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Rafaela Morelli EL485 - Filosofia e História da Educação

RA: 205048

Resenha do livro O que é educação, de Carlos Rodrigues Brandão


O livro O que é educação, escrito por Carlos Rodrigues Brandão, foi publicado
pela primeira vez em 1981. Carlos Rodrigues Brandão é doutor em Ciências Sociais
pela USP-Universidade de São Paulo (1980) e pós-doutor em Antropologia pela
UNPER-Itália (1992). Atualmente é professor visitante no Instituto de Geografia,
como docente e orientador de mestrandos na Pós-graduação Mestrado/Doutorado em
Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. Possui diversas publicações nas
áreas da Educação, Antropologia, e Psicologia.
A obra em questão apresenta pontos muito importantes para o atual debate sobre
educação. Logo no primeiro capítulo, o autor introduz uma das questões centrais do
livro: a educação não precisa ser necessariamente institucionalizada para ser
reconhecida como tal, isto é, a educação está presente mesmo em lugares em que não
há a escola. A transferência de saberes de uma geração a outra ocorre mesmo onde
ainda não foi criado um modelo de ensino formal e centralizado.
O próprio conceito de inteligência, assim como o de educação, é relativo à
cultura. Segundo Marks (2005)1,
“Desde a década de 1920, os pesquisadores que deram testes de QI a não-
ocidentais perceberam que qualquer teste de inteligência está fortemente,
mesmo que sutilmente, imbuído de vieses culturais [...] Samoanos, quando
recebem um teste exigindo que tracem uma rota do ponto A ao ponto B,
muitas vezes escolhiam não a rota mais direta (a resposta "correta"), mas a
mais esteticamente agradável. Os aborígenes australianos acham difícil
entender por que um amigo pediria que resolvessem um quebra-cabeça
difícil e não os ajudasse. De fato, a suposição de que é preciso fornecer
respostas sozinhas, sem a assistência daqueles que são mais velhos e mais

1
No original: “As early as the 1920s, researchers giving IQ tests to non-Westerners realized that any
test of intelligence is strongly, if subtly, imbued with cultural biases… Samoans, when given a test
requiring them to trace a route form point A to point B, often chose not the most direct route (the
“correct” answer), but rather the most aesthetically pleasing one. Australian aborigines find it difficult
to understand why a friend would ask them to solve a difficult puzzle and not help them with it. Indeed,
the assumption that one must provide answers alone, without assistance from those who are older and
wiser, is a statement about the culture-bound view of intelligence.”
sábios, é uma afirmação sobre a visão da inteligência ligada à cultura.”
(MARKS, 2005, p. 216, tradução minha)

Segundo Brandão, a educação não está somente sujeita a diferentes ideias a


respeito de seus meios e fins, mas sim interesses econômicos e políticos que se
projetam sobre a educação. Falando da relação entre a educação praticada pelos
indígenas e a educação do colonizador, o autor afirma “[...] a educação do
colonizador, que contém o saber de seu modo de vida e ajuda a confirmar a aparente
legalidade de seus atos de domínio, na verdade não serve para ser a educação do
colonizado.” (p. 11)
Esta visão crítica serve também para pensar as diferentes definições de qualidade
educacional, conforme se configurou nos planos brasileiros de educação que, segundo
Fonseca (2009), oscilou entre o utilitarismo econômico, servindo aos interesses de
empresas e até do próprio Estado em determinadas configurações políticas, e a
responsabilidade social, refletindo os ideais de educadores e humanistas brasileiros.
Assim, diferentes significados de qualidade educacional foram produzidos, quer
privilegiem a cidadania e a emancipação dos sujeitos, quer se voltem para a formação
dos indivíduos como meros produtores e consumidores no mercado. Nesse sentido,
Brandão afirma que a educação atua sobre o desenvolvimento da sociedade de duas
formas diferentes: no desenvolvimento de seus valores socioculturais e na formação
de suas forças produtivas.
Visto isso, Brandão afirma que na antiguidade clássica a educação era tida como
um direito da pessoa, ou como uma exigência da sociedade. No entanto, atualmente a
educação é vista como um investimento, do qual se esperam retornos principalmente
materiais, valendo como um bem de mercado e, por isso mesmo, sujeita às vontades
deste.
A partir daí, o autor tece diversas críticas bem fundamentadas da educação no
Brasil, questionando a que e a quem serve a educação brasileira. O controle sobre o
saber se dá ao mesmo tempo através do controle sobre o que se ensina e a quem se
ensina e, para ele, no sistema educacional brasileiro, a classe política dominante é
quem controla e questiona.
Por isso se faz necessário emancipar a ideia de educação e o papel que ela exerce
hoje em nossa sociedade. A educação existe em todas as esferas da vida em
sociedade, na interação do indivíduo com os outros e com o meio, não existe apenas
em contextos formais, assim como o conhecimento não é transmitido apenas em uma
relação hierarquizada entre professor e aluno.

REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Carlos Rodrigues.O que é educação.19.ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.
FONSECA, Marília. Políticas públicas para a qualidade da educação brasileira: entre
o utilitarismo econômico e a responsabilidade social. Cadernos Cedes, v. 29, n. 78, p.
153-177, 2009
MARKS, Jonathan. Anthropology and the bell curve. Why America’s Top Pundits
Are Wrong: Anthropologists Talk Back, p. 206-227, 2005.

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