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Brasília
2022
Este trabalho, nos termos da legislação que resguarda os
direitos autorais, é considerado propriedade da Escola
Superior de Defesa (ESD). É permitida a transcrição parcial
de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e
citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja
feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos
expressos neste trabalho são de responsabilidade dos
autores e não expressam qualquer orientação institucional
da ESD.
LEONARDO RAUPP BOCORNY
LUIS FELIPE MORAES DALTRO CAMPOS
“National security imperative” and creation of state-owned companies: relevant elements for
Security and Defense
ABSTRACT
The constitutional fundament called “imperative of national security”, contained in art. 173, in
which legitimizes the existence of state-owned companies in the economic order, it’s an open
concept, whose definition as to its legal content is up to the interpreter. For its understanding, it
is necessary to go beyond the traditional processes of hermeneutics and seek support in concepts
and experiences from other areas of the human sciences. In this way, research in the field of
Security, Development and Defense is of great value, as they provide the necessary elements to
guide, at least, the meaning of the expression. From the present study, it was found that the
essential legal core of the expression in question refers to the correct identification of a threat,
whether to the State, to the collectivity or to individuals, in a process called securitization. In this
debate of a political nature, the creation of a state-owned company must prove to be the most
efficient way for the state to counter the detected threat. Once created, it is necessary to
permanently reflect on the continuity of the threat and whether the legitimacy of the state-owned
company actually persists, under penalty of verifying the necessary closure of the entity.
Keywords: public administration; state-owned companies; imperative of national security;
strategic studies; securitization; threat; national defense.
1
Advogado da União
2 2
Coronel de Infantaria do Exército Brasileiro.
a
Trabalho de Conclusão do Curso de Altos Estudos em Defesa (CAED) da Escola Superior de Defesa (ESD),
2022.
5
1 INTRODUÇÃO
3
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo
Estado só será permitida quando necessária aos “imperativos da segurança nacional” ou a “relevante interesse
coletivo", conforme definidos em lei.
6
4
São as seguintes: Indústria de Material Bélico do Brasil (IMBEL), Empresa Gerencial de Projetos Navais
(EMGEPRON), Amazônia Azul Tecnologia de Defesa S/A. (AMAZUL) e NAV Brasil Serviços de Navegação
Aérea S/A.
7
amplo ao termo liberdade, não admitindo que qualquer indivíduo sofra a mínima restrição em
favor de outro indivíduo, da coletividade ou do Estado” (DALLARI, 2007, p. 106). Mesma
perspectiva foi aplicada no Brasil. Logo, não são encontradas referências a empresas estatais,
tampouco a qualquer outra forma similar de intervenção na economia, nos dois primeiros textos
constitucionais. Ao contrário, o que se verifica, apenas, é a consagração dos direitos de liberdade
e propriedade, revelando a noção de que a atividade econômica é campo próprio dos agentes
privados (BOURDIEU, 2000, p. 244).
As modificações mais relevantes sobre o tema, no plano constitucional, iniciam-se com a
edição da Constituição de 1934. Surge a expressão “ordem econômica”, conceito jurídico que
permitiu o estabelecimento de um campo de atuação dos agentes econômicos e a definição de seus
limites. Assim, a ordem econômica tinha por objetivo garantir “a todos uma existência digna” e
guiava-se pelos princípios da “justiça” e das “necessidades da vida nacional”.
A utilização da expressão “ordem econômica” a partir desse momento no plano
constitucional, não significa que não existiam normas de conteúdo econômico nos ordenamentos
jurídicos anteriores. A questão é que, em uma ordem econômica liberal clássica, a Constituição
buscava apenas retratar, receber, aquilo que era praticado no mundo real, basicamente por meio
de normas de proteção à propriedade privada e de segurança dos contratos, sem, contudo, pretender
modificá-la (GRAU, 1997, p. 54). O que ocorre a partir da Constituição de 1934 é que a dita ordem
econômica liberal começa, aos poucos, em uma perspectiva histórica no Brasil, a dar espaço a uma
ordem econômica intervencionista e, assim, embasar a realização de políticas públicas, em
superação ao modelo de neutralidade até então vigente (GRAU, 1997, p. 55). Logo, em verdade,
a principal novidade de 1934 não é o estabelecimento formal de uma ordem econômica
constitucional, tampouco o uso da dita expressão, mas, sim, a previsão de mecanismos
constitucionais de intervenção para legitimar a atuação estatal.
No que se refere ao controle de empresas estatais, a Carta de 1934 trouxe importante
previsão, contida no art. 116, no sentido de autorizar o Poder Público a “monopolizar determinada
indústria ou atividade econômica”. Para tanto, exigir-se-ia autorização em lei especial e
constatação de “interesse público” respectivo. A medida marca o início do período de intervenção
estatal na economia que caracterizou as décadas seguintes no Brasil (ARAGÃO, 2018, 43). É o
surgimento da figura conhecida como “Estado empresário” (ARANHA, 2018, pg. 43 e
OLIVEIRA, 1997, p. 297).
Fica claro que o entendimento acerca do papel do Estado no campo da economia é
substancialmente modificado. Há um nítido alinhamento da Carta de 1934 ao movimento das
denominadas “constituições econômicas”, promulgadas na primeira metade do século XX, como
10
Constituição Federal (BASTOS, 2020, p. 50). Sem essa compreensão, difícil é a tarefa de elaborar,
posteriormente, o argumento necessário para cada caso em que se considerar a criação ou o
encerramento de uma empresa estatal. O ônus argumentativo nesses casos é inafastável, dado que
a atuação estatal ocorre como exceção à regra (ARAGÃO, 2018, p. 58). Contudo, no tema em
apreço, algumas dificuldades se fazem presentes e merecem ser pontuadas neste momento.
Um primeiro aspecto a ser constatado refere-se ao fato de que tanto “imperativo da
segurança nacional” e “relevante interesse coletivo” são expressões de tal modo abertas que parece
possível, de início, tomar uma pela outra. Na ausência de qualquer traço distinto entre as duas
categorias, o que é agravado pela falta de conexão com algum outro elemento normativo do texto,
admite-se que o intérprete desatento seja levado a considerar ambas como sinônimas. Contudo, é
premissa hermenêutica que na lei não há palavras inúteis (verba cum effectu, sunt accipienda), ou
seja, as expressões ou palavras da norma jurídica devem ser interpretadas de modo que não
resultem frases sem significado real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis (MAXIMILIANO,
2006, p. 204). Ademais, mesmo que se considerasse a equivalência das expressões, nenhum
elemento seria agregado e inútil a conclusão, de modo que os conceitos que se pretende
compreender restariam ainda indeterminados e abertos. Portanto, considerar qualquer sinonímia
entre as expressões não é uma alternativa válida para o intérprete.
Outra questão relevante, que corrobora a necessidade de se buscar a devida interpretação
dos termos em tela, refere-se ao fato de que, na linguagem da Constituição, a criação de empresas
estatais é medida de intervenção na ordem econômica que se legitima apenas sob certas condições
e somente enquanto essas persistirem (ARAGÃO, 2018, p. 53). Isso significa, na prática, existir
um caráter de “transitoriedade” dos fundamentos fáticos que justificam, em cada caso concreto,
determinada companhia estatal no âmbito da Administração Pública. Assim, do ponto de vista
jurídico, a tarefa do intérprete está estreitamente relacionada a uma demanda permanente pela
atualização dos “discursos de legitimação”5 que possam justificar a presença dessas entidades.
Dado que as razões apontadas para a criação de uma companhia podem, posteriormente, não mais
existir, é válido supor que, na ausência de novos argumentos, se configure uma situação de
ilegitimidade da atuação do Estado no domínio econômico, acarretando, por consequência, o dever
de dissolução da empresa. Nesse cenário, compreender adequadamente o critério de “imperativo
da segurança nacional” é, em verdade, apenas a primeira etapa de um processo interpretativo, cuja
5
Sobre o tema, recomendamos a tese de doutorado de Francisco Pereira de Souza, intitulada “O discurso de
legitimação do direito e da política em Habermas” (UFPA, 2011), disponível em
https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/tede/5581.
13
6
Como recorda Eros Grau, “Max Weber [...] refere a ordem jurídica como esfera ideal do dever ser e a ordem
econômica como esfera dos acontecimentos reais” (Grau, 1997, p. 41, grifou-se).
14
Para Haberle, o sentido da norma deve ser construído por várias experiências que se
modificam e se enriquecem com o tempo, sendo, portanto, dinâmicas. E assim prossegue:
Essa dinamicidade é projetada (...) por meio do aparente conflito de interesses,
concepções, de pensamento que fazem com que a mesma não pare no tempo, mas que se
desenvolva continuamente. (HABERLE 2004, apud BASTOS, 2020, p. 45).
que estudiosos desta área iniciaram a tentativa de aplicação de uma metodologia interdisciplinar,
relacionando o objeto a ser estudado, definindo e delimitando, todavia, o espectro da complexidade
real da sociedade sob a ótica científica. Já o fortalecimento da área de Estudos Estratégicos, pelos
norte-americanos, deu-se em virtude da necessidade de organizar e sistematizar as “informações
militares” dentro de um Teatro de Operações geograficamente diverso e culturalmente
heterogêneo (GRAÇA, 2014, p 65-81).
Conforme Graça (2014, p 65-81), ao final da 2ª Guerra Mundial, estes acadêmicos
retornaram às suas universidades questionando esse novo conceito metodológico de como
organizar e sistematizar as informações necessárias à produção de um “Conhecimento”,
objetivando influenciar, paulatinamente, a organização científica e pedagógica, no contexto
acadêmico mundial.
Os Estudos Estratégicos resultaram, portanto, deste movimento acadêmico, tomando por
base o conceito que Clausewitz (GRAÇA, 2014, p 70) preconizava sobre Estratégia, sob o ponto
de vista de civis com as informações coletadas das experiências da 2ª Guerra Mundial.
Clausewitz considerava a Guerra como a continuação da política por outros meios
(FERREIRA, 1994, p. 27). Mais interessante, entretanto, é perceber que, para Clausewitz os
objetivos políticos devem predominar sobre os militares na Guerra com destaque incisivo sobre o
que se diz da guerra, é metodologicamente válido para a política.
Na 2ª Guerra Mundial, em decorrência do aprendizado da metodologia utilizada na
beligerância, somente pelos militares, divulgada pelos estudiosos do assunto no meio acadêmico
foi crescendo cada vez mais no meio civil retornando a ideia de que a Guerra é um assunto
demasiadamente importante para ser tratado apenas por Generais (BRODIE, 2008, p. 8), e nisto
infere-se a interdisciplinaridade da Estratégia com outras áreas, como a Ciência Política, as
Relações Internacionais, a Economia e a História.
Não obstante da interação disciplinar e da integração entre os temas e as áreas científicas,
um novo problema se apresenta no cenário mundial, a Guerra Nuclear. A partir deste momento,
os Estudos Estratégicos se distinguem das Relações Internacionais e também da Estratégia
propriamente militar, começando uma interação entre historiadores, políticos, economistas,
matemáticos e físicos dentre outros.
Após a 2ª Grande Guerra até os anos 70, o foco dos Estudos Estratégicos estava na
dissuasão e na gestão dos programas de defesa face à União Soviética. Uma escalada da
bipolaridade entre os EUA e as URSS teve como consequência, transformar a Estratégia em um
grande negócio no mercado econômico mundial. Já a partir dos anos 70 com a Guerra do Vietnã
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e com início do movimento pacifista, os Estudos Estratégicos veem a dissuasão diminuir sua
importância trazendo consequências nas Relações Internacionais.
Nos anos 80, com o recrudescimento da Guerra Fria surge a busca pela Estratégia da
Segurança e Inteligência visando criar cenários de guerra, partindo de análises comparativas de
casos históricos interagindo com os fatores políticos, econômicos, sociais, tecnológicos e
organizacionais (BRODIE, 2008, p 19-20).
Já com a dissolução da URSS e com a breve ilusão da Paz Perpétua, surge um estudioso
de alcunha Richard Betts (GRAÇA, 2014, p 71) que defendia a necessidade dos Estudos
Estratégicos “sobreviverem”. Betts explica a maneira Estratégica de como Ciência evoluiu desde
Brodie, apontando as fases e protagonistas individuais e Institucionais, além da forma como esta
área designada naturalmente de Estudos Estratégicos foi abrindo a definição e a delimitação do
seu objeto de estudo em interação com o reforço da sua interdisciplinaridade (BETTS,1997, p.10).
Após a Guerra Fria até o 11 de setembro de 2001, a vertente militar dos Estudos
Estratégicos se enfraqueceu, dando espaço às outras áreas, principalmente a econômica, devido ao
surgimento de novos mercados emergentes com grandes potenciais transparecendo um espírito de
“Paz Perpétua” nas administrações estatais.
Essa interdisciplinaridade entre os objetos e problemas em estudo e o conjunto de temas
são observados também por Adriano Moreira no que concerne as Relações Internacionais:
“Um remédio para o exame de problemas novos, ou vistos de novo, e que rompem as
tradicionais definições dos campos de estudo e respectivas técnicas, é a convergência dos
especialistas, com as suas específicas perspectivas, para o exame em comum da questão.
Esta convergência interdisciplinar será normalmente o passo inicial de uma futura
definição autônoma de um novo objeto, de novas metodologias, de uma nova disciplina”.
(MOREIRA,1997, p. 20).
principais autores da área e das outras áreas afins (GRAÇA, 2014, p. 74). Na verdade, no entanto,
é praticamente impossível encontrar na literatura científica uma explicação fundamentada sobre a
existência de uma diferença clara entre Estudos Estratégicos e Estudos de Segurança. O debate
mantém-se, portanto, em aberto e a generalidade dos autores e textos de referência não deixam de
abordar obrigatoriamente essa relação. Colin Gray é categórico (2006, p. 34-35, tradução nossa):
A proposição de que existem estudos de segurança, ou segurança internacional, distintos
dos estudos estratégicos, é uma ideia da moda que é interessante, mas não fortemente
plausível.(...)Devidamente concebidos e desenvolvidos, os estudos estratégicos sempre
foram estudos de segurança.(...)A noção de que os estudos estratégicos podem ser
normalmente separados de “estudos de segurança” de uma forma ampla é uma falácia
que deve ser combatida.(...)Visto que, estritamente como um campo acadêmico de
investigação e como um assunto a ser ensinado nas universidades, os estudos estratégicos
não requerem outra justificativa além de seu mérito discutível para a formação de mentes
e como contribuinte geral do conhecimento.
Assim, securitização não é imposta, e sim fabricada para ganhar credibilidade e se tornar
legítima. Não se limita tão somente ao setor militar, mas perpassa também as áreas política, social,
econômica, ambiental entre outras, adotando um conceito ampliado de Segurança.
A definição dos temas que devem ser securitizados cabe a cada Estado, de acordo com as
suas percepções de ameaças e/ou vulnerabilidades, sejam elas internas ou externas. Não
necessariamente serão resolvidos com o emprego dos meios militares, poderão ser abrangidos por
outras áreas do governo, compondo a Política de Segurança Nacional; todavia se a securitização
for feita em relação a assuntos que devam ser solucionados por meios da força militar, esses serão
o referencial para uma Política de Defesa Nacional. E é neste nível, que se fixa vários pontos
importantes para as Forças Armadas do Brasil.
Por fim, pode-se inferir que os Estudos Estratégicos após sua evolução desde as Grandes
Guerras Mundiais até os dias atuais têm um papel preponderante quanto à aplicação de uma
metodologia que evoluiu, buscando levantar as possíveis ameaças, saindo do estadocentrismo,
interagindo e integrando as diversas Ciências no cenário mundial, face às complexidades temáticas
da Segurança Nacional sob uma ótica global. Dessa maneira, os Estudos Estratégicos são
primordiais para a construção de uma Política e Estratégia de Segurança e de Defesa Nacional.
A tarefa que se pretende realizar, neste momento, refere-se à busca pela compreensão do
sentido da expressão “imperativo da segurança nacional”. Como visto, pela sua natureza, o
conceito necessita de interpretação para ser efetivo e cumprir com sua finalidade constitucional.
Para tanto, de início, cabe levantar os aspectos jurídicos que envolvem o tema.
Primeiramente, observa-se que a Constituição de 1988 não fornece elementos para
determinação de sentido do verbete, deixando de ocupar-se do tema. Ao revés, remete sua
definição para o legislador ordinário. É o que se deduz da parte final contida no art. 173: “...
conforme definidos em lei”. Todavia, não se encontra na legislação brasileira, seja geral, seja
específica, uma definição da expressão. No ponto, vale esclarecer que é equivocada a tese de que
intérprete poderia dispor das definições da Lei nº 7.170, de 1983 (Lei de Segurança Nacional).
Ocorre que essa disciplina se encontra revogada, pela lei nº 14.197, de 2021, e, ainda que estivesse
vigente, seus conceitos não se prestariam à missão de interpretar o art. 173, dadas as substanciais
diferenças de contexto histórico e finalidades de cada norma, de um lado, norma penal e, de outro,
norma de direito econômico.
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O que se verifica do processo legislativo brasileiro, na prática, é que as leis editadas pós
1988 não buscaram definir um conceito geral de “imperativo da segurança nacional”, tampouco
traduzi-lo nas leis especiais de cada empresa estatal. Nesse último caso, tais normas parecem ter
assumido um mero papel de, implicitamente, concordar com a ocorrência do “imperativo da
segurança nacional”, sem, contudo, demonstrá-lo efetiva e expressamente no texto legal aprovado.
O cenário se modificou com o advento do Estatuto Jurídico das Empresas Estatais, em
2016. Nessa disciplina, vale chamar à atenção para dois comandos normativos inovadores da
matéria. O primeiro, previsto no art. 2º, §1º, determina que a constituição de companhias estatais
dependerá de prévia autorização legal que indique, de forma clara, o “relevante interesse coletivo”
ou “imperativo da segurança nacional” objeto da tutela jurídica. Ao exigir que a lei autorizadora
de uma empresa estatal declare em seu texto a justificativa da ocorrência do critério constitucional,
tem-se o estabelecimento de uma nova condição de validade a ser observado pela futura legislação
especial. Na prática, verifica-se a abertura de um inédito espaço de debate para que a temática
possa, doravante, ser objeto de controle judicial, ao menos do ponto de vista formal. A segunda
observação a ser feita refere-se ao contido no art. 27. Esse artigo deixou claro que a função social
da empresa estatal, tema há muito discutido no âmbito da doutrina, refere-se, precisamente, à
realização do “relevante interesse coletivo” do “imperativo da segurança nacional” declarados na
lei de criação ou na respectiva política pública setorial. Esse comando significa, não apenas que a
função social dessas entidades restou finalmente regulada na legislação, mas também que é de
interesse público debater, seja no momento de criação da empresa estatal, seja ao longo de sua
existência, se a companhia satisfaz materialmente o requisito constitucional que a legitima.
É nesse contexto de inovação do ordenamento que parcela da doutrina jurídica tem se
proposto a verificar aspectos mínimos que possam esclarecer o fundamento do “imperativo da
segurança nacional”. Para este estudo, merecem registro três linhas de análise encontradas.
Primeiramente, argumenta-se que o critério em tela seria “um conceito jurídico-dogmático”
(MARTINS, 2018, p. 85), o que significa, em suma, que a tarefa de identificação do conteúdo
jurídico da expressão estará mais relacionada à edição de eventual legislação que regule o tema do
que ao processo hermenêutico constitucional sobre a norma, isto é, que extrai, diretamente desse
texto, e por interpretação, o significado da expressão. Tal orientação doutrinária, contudo, encontra
óbices para se afirmar, por duas razões: uma, porque inexiste disciplina dessa natureza no
ordenamento, que declare, genericamente e à luz do direito econômico, o que se deve entender por
“imperativo da segurança nacional"; outra, porque sequer são encontradas normas de outros ramos
capazes de sustentar adequadamente um processo de integração interpretativo.
21
7
Situação semelhante é a encontrada, por exemplo, na análise dos requisitos de “relevância” e “urgência” para
edição de medidas provisórias.
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ciências humanas. O uso de uma abordagem ampliada não é novo e permite atualmente
compreender melhor, por exemplo, o conteúdo jurídico do fundamento outro fundamento previsto
no art. 173 da Carta de 1988, qual seja, o “relevante interesse coletivo”. Com apoio na Economia,
é possível perceber que a legitimidade para a criação de uma empresa estatal, sob este fundamento,
está calcada na existência de uma “falha de mercado”, isto é, uma situação em que há ineficiência
da alocação de recursos pelos agentes privados no processo produtivo (CONSTANTINI, 2019, p.
39; SÁ, 2020, p. 53). Mas, se a verificação da “falha de mercado” é a chave para o debate em torno
daquele critério, qual seria a referência, para fins de determinação do conteúdo jurídico, a ser
utilizada para o estudo do “imperativo da segurança nacional”?
Analisemos, de início, o termo “segurança”, substantivo e núcleo da expressão. Do ponto
de vista subjetivo, segurança traduz-se como uma “condição humana” que se caracteriza pela
busca de “relativa tranquilidade diante de perigos ameaçadores” (ABREU, 2018, p. 29).
Motivados para a satisfação dessa condição, a segurança “pode ser posta como origem dos
fenômenos associativos entre indivíduos e coletividade” (VERGOTTINI, 1998, p. 413). É nessa
linha que Diogo do Amaral destaca que, para Hobbes, a provisão de segurança representa uma das
mais relevantes tarefas dos Estados, constituindo-se seu fator de legitimação (2018, p. 173).
Nas pesquisas de SDD, diz-se que segurança é um conceito político e “hifenizado”
(BUZAN, 2012, p. 37). Avalia-se que seu significado varia segundo o contexto histórico, os atores
envolvidos e objeto de referência, de modo que, para distinguir um sentido mais preciso de
segurança, é comum sua adjetivação. É o que acontece com a expressão “segurança nacional”.
Buzan (2012, p. 37) leciona que “a segurança diz respeito a constituir algo que precisa ser
assegurado: a nação, o Estado, o indivíduo, o grupo étnico, o meio ambiente ou o próprio planeta”.
Dessa forma, o autor destaca que, tradicionalmente, os estudos de SDD elevaram o Estado à
condição de “objeto de referência analítico e normativo”, de modo que “assegurar o Estado era
visto instrumentalmente como a melhor maneira de proteger outros objetos de referência”. Por
esta razão, a expressão “segurança nacional” foi consagrada, tanto no meio político como
acadêmico, muito embora não revele, de imediato, toda sua complexidade.
Nesse contexto, “segurança nacional” tem sido compreendido como um conceito pendular,
de modo que, a depender das conjunturas, ora se aproxima da noção de Estado, ora da ideia de
indivíduo ou de sociedade. Diferentes acepções são encontradas na legislação dos países. Por
23
exemplo, de acordo com o texto da Política Nacional de Defesa enviada em 2020 ao Congresso
Nacional8, “segurança nacional” é:
“condição que permite a preservação da soberania e da integridade territorial, a
realização dos interesses nacionais, a despeito de pressões e ameaças de qualquer
natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e deveres
constitucionais”.(BRASIL, 2020, p. 11).
Não se pretende, nesse estudo, fazer uma ampla pesquisa sobre os diversos sentidos da
expressão em cada país. De todo modo, apenas a título de comparação, é oportuno fazer o
contraponto com o sentido estabelecido pela Nova Zelândia. Nesse país, define-se “segurança
nacional” como “a condição que permite aos cidadãos de um Estado realizem seus negócios diários
com confiança, livres do medo e capazes de aproveitar ao máximo as oportunidades para avançar
em seu modo de vida” (NEW ZELAND, 2017). Assim, e apenas para mostrar o amplo espectro
de possibilidades de significação da expressão, verifica-se que a legislação brasileira busca
conceituá-la a partir dos elementos formadores da ideia de Estado (soberania e integridade
nacional); por outro lado, a visão neozelandesa sobre o assunto tem claro foco no indivíduo e no
desenvolvimento econômico.
Sendo um conceito político, e definido conforme a realidade de cada nação, não se espera
haver um consenso universal sobre seu conteúdo. A respeito, Buzan (2012, p. 57) conclui que, no
fundo, a questão da segurança “é, portanto, condição tanto dos indivíduos quantos dos Estados”.
Apesar das dificuldades acima, um aspecto parece estar sempre presente nos conceitos de
“segurança nacional”. Historicamente, verifica-se na literatura política que a expressão tem trazido
consigo a remissão a uma “ameaça”, real ou potencial, capaz de causar algum tipo de instabilidade
a uma certa coletividade. De fato, segundo Buzan (2012, p. 39), a noção de segurança está
“inextricavelmente ligada à dinâmica de ameaças, perigos e urgência”. É nesse elemento, ameaça,
que reside o núcleo essencial da expressão “segurança nacional”.
A tese acima pode ser aplicada ao caso brasileiro. De fato, o Brasil, seja por sua posição
geográfica, por sua história ou por suas características socioculturais particulares, está sujeito a
ameaças, as quais devem ser identificadas e tratadas a tempo e modo devidos. Com efeito, o Estado
brasileiro constitui-se como um Estado Democrático de Direito e a resposta estatal a cada ameaça
somente pode levar em conta a utilização dos meios juridicamente disponíveis na legislação. Nesse
sentido, a previsão contida no art. 173, da Constituição Federal, indica que a criação de empresas
8
Opta-se pela utilização da redação da proposta legislativa em face de seu estágio avançado de tramitação. De
todo modo, a ideia é substancialmente a mesma da norma vigente e aprovada por meio do Decreto Legislativo nº
179/2018
24
estatais é, antes de tudo, um meio legítimo e vocacionado para a contenção de algum tipo de
ameaça à nação, seja dita ameaça dirigida às instituições estatais, seja às pessoas e à sociedade.
Quanto ao último elemento da expressão, qual seja, o adjetivo “imperativo”, verifica-se
que este não é mero coadjuvante. Não significa, simplesmente, que a ameaça deve ser “forte”,
“grave”, mas, em verdade, que esta seja capaz, de fato, de comprometer os fundamentos e objetivos
da República Federativa do Brasil, expressos nos artigos 1º e 3º da Constituição de 1988. Nessa
linha, destacam-se os primados da “soberania”, da “dignidade da pessoa humana” e da “redução
de desigualdades sociais e regionais”. Percebe-se, assim, que, no Brasil, “segurança nacional” é
um conceito que contempla tanto uma dimensão estatal como social e que, a depender do risco ao
Estado ou à sociedade, segundo um juízo de valor em dado momento histórico, torna-se
“imperativa” a intervenção estatal.
Assim, a percepção sobre o que se deve entender por “imperativo da segurança nacional”
no debate em torno da criação de empresas estatais no Brasil gira em torno, portanto, do que se
avalia como ameaça aos fundamentos e objetivos da nação. Em complemento à dicotomia sugerida
em parágrafos anteriores, vale dizer que, se o conceito de “relevante interesse coletivo” aponta
para a identificação de uma “falha de mercado”, o fundamento de “imperativo da segurança
nacional” implica no reconhecimento de uma “ameaça” ao algum bem ou interesse do país.
Reitera-se, pois, o caráter político do debate nessa seara e, por essa razão, outras observações ainda
merecem ser feitas. Neste trabalho, tentaremos abordar algumas delas.
O debate referido no parágrafo anterior é conhecido no campo de SDD como processo de
securitização, pois envolve a avaliação de uma ameaça para além do campo regular da política,
em direção a um nível mais alto desta. Buzan (BUZAN e WEAVER, 2003, apud ABREU, 2018,
p. 61) define securitização como “um processo discursivo através do qual uma compreensão
intersubjetiva é construída dentro de uma comunidade política para tratar algo como uma ameaça
existencial a um objeto de referência”. Seu objetivo é “possibilitar a requisição de medidas
emergenciais e excepcionais para lidar com a ameaça”. Esse tem sido objeto de estudo pela
chamada Escola de Copenhague, cujos contornos já foram destacados no capítulo anterior. Neste
momento, cabe a aplicação de suas categorias para se compreender a complexidade das discussões
políticas acerca da ocorrência, ou não, do critério constitucional de “imperativo da segurança
nacional”.
De acordo com o analisado até o momento, é possível dizer que o discurso jurídico de
legitimação de uma empresa estatal corresponde, na verdade, ao resultado de um processo de
securitização. Com efeito, é por meio da securitização que ameaças são identificadas e percebidas
como atentatórias a valores tidos como essenciais, mais caros para o país. Mas não apenas isso. É
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nesse processo discursivo que devem também se avaliam os possíveis meios de contenção e qual,
dentre eles, é, de fato, o mais eficiente. A decisão final pela criação de uma empresa estatal há de
ser, portanto, a conclusão de um procedimento em que foram exaustivamente sopesados os meios
disponíveis ao Poder Público para contenção de uma ameaça e que, nesse contexto, buscou
considerar as mais variadas medidas, inclusive aquelas distintas da criação de uma empresa estatal,
como a subvenção, a regulação ou delegação ao setor privado.
Outro aspecto importante a ser destacado é que, sendo a securitização um processo
dinâmico, fruto da construção social, o diálogo entre agente securitizador com os demais atores
não deve se encerrar com a criação de uma determinada empresa estatal. Ao revés, cabe-lhes
manter permanente reflexão, a fim de avaliar a legitimidade dessas entidades, uma vez que as
ameaças levadas em conta no passado podem não mais existir em dado momento. Tal reflexão
corresponde ao que, nos estudos de SDD, se denomina de “dessecuritização”. Neste processo de
revisão da ameaça, considera-se devido, inclusive, avaliar se a melhor forma de se conter a ameaça
porventura existente é, de fato, por meio da atuação de uma empresa estatal. Uma vez que a atuação
do Estado na ordem econômica é medida de exceção, conforme já dito no início deste estudo, a
análise poderá indicar outros métodos mais eficazes e, assim, indicar a extinção da entidade a partir
de certa data. Em qualquer caso, o que se quer chamar a atenção é que o processo de securitização,
no que se refere à interpretação do conteúdo jurídico do “imperativo da segurança nacional”, tem
um importante papel, não apenas de validar a criação de uma empresa estatal, mas também de
atestar, durante sua existência, a legitimidade desta para permanecer na Administração Pública.
É oportuno destacar, ainda com base nos estudos de SDD, que, por envolver a edição de
lei ordinária, considera-se como agente securitizador o Presidente da República, pois é essa a
autoridade com competência para propor projetos legislativos atinentes à criação e encerramento
dessas entidades (art. 61, §1º, II, e, da Constituição Federal). São atores securitizadores os
Ministros de Estado e parlamentares. Aos primeiros cabe auxiliar o Presidente da República na
estruturação dos projetos de lei que culminarão, por exemplo, no surgimento de uma companhia
estatal. Nesse ínterim, é de suma importância, em tempos de escassez orçamentária, que
demonstrem a viabilidade econômico-financeira da empresa, a fim de que ela não necessite
competir, futuramente, por recursos do orçamento federal com outras áreas igualmente sensíveis.
Por fim, aos parlamentares, compete-lhes a discussão ampla da medida proposta pelo Poder
Executivo, podendo ao final aprovar a edição da lei e assim autorizar a criação ou o encerramento
de certa empresa estatal.
Outro aspecto a ser abordado, à luz das lições de SDD apresentadas no capítulo anterior, é
o fato de que há muito se considera que as ameaças que resultam em medidas na esfera da
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segurança nacional não são mais de natureza exclusivamente militar. Buzan (2012, p. 38) qualifica
esse movimento de “expandir a segurança para além do setor militar e do uso da força”. Nessa
perspectiva, consideram-se ameaças de outras ordens, como econômica, ambiental, dentre outras,
o que significa, na prática, que as empresas estatais criadas sob o critério do “imperativo da
segurança nacional” não pertencem, necessariamente, ao ramo da Defesa. É verdade que as
companhias estatais vinculadas ao Ministério da Defesa possuem evidente pertinência com a
temática de segurança, mas não são as únicas encontradas. Na linha proposta neste estudo, é
possível apontar, no âmbito federal, que empresas estatais fundadas no “imperativo da segurança
nacional” poderiam ser justificadas com base em outras ameaças, como às relacionadas à
“segurança alimentar” (vide Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA e
Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB), ou à “segurança da saúde pública” (vide
Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia – HEMOBRÁS). Confirma-se, assim, que
a noção mais ampliada de “segurança nacional” permite a constatação de ameaças não apenas ao
fundamento da soberania, tradicionalmente reconhecida pela doutrina, mas também aos ditames
da dignidade da pessoa humana e da redução das desigualdades sociais e regionais.
Por fim, no que se refere às empresas vinculadas ao Ministério da Defesa, cumpre destacar
a elevada importância da Política Nacional de Defesa e na Estratégia Nacional de Defesa no
debate. Esses documentos deveriam conter as premissas necessárias para a formulação dos
discursos de legitimidade de cada companhia. Em outras palavras, na medida em que buscam
traduzir a política pública para o setor de defesa e definir o contexto de ameaças percebidas nessa
seara, caber-lhes-ia sintetizar o processo de securitização aplicável às empresas estatais vinculadas
ao Ministério da Defesa. Desse entendimento, derivam-se algumas conclusões. Primeiro, mostra
a relevância de se manter atualizados os documentos citados, dado que o cenário de ameaças é
dinâmico e pode ser alterado ao longo do tempo. Segundo, é fundamental que a PND e a END
contenham informações precisas em relação ao que se espera dessas empresas, à luz das ameaças
verificadas. Com efeito, cabe ao Poder Público dar o devido norte a suas empresas, de modo que
possam efetivamente realizar sua função social, como requerido pelo art. 27, da Lei nº 13.303, de
2016. Por fim, a definição da política pública setorial, por meio da edição da PND e da END,
conferiria a devida dimensão do papel do Ministro de Estado da Defesa como ator securitizador,
pois considera-se ser ele a principal autoridade capaz de assessorar o Presidente da República e
dar início e conduzir o processo político de securitização no setor. Suas contribuições para a
elaboração dos discursos de legitimidade que justificam a criação, manutenção ou encerramento
das empresas sob sua supervisão são fundamentais e determinantes nesse processo.
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Nas últimas edições da PND e da END, contudo, não são encontradas referências claras às
empresas estatais vinculadas ao Ministério da Defesa. Tampouco estão indicados os tipos de
ameaças que as companhias estatais deveriam se contrapor, em prejuízo à verificação de
legitimidade dessas empresas na estrutura da Administração Pública federal. À luz do presente
estudo, esses são pontos de vulnerabilidade dos documentos oficiais em tela e que precisam ser
sanados o mais rapidamente possível. Trata-se, com efeito, de relevante lacuna a ser preenchida,
pois inviabiliza a construção do argumento securitizador que valida a presença das empresas
estatais sob supervisão da pasta ministerial. Nesse cenário, entende-se que a PND e a END
deveriam, como primeiro passo de aprimoramento, identificar de forma precisa as ameaças em
relação as quais as empresas estatais devem se contrapor. Mas não apenas isso. É fundamental,
ainda, que política pública esclareça, em relação a cada companhia estatal, porque esta forma,
escolhida pela Estado, é a melhor, em termos de eficiência e efetividade, para conter determinada
ameaça. Uma vez que essas entidades consomem recursos públicos, escassos por definição, é
importante que alternativas menos onerosas sejam consideradas, o que deve ser sopesado à luz dos
interesses envolvidos. Por fim, deveria a política pública estabelecer metas e indicadores, a fim
de, após certo período, permitir a aferição de realização de seus propósitos.
As medidas acima são fundamentais para que a PND e a END cumpram sua finalidade
como instrumento de política pública do setor de defesa e não se tornem meras cartas de intenção.
Ao incorporarem os elementos expostos no parágrafo anterior, esses documentos estarão, a um só
tempo, abrindo o caminho para a elaboração dos discursos de legitimidade das empresas
vinculadas ao Ministério da Defesa perante a sociedade brasileira e, também, definindo
importantes balizas na orientação da gestão dessas entidades. Essas são boas práticas de
governança pública, consagradas internacionalmente, que o Estado brasileiro não pode mais
dispensar.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nessa linha, verifica-se que a natureza política do debate não impede o balizamento técnico
para dar significado àquela expressão. De fato, os conceitos de SDD mostram-se fundamentais
para nortear o jurista, tanto para interpretar a norma constitucional e elaborar seu discurso de
validade, como para auxiliar os agentes públicos na elaboração das necessárias narrativas de
legitimação para criar, manter ou extinguir empresas estatais. Logo, em se tratando dessas
entidades, verifica-se um processo dinâmico e permanente de justificação e confirmação, que
permitirá a avaliação contínua da aderência de determinada empresa estatal aos fundamentos e
objetivos constitucionais do Estado brasileiro.
O estudo revelou que, na seara das companhias estatais, o principal ponto a ser investigado
reside na identificação de uma ameaça. Essa ameaça pode ser real ou potencial e, considerando o
conceito ampliado de segurança, pode ir além do setor de Defesa e atrair a atenção de outros
Ministérios. É a partir desse elemento, a ameaça, que todo o processo de securitização deve se
desenvolver, o qual deve, inclusive, considerar outras formas de contenção diversas da criação da
empresa estatal. Muitos são os atores envolvidos e espera-se que, por meio da desejada
transparência dos atos da Administração Pública, maior seja a participação social no debate.
Ante um cenário de dificuldades econômicas e sociais, o uso dos recursos públicos deve
ser otimizado, sob pena de comprometimento a outras áreas de grande sensibilidade para a
população, como no campo social. Como indicam dados disponibilizados pelo Ministério da
Economia, as empresas estatais canalizam uma quantidade significativa de recursos do orçamento
federal, o que impõe uma eficiente escolha de prioridades pelo gestor público. Logo, conferir
maior racionalidade no debate em torno da legitimidade de empresas estatais é medida que se
impõe, seja para cria-las, seja para mantê-las ou extingui-las. A realização do princípio
constitucional da eficiência depende desse tipo de preocupação com o erário.
Neste trabalho, a integração entre Direito e outras áreas das ciências humanas tornou
possível a definição de elementos formadores do critério do “imperativo da segurança nacional”.
Trata-se do primeiro passo, de uma longa caminhada, para se aferir a validade das companhias
estatais no seio da Administração Pública. Doravante, a partir dos elementos apresentados nesse
estudo, cabe aos próximos pesquisadores voltarem-se para cada empresa estatal e avaliar a
atualidade de ameaças outrora consideradas e investigar, se contra essas, a empresa estatal é a
melhor forma de contê-las.
Por fim, avalia-se que o aprofundamento do tema, no âmbito do PND e da END, é medida
fundamental, não apenas para garantir efetividade à norma contida no art. 173 da Constituição,
mas também para assegurar que os fundamentos e objetivos previstos nos arts. 1º e 3º sejam, de
fato, concretizados e percebidos pela sociedade brasileira.
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