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​Título

Projeto de Monografia

Aluna: Rafaela Morelli

Orientador: Profº Drº Marcelo El Khouri Buzato

Unidade: IEL/UNICAMP

Resumo

Este projeto tem como objetivo apresentar e caracterizar uma forma de arte digital conhecida
como ​Vaporwave,​ buscando situá-la nas discussões acerca da cultural digital e do
pós-moderno. O foco será nos conceitos de paródia de Linda Hutcheon e pastiche de Fredric
Jameson com o propósito de analisar como a estética ​vaporwave ​se relaciona com a disputa
sobre o valor auto-reflexivo e crítico das obras de arte pós-modernas.

I. Introdução

I. a) Vaporwave: características de um fenômeno digital.


O ​vaporwave é um gênero musical e corrente artística que se apresenta por meio da
música, do vídeo e da imagem estática digital, originado em comunidades online. O nome faz
alusão ao conceito de ​vaporware​, termo do jargão publicitário que descreve produtos
amplamente anunciados ao público, mas que nunca são efetivamente manufaturados e
1
introduzidos no mercado para venda, permanecendo como "promessas" não cumpridas
(NOWAK; ANDREW, 2018).
As obras ​vaporwave são distribuídas online, sendo que a interação entre os criadores e
os fãs é comum. Sendo assim, criou-se, em torno dessa prática, espaços de afinidade (GEE,
2017) em que há trocas de informações, debates, compartilhamento das obras etc. que
redundam numa dinâmica identitária e de aprendizados coletivos. Segundo Gee (2017, p. 28,
tradução minha), “espaços de afinidade são definidos, principalmente por uma afinidade por

1
​Um exemplo é o W.A.L.T da Apple, predecessor do iPhone que combinava as funcionalidades de
um celular e do fax, anunciado em 1993, mas nunca vendido ao público.
2
resolver certos tipos de problemas” , sendo um desses problemas atuais a criação e produção
de mídia. Embora o conceito de espaços de afinidade não se refira a nenhum “local” ou site
específico, existem o que o autor chama de "portais" pelos quais é possível ter acesso a esses
espaços. No caso do ​vaporwave, o​ s portais mais acessados fóruns como o ​Reddit​, e
plataformas de blog como o ​Tumblr​, assim como sites de compartilhamento de músicas como
o ​Soundcloud​ e o ​Bandcamp.​
Por se tratar de um objeto digital, na maioria das vezes, uma peça de ​vaporwave
vale-se das possibilidades do meio virtual em sua criação, produção e divulgação, além de
efetivamente chamar atenção a sua própria imaterialidade. Segundo Arruda (2015),

“Uma das principais características do ​Vaporwave é a deterioração da


superfície dos produtos midiáticos com que se trabalha. O exercício de
estetização ocorre de uma maneira muito incisiva, transformando
completamente os arquivos de origem a ponto de esses muitas vezes
perderem sua característica representativa e referencial. Assim, deixam de
ser índices de um mundo visto, tornando-se puras superfícies digitais
formadas por pontos infinitos.” (ARRUDA, 2015, p.38)

3
Como gênero musical, o ​vaporwave é conhecido por utilizar ​samples de músicas
pré-existentes, principalmente músicas populares dos anos 80 e 90 — décadas associadas
com a emergência da ideologia neoliberal e dos discursos sobre o pós-moderno —
modificando-as por meio de programas de edição de som, adicionando ​loops digitais que a
tornam redundante e monótona, alterando o tom e deixando o tempo dramaticamente mais
lento, capaz de levar o ouvinte a um estado letárgico, e, assim, tornando os vocais e outras
características do original quase irreconhecíveis. O resultado é um tipo de remix que Navas
4
(2010) chama de remix reflexivo e que, para alguns críticos, pode ser relacionado à
automatização incorporada pela indústria cultural e à falta de controle do indivíduo sobre si e
sobre o mundo (MARGULIS, 2014, p. 84).

2
No original: “Affinity spaces are primarily defined by an affinity for solving certain sorts of
problem.”
3
​Samples (“amostras” em inglês) são pequenos trechos sonoros retirados de outras músicas originais
ou outros tipos de áudio (como, por exemplo, jingles comerciais), que são utilizados em outras faixas.
4
​Remixes reflexivos são peças de remix digital que levam a sampleagem e manipulação das peças originais para
além do convencional, de modo que a peça derivada adquire uma aura independente daquelas.

1
Outro elemento recorrente nas produções do gênero é o ​glitch​, efeito que simula
ruídos visuais ou sonoros do tipo que resulta de erros de codificação ou transmissão da
imagem/som no equipamento tecnológico, “[...] a corrupção de dados que raspa a superfície
comum de representação de dados do monitor, e exibe no fundo fragmentos dos cálculos
digitais que reproduzem o som/imagem” (RAYMUNDO, 2016, P. 5).
Uma das artistas mais importantes do gênero é conhecida como ​Vektroid e seu álbum
“​Floral Shoppe”​ se tornou referência, sendo considerado o álbum seminal do ​Vaporwave
5
(McLEOD, 2018). ​Floral Shoppe ​foi lançado digitalmente na loja da artista no site
Bandcamp, e​ só posteriormente lançado em fita cassete formato C44, após o sucesso do
álbum na internet.
Nesse álbum se encontra a música “​リサフランク​420 / ​現代のコンピュー​”, uma
espécie de “cânone” do gênero. A música utiliza ​samples ​de uma canção de ​Diana Ross​,
intitulada ​It’s your move.​ O trecho sampleado desacelerado e é executado repetidamente, de
tal modo que os vocais do início da primeira estrofe são sempre interrompidos. Com isso, o
efeito é de uma sonoridade anestesiante, remetendo ao clima de música de elevador e do
smooth jazz​.
O ​vaporwave é conhecido, também, por sua estética característica visual, visto que os
álbuns desse gênero vêm frequentemente acompanhados de um vídeo ou imagem estática que
6 7
​ sses
desempenham o papel de clipe musical ou capa de determinado álbum ou ​single . E
arranjos visuais combinam formas gráficas e registros cromáticos típicos da cultura
tecnológica de antes dos anos 2000 com estátuas greco-romanas e logomarcas ou rótulos
comerciais, resultando numa estética “retrô-futurista” (McLEOD, 2018). O ​glitch, ​já
mencionado, ​também aparece com frequência nesses vídeos e montagens gráficas,
principalmente na forma de imagens pixeladas e representações de erros do sistema
operacional.

5
​O álbum está disponível em: <​https://www.youtube.com/watch?v=cCq0P509UL4​>
6
​Um exemplo é o videoclipe de “​ENJOY YOURSELF​”, música do artista ​Saint Pepsi.​ Disponível em:
<​https://www.youtube.com/watch?v=qzj4gHuH2LA​>. Acessado em: 28/jan./2020

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Na nomenclatura da indústria fonográfica, ​singles denominam canções que são lançadas
individualmente, podendo ou não fazer parte de um álbum posteriormente.

2
8​ 9
Figura 1 — Imagem estática ​vaporwave Figura 2 — ​Vaporwave

Um dos produtores mais famosos do gênero, conhecido como Hong Kong Express,
fala sobre a preocupação dos artistas ​vaporwave com o elemento estético em uma entrevista
de 2014,
“Enquanto a música tem que ser boa por si só, eu diria que a estética é tudo
no ​vaporwave e tão importante quanto a música. É a combinação de imagem
e música que cria o clima estranho, surrealista e onírico pelo qual o
10
vaporwave é conhecido” (THOMAS, 2014, tradução minha)

Tais componentes visuais foram primeiramente criados para acompanhar os álbuns e


singles do gênero, que eram divulgados em plataformas como ​Bandcamp e ​Youtube.​
Contudo, a estética ganhou autonomia, sendo possível encontrar imagens digitais estáticas ou
gifs que apresentam os elementos visuais característicos do ​vaporwave e​ m repositórios de

8 ​
Imagem disponível em: <​https://whatisseapunk.tumblr.com/post/86419238719​>. Acessado em:
28/jan./2020
9
Imagem disponível em: <eshorturl.at/wAY15>. Acessado em: 28/jan./2020
10
​No original: “While the music has to stand alone and be good first off, I would say that aesthetic is
everything in vaporwave and just as important as the music. It is the combination of both image and
music that creates the weird, surrealistic and dream-like vibe that vaporwave is known for.”

3
imagens como o ​Pinterest e o ​Tumblr, ​mas que não estão ​atreladas a uma música ou álbum
específico. Além disso, é possível observar referências aos elementos visuais do ​vaporwave
em produtos culturais do ​mainstream,​ como clipes de música pop (DRAKE, 2016), canais de
televisão como a MTV (PEARSON, 2015) e até filtros de Instagram.
A capa do álbum ​Floral Shoppe é emblemática dessa estética. Ela é constituída por
uma montagem digital, apresentando elementos como: o busto helênico, cores sólidas — em
especial o magenta e o ciano — e uma grade quadriculada representando uma espécie de
“chão” virtual abstrato.
As cores canônicas do ​vaporwave fazem referência ao sistema CMYK (Ciano,
Magenta, Amarelo e Preto), sistema de pigmentação cromática utilizado em gráficas e
impressoras coloridas. O CMYK, posteriormente substituído pelo sistema RGB (Vermelho,
Verde e Azul) nas telas de computador, não é capaz de produzir todas as cores do espectro
visual humano, portanto uso dessas cores pela estética ​vaporwave enfatiza a virtualidade e o
esvaziamento na representação do real. Enquanto isso, a grade regular sugere uma abstração
geométrica primária de de uma superfície material, remetendo novamente à falta de
substância.
A incorporação de elementos da cultura greco-romana que se misturam a elementos
que remetem a um ambiente altamente tecnológico e consumista, possivelmente evidenciam
um mundo em que as narrativas históricas tornam-se desordenadas e incoerentes, admitindo
​ lém disso, a justaposição do
apenas relações superficiais e efêmeras, que se evaporam​. A
horizonte pré-queda das torres gêmeas (e portanto pré-anos 2000) com os caracteres
japoneses, que grande parte dos apreciadores do ​vaporwave não compreendem, parece
simbolizar, no espaço essa mesma incoerência e esvaziamento do tempo, pela justaposição
espacial e cultural entre o Oriente e o Ocidente, tendo ao fundo a nostalgia por um futuro
globalizado que "desabou".
Subjacente a esse trabalho estético, e talvez indispensável à sua produção, revela-se o
papel fundamental das práticas e técnicas típicas da cultura do remix, entendendo-se remix
como um conjunto de práticas criativas e produtivas de troca e circulação de informações,
baseadas em operações de montagem, recorte e colagem viabilizadas pelas tecnologias
digitais. (MANOVICH, 2007; NAVAS, 2010, BUZATO et al, 2013).

4
I. b) Transtextualidade, pós-modernismo e política.

Segundo Santaella (2003),

“Se é verdade que cada período da história da arte no Ocidente é marcado


pelos meios que lhe são próprios, os meios do nosso tempo, neste início do
terceiro milênio, estão nas tecnologias digitais, nas memórias eletrônicas,
nas hibridizações dos ecossistemas com os tecnossistemas e nas absorções
inextricáveis das pesquisas científicas pela criação artística, tudo isso
abrindo ao artista horizontes inéditos para a exploração de novos territórios
de sensorialidade e sensibilidade.” (SANTAELLA, 2003, p. 176)

Essas novas formas de consumo-produção de mídia pós-industriais estão baseadas na


digitalização e reuso criativo de produções culturais anteriores, que se tornam elementos de
grandes bancos de dados passíveis de manipulação por algoritmos e disponíveis a usuários
criativos, usualmente de maneira coletiva, em espaços de afinidade estabelecidos online.
Essas manipulações não são mais do que operações intertextuais/transtextuais existentes
desde sempre, porém viabilizadas, com diferenças quantitativas e qualitativas, pela
digitalização, assumindo formas como a do remix digital, que se tornam cada vez mais
comuns (BUZATO et al., 2013).
O ​vaporwave ​exemplifica os processos digitalizados em que “em um texto, está
inserido outro texto (intertexto) anteriormente produzido, que faz parte da memória social de
uma coletividade ou da memória discursiva [...] dos interlocutores” (KOCH; BENTES;
CAVALCANTE, 2007. p. 17), sendo, portanto, um objeto eminentemente
intertextual/transtextual que se apropria de elementos do passado seletivamente, justapondo,
o passado do capitalismo, o passado da internet e o passado histórico da humanidade, a
antiguidade clássica.
Com relação a que tipo de transtextualidade/intertextualidade caracteriza os remixes
de ​vaporwave,​ e ao seu papel cultural e político na contemporaneidade, esta pesquisa toma
como referência a controvérsia entre os teóricos literários e críticos Fredric Jameson e Linda
Hutcheon acerca dos transtextos/intertextos que, segundo os autores, determinam a arte
pós-moderna: pastiche e paródia.

5
Para Jameson (1988), as operações textuais determinantes da cultura pós-moderna,
11
seriam “jogos complacentes de alusão histórica” , característicos do pastiche, este por sua
vez constituído por mesclas de citações e produções culturais originadas de outras produções
culturais (STOREY, 1997, p. 198). O pastiche empresta palavras, frases, motivos visuais e
musicais de um objeto original, reproduzindo-os como uma imitação, o que foi demonstrado
acima caracterizar o ​vaporwave.​
Jameson (1985, p. 114) compreende o pastiche como uma “paródia neutra” de “estilos
mortos”, sendo um sintoma da falta de conexão com o passado e incapacidade de
estabelecer-se uma crítica política eficaz, como seria o caso da paródia, em sua visão. Assim,
na sociedade pós-moderna, em que as grandes narrativas históricas e ideológicas se
dissolvem, a paródia, vista pelo autor como instrumento eficaz de crítica, ou escárnio, teria
sido substituída pelo pastiche.
Nesse mundo do pastiche, diz Jameson, perde-se a conexão com a história, que se
transforma em uma série de estilos e gêneros que vão se substituindo em sucessão, “[...] o
passado como "referente" se encontra gradualmente entre parênteses e depois se apaga
12
completamente, deixando-nos apenas textos” (JAMESON, 1991, p.66, tradução minha) .
Não é mais possível entender o passado como narrativa causal e coerente que sustenta o
presente, mas apenas como um repositório de gêneros, estilos e códigos prontos para
comercialização.
A teórica literária Linda Hutcheon, por sua vez, propõe uma crítica distinta da arte
pós-moderna, rejeitando a ideia de Jameson de que o pastiche pós-moderno carece do humor
e contundência, sendo puramente estilo, “sem as segundas intenções da paródia”
13
(JAMESON, 1991, p. 65, tradução minha) . Assim, para Hutcheon (1989, p. 1), o
pós-modernismo “toma a forma de uma afirmação constrangida, inteiramente contraditória,
14
auto debilitante” e faz isso principalmente por meio da paródia. Ao contrário de Jameson,
Hutcheon, argumenta que a paródia sinaliza como as representações presentes vêm das
anteriores e que consequências ideológicas e políticas derivam justamente da continuidade e

11
​No original “complacent games of historical allusion”
12
No original: “ [...] he past as 'referent' finds itself gradually bracketed, and then effaced altogether,
leaving us with nothing but texts.”
13
​No original: “[...] without parody’s ulterior motives”
14
​No original: "takes the form of self-conscious, self-contradictory, self-undermining statement”

6
da diferença. Dessa forma, a postura irônica que a arte do pós-modernismo adota sobre
representação e ideologia serve, na visão de Hutcheon, para politizar a representação,
ilustrando as maneiras pelas quais a interpretação é, em última análise, ideológica. Jameson,
como mencionado, considera que essa postura caracteriza uma arte vazia e sem uma crítica
política eficiente.
Sobre o modo de representação e crítica política da arte pós-moderna Hutcheon
(1989, p.1-2, tradução minha) afirma,

“É como dizer algo e ao mesmo tempo colocar aspas em torno do que está
sendo dito. [...] O caráter distintivo do pós-modernismo reside nesse tipo de
comprometimento provocador com a duplicidade. De muitas maneiras, é um
processo imparcial, porque o pós-modernismo consegue instalar e reforçar
tanto quanto minar e subverter as convenções e pressupostos que parece
15
desafiar.”

Embora as obras ​vaporwave ​resistam a categorizações rígidas como sendo pastiche ou


paródia (TANNER, 2016, p. 25), o discurso em torno dessas obras também parece oscilar
entre interpretações que tendem a considerar o gênero como ativamente crítico do capitalismo
tardio e da cultura de consumo frente a outras interpretações que encaram essas obras como
simples produtos desse mesmo sistema capitalista (NOWAK; WHEELAN, 2018, p. 451). Em
um artigo de 2012 para a revista ​Dummy, o​ crítico musical Adam Harper coloca:

“É uma crítica ao capitalismo ou uma rendição a ele? Ambos e nenhum dos


dois. Esses músicos podem ser lidos como anticapitalistas sarcásticos,
revelando as mentiras e desvios da cultura tecnológica moderna e suas
representações, ou como seus facilitadores, tremendo de prazer a cada nova
16
onda de som delicioso” (HARPER, 2012, tradução minha)

15
No original: “It is rather like saying something whilst at the same time putting inverted commas
around what is being said. [...] Postmodernism's distinctive character lies in this kind of wholesale
"nudging" commitment to doubleness, or duplicity. In many ways it is an even-handed process
because postmodernism ultimately manages to install and reinforce as much as undermine and subvert
the conventions and presuppositions it appears to challenge.”
16
​No original: “Is it a critique of capitalism or a capitulation to it? Both and neither. These musicians
can be read as sarcastic anti-capitalists revealing the lies and slippages of modern techno-culture and

7
O ​vaporwave​, então, faz parte do processo histórico que se passa atualmente em todo
o mundo, em que a internet e as redes sociais estão mediando a atividade política e nos
embates ideológicos de forma cada vez mais abrangente, sendo essa atividade discursiva
17
marcada por novas forma de produzir e consumir mídias, em especial o remix .
Nesse sentido, o ​vaporwave é importante, enquanto objeto de pesquisa para os estudos
da linguagem, porque, mesmo sendo supostamente uma expressão niilista da falta de
perspectiva política e social, participa, nos contextos online em que circula, desses discursos
político-ideológicos altamente energizados e polarizados, tendo até mesmo dado origem a
movimentos estéticos derivativos como o ​laborwave​, de cunho explicitamente marxista, e o
fashwave,​ criado por grupos da extrema direita estadunidense (SMITH, 2018). No entanto,
pouco se sabe sobre ele no campo da Linguística Aplicada até o momento, de modo que,
apesar de o ​vaporwave demonstrar-se potencialmente rico enquanto elemento da produção
cultural contemporânea, torna-se difícil o trabalho de pensar seu uso no contexto do
ensino-aprendizagem de língua portuguesa.

II. Objetivos

Com essa pesquisa pretende-se, primeiramente, descrever o ​Vaporwave como forma


(inter)textual situada na cultura digital e nos discursos sobre o pós-moderno, isto é, como
parte das práticas transtextuais que caracterizam essa cultura e como forma de arte
essencialmente pós-moderna. Além disso, principalmente, busca-se analisar a maneira como
a estética ​vaporwave​, no que se refere aos elementos visuais temáticos e composicionais que
o caracterizam, representam a relação da sociedade atual com o passado, situando este
movimento estético e seus objetos no quadro da disputa sobre o valor auto-reflexivo e crítico
das obras de arte pós-modernas, de modo a subsidiar seu uso no ensino e na crítica dos textos
digitais e do remix.
A fim de nortear a coleta e análise de dados, foram definidas duas perguntas de
pesquisa principais, e perguntas subordinadas:

its representations, or as its willing facilitators, shivering with delight upon each new wave of
delicious sound”
17
​Ver, por exemplo, o trabalho de Sachs (2015) acerca do papel político dos remixes no contexto das Jornadas
de Junho de 2013.

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1) Como se pode caracterizar o ​vaporwave enquanto prática e enquanto objeto
semiótico/textual?
1.1) Em que comunidades o ​vaporwave surgiu e por quais espaços de afinidade virtuais ele
circula hoje?
1.2) Como as peças de ​vaporwave são feitas? Quais os procedimentos utilizados? Quais são
os insumos utilizados? São produções efetivamente coletivas/colaborativas?

2) Considerando o corpus de imagens/vídeos ​vaporwave reunido para a pesquisa,


assim como os discursos sobre ​vaporwave ​encontrados no portal Reddit, como ele pode ser
encaixado no debate entre Jameson e Hutcheon: paródia/crítica ou pastiche/complacência,
vazio?

III. Metodologia

III. a) Delineamento da pesquisa

Este projeto de pesquisa na área de Linguística Aplicada adota o paradigma da


pesquisa qualitativo-interpretativista, já que trata-se "de um processo de descrição
interpretativa, orientado por determinadas categorias teóricas” (PINTO, 2013, p. 1039) em
que a coleta, codificação e análise de dados visa a que o pesquisador possa entender como e
por que determinado fenômeno se dá de certa maneira (GLASER; STRAUSS, 1967).
Quanto ao tipo, esta é uma pesquisa de caráter predominantemente descritivo, já
que busca caracterizar seu objeto quanto à forma ao funcionamento, classificando-o e
interpretando-o de acordo como formulações teóricas previamente delimitadas (TRIVIÑOS,
1987 [RAUPP; BEUREN, 2006]).
Quanto aos procedimentos de pesquisa, com o objetivo de responder a primeira
pergunta, deve-se, primeiramente, realizar uma pesquisa bibliográfica em artigos acadêmicos
sobre o fenômeno do ​Vaporwave​, reunindo os resultados mais pertinentes. Serão feitas,
também, explorações em sites de distribuição de conteúdos e mídias sociais em geral, a fim
de coletar informações a partir dos comentários e dos perfis de usuários que postam,
comentam e repassam peças, além das imagens ​vaporwave​ a serem analisadas em si.
No que concerne à segunda pergunta, o procedimento será aquele da pesquisa
documental, no sentido de Gil (1999). As peças de vaporwave coletadas são documentos de

9
primeira mão, isto é, fontes que não receberam tratamento analítico, que serão examinadas a
fim de que se possa poder descrever o objeto ​vaporwave do ponto de vista das teorias de
intertextualidade no pós-modernismo de Jameson e Hutcheon.

III.b) Contexto

Conforme explanado na introdução deste projeto, o espaço de afinidade do


vaporwave ​possui certos portais virtuais. Para essa pesquisa, foi elencado um portal
específico, o site de fóruns de discussão ​Reddit. ​A escolha se deu, principalmente, por ser o
portal em que a interação entre as pessoas que apreciam e produzem o ​vaporwave é mais
presente e robusta, possibilitada devido a própria arquitetura do site, que encoraja a conversa
e o debate por meio de ​threads de comentários específicos. Assim, a comunidade ​vaporwave
no ​Reddit​, serve não apenas como repositório de obras, mas também como um espaço de
interação em que os usuários debatem temas pertinentes à prática do ​vaporwave.​

III. c) Corpus

Além da pesquisa bibliográfica em artigos acadêmicos e jornalísticos, serão utilizadas


para fins de análise dez peças retiradas da comunidade ​vaporwave n​ o Reddit, segundo os
critérios expostos no item III.b. As peças, vídeos ou imagens estáticas serão escolhidas de
acordo com a relevância na comunidade, definida pela métrica "quantidade de comentários e
curtidas" nos posts por elas recebidas.
A métrica é relevante não só porque revela o engajamento da comunidade com as
peças, mas também porque os comentários são relevantes para a análise visto que oferecem
uma porta de entrada para a avaliação das atitudes dos apreciadores e produtores do
vaporwave com relação a determinados aspectos da estética e/ou da carga ideológica que uma
peça pode ou não carregar.

III. d) Metodologia de análise

A revisão bibliográfica dos artigos acadêmicos e livros relevantes à pesquisa será feita
através de fichamentos e mapas conceituais visando a preparação da resposta à primeira
pergunta na forma de um item do relatório final, além de auxiliar na análise e interpretação
dos dados. Com relação à comunidade do Reddit em que o ​vaporwave c​ ircula, serão
transcritas as informações encontradas que forem úteis à pesquisa — comentários, discussões

10
em fóruns etc —, que posteriormente serão organizadas por meio de etiquetas (​tags)​ e
analisadas qualitativamente.
A fim de analisarem-se as peças ​vaporwave escolhidas do ponto de vista do seu
significado, serão utilizados princípios Semiótica Social aplicadas à multimodalidade
(KRESS; VAN LEEUWEN, 1996). Trata-se de uma teoria baseada nas considerações da
Linguística Sistêmico-Funcional de Halliday (1978), aplicável a outros sistemas semióticos,
que não apenas o linguístico, propondo categorias analíticasque permitem relacionar a
produção de sentido no nível textual aos diferentes contextos de situação, produção e
circulação que envolvem a significação.
Segundo Halliday (1978), todos os atos semióticos cumprem simultaneamente três
tipos de metafunções, a saber, as metafunções ideacional, representando uma realidade
externa ou interna aos seres humanos; interpessoal, desenvolvendo as interações sociais
pressupostas em todo ato semiótico; e textual, relacionada a maneira como os elementos se
relacionam, estabelecendo uma coerência interna, assim como a coerência entre o texto e
aquilo que o rodeia. Essas metafunções são retomadas nos princípios estabelecidos por Kress
e Van Leeuwen (1996) em sua Gramática do Design Visual para analisar signos visuais.
A metafunção ideacional é equivalente a função representacional, em que os sistemas
semióticos representam os objetos e sujeitos em sua relação com o mundo. Essa função
compreende dois processos, o narrativo, em que a relação entre os elementos sugere ações e
reações, e o conceitual, em que os participantes são representados de maneira mais estática,
em termos da sua essência.
A metafunção interpessoal corresponde, no sistema dos dois autores citados, à função
interativa, que abrange os mecanismos de aproximação ou distanciamento entre o produtor e
o usuário/observador. Geralmente, por meio dessa função, se estabelece uma relação de
demanda ou oferta entre o enunciado e seu público. Ademais, outras categorias de análise da
função interativa são: a distância social, que examina o plano de enquadramento das imagens,
e a perspectiva, isto é, o ângulo ou ponto a partir do qual os objetos e sujeitos são
representados.
Além disso, Kress e Van Leeuwen abordam a questão da modalização, que se
relaciona ao valor de verdade do que está sendo representado, em função da utilização de
cores, técnicas de perspectiva e profundidade, iluminação e brilho entre outras.

11
Por fim, a metafunção textual se relaciona com a função composicional que diz
respeito ao posicionamento dos elementos na imagem, a saliência de determinados elementos
em detrimento de outros, diferenças de cores e a estruturação e interligação entre os objetos e
sujeitos representados na imagem. Essa metafunção codifica o que é dado e o que é novo, em
determinada mensagem, ou então quais elementos são tematizados como ideais ou reais, além
permitir hierarquizar os elementos em um conjunto e discernir escalas de organização
sintagmática entre eles.

IV. Cronograma

Bimestres

Atividades Ago/ Out/ Dez/ Fev/ Abr/ Jun


Set Nov Jan Mar Mai /Jul

Levantamento e leitura da X X X X X
bibliografia

Coleta e codificação dos dados X X


Redação do relatório parcial X
Análises qualitativas X X X
Redação do relatório final X X
Participação em encontros X
científicos

V. Referências Bibliográficas

ARRUDA, M. Vaporwave: estetização da tecnologia pelo atravessamento de enunciados.


Trabalho de conclusão de curso (Comunicação social: habilitação em jornalismo)
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Orientador: Alexandre Rocha da Silva. UFRGS,
2015
BUZATO, M. et al. Remix, mashup, paródia e companhia: por uma taxonomia
multidimensional da transtextualidade na cultura digital. ​Revista Brasileira de Linguística
Aplicada​, v. 13, n. 4, p. 1191-1221, 2013.

12
DRAKE. ​Hotline Bling​. 2015. (4m55s). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=uxpDa-c-4Mc>. Acesso em: 20 jan. 2020
GEE, J. P. Affinity spaces and 21st century learning. ​Educational Technology​, p. 27-31,
2017.
HALLIDAY, M. A. K. ​Language as social semiotic: The social interpretation of language
and meaning​. Hodder Arnold, 1978.
HARPER, A. ​Comment: Vaporwave and the pop-art of the virtual plaza​. 2012.
Disponível em: <https://www.dummymag.com/news/adam-harper-vaporwave/> (Último
acesso: 17/jan./2020).
HUTCHEON, Linda. ​The Politics of Postmodernism​. New York: Routledge, 1989
JAMESON, F. Postmodernism and consumer society. In: H. Foster, ed.
Postmodern Culture. London: Pluto. 1985.
____________ The politics of theory: ideological positions in the postmodernism debate. In:
Routledge, ed. The Ideologies of Theory Essays. 1988.
London: s.n.
___________ ​Postmodernism, or, the Cultural Logic of Late Capitalism​. Durham: Duke UP,
1991.
KOCH, I. G. V. BENTES, A. C.; CAVALCANTE, M. M. ​Intertextualidade​: diálogos
possíveis. São Paulo: Cortez, 2007.
KRESS, G. R. & VAN LEEUWEN, T. ​Reading images: The grammar of visual design​.
Psychology Press, 1996.
MANOVICH, L. What comes after remix? 2007. Disponível em:
<http://manovich.net/content/04-projects/055-what-comes-after-remix/54_article_2007.pdf>.
Consulta em: 29/ jan./ 2020.
MARGULIS, E. On Repeat: How Music Plays The Mind. New York: Oxford
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MCLEOD, K. Vaporwave: Politics, Protest, and Identity. ​Journal of Popular Music
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NAVAS, E. Regressive and Reflexive Mashups in Sampling Culture. In:
SONVILLA-WEISS, S. (Ed.). Mashup Cultures. Wien; New York: Springer, 2010. p.
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