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LIVRO: A SEGUNDA ETAPA DA REFORMA PROCESSUAL

Flávio Cheim Jorge

2. O PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DOS EMBARGOS INFRINGENTES E


DOS RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO (ART. 498)
O nosso sistema processual sempre adotou, como regra, o princípio da singularidade
dos recursos. O CPC/39 era taxativo, em seu art. 80914, nesse ponto, não permitindo às
partes “usar, ao mesmo tempo, de mais de um recurso”.
Apesar de o CPC atual não fazer referência a esse princípio, não existe divergência em
âmbito doutrinário15 ou jurisprudencial16 quanto à sua incidência. Parece-nos que o
princípio da singularidade decorre de dois aspectos ligados aos recursos:
a) em primeiro lugar, as decisões judiciais, para efeitos recursais, são de um modo geral
incindíveis, sobretudo as monocráticas. Assim, contra elas somente terá cabimento um
único recurso, em razão de se apresentarem como uma só realidade;
b) em segundo, pelo fato de ser aplicado integralmente aos recursos o instituto da
preclusão. Interpondo a parte um recurso, não se terá mais espaço para a interposição de
outro. Operando-se a preclusão consumativa, de rigor ter-se-á a inadmissão do segundo
recurso em razão da presença de um fato impeditivo do direito de recorrer.
Não obstante essas considerações, o próprio sistema, em algumas situações, em
verdadeira exceção ao princípio da singularidade, permitia a utilização de mais de um
recurso contra a mesma decisão. Isso se dava, por exemplo, na hipótese da interposição
simultânea dos embargos infringentes com os recursos especial e extraordinário ou
mesmo com a interposição simultânea dos dois últimos.
As conseqüências advindas das exceções à incidência do princípio da singularidade
eram gravíssimas. Sendo caso de interposição de mais de um recurso contra a mesma
decisão, como, por exemplo, a interposição de recurso especial e embargos infringentes,
o capítulo da decisão não impugnada pelo recurso correspondente transitava em julgado.
Se um acórdão contivesse uma parte unânime e outra não unânime, e o recorrente
somente se utilizasse do recurso de embargos infringentes, não poderia posteriormente
lançar mão do recurso especial, em relação à parte dita unânime da decisão.
Esse posicionamento já vinha sendo consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, através
das Súmulas 35417 e 35518, e pelo Superior Tribunal de Justiça, por intermédio
O art. 498 do CPC é justamente o que regulamentava e determinava a interposição
simultânea dos embargos infringentes e dos recursos especial e extraordinário. Com a
nova redação, esse sistema restou completamente alterado. Vejamos:
Redação anterior
Art. 498. Quando o dispositivo do acórdão contiver julgamento por maioria de
votos e julgamento unânime e forem interpostos simultaneamente embargos
infringentes e recurso extraordinário ou recurso especial, ficarão estes sobrestados
até o julgamento daquele.”
Redação atual
Art. 498. Quando o dispositivo do acórdão contiver julgamento por maioria de
votos e julgamento unânime, e forem interpostos embargos infringentes, o prazo
para recurso extraordinário ou recurso especial, relativamente ao julgamento
unânime, ficará sobrestado até a intimação da decisão nos embargos.
Parágrafo único. Quando não forem interpostos embargos infringentes, o prazo
relativo à parte unânime da decisão terá como dia de início aquele em que transitar
em julgado a decisão por maioria de votos.
A alteração introduzida pelo legislador acaba por privilegiar, e muito, o princípio da
singularidade. Antes da modificação, conforme já mencionado, o recorrente deveria
interpor embargos infringentes contra a parte não unânime e recursos especial ou
extraordinário contra a parte unânime. Como o prazo para a interposição desses recursos
era o mesmo, a parte tinha quinze dias para interpor os dois ou até mesmo os três
recursos.
Com a reforma, a parte não precisará utilizar-se de imediato dos dois recursos.
Aguardará o julgamento dos embargos, e somente após a intimação desse resultado é
que o prazo para a interposição dos recursos excepcionais terá início1.
Outro objetivo do legislador, ao alterar o art. 498, foi facilitar o processamento dos
recursos excepcionais e dos embargos infringentes, quando interpostos contra um
mesmo acórdão. Pela redação anterior, interpondo a parte dois recursos — um
excepcional e os embargos infringentes —, ficava o recurso excepcional sobrestado até
o julgamento dos referidos embargos. Quando intimada do acórdão que julgava os
embargos, caso a decisão fosse mantida, era possível ainda que a parte interpusesse
outro recurso excepcional, impossível de ser interposto antes, pela falta de esgotamento
dos recursos na instância ordinária2. Ter-se-ia, então, por exemplo, a possibilidade de
existirem dois recursos especiais interpostos na mesma causa.
Dessume-me dessa narrativa que a necessidade de simplificar esse procedimento existia.
Veja-se que não havia nenhuma razão, a não ser legislativa, é claro, para que o
recorrente interpusesse desde logo o seu recurso especial, o qual somente seria
processado após o julgamento dos embargos infringentes, e muitas vezes em conjunto
com outro recurso especial também interposto pelo mesmo recorrente.
Pela redação atual, quando um acórdão contiver uma parte unânime e outra não
unânime, uma vez interpostos os embargos infringentes, não haverá mais o ônus de se
interpor o recurso excepcional. Mesmo sendo caso de recurso excepcional contra a parte
unânime, o prazo para a sua interposição somente começará a fluir após a intimação do
julgamento dos embargos infringentes, ou, então, do julgamento dos embargos de
declaração interpostos contra esse acórdão, em sua eventualidade.
Intimado do julgamento dos embargos infringentes, poderá o recorrente interpor, no
prazo de quinze dias, um único recurso excepcional abrangendo os dois capítulos do
acórdão, o impugnado pelos infringentes e o outro unânime. Não haverá, por via de
conseqüência, a necessidade de realizar duas vezes as despesas para o processamento do
recurso, situação essa que, além de ilógica, poderia até representar verdadeira
denegação do acesso à justiça.

2.1. O prazo para a interposição dos recursos especial e extraordinário, quando


1
Na primeira edição deste trabalho sustentávamos que haveria que se falar na existência da interrupção
do prazo recursal, no entanto, revendo nossa posição observamos que como o prazo não chega a sequer
começar tal análise, sob essa ótica, revela-se num primeiro momento despicienda. O que pretendemos
dizer é que o prazo fica íntegro tendo o mesmo regime jurídico da interrupção.
2
É o que restou consolidado através da Súmula 207 do Superior Tribunal de Justiça: “É inadmissível
recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de
origem”.
não oferecidos os embargos infringentes

O parágrafo único do art. 498 procura deixar sedimentado o entendimento de que o


importante é que exista a possibilidade de interposição simultânea dos recursos.
Assim, mesmo não havendo a interposição dos embargos infringentes, o prazo para a
interposição do excepcional não terá começado a contar de imediato. Em tal caso, o
prazo do recurso relativo à parte unânime somente começará a contar quando transitar
em julgado a decisão tomada por maioria de votos.
A previsão do parágrafo único do art. 498 serve para situações de provimento da
apelação, em parte, por maioria de votos e, em parte, por unanimidade. Por hipótese,
imagine-se o seguinte exemplo: o autor formula dois pedidos, que, julgados
procedentes, levam o réu a interpor a apelação. No julgamento desta, o tribunal dá
provimento por maioria quanto ao primeiro pedido e nega provimento ao segundo, por
unanimidade.
Em tal hipótese, o autor poderá, por exemplo, interpor os infringentes quanto ao
primeiro pedido e o réu especial quanto ao segundo. De acordo com a nova redação do
art. 498, o prazo para o réu interpor o seu recurso especial, caso haja embargos
infringentes, terá início após a intimação de seu julgamento; e, caso não haja embargos
infringentes, o prazo se iniciará no 16º dia da publicação do acórdão da apelação, data
em que transita em julgado o capítulo do acórdão, tomado por maioria de votos.
Essa parece ser realmente a interpretação que tem que ser dada ao parágrafo único do
art. 498. No entanto, não se pode deixar de reconhecer que ela causará para as partes, e
principalmente para aquela que pretende interpor o recurso excepcional, grande
insegurança. Falamos isso porque, a prevalecer o entendimento acima, originado da lei,
o recorrente terá que verificar no próprio tribunal se os embargos infringentes foram
interpostos.
Como o parágrafo único do art. 498 do CPC não fala de intimação, ao contrário do
caput, mas tão-somente do trânsito em julgado, parece evidente que a intenção do
legislador foi realmente que o prazo para a interposição dos recursos excepcionais
começasse a correr com o trânsito em julgado, quando não interpostos os embargos. O
caput diz que o prazo “ficará sobrestado até a intimação da decisão nos embargos”, ao
passo que o parágrafo único menciona enfaticamente que o prazo “terá como dia de
início aquele em que transitar em julgado a decisão por maioria de votos”.
Parece não haver dúvida de que melhor seria se o legislador tivesse dito, assim como fez
no caput, que o prazo para a interposição do recurso excepcional começaria a correr
após a intimação da parte contrária de que não houve a interposição dos embargos
infringentes.
Tal fato causará, por certo, grande dificuldade, principalmente para aqueles que não
possuem escritórios onde se localizam os tribunais, pois terão que se deslocar até a
capital de seu respectivo Estado e verificar no 16º dia se a parte contrária interpôs
embargos infringentes. Isso sem levar em conta o caso, muito comum, de se advogar em
mais de um Estado.
De se registrar, entretanto, que essa interpretação não é totalmente estranha ao nosso
sistema recursal. O mesmo raciocínio e procedimento têm igual incidência quanto ao
recurso de embargos de declaração, o qual interposto pela parte contrária interrompe o
prazo para o recurso respectivo, independentemente de qualquer intimação (art. 538 do
CPC).
Outra análise que precisa ser feita diz respeito à hipótese de uma única parte interpor
embargos infringentes e recurso excepcional. Por outras palavras, será que se pode
chegar à mesma conclusão acima registrada se a possibilidade de interposição dos
embargos infringentes for conferida àquele que também poderá interpor o recurso
excepcional?
“Imaginemos um exemplo bem singelo: o autor faz dois pedidos, o juiz julga ambos
procedentes, o réu interpõe recurso de apelação e o tribunal reforma a sentença quanto
ao primeiro pedido, por maioria, e quanto ao segundo, por unanimidade. Se o autor
oferecer embargos infringentes, fica claro que o prazo para a interposição de seu
recurso excepcional somente terá início quando julgados aqueles
Todavia, se o autor não interpuser embargos, quando começará a correr o prazo para o
excepcional? A prevalecer a literalidade do parágrafo único do art. 498, o autor terá o
prazo de trinta dias para a interposição do excepcional. Quer dizer, basta que exista a
possibilidade da utilização dos infringentes que o autor terá o prazo em dobro para a
interposição do excepcional, isto é, quinze dias após o decurso do prazo sem
interposição dos embargos infringentes.
Realmente acreditamos que isso não possa acontecer. A mera circunstância de uma
decisão estar exposta aos embargos infringentes não possibilita concluir que esse
recorrente possa ter o prazo de trinta dias para interpor o seu recurso excepcional3.
Somente faz sentido a aplicação da regra do parágrafo único quando o interessado pela
interposição dos embargos infringentes for a parte contrária. Apenas dessa forma é que
terão sido atingidas as razões idealizadas pelo legislador para a nova redação do art.
498.
Ainda quanto ao parágrafo único do art. 498 do CPC, outras considerações
importantíssimas precisam ser feitas, tendo em vista as peculiaridades ligadas ao
cabimento dos embargos infringentes.
Está sedimentado, atualmente, que não cabem os infringentes em ação rescisória julgada
improcedente, em apelação interposta contra sentença processual e em apelação a que se
negou provimento. De outra parte, sempre existiu séria e profunda divergência quanto
ao seu cabimento no julgamento de agravo retido, em alguns casos de agravo de
instrumento e na remessa necessária20.
A pergunta que se formula, de imediato, em razão dessas considerações, é se também
nesses casos a regra do parágrafo único do art. 498 deve ter incidência. Ou seja, estando
a parte diante de uma dessas situações, e havendo julgamento por maioria de votos,
poderá ela aguardar a possível interposição dos embargos infringentes pela parte
contrária? Deverá desde logo interpor o recurso excepcional?
Pensamos que um critério seguro para a resposta a essas indagações encontra-se na
existência da “dúvida objetiva” quanto ao cabimento dos embargos infringentes21.
Existindo “dúvida objetiva”, isto é, divergência no âmbito doutrinário e jurisprudencial
quanto ao cabimento dos embargos infringentes, não achamos que o recorrente deva ser
penalizado pelo fato de ter aguardado a interposição, pela parte contrária, de seu
recurso.
O importante, portanto, é analisar se existe divergência na doutrina ou na jurisprudência
quanto ao cabimento dos embargos infringentes.
Veja-se, por exemplo, a interposição dos embargos infringentes contra acórdão que
julga agravo regimental, em que, apesar de não haver previsão legal para o seu
cabimento, a jurisprudência, notadamente do Supremo Tribunal Federal e do Superior

3
Em sentido contrário os ilustres processualistas, José Rogério Cruz e Tucci, Lineamentos da Nova
Reforma do CPC, p. 55; Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier, Breves Comentários
à 2ª Fase da Reforma do Código de Processo Civil, p. 84.
Tribunal de Justiça, admite-a pacificamente22. Ou, ainda, a interposição de embargos
infringentes contra acórdão proferido por maioria, em agravo retido, quando se tratar de
matéria de mérito, cuja admissibilidade é objeto da Súmula 255 do STJ.
Em casos tais, não se pode prejudicar a parte que, conhecedora dessa situação, houve
por bem aguardar a interposição dos embargos infringentes pela parte contrária, para
somente após interpor o seu recurso excepcional.
A parte não pode ser prejudicada por uma situação de insegurança criada pelo próprio
sistema. Se existe uma incerteza, originada exclusivamente da interpretação gerada pelo
Código de Processo Civil, não se revela razoável penalizá-la por um ato oriundo de uma
imprecisão legal, que a confunde tanto quanto a diversos outros operadores do direito,
sejam advogados, juízes, promotores, e que nem pode ser caracterizado como erro.
Daí se sugerir o critério da “dúvida objetiva”, quanto ao cabimento dos embargos
infringentes, para a aferição do prazo para a interposição do recurso excepcional, tal
qual se passa para identificar a incidência ou não do princípio da fungibilidade.
Outro problema que certamente irá surgir diz respeito à possibilidade de os embargos
infringentes não virem a ser admitidos, pela ausência de um de seus requisitos de
admissibilidade.
Em tal hipótese, em primeiro lugar, deve-se lembrar que o juízo de admissibilidade dos
recursos tem natureza declaratória. O órgão judicial apenas verifica a presença dos
requisitos, cuja existência ou inexistência é anterior ao pronunciamento23. Nicola
Giudiceandrea enfatiza, a respeito do assunto, que um recurso inadmissível não pode
obstar o trânsito em julgado, que já se verificou, quando interposto fora do prazo24.
Existe apenas o reconhecimento de que, quando da interposição dos embargos, estes não
preenchiam os requisitos de admissibilidade. Não há assim alteração na situação
jurídica. O trânsito em julgado já se teria verificado, servindo a decisão de
admissibilidade apenas para reconhecê-lo25.
Dessa feita, seria até possível sustentar, em conformidade com o exposto, que o prazo
para a interposição do recurso excepcional somente seria interrompido em caso de
admissibilidade dos embargos infringentes.
No entanto, tal conclusão não pode prevalecer. Apesar de ser indiscutível a natureza
declaratória do juízo de admissibilidade dos recursos, tem-se entendido, corretamente,
que não se pode atribuir a ele efeito ex tunc. Quer dizer, os efeitos dessa decisão não
poderão retroagir e desconsiderar os atos praticados no processo. Mesmo não sendo
admitidos os embargos, não podem ser desconsiderados os efeitos da litispendência, que
se projetam igualmente impedindo de se retroagir até a data do trânsito em julgado.

6. EMBARGOS INFRINGENTES
Os embargos infringentes sempre foram considerados como um recurso de utilidade
bastante questionada. Previstos unicamente no direito brasileiro, desde o CPC/39 a
doutrina de um modo geral já propugnava pela sua retirada de nosso ordenamento.
Pedro Batista Martins, autor do anteprojeto do CPC/39 advertia que esse recurso
tenderia a desaparecer, “em futuro próximo ou remoto, da nossa legislação processual”,
constituindo ele um “bis in idem: é o segundo tempo do recurso de apelação”59.
As críticas a respeito da permanência dos embargos infringentes em nosso sistema
recursal encontram-se fundamentadas em motivos históricos, no prolongamento ainda
maior do processo e no excesso de recursos60.
Sem querermos adentrar nas justificativas que a nosso ver seriam suficientes para
balizar a manutenção do recurso em nosso sistema61, o certo é que o legislador fez essa
opção. Poderia na reforma sob comento ter retirado em definitivo essa modalidade
recursal de nosso sistema, mas preferiu mantê-la62.

6.1. A restrição ao cabimento dos embargos infringentes


Alteração mais profunda, em relação aos embargos infringentes, introduzida pela Lei n.
10.352/2001, diz respeito ao seu próprio cabimento. Vejamos a nova disposição:
Redação anterior
Art. 530. Cabem embargos infringentes quando não for unânime o julgado
proferido em apelação e em ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os
embargos serão restritos à matéria objeto da divergência.
Redação atual
Art. 530. Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver
reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado
procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à
matéria objeto da divergência.
Da comparação da redação anterior com a atual, dada pela Lei n. 10.352, evidenciam-se
de imediato três peculiaridades, no que diz respeito ao próprio cabimento dos embargos
infringentes. A primeira concernente à necessidade de o tribunal ter reformado a
sentença, ou seja, dado provimento ao recurso de apelação. A segunda quanto à
necessidade de se estar diante de uma sentença de mérito (art. 269 do CPC). E a terceira
advém da necessidade de o tribunal ter julgado procedente a ação rescisória.
Essas peculiaridades, como se pode notar, não se encontravam no art. 530 revogado.
Anteriormente, para o cabimento dos embargos infringentes, bastava que tivesse havido
um acórdão não unânime proferido em apelação ou ação rescisória. A matéria objeto da
divergência não tinha qualquer pertinência ou relevância para o cabimento dos
embargos.
Vejamos, portanto, as três substanciais alterações.
A primeira, consistente na necessidade de o tribunal ter reformado a sentença
monocrática, representa, sob certo enfoque, um retorno ao sistema recursal do Código
de Processo Civil de 1939.
Essa modificação retrata quase com fidelidade o panorama que existia para os embargos
infringentes no sistema recursal do Código de Processo Civil de 1939, e, se assim é,
toda cautela é pouca, pois, conforme se sabe, o sistema recursal do Código revogado era
extremamente prolixo e defeituoso.
A redação original do art. 833 do Código de Processo Civil de 1939, antes da mudança
promovida com o Decreto n. 8.570, de 8 de janeiro de 1946, previa expressamente o
“critério da dupla conformidade”, pelo qual não caberiam os embargos se a decisão do
tribunal confirmasse a sentença, ainda que por maioria. Era requisito, portanto, que o
tribunal reformasse a sentença.
Esse critério, segundo ressalta Pedro Batista Martins, procurava dar mais influência à
sentença do juiz de primeira instância e reduzir o acúmulo de serviços nos tribunais 63 e
64.
Prevalecendo a dupla conformidade, não terão mais cabimento os embargos infringentes
de acórdãos que não conheçam, por maioria de votos, do recurso de apelação, pois a
sentença permanecerá inalterada e não reformada.
No entanto, mesmo que o art. 530 tenha mencionado apenas a palavra “reformado”,
somos levados a sustentar que também nas hipóteses de anulação da sentença, por
maioria de votos, deverão ser cabíveis os embargos infringentes. Apesar de não
podermos confundir “sentença reformada” com “sentença anulada”, a primeira oriunda
do acolhimento de error in judicando e a segunda decorrente da presença de error in
procedendo, certamente que o mencionado requisito da dupla conformidade não se
encontra presente, pois o tribunal, no julgamento do recurso de apelação, impôs uma
situação diversa da existente com a prolação da sentença.
Como consta da Exposição de Motivos do Projeto n. 3.474, “se o acórdão confirma a
sentença, teremos decisões sucessivas no mesmo sentido, e não se configura de boa
política judiciária proporcionar ao vencido, neste caso, mais um recurso ordinário”.
A segunda peculiaridade apresentada enseja, sem a menor dúvida, severa crítica.
Determinar o cabimento dos embargos infringentes unicamente para as hipóteses de
sentença de mérito significa, em última análise, proporcionar uma série de inquietações
e indagações de ordem doutrinária e jurisprudencial.
Como já mencionamos, quando comentamos sobre a modificação introduzida no art.
515, § 3º, em inúmeras situações é muito difícil, senão impossível, fazer uma perfeita
distinção entre a sentença processual e a sentença de mérito, principalmente quando ela
acolhe a ausência de uma das condições da ação.
É possível, como citado, que o juiz venha a extinguir o processo “sem julgamento de
mérito”, com base no art. 267, mas inequivocamente esteja extinguindo o processo com
julgamento de mérito (art. 269).
Por isso é que, mesmo existindo um artigo no Código de Processo Civil em que são
disciplinadas as hipóteses nas quais o processo é extinto com julgamento de mérito, não
se pode deixar de também trazer à baila a lição que nos foi legada pelo Código de
Processo Civil de 1939. Neste diploma, em função da previsão de recursos diferentes
para atacar uma mesma decisão, somente variando em razão de esta ter extinto ou não o
processo com julgamento de mérito, era muito comum que a parte fosse prejudicada.
Tanto era assim que existia expressamente, no art. 810, a previsão de incidência do
princípio da fungibilidade quando a parte não incidisse em erro grosseiro ou má-fé na
interposição do recurso.
Por tudo isso, preferível seria manter a redação anterior, tornando dispensável o
conteúdo da decisão recorrida para a aferição do cabimento dos embargos infringentes.
Note-se que não existe a necessidade da presença de dois pronunciamentos (primeiro e
segundo grau) a respeito do mérito4. O imprescindível é apenas a apreciação do pedido
autoral, mesmo que uma única vez, e que consequentemente possa incidir o instituto da
coisa julgada.
Por isso, é que mesmo que a sentença monocrática seja processual, caso o tribunal
julgue diretamente o pedido, nos termos do § 3º do art. 515, cabíveis serão os embargos
infringentes. Haverá nesse caso pronunciamento de mérito e estaremos diante de dois
pronunciamentos em sentidos distintos, dando ensejo então ao afastamento da “dupla
conformidade”5.
Pelas mesmas razões é que defendemos anteriormente que caso a sentença de mérito

4
Sérgio Shimura, Os embargos infringentes e seu novo perfil, in Aspectos Polêmicos e Atuais dos
Recursos, vol. V, p. 501/502.
5
Em sentido contrário, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier, op. cit., p. 132.
seja anulada e, por via de consequência, o tribunal não tenha se manifestado sobre o
pedido, os embargos infringentes têm cabimento6. É que o provimento dos embargos
infringentes pode levar à manutenção da sentença de mérito modificada pelo julgamento
do recurso de apelação. Basta que o voto vencido seja no sentido de se negar
provimento ao recurso de apelação. Já a terceira peculiaridade apresenta-se em estrita
consonância com o critério da “dupla conformidade”, de modo que somente terão
cabimento os embargos infringentes, em sede de ação rescisória, se o tribunal tiver
modificado a decisão rescindenda.
Objetiva-se, assim, da mesma forma, que existam entendimentos diversos sobre a
mesma questão, o proferido pela decisão rescindenda e o versado no julgamento da ação
rescisória.
Se assim é, o imprescindível é que com o julgamento da ação rescisória surja, em
relação à decisão rescidenda, uma posição diametralmente oposta. Na ação rescisória
onde somente exista o pedido de rescisão (iudicium rescindens), os embargos serão
cabíveis se procedente essa pretensão. É o que pode ocorrer quando se aponta a ofensa à
coisa julgada. Já quando existe formulação não apenas do pedido de rescisão (iudicium
rescindens), mas também do de novo julgamento (iudicium rescisorium), a divergência
caracterizadora dos embargos infringentes somente vai ser pertinente se verificada neste
último. Assim, se o Tribunal rescinde, por maioria de votos, a sentença proferida por
juiz impedido (art. 485, II, CPC) mas mantém a conclusão da decisão rescindenda, os
embargos infringentes não terão cabimento, mesmo que a ação rescisória tenha sido
decidida por maioria de votos.
Por fim, cumpre ressaltar que não é possível dizer, com precisão, se as inúmeras
situações consolidadas hoje na jurisprudência deixarão de ser discutidas. É o que
certamente acontecerá, por exemplo, apesar da expressão “em grau de apelação”, quanto
ao cabimento dos embargos infringentes de acórdãos tirados de agravo que versarem
sobre matéria de mérito66 e os embargos infringentes originados de acórdãos
provenientes de remessa necessária.
6.2. A mudança do procedimento dos embargos infringentes
Ao lado de alterações substanciais, os embargos infringentes também foram alvo de
modificação em seu procedimento, através da mudança dos arts. 531, 533 e 534.
Pela redação anterior do art. 531, interpostos os embargos infringentes, o relator deveria
preliminarmente exercer o juízo de admissibilidade destes. Admitido o recurso,
procedia-se posteriormente ao sorteio do novo relator (art. 533 modificado) e somente
após abria-se vista ao embargado para o oferecimento de sua resposta (art. 534 também
modificado).
Com a nova redação, o procedimento dos embargos restou profundamente simplificado.
Pelo art. 531, uma vez interpostos, o relator do acórdão embargado intimará a parte
contrária para responder o recurso, e somente após a resposta procederá ao juízo de
admissibilidade, in verbis:
Redação anterior
Art. 531. Compete ao relator do acórdão embargado apreciar a admissibilidade
do recurso
Redação atual
Art. 531. Interpostos os embargos, abrir-se-á vista ao recorrido para contra-
6
Nesse sentido, Sérgio Shimura, Os embargos infringentes e seu novo perfil, in Aspectos Polêmicos e
Atuais dos Recursos, vol. V, p. 503. De forma oposta, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim
Wambier, op. cit., p. 132.
razões; após, o relator do acórdão embargado apreciará a admissibilidade do
recurso.
A mudança foi coerente com a sistemática recursal, porque a experiência forense indica
que o juiz tem melhores condições de exercer o juízo de admissibilidade dos recursos
após o oferecimento de resposta pela parte recorrida, porque é justamente nas contra-
razões que ele encontrará os indicativos pelos quais o recurso não poderá ser admitido.
As modificações introduzidas nos arts. 533 e 534 encontram-se em consonância com o
procedimento traçado pelo art. 531 e com o acréscimo também pertinente da
necessidade da adaptação do julgamento do recurso à estrutura interna de cada tribunal.
Assim, admitidos os embargos, serão processados e julgados conforme dispuser o
regimento do tribunal respectivo (art. 533).

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