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AURORA ano V número 8 - AGOSTO DE 2011 ISSN: 1982-8004 www.marilia.unesp.

br/aurora  

RELAÇÕES ENTRE ESTADO E SOCIEDADE


CIVIL:
Reflexões sobre perspectivas democráticas.

ANDRESSA KOLODY1
CARLA BUHRER SALLES ROSA2
DANUTA S. C. LUIZ3

Resumo: Este artigo objetiva, a partir da síntese das categorias Estado e sociedade civil nos
autores clássicos e contemporâneos situar os conselhos gestores de políticas públicas, bem
como refletir sobre as questões que envolvem a participação democrática da sociedade civil
no Brasil no contexto desses espaços. Para isso ao longo do texto os conselhos são
compreendidos enquanto espaço de interlocução entre a sociedade civil e o Estado, tendo
como uma de suas finalidades o controle social das políticas públicas. De igual sorte
consideramos que a participação da sociedade civil se configura enquanto prática necessária
na consolidação de aspectos que compõem a democracia em diferentes níveis de gestão
social e ainda possibilita fortalecer e aprofundar a democracia, com vistas a uma cidadania
integral com acesso aos direitos civis, políticos e sociais.
Palavras chave: Estado.Sociedade Civil.Democracia.Conselhos.

Abstract: This article aims, from the summary categories of state and civil society in
classical and contemporary authors situate the advice policy makers as well as reflect on the
issues surrounding the democratic participation of civil society in Brazil in the context of
these spaces. To do so throughout the text the councils are seen as spaces for dialogue
between civil society and the state, having as one of its purposes the social control of
public policies. Also feel lucky that the participation of civil society is shaped as a necessary
practice in the consolidation of aspects that make up democracy at different levels of
management and also allows social strengthening and deepening democracy, with a view to
full citizenship with access to civil, political and social.
Keywords: State.Civil Society.Democracy.Councils.

sujeitos. Ou seja, esse processo se configura


INTRODUÇÃO de forma dual, carregada de contradições.
Desse modo, neste texto, será

E ste trabalho tem como objetivo


analisar algumas questões que
envolvem a participação
democrática da sociedade civil no Brasil,
através dos conselhos gestores de políticas
realizado uma retrospectiva da construção
destes espaços no aparelho estatal, em
especial a partir da Constituição Federal de
1988.Num primeiro momento, através de
revisão bibliográfica, este trabalho apresenta
públicas. Este caminho, ao mesmo tempo uma síntese das concepções de Estado e
em que democratiza o Estado e expande sociedade civil nos contratualistas, Marx e
condições para o exercício de cidadania, Engels, Hegel e Max Weber. No que segue,
supõe conflitos e contradições entre os debruçamo-nos, sobretudo nas

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contribuições de Gramsci, o qual coloca o Para Siqueira (2005), nas


Estado muito próximo da concepção de sociedades ocidentais, a partir do século
sociedade civil. A contextualização em torno XVI, as discussões filosóficas e políticas
desse autor justifica-se uma vez que ao sobre o papel do Estado e da sociedade civil
longo do século XX, estes conceitos contribuíram no estabelecimento de novas
estiveram fortemente associados às suas configurações nas relações entre Estado e
elaborações principalmente através dos sociedade, configurando assim um Estado
Cadernos do Cárcere, e muito embora as Moderno. Nesta perspectiva, se pressupunha
formulações em torno da sociedade civil na a garantia da representação popular, bem
contemporaneidade perpassem a idéia de como a publicização das decisões no âmbito
instância separada do Estado, no nosso do Estado, estabelecendo um novo conceito
entendimento este aparato teórico que de lei através de uma Constituição escrita. É
compreende a sociedade civil como parte do com o desenho moderno de Estado que se
Estado, se constitui enquanto núcleo duro estabelece a distinção entre Estado e
para analisar nuances e tendências do Sociedade Civil, “[...] muito embora Estado
controle social no âmbito dos conselhos seja a expressão da sociedade civil”
gestores, entendendo que esse é um (SIQUEIRA, 2005, p.15).
caminho que se efetiva na processualidade A concepção de Estado e
da participação política. Complementamos o sociedade civil se configuraram a partir do
estudo com as contribuições de Marco conhecimento construído no bojo do
Aurélio Nogueira, estudioso contemporâneo iluminismo, na medida em que a razão foi
das relações Estado e sociedade civil. possibilitando questionar os dogmas
Num segundo momento, fundados na imobilidade social e no poder
apontamos o caminho da participação da enquanto algo que decorria da divindade.
sociedade civil nos espaços públicos e sua Estes inauguraram um campo de reflexão
interlocução com o Estado enquanto que possibilitou transformações drásticas
elemento essencial às práticas de controle nas relações sociais no mundo moderno.
social no âmbito dos conselhos gestores. Deste modo estas noções passaram a ser
Ao final, abordaremos alguns tema clássico nas discussões filosóficas e
aspectos essenciais da democracia, através políticas no ocidente.
das contribuições de Held sobre o As discussões sobre a sociedade civil
pensamento de Karl Marx, Schumpeter e foram travadas desde sua gênese junto ao
Max Weber. Destacamos a democracia conceito de Estado.
participativa, uma vez que está imbricada ao
exercício de controle social, o qual só Ambos nascem por contraste com um
encontra possibilidades de construção num estado primitivo de sociedade em que o
processo de gestão democrática dialogada na homem vivia sem outras leis senão as
naturais. Nasce, portanto com
esfera do Estado e da sociedade civil.
instituição de um poder comum que só
é capaz de garantir aos indivíduos
Estado e Sociedade Civil associados alguns bens fundamentais,
Analisar o papel do Estado implica como a paz, a liberdade, a propriedade a
em compreender a dinâmica das relações segurança.4
sociais, uma vez que o Estado em contextos
sociais, econômicos e políticos distintos Na doutrina jusnaturalista a
pode ora assumir características restritas, ora sociedade civil contrapõe-se a “sociedade
ampliadas. Entende-se por restrito aquele natural”, sendo sinônimo de “sociedade
Estado que estaria voltado para o interesse política” e, portanto, de “Estado”.
de uma única classe. Por ampliado podemos (BOBBIO, 1994, p.1206).
entender o Estado que se abre a interesses Contudo segundo Bobbio (1994),
de diferentes segmentos da sociedade civil. para Hobbes e Locke enquanto civil significa
ao mesmo tempo político e civilizado, em
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Rousseau a noção de sociedade civil vai ter objetivos universais em outra forma de
sentido único de sociedade civilizada, que só interesses privados” (HELD, 1987, p.107).
se torna sociedade política após o contrato Dessa forma, percebe-se que para este
social. Já em Hegel os indivíduos organizam- pensador o Estado preserva os interesses
se em sujeitos coletivos e através desse gerais da burguesia em nome do interesse
campo de mediações legitimam o interesse público estando, então, este último em
público. Desta forma, no contexto do segundo plano.
Estado Moderno somente quando a No pensamento de Marx a
sociedade civil reconhece como legítimo o sociedade civil vai apresentar outra
poder do Estado, a ordem social conhece abordagem, civil passa a ser entendido como
alguma estabilidade. Espera-se da sociedade sinônimo de burguês. Contudo nas palavras
civil a crítica capaz de orientar o Estado e de Bobbio “tanto a sociedade natural dos
impedir que este infringisse seus limites. jusnaturalistas, quanto a Sociedade Civil de
A partir da sistematização proposta Marx indicam a esfera das relações
por Hegel compreende-se a sociedade civil econômicas intersubjetivas de indivíduo a
como esfera dos interesses particulares, da indivíduo, ambos independentes,
liberdade, onde se legitima o pacto que abstratamente iguais, contraposta à esfera
fundará o Estado. Em síntese, a sociedade das relações políticas, que são as relações de
civil já não coincide com o Estado, mas domínio” (BOBBIO, 1994, p.1209).
constitui um dos seus momentos Já Max Weber enfatizou dois
preliminares. elementos distintos: a territorialidade e a
Por intermédio de Duriguetto, violência:
traçamos alguns aspectos do pensamento de
Hegel sobre a esfera estatal, a qual “seria o
reino em que se expressaria a vontade […] a violência não é o único
instrumento de que se vale o Estado –
universal, que seria construída a partir das
não se tenha a respeito qualquer
vontades particulares da sociedade civil” dúvida –, mas é o seu instrumento
(DURIGUETTO, 2007, p.45). No sistema específico. Na atualidade, a relação
hegeliano, as relações entre Estado e entre o Estado e a violência é
sociedade civil não resultam na formulação particularmente íntima. […] nos dias
de um efetivo interesse comum, são os de hoje devemos conceber o Estado
interesses corporativos que são contemporâneo como uma
objetivamente defendidos como máxima comunidade humana que, dentro dos
universalização. limites de determinado território,
Marx propõe uma inversão da reivindica o monopólio do uso
proposta hegeliana: legítimo da violência física.6

O Estado então é mitificamente Para Weber, a noção de território


transformado no sujeito real que corresponde a um dos elementos essenciais
ordena, funda e materializa a
universalização dos interesses
do Estado, visto como um instrumento de
privatistas e particularistas da coerção a partir da violência, conceito este
sociedade civil [...] segundo Marx é a que acreditamos ter sido superado na
esfera da sociedade civil que atualidade e em nosso país.
fundamenta a natureza estatal, e não o Gramsci, enquanto pensador
contrário como supunha Hegel.5 inserido na tradição marxista, discutiu as
configurações do Estado enquanto um “[...]
Segundo Held, Marx concebia a referencial forjado para a ação”
posição do Estado como uma força (SIMIONATTO, 2004, p.255), através de
conservadora, “longe, portanto, de ser à base uma proposta capaz de pensar as
da articulação do interesse público, o transformações da contemporaneidade,
Estado, argumentava Marx, transforma
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tanto no campo econômico, quanto político, Harnecker e Uribe (1979), ao


cultural e social. discorrer sobre Marx e Engels afirmaram
De acordo com as discussões de que o conjunto desses elementos
Simionatto (2004), a respeito da obra de econômicos, jurídicos, ideológicos e
Gramsci, ao discutir o tema do Estado o políticos constituem a sociedade em dois
autor reconheceu o terreno italiano fazendo níveis: nível econômico e o nível jurídico
uma reflexão voltada para a compreensão do político ideológico. Na Ideologia Alemã
Estado capitalista em suas especificidades (1845-1846), Marx e Engels defenderam que
históricas. cada nível tem um grau de importância, de
Segundo Simionatto (2004), a partir forma que o nível econômico é
de sua realidade pessoal e concreta, Gramsci determinante de todo funcionamento da
acrescentou elementos à teoria marxista, sociedade.
promovendo um desenvolvimento de Marx e Engels chamaram o
conceitos originais discutidos por Marx, momento econômico, da produção material,
Engels e Lenin. Assim, sistematizou uma de estrutura. Nesta interpretação, a
ciência da ação política, acrescentando sociedade civil corresponde ao momento
novos elementos à concepção clássica do estrutural e foi considerada o cenário da
Estado marxista, bem como uma teoria história. Já o momento das instituições
marxista da política que contempla a jurídicas, políticas, sociais e culturais
ampliação do Estado. correspondem ao Estado, que os autores
Carnoy (2005) entende que Gramsci caracterizam como superestrutura. A partir
supera o entendimento da política enquanto de Marx podemos compreender, então, que
atividade autônoma, dentro de um contexto as relações materiais de produção
do desenvolvimento histórico das forças condicionam o papel que o Estado exerce
materiais. Para ele, é através da política que a sobre a vida dos indivíduos. Nestes termos,
consciência individual coloca-se em contato quem domina a esfera material de produção,
com o mundo social e material, domina também as instâncias de poder
considerando esta como atividade humana político.
central. A noção de Estado, sistematizada
A teoria clássica marxista, na por Gramsci, supera alguns elementos da
interpretação de Coutinho (2007), noção original da obra marxiana, já que
compreende a existência do Estado a partir assume a possibilidade de ampliação dos
da divisão da sociedade em classes. A classe interesses presentes na esfera do Estado.
burguesa é detentora dos meios de É importante lembrar que a noção
produção, sendo composta pela minoria das de Estado discutida por Marx e Engels, em
pessoas. Já a classe trabalhadora compõe a 1848, no texto do Manifesto do Partido
grande massa da população e possui apenas Comunista, reflete o período histórico em
a força de trabalho. que o Estado exercia uma função intensa de
Logo a divisão da sociedade em repressão, configurando a ausência de canais
classes é um processo decorrente das de expressão dos interesses da população.
relações sociais de produção estabelecidas Por isso, O Estado foi chamado pelos
no sistema capitalista. Assim, no contexto autores de “comitê da burguesia”.
do mundo capitalista, a máquina estatal De acordo com Simionatto (2004),
assume a função de conservar e reproduzir Gramsci (1891– 1937), vivenciando um
tal divisão, fazendo com que os interesses da momento histórico distinto de Marx, assistiu
classe burguesa sejam impostos como a construção de espaços para a participação
universais, através do conjunto de aparelhos da classe trabalhadora, como os sindicatos e
repressivos do Estado. Ao dominar os meios partidos políticos, por exemplo. Assim,
de produção, a classe burguesa exerce sistematizou o conceito de Estado
também controle sob o poder econômico, Ampliado, que se apresenta como
político e ideológico.
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instrumento essencial para expansão do Emancipação que se conjectura na


poder das demandas da classe dominada. construção de um novo bloco histórico8,
Coutinho (1996) indica que a uma vez que é na historicidade do ser social,
ampliação do conceito de Estado nos na capacidade de construir consenso e uma
marxistas mais recentes resulta do visão de mundo que se legitima uma
desenvolvimento objetivo do modo de proposta transformadora da sociedade.
produção e da formação econômico-social Podemos entender que a
capitalistas. Desta maneira, ao introduzir participação política é um momento
novas determinações na esfera do ser social fundamental na construção do interesse
e da política, “a dinâmica do público que norteará as ações do Estado.
desenvolvimento histórico-ontológico Nas sociedades contemporâneas, as
tornou necessária a superação dialética de legislações, seguindo esse pressuposto,
uma concepção ‘restrita’ do Estado, na passaram a garantir, no plano formal, a
medida em que o próprio Estado se ampliou participação dos segmentos populares na
objetivamente [...]” (COUTINHO, 1996, gestão de assuntos públicos, como, por
p.17). exemplo, nas políticas sociais.
Em suma, a teoria apresentada por Contudo, Gramsci, ao preocupar-
Gramsci compreende a noção de Estado se com a ampliação do Estado defendeu que
não só como sociedade política, configurada não bastava ocupar o poder, mas que era
pela força repressiva, mas como junção da preciso construir uma nova ordem, uma
sociedade política e da sociedade civil. Sendo nova hegemonia, um referencial novo.
assim, a ampliação do Estado proposta por Assim, de acordo com Coutinho (2007) e
Gramsci, de acordo com Coutinho (2007) e Simionatto (2004), Gramsci propõe que o
Simionatto (2004), é produto da momento de coerção seja superado pelo
contemporaneidade, onde o movimento das momento de consenso.
massas pode se configurar como ator social A partir das discussões de
capaz de questionar a ordem estabelecida. Coutinho (2007) e de Simionatto (2004),
Coutinho (2007) considera que podemos entender que Gramsci concebeu a
Gramsci, ao reafirmar a sociedade civil sociedade civil o papel de luta, de construção
como motor da história, analisa que as de consenso, a capacidade de desenvolver
condições econômicas e materiais por si só consciência de classe e viabilizar a ampliação
não movem a história, de forma que o do Estado, através da articulação do bloco
Estado passa a ser constituído pela histórico.
articulação entre estrutura e superestrutura. De acordo com a leitura de
Gramsci foi um dos autores que Coutinho (2007) podemos entender que as
melhor enfatizou a necessidade de sociedades que apresentam menor
compreender que estrutura e superestrutura desenvoltura frente ao processo democrático
equivalem-se em importância: político e carecem de organização popular
pressupõem o fortalecimento do Estado
[...] Pois, embora a hegemonia seja enquanto momento ético-político, voltado
ético-política, ela também deve ser para o interesse coletivo. Uma vez
econômica, deve necessariamente ser estabelecida uma relação justa entre Estado e
baseada na função decisiva da sociedade, os indivíduos podem obter
atividade econômica.7
condições de enfrentamento, ruptura e
Ao pressupor a articulação do construção de uma nova ordem, que
momento estrutural com o superestrutural, viabilize a abertura do Estado às demandas
segundo Coutinho (2007), Gramsci propõe a da sociedade organizada.
superação do momento de interesses Nesse contexto, “por Estado, deve-
particulares e corporativos à condição de se entender, além do aparelho de governo, o
consciência universal, viabilizando a aparelho ‘privado’ de hegemonia ou
emancipação política dos trabalhadores.
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sociedade civil” (GRAMSCI apud A alternativa indicada por Gramsci


LIGUORI, 2000, p.47). contempla a organização da classe
Na análise de Coutinho (1996), a trabalhadora na construção dos alicerces de
sociedade civil em Gramsci corresponde ao: uma nova cultura: as normas e valores de
uma nova sociedade.
[...] conjunto das instituições A hegemonia constituída entraria
responsáveis pela representação dos em conflito com a estabelecida,
interesses de diferentes grupos sociais, consolidando uma luta ideológica pela
bem como pela elaboração e/ou consciência da população, até que a nova
difusão de valores simbólicos e de
superestrutura fosse capaz de superar a
ideologias; ela compreende assim o
sistema escolar, as Igrejas, os partidos
antiga. Aí sim, assumir o poder do Estado
políticos, as organizações profissionais, significaria que a classe trabalhadora teria
os meios de comunicação, as solidificado de fato os valores e normas
instituições de caráter científico e sociais, a ponto de formar uma nova
artístico, etc.9 sociedade através do aparelho do Estado.
A ampliação do Estado teorizada
Logo a articulação dos segmentos por Gramsci representa o enfrentamento
da sociedade civil evoca possibilidades de estratégico da sociedade civil aos grupos já
inscrever suas demandas no espaço público. dominantes, para ter sua participação
Podemos tomar como exemplo a admitida na gestão do Estado.
regulamentação das legislações trabalhista, É evidente que esse processo não
na condição de resultado desse processo ocorre de maneira espontânea, já que a
onde o Estado incorpora parte das sociedade civil é perpassada por interesses
reivindicações da sociedade civil. divergentes e conflituosos. Tanto Coutinho
Considerando a importância da (2007) quanto Simionatto (2004) destacaram
sociedade civil atribuída na teoria da obra de Gramsci que a sociedade civil
gramsciana, de acordo com Coutinho pode ser compreendida como as instituições
(2007), Gramsci apresenta a estratégia de que representam os interesses dos diferentes
articulação entre a estrutura e a grupos da sociedade, bem como aquelas que
superestrutura, de forma que a sociedade são responsáveis pela elaboração e difusão
civil é a portadora material da figura social de valores e ideologias.
da hegemonia. Nas sociedades capitalistas
modernas, ainda que os interesses tenham
A hegemonia é isto: determinar os em última instância a conotação de
traços específicos de uma condição
interesses de classe, eles se tornaram mais
histórica, de um processo, tornar-se
protagonista das reivindicações de
complexos, envolvendo outras demandas
outros estratos sociais, da solução das que inexistiam no século XIX. Os
mesmas, de forma a unir em torno de segmentos da sociedade passaram a
si esses estratos, realizando com eles reivindicar direitos em setores como: negros,
uma aliança na luta contra o indígenas, mulheres, ambientalistas, idosos,
capitalismo.10 crianças e adolescentes.
É imprescindível consolidar
Simionatto (2004), afirma que instâncias capazes de articular essas
teríamos um movimento dialético e demandas e inscrevê-las nas agendas
democrático, onde a busca pela hegemonia e públicas do Estado, visando à consolidação
pelas alianças de classe se caracterizaria dos interesses coletivos em detrimentos dos
como idéias fundamentais, exigindo que a particulares. No Brasil, principalmente a
classe trabalhadora constitua unidade, partir da década de 1990, a descentralização
organização e, sobretudo atitude, transição político-administrativa na gestão das
do senso comum a condição de bom senso. políticas públicas adotou canais
institucionalizados de participação popular.
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Esses instrumentos como fóruns, do controle social “onde a esta cabe


conferências e conselhos de política e de estabelecer práticas de vigilância e controle
direitos, carregam o potencial (ainda que por sobre aquele” (CARVALHO, 1995, p.8).
vezes não se efetive) de inscrever na agenda A referida compreensão de
estatal as demandas advindas dos diferentes controle social emerge no contexto de luta
setores que compõem a sociedade civil. dos movimentos sociais pela
redemocratização da sociedade e do Estado
brasileiro a partir da década de 1980 e toma
Caminhos para a Participação: forma e conteúdo no aparato jurídico
princípio que fundamenta o moderno. Contudo historicamente, esta
controle social categoria esteve marcada pelo entendimento
Como é sabido a Constituição de controle da sociedade através do aparato
Federal de 1988 ampliou os diretos de estatal e do empresariado por meio do uso
cidadania e introduziu novos modelos de da força física, política ou militar ou ainda de
gestão e organização nas áreas sociais através políticas compensatórias, associadas a uma
da garantia da participação da sociedade civil cultura paternalista.
na formulação das políticas e no controle Tal entendimento remonta às
das ações públicas em diferentes níveis, logo primeiras interpretações da categoria,
a participação é concebida como originário de uma visão altamente
interferência política das entidades da conservadora no âmbito da Sociologia. No
sociedade civil em órgãos, agências ou entanto, o sentido de controle social inscrito
serviços do Estado responsáveis pela na Constituição implica na garantia do
elaboração e gestão das políticas públicas na princípio da participação na gestão pública.
área social. Segundo Bravo (2002), esta última
De acordo com a manifestação de concepção de controle social tem como
Duriguetto a este respeito, temos que: marco o processo de redemocratização da
sociedade brasileira com o aprofundamento
[...] passa-se a ter, como foco de do debate referente à democracia.
convergência, a defesa de que uma Redefiniram-se também a relação
nova estratégia para a democratização entre as esferas administrativas municipal,
estaria na criação e ocupação, pela estadual e federal, estabelecendo diretrizes
sociedade civil, de novos espaços
para a efetivação do comando único nas
públicos de debate, negociação e
deliberação. Nesses espaços, não
diferentes esferas do governo, à luz da
monopolizados ou controlados pelo participação da sociedade em Fóruns,
Estado, se buscaria reformular a noção Conferências, Conselhos12 e Comissões.
de interesse público, bem como o Desta maneira, desde então o controle social
papel e as responsabilidades estatais.11 passa a ser compreendido, ainda que do
ponto de vista formal, como “controle do
Estado por meio de toda a sociedade”
O Brasil na condição de Estado (SOUZA, 2006, p.167).
Democrático de Direito reconhecido pela Siqueira (2005) destaca que o papel
positivação na constituinte, passa a dos conselhos contempla a definição das
contemplar a partilha de poder entre a diretrizes de ação e proposição de políticas
sociedade política e sociedade civil. Destarte, junto às esferas governamentais; a aprovação
foram criadas instâncias de participação de orçamentos públicos; a definição de
social no sentido de garantir interação entre prioridades de investimento, bem como, a
as demandas desse segmento e as políticas fiscalização da aplicação dos recursos e da
de intervenção de cada área, objetivando execução das ações e serviços, tornando o
atender a população via políticas públicas e processo de implementação das políticas
ainda garantir no cotidiano das relações sociais público.
entre Estado e Sociedade Civil a efetividade

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Para Souza (2004), o Os conselhos gestores de políticas


reconhecimento do caráter controlador e públicas estão inseridos no aparelho estatal,
fiscalizador da sociedade na gestão das sendo um espaço de interlocução entre o
políticas públicas, possibilitou uma outra Estado e a sociedade civil. Os conselhos são
perspectiva sobre as possibilidades em torno espaços contraditórios, de lutas e disputas de
do controle social e trouxe a tona o debate interesses, sendo que o interesse público
sobre os processos de participação. deverá ter primazia, conforme a agenda
Segundo Nogueira (2004), a ideia democrática. A sociedade civil inserida neste
de participação passa a ser entendida como contexto, está permeada por contradições de
aspecto relevante na gestão pública, devido interesses, e deverá pautar sua atuação na
também a capacidade de possibilitar o democracia participativa rumo às reformas
desenvolvimento e sustentabilidade das qualitativas e substantivas do Estado. Como
políticas públicas, diferentemente da sugere Nogueira, um Estado sem sociedade
convicção anterior que compreendia os civil é um Estado:
processos participativos como entraves a
implementação das políticas. [...] concentrado em seus poderes
A sociedade passa a ser desafiada a executivos, vazio de política,
participar da gestão pública através dos racionalmente gerencial, quando muito
canais institucionalizados de participação concebido como defensor de uma
democracia minimalista e de uma
popular tendo que assimilar a prática do
sociedade civil capacitada para firmar
controle social como evidencia Souza parcerias ou atuar em processos de
(2004). descentralização participativa
Nos mais variados setores de meramente protocolares.13
política, os conselhos gestores passaram a
garantir no plano formal, através da paridade A prática democrática no interior
e do poder deliberativo, que poder público e dos conselhos gestores, apesar de
os segmentos organizados da sociedade civil contraditória e conflituosa, vem contrapor as
dialogassem no processo de definição das idéias de Weber e Schumpeter que tendem a
prioridades e de investimento. Assim, os um conceito bastante restrito de democracia,
conselhos tornaram-se, nas três esferas de acreditando que os únicos participantes do
governo, espaços importantes no processo processo democrático são os membros das
de gestão das políticas e de deliberação dos elites políticas.
Fundos Orçamentários. Os conselhos definem-se como
Estes conselhos estão atrelados a órgãos participativos que estão abertos à
um aspecto técnico-burocrático da gestão expressão e defesa de interesses particulares,
pública e na medida em que promovem o porém não se deve perder de vista, nesta
encontro dos segmentos organizados da arena de negociações, o interesse público,
sociedade civil com representantes do poder que é superior aos privados na busca da
público, possuem um caráter político participação democrática.
bastante significativo. Entendemos que este assunto é
Contudo a previsão destes espaços complexo e dotado de amplitude, a ideia
embora evidencie uma ruptura com um foi pontuar alguns aspectos para futuros
Estado autoritário, não garante por si só a aprofundamentos, nos quais o tema poderá
democratização das relações sociais. ser amplamente discutido contribuindo de
Segundo os estudos na área, os espaços de forma mais significativa para este debate.
associativismo, convivem com uma cultura Bem sabemos que todo esse
política marcada pelo corporativismo e processo representou um avanço para a
particularismo de interesses. Desta forma, a democracia brasileira. “Este avanço se
construção de uma cultura política que revelaria na nova institucionalidade pública”
defenda interesses coletivos é essencial à (GOHN, 2001:85 apud PERISSINOTTO,
legitimidade do Estado democrático. 2004, p.48). De certo modo os conselhos
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quebram o monopólio da burocracia estatal Verifica-se então, que a gestão


sobre o processo decisório das políticas participativa precisa estar revestida de força
públicas. e de iniciativa suficientes para dirigir,
Estas novas formas de controle coordenar e impulsionar o processo de
social levam à gestão participativa, através de formulação, implementação e avaliação das
um cidadão ativo, qualificado para interferir políticas públicas visando a garantia da
na gestão, privilegiando aquilo que é público, qualidade dos serviços públicos. Assim, esta
o bem comum e o interesse de todos. forma de gestão necessita acima de tudo,
Segundo Nogueira estas novas formas de “ser capaz de pensar o Estado e de valorizar
gestão participativa “promovem um novo o espaço público democrático”
vínculo entre representante e representado, (NOGUEIRA, 2004, p.148).
tanto no sentido de que alarga e reformula a A possibilidade de participação dos
representação quanto no sentido de que dá movimentos que representam os interesses
novo valor e novo espaço à democracia dos setores populares é vista como o
participativa” (NOGUEIRA, 2004, p.146). caminho para a consolidação da democracia
Os espaços públicos são espaços de e a construção de mecanismos de controle
debate, de conflito de idéias, que têm a social sobre o Estado, cria um modelo
argumentação, a negociação, as alianças e político de democracia participativa.
produção de consensos possíveis como seus Considerando as prerrogativas da
procedimentos fundamentais, nos quais se Constituição Federal de 1988 e as legislações
reconhece a pluralidade e a legitimidade dos ordinárias posteriores, os conselhos gestores
interlocutores, condição esta não só do de política são espaços de democracia
espaço público, mas de toda convivência participativa, através do qual a sociedade
democrática (DAGNINO, 2002, p.285). civil carrega potencialmente o direito de
As políticas públicas muito embora participar efetivamente na elaboração e
promovidas pelo Estado, contemplam os controle das políticas de atendimento. Neste
embates em suas deliberações dos encontros sentido, seu pleno funcionamento garantiria
entre sociedade política e sociedade civil. a ampliação e a vocalização das demandas
Com a previsão de canais de populares, tornando-as públicas. Entretanto,
participação, a autoridade pública cumpre o as pesquisas vêm mostrando que os desafios
seu papel e assume as suas responsabilidades na democratização da gestão social não são
de governar em igualdade de condições (no poucos.
plano formal), cabe destacar que a simples Para uma melhor compreensão
previsão não garante a legitimidade desse desta forma de gestão participativa faz-se
espaço, até porque tudo isso não acontece necessário algumas considerações sobre a
de maneira pontual, pragmática, é na democracia no processo de tomada de
correlação de forças no cotidiano que essas decisões.
possibilidades da sociedade civil vão
tomando corpo dentro do Estado.
A garantia desse espaço de poder A Participação Política como
implica participação política, contudo Democracia
nenhuma sociedade civil é imediatamente Para interpretar a teoria e a prática
política, uma vez que ela é perpassada por da democracia, seria necessário situá-la no
interesses egoístico-passionais e pela defesa período que cobre desde a Grécia antiga,
parcial destes interesses, sua dimensão com seus ideais políticos de igualdade entre
política é processo, precisa ser construída. os cidadãos, liberdade, respeito pela lei ou
Assim, esses espaços, exigem o constante pela justiça, até os dias atuais, em que estes
aprendizado da construção de hegemonia, princípios tomam outros significados, sob as
requer o reconhecimento da pluralidade na condições da globalização da economia.
busca de pautas coletivas e formação do Conforme anota Held “[...] a
consenso. democracia parece emprestar uma aura de
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legitimidade à vida política moderna [...] luta competitiva pelos votos da população”
porém a democracia é uma forma (SCHUMPETER, 1984, p.336).
notavelmente difícil de governo, tanto para Se para Marx o governo
ser criada quanto para ser mantida” (HELD, democrático era inviável numa sociedade
1987, p.1). Percebe-se que não são poucos capitalista, para Weber a democracia
os conflitos que envolvem a questão da representava um antídoto contra o avanço
democracia, principalmente no que diz totalitário da burocracia e ainda para
respeito a aplicabilidade e efetivação desta Schumpeter significava uma proteção contra
forma de governo. a tirania.
Considerando o debate
contemporâneo sobre democracia
Marx acreditava que o governo
democrático era, essencialmente,
participativa, lembramos, a partir de Oliveira
inviável em uma sociedade capitalista: (2003), que a democracia participativa para
a regulamentação democrática da vida Poulantzas “envolve a articulação entre a
não poderia ser atingida sob as transformação do Estado e o
restrições impostas pelas relações desenvolvimento da democracia direta na
capitalistas de produção. Ele base, o que supõe o suporte decisivo e
considerava necessário transformar a contínuo de um movimento sustentado em
própria base da sociedade para criar a amplas alianças populares (OLIVEIRA,
possibilidade de uma “política 2003, p.38).
democrática.14 A democracia participativa é
legítima em si mesmo, nas palavras de
O mesmo autor se referindo a Nogueira:
Weber e Schumpeter, coloca que os
mesmos partilharam uma concepção de vida [...] pode-se perceber que a
política na qual haveria pouco espaço para a participação é tanto mais efetiva
quanto mais se articula com a
participação democrática e desenvolvimento representação, tanto no sentido de
coletivo e onde qualquer espaço existente utilizá-la como espaço privilegiado da
estava sujeito a ameaça de constante erosão negociação política ampliada, seja no
por parte de poderosas forças sociais. As sentido de pressioná-la para que se
obras de ambos tenderam a um conceito abra cada vez mais ä diversidade social
bastante restrito de democracia, vendo-a e à própria democracia.15
como um meio de escolher pessoas
encarregadas da tomada de decisões e de Nesta mesma direção, Pateman:
colocar alguns limites a seus excessos.
“Weber defendeu diretamente a tradição [...] destaca as virtudes da participação
liberal democrática clássica, a qual procurou democrática, graças a sua capacidade
de forma consistente, defender e limitar os de aumentar o senso de eficácia
política, reduzir o distanciamento dos
direitos políticos dos cidadãos” (HELD, centros de poder, preocupar-se com
1987, p.145). problemas coletivos e formar cidadãos
Para Schumpeter, democracia seria ativos, com maior interesse pelos
uma estrutura institucional para chegar a assuntos governamentais.16
decisões políticas investindo certos
indivíduos com o poder de decidir sobre Não seriam estes uns dos principais
todas as questões como consequência de sua objetivos dos conselhos, visto como espaço
dedicação bem sucedida a obtenção do voto de efetivação da democracia participativa? A
popular. “O método democrático é aquele prática desta forma de participação, torna o
acordo institucional para se chegar a indivíduo mais determinado e passa a dispor
decisões políticas em que os indivíduos de maiores oportunidades para se educar
adquirem o poder de decisão através de uma como cidadão público. Segundo Pateman:

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a democracia participativa engendra o a construção dos consensos que possam


desenvolvimento humano, aumenta o configurar o interesse público.
senso de eficácia política [...], nutre Paoli e Telles (2000) discutem a
uma preocupação com problemas possibilidade de uma “[...] sociedade civil
coletivos e contribui para a formação emergente construída no solo conflituoso da
de um corpo de cidadãos ativos e
conhecedores, capazes de ter um
vida social, através de práticas de
interesse mais agudo nos assuntos representação e negociação de atores
governamentais.17 coletivos reconhecidos na legitimidade de
seus interesses e dos direitos reivindicados”
Apreendemos que os modelos de (PAOLI e TELLES, 2000, p. 104). Essa é
democracia podem ser divididos em dois uma possibilidade que existe, pois as lutas
tipos, como concebe Held (1987): sociais nos anos de 1980 construíram um
democracia direta ou participativa (um espaço público no qual se difundiu “uma
sistema de tomada de decisão sobre assuntos consciência do direito a ter direitos [...] em
públicos no qual os cidadãos estão que a cidadania é buscada como luta e
diretamente envolvidos) ou a democracia conquista e a reivindicação de direitos
liberal ou representativa – um sistema de interpela a sociedade enquanto exigência de
governo que envolve oficiais eleitos que uma negociação possível” (PAOLI e
tomam para si a tarefa de representar os TELLES, 2000, p. 105).
interesses e/ou pontos de vista dos cidadãos A sociedade civil abre um novo
dentro do quadro de referência do governo caminho, um caminho para a construção de
da lei. uma esfera pública pautada na cidadania e
A partir da constatação dos limites nos direitos, conforme Benevides (1994), a
da democracia representativa, historicamente ampliação dos direitos políticos através da
vai se construindo o projeto democrático- instituição da participação direta dos
participativo, constituído no cidadãos, democratiza o Estado.
aprofundamento da democracia a partir da Embasados nos ensinamentos de
participação política, como forma O’Donnell, os autores Dagnino, Olvera e
privilegiada das relações entre Estado e Panfichi (2006), propõe que somente uma
sociedade. cidadania integral (isto é, o acesso pleno aos
Neste modelo a sociedade civil direitos civis, políticos e sociais) pode
passa a ser vista como protagonista do garantir a existência de uma verdadeira
processo de consolidação da democracia, e democracia. Surgem então, novas formas de
como caminho para se atingir a cidadania, pensar a democracia, através da
tal como propõe Duriguetto (2007), e supõe incorporação da participação da sociedade,
a sociedade civil como espaço de ampliação com a concepção de um cidadão portador
da democracia a partir de seus movimentos de direitos, propondo mudanças na forma
sociais. de pensar e exercer a política.
No projeto democrático A sociedade civil institucionaliza-se
participativo encontramos a concepção de mediante os direitos fundamentais. A partir
sociedade civil como um elemento central, de Teixeira (2001), concebemos que os
neste caso, seria constituída pelos setores direitos são garantidos por leis que
organizados da sociedade “[...] reconhecida estabilizam a sociedade civil, e que sua
na sua heterogeneidade e concebida de efetivação “[...] depende da própria
maneira ampla e inclusiva, dado o seu papel sociedade civil, da cultura política e de sua
de assegurar o caráter público do Estado por organização, que também deverá zelar pela
meio da participação e do controle social” construção de novos direitos de acordo com
(DAGNINO, OLVERA e PANFICHI, novas necessidades e aspirações”
2006, p. 51). É dentro da sociedade civil que (TEIXEIRA, 2001, p. 45).
se daria o debate entre os vários interesses, e Duriguetto (2007), enfatiza que “o
núcleo do conceito de democracia é o
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princípio da cidadania”, e como a noção de participação, em um Estado representativo


cidadania está imbricada com o “direito a ter as principais deliberações políticas são
direitos” e do “direito a ter novos direitos”, tomadas por representantes eleitos. Em
a dimensão da cidadania se materializa nas oposição a esse modelo de democracia
ações presentes na sociedade civil que fazem representativa, muitos autores dispostos a
ecoar as demandas de diferentes grupos, pensar numa nova forma de controle
movimentos e organizações, buscando democrático e qual deve ser a esfera de
suscitar o debate público sobre a questão tomada de decisões, contribuíram para a
dos direitos. No entanto: “É com uma reformulação das concepções sobre
participação política no âmbito institucional democracia e liberdade, surgindo a
e extra-institucional de forma ativa e democracia participativa.
contínua que se aposta na expansão gradual Surgem então, novas formas de
do direito a ter direitos [...] é esse processo pensar a democracia, através da
que é descrito como democratização” incorporação da participação da sociedade,
(DURIGUETTO, 2007, p.213). com a concepção de um cidadão portador
Concordamos com Dagnino, de direitos, propondo mudanças na forma
Olvera e Panfichi (2006) quando colocam de pensar e exercer a política. Duriguetto
que: (2007) enfatiza que “o núcleo do conceito de
democracia é o princípio da cidadania” e
[...] é possível construir um novo somente uma cidadania integral (isto é, o
projeto democrático baseado nos acesso pleno aos direitos civis, políticos e
princípios da extensão e generalização sociais) pode garantir a existência de uma
do exercício dos direitos, da abertura verdadeira democracia.
de espaços públicos com capacidades
Neste momento a sociedade civil
decisórias, da participação política da
sociedade e do reconhecimento e
passa a ser vista como protagonista do
inclusão das diferenças.18 processo de consolidação da democracia,
abrindo um novo caminho. Um caminho
O caminho para o modelo para a construção de uma esfera pública
democrático participativo é a conquista dos pautada na cidadania e nos direitos, como
direitos, levando à ampliação da democracia coloca Paoli e Telles (2000).
e da cidadania através da participação da No projeto democrático
sociedade civil em novos espaços participativo encontramos a concepção de
denominados por muitos autores como sociedade civil como um elemento central,
esfera pública e espaço público. neste caso, conforme coloca Duriguetto
Concebemos que, mecanismos (2007) a partir de Gramsci, sociedade civil é
tradicionais de democracia representativa a esfera em que as classes organizam e
não tem respondido às demandas sociais defendem seus interesses e disputam a
cada vez mais crescentes, e neste contexto, hegemonia.
os conselhos gestores podem apresentar A partir deste entendimento, o
como uma importante alternativa para aperfeiçoamento da democracia passa a ser
resposta a essa demanda, ampliando a pensado a partir do fortalecimento da
participação social e consequentemente, a sociedade civil. Nos espaços de participação
democracia direta ou participativa. não-governamentais é que os interesses
coletivos são transformados em direitos,
contribuindo assim, para o aprofundamento
Considerações finais da democracia.
Dois modelos de democracia Como sabemos entre as décadas de
envolvem o debate contemporâneo. Na 70 e 80 se intensificam reivindicação por
democracia representativa os autores bens, serviços e direitos sociopolíticos. Essa
mantém a defesa da democracia, mas esta se luta política empreendida pelo
limita ao voto e exclui formas mais ativas de reconhecimento das demandas da população
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foi impulsionada pela articulação de diversos Democrática no Brasil: Limites e


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1
Mestranda em Ciências Sociais Aplicadas da
OLIVEIRA, Heloísa Maria José de. Cultura Universidade Estadual de Ponta Grossa e
Política e Assistência Social: uma análise Professora do Departamento de Serviço Social da
das orientações de gestores estaduais. Universidade Estadual do Centro Oeste.
São Paulo:Cortez, 2003. 2
Mestranda em Ciências Sociais Aplicadas da
Universidade Estadual de Ponta Grossa e Assistente
PAOLI, Maria Cecília; TELLES, Vera S. Social da Secretaria Municipal de Assistência
Direitos Sociais: conflitos e negociações Social de Ponta Grossa.
no Brasil contemporâneo. In: Cultura e 3
Política nos movimentos sociais latino Professora Doutora do Mestrado em Ciências
americanos: novas leituras. Belo Horizonte: Sociais Aplicadas e do Departamento de Serviço
UFMG, 2000. Social da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
4
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1992. 5
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SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Paulo: Cortez, 2007, p. 48.
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Tradução de Jean Melville. São Paulo: Martin
1984. Claret, 2001, p, 60.
SIQUEIRA, Rosângela Bujokas de. 7
CARNOY, Martin. Estado e teoria política. 2ª ed.
Conselhos de Política e Participação Campinas, São Paulo: Papirus, 2005, 90.
Democrática: Análise dos Setores Saúde
e Assistência Social em Ponta Grosa – 8 A partir das discussões de Nogueira (2000), o
conceito de “bloco histórico” compreende a
PR. Dissertação de mestrado em Ciências totalidade concreta formada pela articulação da
Sociais Aplicadas da UEPG, 2005. infra-estrutura material e das superestruturas
político-ideológicas.
SIMIONATTO, Ivete. Gramsci: sua
9
teoria, incidência no Brasil, influência no COUTINHO, Nelson Coutinho. Marxismo e
Serviço Social. 3.ª ed. São Paulo: Cortez, Política: a dualidade de poderes. 1. ed. São Paulo:
Cortez, 1994, 54.
2004.
10
COUTINHO. Carlos Nelson. Gramsci: um estudo
SOUZA, Rodriane de Oliveira. sobre seu pensamento político. 3.ª ed. Rio de
Participação e Controle Social. In: Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 78).
SALES, Mione Apolinário;
11
DURIGUETTO, Maria Lúcia. Sociedade Civil e
TATAGIBA, Luciana. Os Conselhos Democracia: um debate necessário. 1. ed. São
Gestores e a Democratização das Paulo: Cortez, 2007, p. 168.

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12
Os conselhos de política, de acordo com
TATAGIBA (2002), estão ligados às políticas
públicas mais estruturadas e concretizadas em
sistemas nacionais. São, em geral, previstos em
legislação nacional, tendo ou não caráter
obrigatório, e são considerados parte integrante do
sistema nacional, com atribuições legalmente
estabelecidas no plano da formulação e
implementação das políticas na respectiva esfera
governamental, compondo as práticas de
planejamento e fiscalização das ações. São também
concebidos como fóruns públicos de captação de
demandas e negociação de interesses específicos
dos diversos grupos sociais e como uma forma de
ampliar a participação de segmentos com menos
acesso ao aparelho do Estado. Neste grupo situam-
se os Conselhos [...] de Saúde, de Assistência
Social, de Educação, de Direitos da Criança e do
Adolescente [...]. Dizem respeito à dimensão da
cidadania, da universalização de direitos sociais e à
garantia ao exercício desses direitos. Zelam pela
vigência desses direitos, garantindo sua inscrição
ou inspiração na formulação das políticas e seu
respeito na execução delas (TATAGIBA, 2002, p.
49).

13
(NOGUEIRA, 1999:87, apud OLIVEIRA,
2003:79).
14
HELD, David. Modelos de Democracia.Tradução
de Alexandre Sobreira Martins. Belo Horizonte:
Paideia,1987. p. 103.
15
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado para a
Sociedade Civil: temas éticos e políticos da gestão
democrática. São Paulo: Cortez, 2004. p, 159.
16
OLIVEIRA, Heloísa Maria José de. Cultura
Política e Assistência Social: uma análise das
orientações de gestores estaduais. São
Paulo:Cortez, 2003, p. 39.
17
PATEMAN, Carole. Participação e Teoria
Democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p.
233.
18
DAGNINO, Evelina. OLVERA, Alberto.
J.,PANFICHI, Aldo. (orgs). A disputa pela
construção democrática na América Latina. São
Paulo: Paz e Terra, Campinas, Unicamp, 2006, p.
14.

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