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— Você precisa conhecer a primeira mulher do Nunes — me disse uma
vez um amigo.
— Você precisa conhecer a primeira mulher do Nunes — me disse outra
vez outro amigo.
Isso aconteceu há alguns anos, em São Paulo, durante os poucos
meses em que trabalhei com o Nunes. Eu conhecera sua segunda mulher,
uma morena bonitinha, suave, quieta — pois ele me convidara duas vezes
a jantar em sua casa. Nunca me falara de sua primeira mulher, nem
sequer de seu primeiro casamento. O Nunes era pessoa de certo destaque
em sua profissão e afinal ‘de contas um homem agradável, embora não
brilhante; notei, entretanto, que sempre que alguém me falava dele era
inevitável uma referência à sua primeira mulher.
Um casal meu amigo, que costumava passar os fins-de-semana em
uma fazenda, convidou-me certa vez a ir com eles e mais um pequeno
grupo. Aceitei, mas no sábado fui obrigado a telefonar dizendo que não
podia ir. Segunda-feira, o amigo que me convidara me disse:
— Foi pena você não ir. Pegamos um tempo ótimo e o grupo estava
divertido. Quem perguntou muito por você foi a Marissa.
— Quem?
— A primeira mulher do Nunes.
— Mas eu não conheço. . .
— Sei, mas eu havia dito a ela que você ia. Ela estava muito interessada
em conhecer você.
A essa altura eu já sabia várias coisas a respeito ‘da primeira
mulher do Nunes; que era linda, inteligente, muito interessante, um
pouco estranha, judia italiana, rica, tinha os cabelos castanhos claros e
os olhos verdes e uma pele maravilhosa — “parece que está sempre
fresquinha, saindo do banho” , segundo a descrição que eu ouvira.
Quando dei de mim eu estava, de maneira mais ingênua, mais tola,
mais veemente, apaixonado pela primeira mulher do Nunes. Devo dizer
que nessa ocasião eu emergia de um caso sentimental arrasador — um
caso que mais de uma vez chegou ao drama e beirou a tragédia e em que
eu mesmo, provavelmente, mais de uma vez, passei os limites do ridículo.
Eu vivia sentimentalmente uma hora parda, vazia, feita de tédio e de
remorso; a lembrança da história que passara me doía um pouco e me
amargava muito. Além disso minha situação não era boa; alguns amigos
achavam — e um teve a franqueza de me dizer isso, quando babado —
que eu estava decadente em minha profissão. Outros diziam que eu
estava bebendo demais. Enfim, tempos ruins, de moral baixa, e ainda por
cima de pouco dinheiro e pequenas dívidas mortificantes. Naturalmente
eu me distraía com uma ou outra historieta de amor, mas saía de cada
uma ainda mais entediado. A imagem da primeira mulher do Nunes
começou a aparecer-me como a última esperança, a única estrela a
brilhar na minha frente. Esse sentimento era mais ou menos
inconsciente, mas tomei consciência aguda dele quando soube que ela
ganhara uma bolsa esplêndida para passar seis meses nos Esta’dos
Unidos. Senti-me como que roubado, traído pelo governo norte-
americano. Mas a notícia veio com um convite — para o jantar de
despedida da primeira mulher do Nunes.
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Isso aconteceu há quatro ou cinco anos. Mudei-me de São Paulo,fiz
algumas viagens, resolvi parar mesmo no Rio — e naturalmente me
aconteceram coisas. Nunca mais vi o Nunes - Aliás, nos últimos tempos
de nossas relações, eu me distanciara dele por um absurdo
constrangimento, o pudor pueril do que ele pudesse pensar no dia em que
soubesse que entre mim e sua primeira mulher. . . Na realidade nunca
houve nada entre nós dois; nunca sequer nos avistamos. Uma banal gripe
me impediu de ir ao jantar de despedida; depois eu soube que sua bolsa
fora prorrogada, depois ouvi alguém dizer que a encontrara em Paris —
enfim, a primeira mulher do Nunes ficou sendo um mito, uma estrela
perdida para sempre em remotos horizontes e que jamais cheguei a
avistar.
Talvez fosse mesmo ela que estivesse pousada hoje, pelo meio-
dia,na Praça Serzedelo Correia, simples, linda e tranquila. Assim era a
imagem que eu fazia dela; e tive a impressão de que seu rápido olhar
vagamente cordial e vagamente irônico tentava me dizer alguma coisa,
talvez contivesse uma espantosa e cruel mensagem: “eu sei quem é você;
eu sou Marissa, a primeira mulher do Nunes; mas nosso destino é não
nos conhecermos jamais. . .”
Outubro, 1957