realizaram essa proteção do contexto um resíduo natural apareça. (Caso
preservando os documentos alguma reorganização ou integração
sobreviventes, não mais necessários à posterior vier a ser necessária, é feito
administração, no interior do edifício de agora virtualmente, por classificação
arquivo, numa custódia ininterrupta, e no pelo computador em vez de reorganizar
esquema original (ou restaurado) da fisicamente os arquivos na pilha). Num
ordem da sua classificação inicial. Tais mundo no qual as séries são grandes e
142

documentos eram frequentemente abertas, num mundo de organizações


Fundos Fechados de organizações muito complexas, que mudam com
Página

extintas, ou antigos e isolados rapidez e criam registros volumosos e


documentos importantes. A avaliação descentralizados em papel, e num mundo

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de registros eletrônicos com seus padrões adequados para o reparo,


documentos virtuais e transitórios, as restauração, armazenamento e uso do
bases de dados relacionais de propósitos meio físico que era o documento. Com
múltiplos, com redes de comunicação os documentos eletrônicos, o meio físico
interinstitucionais, nenhum documento para sua preservação torna-se quase que
arquivístico confiável irá sobreviver para totalmente irrelevante num prazo de
estar disponível para que os arquivistas o décadas ou séculos, dado que os próprios
preservem na maneira tradicional – a documentos migrarão adiante antes que
menos que o arquivista intervenha de o meio físico se deteriore, e assim
várias formas em sua vida ativa. Tal sucessivamente. O que será importante é
intervenção irá afetar comportamentos a reconfiguração no novo software ao
organizacionais, culturas de trabalho, longo do tempo, mantendo assim a
políticas de manutenção dos registros funcionalidade ou o contexto de prova
documentais e estratégias de desenho do do documento “original”, e para este
sistema, e ativamente escolherá (por problema a Arquivologia deve prestar
exemplo, avaliará) quais funções, cada vez mais atenção.
processos e tarefas são importantes e Como resultado deste
assim, quais documentos relacionados desenvolvimento, a Arquivologia deve
merecem ser preservados agora encontrar inspiração nas análises
indefinidamente como Arquivos da funcionais dos processos de criação dos
sociedade – tudo isto feito, de documentos e da teoria social
preferência, antes que os documentos contemporânea, em vez da organização e
sejam criados. E uma vez que tais descrição dos produtos registrados
documentos estejam disponíveis para encontrados nos arquivos. Como Eric
serem preservados em Arquivos, se isso Ketelaar concluiu “a Arquivologia Arquivologia
for desejável, a confortável noção do Funcional substitui a Arquivologia Funcional
valor permanente dos documentos Descritiva... Somente através de uma
únicos de arquivo ao longo do tempo interpretação funcional do contexto que
também requer modificação, circunda a criação de documentos, pode-
simplesmente porque o documento se entender a integridade dos fundos de
eletrônico virá a ser ilegível ou arquivo e das funções dos documentos
incompreensível a menos que seja de arquivo no seu contexto orgânico
recopiado e sua estrutura e original”29. Como notara Oddo Bucci, o
143

funcionalidade reconfiguradas num novo


software em poucos anos pelos
29 Eric Ketelaar, “Archival Theory and the
Página

Arquivos. Isto substitui a tradicional


Dutch Manual”, Archivaria 41 (Primavera de
preservação de arquivo que foca em 1996), 36, reimpresso em Eric Ketelaar, The

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qual apoiou o conceito de Ketelaar, a interagindo com usuários em constante


Arquivologia Descritiva foi positivista, mudança, refletindo culturas
física e moderna; a Arquivologia organizacionais e gerenciais diferentes, e
Funcional será histórica, virtual e pós- adotando frequentemente convenções
moderna. idiossincráticas de interação humana e
de trabalho, apropriadas organizações
Novas formulações para planas, horizontais e (frequentemente) de
Arquivologia curto prazo. A proveniência, em resumo,
Para o novo século, baseada está vinculada à função e à atividade em
nestas mudanças nos documentos e no vez da estrutura e o lugar. Torna-se
insight pós-moderno, a Arquivologia virtual em vez de física.
deveria mudar o paradigma de pesquisa
da análise das propriedades e 2 Ordem original: A Ordem
características de documentos Original muda sua forma de manutenção
individuais ou de Séries documentais, da localização física inicial dos
para uma análise das funções, processos documentos num sistema de registro ou
e transações que geram documentos ou classificação, para a intervenção
as Séries a serem criadas. Com foco no conceitual do software, onde partes dos
processo de criação em vez de em documentos estão armazenadas alea-
produtos, as formulações teóricas toriamente, sem nenhum significado
nucleares sobre arquivos irá mudar. Aqui físico e depois são intelectual ou
estão oito sugestões que resumem os funcionalmente recombinadas, de
argumentos acima: maneiras diferentes, para propósitos
diferentes, em tempo e lugares
1. Proveniência: O Princípio da diferentes, em diversos tipos de ordem,
Proveniência muda sua forma de para usuários diferentes. As ordens
conectar os documentos diretamente refletem usos múltiplos em processos de
com um único lugar de origem, numa trabalho mais do que em disposições
estrutura organizacional hierárquica físicas de objetos registrados. Uma
tradicional, para se tornar um conceito simples “peça” de dados pode ser
virtual e mais elástico, refletindo aquelas ordenada de múltiplas formas para
funções e processos do produtor que refletir usos diferentes para usuários
causaram sua criação, dentro e através de diferentes.
144

organizações em evolução constante,


3 Documentos Arquivísticos
Página

Archival Image Collected Essays (Hilversum, [Record]: As três partes que compõem
1997): 62-63.
qualquer Documento Arquivístico – a

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estrutura, o conteúdo e o contexto – que dos documentos arquivísticos no mundo


tradicionalmente eram assentadas num moderno30.
meio físico único – pergaminho, papel 5 Arranjo e descrição: estarão
ou filme – estão agora divididas em menos concentradas em entidades e
armazenagens de dados separados e grupos de documentos físicos, que não
talvez em programas de software significam nada para a mídia eletrônica
diferentes. Um documento, assim, deixa de qualquer maneira, e em vez disso
de ser um objeto físico para virar um desenvolverão (e compartilharão com os
“objeto” conceitual de informação, pesquisadores) entendimentos con-
controlado por metadados, que textuais enriquecidos pelos múltiplos
virtualmente combina conteúdo, con- inter-relacionamentos e usos do meio
texto e estrutura para fornecer evidências social de sua criação, bem como a
de atividade ou função de algum criador. incorporação de um sistema de
Além disso, como seu uso e o contexto documentação arquivística relacional e
muda ao longo do tempo (incluído uso
30
Para repensar a natureza dos Fundos
de arquivo), os metadados mudam e o Arquivísticos e assim a descrição arquivística
documento e seu contexto são con- como envolvendo relações virtuais de muitos
para muitos em vez da tradicional disposição
tinuamente renovados. Eles já não são física e hierárquica das entidades de um para
fixos, mas dinâmicos. O documento muitos, ver Terry Cook, “The Concepts of the
Archival Fonds in the Post-Custodial Era:
arquivístico não é mais um objeto Theory, Problems and Solutions”, Archivaria 35
passivo, um “registro” de uma evidência, (Inverno de 1992-1993): 24-37. O pioneiro de tal
pensamento três décadas atrás foi o australiano
mas um agente ativo desempenhando um Peter Scott, como delineado no meu “What is
Past is Prologue”, 38-39 (que tem referências
permanente papel nas vidas dos para todas as obras fundamentais de Scott); para
indivíduos, organizações e da sociedade. a última atualização no pensamento descritivo
australiano (com muitas referências adicionais),
ver Sue McKemmish, Glenda Acland, Nigel
4 Fundos Arquivísticos: Os Fundos Ward e Barbara Reed, “Describing Records in
Context in the Continuum: The Australian
Arquivísticos, analogamente, mudam de Refordkeeping Metadata System”, Archivaria 48
um reflexo de alguma ordem física (Outono de 1999): 3-43. Para uma descrição
baseada nos metadados funcionais do criador em
estática baseada em regras decorrentes vez da disposição física, ver David Bearman,
“Documenting Documentation”, Archivaria 34
da transferência, arranjo ou acumulação (Verão de 1992): 33-49; e Margaret Hedstrom,
de grupamentos de documentos, para “Descriptive Practices for Electronics Records:
Deciding What is Essential and Imagining What
uma realidade virtual de relacionamento is Possible”, Archivaria 36 (Outono de 1993):
que reflete um produtor múltiplo 53-62. Para um trabalho alternativo baseado no
pensamento dos Fundos, agora operacional nos
145

dinâmico e uma autoria múltipla focada Arquivos de Ontário em Toronto, ver Bob
na função e na atividade, que capture Krawczyk, “Cross Reference Heaven: The
Abandonment of the Fonds as the Primary Level
Página

com maior precisão a contextualidade of Arrangement for Ontario Government


Records”, Archivaria 48 (Outono de 1999): 131-
153.

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metadados funcionais do produtor às


ferramentas descritivas do arquivo 7 Preservação: irá, como dissemos
[permanente. Nota do Supervisor]. antes, não mais focar na reparação,
conservação e salvaguarda do meio
6 Avaliação: continuará a mudar físico em que estava o documento, mas
deixando de ser uma avaliação em vez disso se concentrará em migrar
documental com base no seu valor ou emular continuamente os conceitos e
potencial de pesquisa, para virar uma inter-relações que agora definem os
análise de macro avaliação das funções, documentos virtuais e fundos virtuais
programas e atividades sociais do para novos programas de software. (É
produtor, e a interação cidadã com elas claro, a conservação e o reparo
e, a seguir, a seleção mais sucinta para tradicionais continuarão para o legado
preservação e acesso continuo que reflita documental de séculos passados).
essas funções, e a busca de (ou criação?)
fontes do setor privado ou orais e visuais 8 Arquivos [Archives]: propria-
para complementar registros ins- mente ditos como instituições irão passar
titucionais oficiais, usando a mesma gradualmente de lugares de
lógica funcional. A Avaliação estabelece armazenamento de documentos velhos,
“valores” através da teoria social que pesquisadores precisam visitar para
baseados na narrativa contextual da cria- consultar, para se tornar virtuais
ção e não no conteúdo. Ela prestará o “Arquivos sem paredes”, existentes na
mesmo cuidado às vozes marginalizadas internet para facilitar o acesso ao público
e até silenciadas que aos textos à milhares de sistemas interligados de
poderosos e oficiais, e procurará por manutenção de documentos, tanto
provas de governança mais do que de aqueles sob o controle dos Arquivos
governo31. quanto aqueles deixados sob a custódia
dos seus criadores ou outros arquivos32.
31 Para uma introdução à ”macroavaliação”
da avaliação das funções e das atividades em adotadas pelos arquivos nacionais da Holanda
vez dos documentos , ver Terry Cook, “Mind com seu projeto PIVOT, além de África do
Over Matter: Towards a New Theory of Sul e Austrália, entre outras jurisdições.
Archival Appraisal” in Barbara Craig, ed.,
The Canadian Archival Imagination: Essays 32 O trabalho de David Bearman tem
in Honor of Hugh Taylor (Ottawa, 1992), 38- defendido com destaque esta abordagem.
70, e o seu The Archival Appraisal of Para uma visão panorâmica, ver a sua
Records Containing Personal Information: A coletânea de ensaios publicada como
146

RAMP Study With Guidelines (Paris, 1991); e Electronic Evidence: Strategies for
Richard Brown, “Macro-Appraisal Theory Managing Records in Contemporary
Página

and the Context of the Public Record Organizations (Pittsburgh, 1994); assim
Creators”, Archivaria 40 (Outono de 1995), como Margaret Hedstrom e David Bearman,
p. 121-172. Abordagens similares foram “Reinventing Archives for Electronics

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Todas estas mudanças afastam o Inevitavelmente, os arquivistas injetarão


foco teórico (e prático) da Arquivologia os seus próprios valores em todas as
do documento de arquivo e o empurram pesquisas e atividades, e assim
na direção do ato criativo da intenção de precisarão verificar muito cons-
autoria ou processo ou funcionalidade cientemente suas escolhas nos processo
por trás do registro. Neste mundo novo, de criação de arquivos e formação de
portanto, o âmago do trabalho intelectual memória. Eles também precisarão deixar
da Arquivologia deveria estar mais provas registradas muito claras
centrado no esclarecimento do contexto explicando as suas escolhas para a
funcional e estrutural dos documentos, e posteridade. Fazendo isto, numa
sua evolução ao longo do tempo, na perspectiva histórica e sensitiva pós-
construção de sistemas de conhecimento moderna, os arquivistas poderão
capazes de capturar, recuperar, exibir e equilibrar melhor quais funções,
compartilhar esta informação de origem atividades, organizações, e pessoas da
conceitual como base de toda tomada de sociedade, através de documentos,
decisões em arquivos, a partir do projeto podem ser incluídas e quais podem ser
do sistema de avaliação “na frente” até a excluídas da memória coletiva do
programação pública e atividades de mundo.
disseminação “depois”. Processo em vez de produto, se
Isto faz do arquivista um tornando em vez de ser, dinâmico em
mediador ativo na formação da memória vez de estático, contexto em vez de
coletiva através dos Arquivos. texto, refletindo tempo e lugar em vez de
absolutos universais: são estas agora as
Records: Alternative Service Delivery
Options”, in Margaret Hedstrom, ed., palavras de ordem pós-modernas para
Electronic Records Management Program analisar e entender ciência, sociedade,
Strategies (Pittsburgh, 1993), 82-98. A
organizações e atividades empresariais,
primeira afirmação sobre o gerenciamento
distribuído ou a não abordagem da custódia entre outros. Elas deveriam também se
para a preservação de arquivos, foi de David tornar as palavras de ordem para a
Bearman, “An Indefensible Bastion: Archives
Arquivologia no novo século, e assim, o
as Repositories in the Electronic Age” in
David Bearman, ed., Archival Management fundamento de um novo paradigma
of Electronic Records (Pittsburgh, 1991), 14- conceitual da profissão.
24, que gerou muitos arquivos tanto atacando
quanto apoiando este conceito. Não obstante,
reconhecendo as novas realidades, os
147

arquivos nacionais do Reino Unido, Canadá e


Austrália adotaram políticas para o
gerenciamento distribuído por outros corpos
Página

de algumas categorias de documentos


eletrônicos.

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Terry Cook

[Nota do Revisor] Esta é uma tradução livre promovida pela Associação dos
Arquivistas do Estado do Rio de Janeiro - AAERJ, por intermédio do periódico
Informação Arquivística. Todos os direitos são reservados à Archival Science Journal e
à Springer, que gentilmente cederam os direitos de tradução e publicação no Brasil.

Cientes do desafio que é traduzir um texto de sentido e significado complexos


optou-se pela tradução livre, no entanto, tonou-se o cuidado de não tentar mudar o
sentido e contexto dos termos aplicados pelo autor, considerando a tradição arquivística
na qual se insere. Deixa-se para o leitor atento e interessado as eventuais interpretações,
observação das diferenças de emprego e de sentido entre a Arquivologia brasileira e a
Norte Americana.
Cabe ressaltar a dificuldade de traduzir, sem macular, os termos Records e
Archives, coisas diferentes para a tradição Norte Americana, mas que para a
Arquivologia brasileira, influenciada pela tradição europeia, são um todo contínuo.
Sobre este aspecto alertamos que o termo Records foi traduzido, literalmente, como
documentos, documentos arquivísticos ou registros, e Archives como Arquivos. No
entanto, fica para o leitor a tarefa de tentar entendê-los na amplitude de seu sentido
através de leitura complementar comparativa entre essas duas tradições arquivísticas.
Por fim, nosso agradecimento especial ao Professor Terry Cook, à Archival
Science Journal e à Springer.

Para acessar o texto original:


<http://www.springerlink.com/content/p52234804l48m463/>
Tradutor: Rivera Lisando Guianze
Supervisão e Revisão científica: Conselho Editorial – Informação Arquivística

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