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MC Quinteros. VIII CIH.

1493 - 1500

EXÍLIO E DIPLOMACIA DURANTE O STRONISMO:


INTELECTUAIS PARAGUAIOS DE DIREITA NA CONSTRUÇÃO
DO CONSENSO E LEGITIMAÇÃO DA DITADURA
Doi: 10.4025/8cih.pphuem.3622

Marcela Cristina Quinteros, PUC/SP

Resumo

Com a chegada de Alfredo Stroessner ao poder no Paraguai, em


1954, muitos intelectuais partiram para o exílio por diversas razões. Um
grupo em particular, constituído por membros do Partido Colorado,
constitui o objeto desta apresentação. Se bem Stroessner chegou ao poder
com o apoio deste partido, muitos de seus filiados encontravam-se
exilados no exterior ou abandonaram o país após o golpe de 1954. Alguns
deles, que tinham exercido alguma função no governo nacional antes de
Stroessner, permaneceram no exterior continuando com suas atividades
intelectuais, mas também vinculados ao stronismo que os nomeou
embaixadores em diversos países durante a primeira década da ditadura.
Palavras Chave: O objetivo desta apresentação é tentar compreender a aparente
Stronismo; Intelectuais; contradição entre a condição de exilados e a de representantes
Exílio; Diplomacia. diplomáticos do stronismo destes intelectuais. A partir da análise da
correspondência de dois intelectuais colorados, Víctor Morínigo e Juan
Natalicio González – quem fora presidente do Paraguai entre 1948-1949
– se analisarão as estratégias de supervivência política destes dois
colorados que, no âmbito privado, reivindicavam seu anti-stronismo, mas
que publicamente – entanto representantes oficiais do Paraguai –
defendiam o stronismo como um governo democrático. A principal
ferramenta de luta de “resistência” ao regime era a escrita – epistolar,
ensaística, editorial. Mas, a conivência com o poder central em Assunção
lhes assegurava um sustento econômico e a fantasia de um retorno à cena
política nacional.
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seleção dos membros do corpo


Introdução
diplomático era feita entre escritores e
O Partido Colorado paraguaio – artistas de renome internacional. A prática
atualmente no governo – chegou ao poder era um mecanismo de benefício mútuo em
em 1946 por vias tortas: pressionada pelos que os Estados nacionais aproveitavam o
EUA, a longa ditadura do general Higinio prestígio dos intelectuais para que, “a
Morínigo (1940-1948) abriu seu gabinete partir da influência de seus nomes,
com a incorporação de colorados, em vista somassem afetos” e “credibilidade” aos
de uma futura abertura democrática. países que representavam. Por outro lado,
Desde então e excetuando a presidência de esses intelectuais passavam a contar com
Fernando Lugo (2008-2012), o Partido uma fonte de recursos estável, atuando o
Colorado domina a cena política nacional. Estado como um grande mecenas das
A tradicional imagem de um Paraguai artes (YANKELEVICH, 2007: p.92-93).
instável contrasta com uma realidade A particularidade da diplomacia
histórica de permanências. paraguaia, principalmente durante o
Localizado no “coração da stronismo, foi o modo em que os
América do Sul”, equidistante das capitais “acordos” se estabeleceram entre
das nações vizinhas, o país mediterrâneo intelectuais e Estado para representar os
representou a estabilidade na região interesses internacionais do país. Por um
durante a segunda metade do século XX. lado, Stroessner soube manter em seu
A longevidade da ditadura de Alfredo gabinete, durante décadas, integrantes
Stroessner (1954-1989) se explica por fieis, confiáveis e eficientes. Um deles foi
inúmeros fatores. O historiador inglês o ministro das Relações Exteriores, Raúl
Andrew Nickson enumerou cinco: uma Sapena Pastor, que se manteve à frente do
fachada democrática, um eficiente sistema ministério durante duas décadas (1956-
repressivo, a corrupção institucionalizada, 1976). Por outro, Stroessner aplicou um
o uso de uma ideologia nacionalista e o mecanismo já utilizado anteriormente, que
apoio norte-americano. Outros autores, era nomear os adversários internos de seu
como Neri Farina, salientam o poder da partido em embaixadas distantes de
aliança/trilogia Assunção como uma forma de limpar o
exército/partido/governo. Porém, alguns cenário político local de figuras que
autores tem se questionado se estes poderiam questionar seu poder.
elementos são característicos apenas do A partir da leitura e análise da
stronismo. correspondência entre dois diplomatas de
Com intensidades diferentes, eles Stroessner, Víctor Morínigo e Juan
estão presentes no Paraguai anterior e Natalicio González, se indagará sobre o
posterior a Stroessner, e tem suas raízes na modo em que foi viabilizada a prática
violência política da primeira metade do política de enviar os adversários
século XX. Algumas práticas dessa partidários a embaixadas distantes da
violência política levaram à repressão, capital paraguaia. Ambos eram intelectuais
exílios, assassinatos, desaparições, guerras destacados do Partido Colorado, de
civis... Outras, levaram à construção de transcendência internacional por seu papel
um “consenso” mínimo que deu na difusão do revisionismo paraguaio a
legitimidade à violência política em geral e nível continental. Ambos tinham tido uma
ao stronismo em particular. participação essencial e estratégica durante
o governo de Higinio Morínigo e, incluso,
Um papel fundamental para a González tinha sido eleito presidente do
construção desse consenso coube aos país em 1948. O percurso da política
diplomatas. Seguindo uma tradição paraguaia os havia levado ao exílio em
iniciada antes do stronismo e comum à 1949, após o golpe de Estado que
maioria dos países latino-americanos, a

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derrocou González, pudendo regressar ao por obra do silêncio” (SEIFERHELD e


país somente após 1955. TONE, 1988: p.17). Esta cumplicidade
Seguindo as considerações de operou favoravelmente para a construção
Ángela de Castro Gomes, as cartas serão quase diária do “consenso” e o “apoio” ao
consideradas como “um lugar de stronismo. Mas para chegar neste ponto,
sociabilidade fundamental e revelador da os dois primeiros anos de Stroessner na
presidência foram fundamentais para a
dinâmica do campo cultural de um dado
período” (GOMES, 2004: p.52). A autora neutralização de seus potenciais rivais
identifica, basicamente, dois tipos de políticos dentro do coloradismo.
correspondência: um, está integrado pelas Muitas razões explicam a
cartas que servem como instrumento de ascensão de Stroessner ao poder. Uma
construção de redes, enquanto que o delas é a divisão interna do Partido
segundo está composto por missivas de Colorado em democratas (liderados por
amizade intelectual, de caráter mais Federico Chaves) e guiones rojos (grupo
informal e interessante, pela evocação de criado por González), inimigos
sentimentos, além da troca de ideias e irreconciliáveis. Porém, esta atomização,
favores (GOMES, 2004: p.54). É nesta carregada de violência, podia prejudicar a
segunda categoria que se inscrevem as continuidade do governo de Stroessner. A
missivas entre Víctor Morínigo e astúcia deste permitiu convocar um
González. “reencontro” partidário em 25/10/1955,
que não foi mais do que um pacto de não
Dois intelectuais “antistronistas” agressão entre guiones e democratas,
como diplomatas do stronismo cedendo espaço à nova etapa do
“coloradismo com Stroessner” (PRIETO
Talvez a faceta mais conhecida YEGROS, s/d).
do stronismo seja o tratamento dado aos
Segundo Neri Farina (2011), a
“inimigos” da ditadura, justamente por ser
estratégia de Stroessner era preparar a
um dos aspectos mais pesquisados nas
desarticulação do Guión Rojo, dos
últimas duas décadas. Os colorados,
democratas e dos epifanistas – partidários
incluindo Stroessner, diferenciavam entre
do colorado Epifanio Mendez Fleitas,
“inimigos” e “adversários” do regime. Os
figura carismática identificada como o
primeiros compreendiam os opositores
“Perón paraguaio”. O autor afirma que
que pertenciam a outros partidos
seria mais fácil manter o controle sobre
(comunista, liberal, franquista) como a
uma frente colorada unida do que sobre
movimentos sociais que questionavam,
vários grupos enfrentando-se. Stroessner
por diversos meios, o governo de
desintegrou o epifanismo e o Guión Rojo à
Stroessner. Os segundos eram os
base de intrigas e de um férreo controle
colorados que pertenciam a linhas internas
sobre o Partido. Em 1959, com o
opositoras dentro da estrutura partidária e
fechamento do Parlamento – integrado só
que tinham suas próprias aspirações
por colorados – e com o esvaziamento do
políticas.
Partido Colorado, Stroessner conseguiu
O stronismo não permitiu a limpar o espectro político, removendo
sobrevivência de seus inimigos – todos os adversários políticos de dentro
empurrando-os ao exílio, à cadeia ou à do coloradismo.
morte –, mas se ocupou de “silenciar” as
Para Neri Farina e Boccia Paz
vozes adversárias dentro do coloradismo.
(2011), a dissolução do parlamento foi um
Para Alfredo Seiferheld, o triunfo político
autogolpe. A decisão foi em resposta à
de Stroessner radicava nos erros de seus
“ousadia” de um grupo de dirigentes
adversários políticos, “vítimas” de
colorados de apresentarem a “Nota dos
Stroessner que foram “convertidas em
17”, do 12/03/1959, em que solicitavam o
uma sorte de cúmplices de seus vitimários
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levantamento do estado de sítio, uma lei mas, sem sucesso, viu-se compelido a
de anistia geral e a liberdade de imprensa, aceitar as sucessivas designações como
entre outros pontos. Os 17 assinantes da embaixador no Peru (1956-1959), na
nota partiram para o exílio e Stroessner Venezuela (1959-1960) e na Itália (1960-
eliminou o último vestígio de oposição 1963). Excetuando algumas raras ocasiões
interna do Partido Colorado. em que se encontraram pessoalmente,
entre 1950 e 1965, ambos mantiveram sua
Uma das primeiras vitórias de
amizade pessoal, intelectual e política por
Stroessner foi o silenciamento da voz de
meio das missivas.
seu principal adversário dentro
coloradismo, Epifanio Méndez Fleitas, As cartas compreendem o
enviado a uma missão cultural na Europa, período de 1950 a 1965, coincidindo com
da qual nunca mais pôde regressar ao país. os anos em que González viveu no
Outros, que já estavam no exterior como México. Foram quinze anos de trocas
González e Víctor Morínigo, também não periódicas: em alguns momentos, tinham
conseguiram voltar e foram mantidos se proposto manter uma comunicação
longe do Paraguai. Eram “exilados semanal; em outros, a escrita era diária;
políticos”, que não estavam “fisicamente” porém, há lapsos maiores, nos quais a
no Paraguai e cujas vozes foram omitidas correspondência se interrompe. Mesmo
definitivamente do cenário político sendo possível pensar em seu extravio,
nacional. Porém, no exterior, não se ambos escritores reclamavam
manifestaram contra o stronismo, muito reciprocamente da falta de notícias.
pelo contrário, após 1956 passaram a
Os dois amigos explicitavam a
defende-lo. necessidade de sustentar o vínculo
Víctor Morínigo (1898-1981) e epistolar periódico para se manterem
Juan Natalicio González (1897-1966) informados do que acontecia no Paraguai,
eram os fundadores do Guión Rojo, uma mas também era um mecanismo de
corrente interna do coloradismo surgida diminuir os sentimentos de “isolamento”
na década de 1940 com o objetivo e “saudades”. Somado ao “relatório da
expresso de recuperar o governo nacional situação no Paraguai”, algumas cartas
para o partido. Os mecanismos utilizados oferecem ideias e/ou planos de ação para
– como a formação de uma força mudar, manter ou reverter alguma
paramilitar e a violência aplicada contra os circunstância no exílio, no Partido
ditos “inimigos” – permanecem na Colorado ou na política paraguaia. Mas
memória dos paraguaios e levam aos tudo isto era feito com um rigoroso
historiadores a identificar o movimento cuidado, para evitar que as cartas caíssem
com os “camisas negras” de Mussolini. nas mãos “equivocadas”, refletindo uma
Porém, a intervenção política de preocupação obsessiva com a
possibilidade de as cartas se extraviarem.
ambos escritores é mais complexa e vai
além da existência do Guión Rojo. Ambos O sigilo era extremo, mas sem
mantiveram uma conexão epistolar que só interromper a periodicidade.
foi interrompida com a morte de Tamanho cuidado reflete a
González, em 1966. Após o golpe que o apreensão desses intelectuais serem
derrocou da presidência, González vigiados o tempo todo, porque viam os
radicou-se no México, em 1950, onde se tentáculos do Estado paraguaio, nas mãos
desempenhou como embaixador entre de adversários políticos – primeiro sob a
1956 e 1965. Por sua parte, Morínigo presidência de Federico Chaves (1949-
perambulou por vários países da América 1954) e, depois, sob o governo de
e da Europa, na qualidade de exilado e/ou Stroessner –, agindo dentro e fora das
embaixador. Em várias ocasiões, tentou se fronteiras do Paraguai,
estabelecer definitivamente no Paraguai, independentemente de serem exilados ou

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representantes diplomáticos desse mesmo pedir sua demissão da embaixada no Peru,


Estado. González lhe aconselhava a continuar em
Neste contexto, González Lima, “porque essa nossa ausência é o
preocupou-se, essencialmente, com três melhor serviço que podemos dar agora à
temporalidades de sua vida: a fase do exílio nossa causa” (Carta de 03/09/0957). A
– seu presente –; o momento para agir – ausência a que se referia González era o
distanciamento físico e político do
seu futuro imediato – e a posteridade – seu
futuro pós-morte. Estas temporalidades se Paraguai. Como presidente derrocado, ele
entrecruzam permanentemente na escrita. sempre reivindicou sua condição de
Já Morínigo deixa transparecer a todo exilado. Como conciliar a condição de
momento que sua preocupação era desterrado se era representante
regressar ao Paraguai: além das saudades, diplomático de seu país?
Morínigo se preocupava com o futuro Não há uma menção direta sobre
imediato que para ele representa a o exílio nas cartas escritas até 1956. Após
possibilidade de recuperar o espaço esta data, González era mais explícito:
político perdido dentro da estrutura entendia que havia sido objeto de calúnias
partidária. desde sua saída do Paraguai,
responsabilizando a Federico Chaves e seu
A linguagem utilizada nas
missivas reflete a afetividade e a aliado argentino, Juan Domingo Perón.
Porém, naquele momento e dadas as
proximidade dos dois escritores. Sem
dúvida, é uma narrativa muito próxima da “circunstâncias”, sua melhor contribuição
e estratégia era o silêncio: “Hoje me calo,
linguagem oral. Porém, apesar dessa
proximidade verbal, o estilo de González e penso manter meu mutismo enquanto
não me firam”, pelo bem do partido e do
é mais reservado – ou menos
país (Carta de 26/12/1956).
“espontâneo” – que o de Morínigo.
Quando este último escrevia ao primeiro, O exílio era visto em sua dupla
descrevia detalhadamente situações face: sua existência longe da terra natal,
domésticas, sua saúde e a falta de recursos por um lado, e sua ausência da cena
financeiros, assim como expunha sua política paraguaia, pelo outro. Se ele era
impaciência por voltar ao Paraguai e obrigado a permanecer no México, era
recobrar o protagonismo do Guión Rojo. consciente da progressiva perda de espaço
político na vida nacional paraguaia. Ainda
Pelo contrário, González não fez
assim, para manter o status quo de
referência a assuntos domésticos e/ou
embaixador e para não potenciar sua
conjugais; e em relação à questão
“ausência/desprestígio político” no
financeira, quando menciona perceber um
Paraguai, González insistia em manter um
salário como embaixador, é para ironizar
perfil discreto.
seu exílio “assalariado”. Ao se referir
sobre a situação interna do Paraguai e o Trabalhar na embaixada era,
que deveria ser feito, o ex-presidente do segundo González, uma forma de servir a
Paraguai se situa na posição de líder, seu país, embora não contasse com a
acalmando o amigo e dando as diretrizes “colaboração de Assunção”. Dito
de ações futuras. Diante da proposição de “serviço” era complementado com o
funções de liderança, Morínigo era serviço intelectual. Se González tinha
esquivo, argumentando se considerar um concordado em aceitar uma embaixada no
dirigente de segunda linha. Isso não lhe marco de expulsão stronista, sentia
impedia de fazer sugestões, críticas e necessidade de se justificar diante da
propostas a González; mas era este quem, posteridade. Por outro lado, ele se referia
com grande sutileza, aceitava, rejeitava metaforicamente aos motivos que
e/ou aprovava as ideias do amigo. Como Stroessner teria para mantê-lo distante do
exemplo, perante a ideia de Morínigo de Paraguai: “O alemão é tão desconfiado

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quanto um galo zarolho. Ele não tem argentina de Clorinda, distante a tão só 4
antipatia da gente: o que ele tem é medo km da capital do Paraguai.
de nós, alimentado pelos chavistas” (Carta Após a queda de Chaves, a
de 02/08/1960). postura de González passou a ser de
A narrativa mais espontânea, cautela: ao silêncio auto imposto,
menos medida, de Morínigo permite recomendava não agir de nenhuma
reconstruir os mecanismos utilizados pelo maneira no Paraguai. Sem dúvida, a queda
governo de Stroessner e pela Junta de de Chaves e a sua posterior nomeação
Governo do Partido Colorado para como embaixador na França, na Bélgica e
manter os adversários não só fora do na Espanha, entre 1955 e 1962, devem ter
território paraguaio, como também longe dado o sabor de uma amarga vingança
de suas fronteiras: nomeação dos executada por Stroessner. Apesar de não
adversários como embaixadores em países guardar admiração pelo “alemão” ou “galo
não limítrofes; atraso no pagamento dos zarolho”, González manifestava que:
salários; não pagamento de passagens e de
diárias de viagens; espionagem interna nas No teníamos ninguna otra solución.
embaixadas; difusão de boatos como Ningún amigo… duraría en el
poder más de quince días, pues, si
possíveis traslados dos embaixadores;
bien nos sobra pueblo, no tenemos
esperas prolongadas nos países de trânsito el control de los cuarteles. Un
até a efetiva nomeação no lugar de destino presidente chavista sería la vuelta a
– a espera não podia ser feita no Paraguai, las andadas. Stroessner, que
sendo “aconselhados” a abandonar o país probablemente no nos quiere, es
–; superposição de embaixadores numa para nosotros la única garantía de
mesma embaixada e momento; não envio que la unidad colorada se consolide
de passagens de retorno para o Paraguai (Carta de 14/04/1957).
quando finalizada a função diplomática. O protagonismo do Partido
Da correspondência entre Colorado na política nacional e a exclusão
González e Morínigo se depreende que do chavismo eram essenciais para os dois
ambos tinham as três obsessões amigos. Mesmo ambos tendo apresentado
enumeradas por González Delvalle diversos “planos de ação” ao longo dos
(2011): o Partido Colorado, o adversário quinze anos de correspondência, em geral,
Federico Chaves e o Partido Comunista. González reiterou seu “conselho” de não
As três aparecem nas cartas, mas com um conspirar contra Stroessner: este não era
peso diferente. As disputas internas do um mal em si mesmo, senão um sintoma
Partido Colorado cobram maior do mal chavista. No lugar de conspirar, ele
importância que o governo de Stroessner propunha “uma higiene mental” de
ou o temor ao avanço do comunismo no “nossos amigos que, arrastados pela
contexto da Guerra Fria. propaganda chavista, identificam
erroneamente as causas do mal”, para
A aversão de González e
depois hegemonizar o grupo que servia de
Morínigo por Chaves, líder dos colorados
suporte partidário a Stroessner (Carta de
democratas, ocupa um lugar
24/06/1959).
predominante nas cartas anteriores a 1954,
quando foi derrocado pelo golpe de Para González, a única ação
Estado liderado por Stroessner. A possível sob a hegemonia stronista era a
animosidade contra os chavistas é execução de soluções para o “problema
evidente ao serem denunciados como camponês”, através da distribuição de
peronistas e/ou comunistas. Assim, nas terras, ferramentas e créditos. Isso seria
missivas anteriores a 1954, a preocupação “um freio para o chavismo, de
era organizar a oposição no exílio, mentalidade e procedimentos liberais, que
majoritariamente residente na cidade despoja os camponeses de todos seus

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direitos” (Carta de 05/08/1959). governo de Stroessner, pretendiam


recuperar o poder partidário e a base
Porém, apoiar Stroessner trazia
eleitoral dos guiones rojos. A preocupação de
sérias contradições e o distanciamento de
González com os camponeses era cara
antigos aliados latino-americanos. Como
para González, não só para preservar seu
embaixadores, os intelectuais paraguaios
caudal eleitoral, diante de uma possível
tinham a missão de “limpar” a imagem do
volta ao jogo político, como “modernizar”
governo stronista, acusado de ditatorial e
o país, com a inclusão desses setores ao
repressor. Oficialmente, Morínigo e
mercado, e para construir a imagem de
González defendiam o governo paraguaio
intelectual e político comprometido com
aludindo ter sido eleito democraticamente.
os setores sociais mais desfavorecidos.
Extraoficialmente, ambos apresentavam-
se como diplomatas colorados não A decisão de guardar “silêncio”
stronistas. Nas missivas, González durante seu último exílio, para se dedicar
enumerava suas recomendações para exclusivamente à atividade intelectual e
reverter a má imagem do governo para servir a seu povo, através de seu
paraguaio: levantar o estado de sítio, trabalho na embaixada, era uma tentativa
revogar a Lei de Defesa do Estado e de González para consolidar seu prestígio
convocar uma Assembleia Constituinte. como escritor e erudito, responsável pela
Nas últimas cartas, González difusão da história e da geografia do povo
paraguaio. Se a história recompensaria
deixava transparecer o desejo de o
governo de Stroessner chegar a seu fim, González, reconhecendo sua obra e seu
sacrifício pessoal em prol do país, não faria
mas ao mesmo tempo, parecia entender
que as regras do jogo político tinham o mesmo com alguns opositores, que
mudado e que os guiones rojos estavam “estão tendo um final sem glória e sem
“ausentes” desse jogo. Contrário a honra” (Carta de 23/03/1960). Dizia
conspirações e favorável a dar apoio preferir “morrer no exílio a se misturar
condicionado a Stroessner, argumentava com essa gente” (Carta de 02/08/1960). À
ideia de uma vida dedicada à causa do
que:
povo colorado, somava-se a necessidade
La eliminación de Stroessner, en un de construir a imagem de honestidade,
momento en que el comunismo dedicação desinteressada e
cuenta con un apoyo internacional incorruptibilidade.
poderosísimo, y en que en el
coloradismo proliferan ambiciosos Até sua nomeação como
incultos y sin ideas, sin envergadura embaixador, em 1956, este epistolário
de estadistas, provocaría una crisis sugere um González obsessivo com o fato
más grave que la que estalló a raíz de seu principal adversário partidário,
de mi eliminación de la presidencia. Federico Chaves, estar no controle do
executivo no Paraguai e planejava seu
Stroessner a mí me odia regresso para recuperar o protagonismo
profundamente, y probablemente a no contexto mais amplo da política
ti también, pero eso no cuenta. Lo
que nos interesa es el Paraguay y no
nacional. Após 1956, começava a dar
nosotros. Sobre estas realidades hay sinais de perceber que o jogo político tinha
que esbozar una política mudado substancialmente no Paraguai e
constructiva (Carta de que ele próprio tinha sido afastado do
14/01/1965). mesmo. Embora não o admitisse
explicitamente, González passava a ter
Entre as condições figuravam consciência de que as possibilidades reais
recuperar a presidência do Partido de um retorno desvaneciam-se
Colorado e a implementação de mudanças progressivamente. Restava-lhe cuidar de
na agricultura e na vida dos camponeses. sua imagem para a posteridade: assim,
Em outras palavras, respeitando o

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aconselhava a amigos, como Morínigo, a partidário. Desse modo, Stroessner


não conspirarem – numa última tentativa obtinha o apoio de vários setores do
de não ser mais associado a manobras partido, construindo um “consenso”
violentas para recuperar o poder, ao forçado que lhe garantia a distanciamento
mesmo tempo em que evitava de seus adversários, a defesa de sua
deliberadamente emitir juízos sobre o imagem como um governante democrata
governo de Stroessner, para se dedicar e o adormecimento dos conflitos
exclusivamente à atividade intelectual, endêmicos do Partido Colorado que
última escolha para alçar à redenção de sua tinham impedido a permanência de figuras
memória. como González e Chaves na presidência.
Pelo contrário, as missivas de Essa expulsão “concordada” de
Víctor Morínigo não deixam dúvidas seus adversários políticos, permitiu a
sobre seus anseios de voltar ao Paraguai de Stroessner empreender um governo
qualquer maneira. Com a morte súbita de caracterizado não somente pela repressão
González, causada por uma parada e sim pela permanência de práticas e
cardíaca poucas horas antes de seu retorno figuras políticas que garantiram uma
definitivo a seu país em 1966 – o que para sobrevida excepcional a seu regime.
alguns, levanta a suspeita de se
efetivamente tratou-se de uma morte Referências
natural – Morínigo renunciou a seu cargo
como embaixador e entrou em um claro GOMES, Ângela de Castro (Org.). Escrita de si,
Escrita da História. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
declínio político e econômico chegando a
falecer em Assunção, em 1981, segundo GONZÁLEZ DELVALLE, A. La hegemonía
seu biógrafo, sozinho e na pobreza colorada, 1947-1954. Assunção: El Lector, 2011.
(Coleção La Gran Historia del Paraguay, 12).
(VALIENTE, 2004).
NERI FARINA, Bernardo. El Partido Colorado
Considerações Finais y la Dictadura de Sroesner. Assunção:
Occidente, 2011 (Coleção Páginas de Nuestra
Historia, 1811-2011, v.10).
Ao assumir o completo controle
do governo nacional, do Partido Colorado _____ e BOCCIA PAZ, A. El Paraguay bajo el
Stronismo (1954-1989). Assunção: El
e das Forças Armadas, após 1956, Lector/ABC Color, 2011. (Coleção La Gran
Stroessner tinha efetivado uma faxina tão Historia del Paraguay, 13).
eficiente que a grande maioria de seus
PRIETO YEGROS, Leandro. El Reencuentro
rivais partidários não estavam mais no país Partidario del Coloradismo. 27 de octubre de
e não tinham condições de voltar. A opção 1955. Assunção: Cuadernos Republicanos, s/d.
para muitos deles foi a de aceitar a SEIFERHELD, A. e TONE, J. L. El asilo a
“recompensa” diplomática que lhes Perón y la caída de Epifanio Méndez. Una
garantia o sustento econômico, além de visión documental norteamericana. Assunção:
algumas regalias culturais e políticas. Histórica, 1988.

Apesar do claro desagrado que VALIENTE, Marcial. Prólogo. In: MORÍNIGO,


Víctor. Ensayos y Escritos. Assunção:
intelectuais como González e Morínigo Cuadernos Republicanos, 2004.
sentiam em relação ao “loiro” Stroessner,
aceitaram a contragosto apoia-lo através YANKELEVICH, Pablo. México-Argentina:
Itinerario de una relación. 1910-1930. Tzintzun.
do apaziguamento das tentativas de Revista de Estudios Históricos, México: s/d,
recuperar o poder nacional e/ou 2007, N.45.

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