Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
br
O Brasil não tem uma política de segurança nacional. Ela exige, antes de tudo, a definição de premissas
do projeto de força. Sem essas premissas, uma política de segurança é vazia de significado, exceto para
propósitos de continuidade dos anseios de recompletamento material corporativamente e isoladamente
determinados. O risco, neste caso, é que, em vez de o Brasil possuir um projeto de defesa, as Forças
Armadas possuam o Brasil. As políticas de segurança evoluem por muitas razões, mas principalmente
porque elas são declarações de preferência e intenções, com possibilidades de implementação temporal
especialmente condicionadas. É importante ter limites para a prudência, mas também prontidão para agir.
As políticas de segurança evoluem especialmente porque, sendo declarações de preferências e intenções
temporais, são mutáveis. Ponto relevante para a implementação de um Projeto de Segurança Nacional é a
compatibilidade entre as estratégias e seus custos políticos, sociais, psicossociais e financeiros que a defesa
irá exigir para implementar a estratégia selecionada.
Existem evidências claras de erros cometidos pelos EUA na fase pós-guerra do Iraque, por exemplo, a
de não identificar as consequências brutais da emergência de conflitos étnicos e religiosos, reprimidos por
uma ditadura feroz.
Os conceitos que norteiam um Projeto de Segurança Nacional devem obrigatoriamente evitar três
condições negativas em sua formulação: indefinição de alternativas, incompatibilidade de alternativas e
aceitabilidade das alternativas.
Produzir o equilíbrio entre segurança e defesa não é tarefa fácil.
No Brasil, a dificuldade com a definição do binômio segurança e defesa é ampliado pela ainda latente
restrição ao uso do termo segurança nacional para dar significado a um fenômeno específico das relações
inter e intraestatais modernas. Isso é um rescaldo equivocado e ideologicamente manipulado do passado
recente dos governos militares, sem que nenhum outro termo seja adequadamente fornecido como substituto
para representar o fenômeno.
A projeção brasileira como potência regional gerará a necessidade de enfrentamento de complexas
cadeias de problemas de segurança e de defesa nacional no contexto internacional. Nossa política exterior,
em sua “neutralidade” tendenciosa ao sindicalismo internacional, gerou mensagens contraditórias que
terão que ser resolvidas na construção de novas alianças.
Um Estado sem Política de Segurança Nacional pode ter potencial, mas não tem arranque.
Se os dados internacionais geralmente aceitos estiverem corretos, os EUA detêm 20% do Poder Total
Global, a União Européia, a China e a Índia 9%, enquanto o Brasil, Coréia do Sul e Rússia, 2% cada um.
A inexistência de uma Política de Segurança no Brasil tende a produzir respostas inconsistentes,
demoradas e, normalmente, não otimizadas para questões fundamentais que afetam os interesses nacionais.
As recentes crises com a Bolívia (petróleo e gás) e Paraguai (Itaipu) são exemplos claros de equívocos que
só encontram explicações de natureza ideológica, contrárias ao interesse nacional.
*As ideias aqui expressas são de exclusiva responsabilidade do autor, e não representam a visão, a política ou a percepção
de nenhuma instituição, governo ou Estado.
ENCARTE ESPECIAL - REVISTA Nº 49 2
Para que uma política de elaboradas sob premissas anterior- explica que condições de ambiente
segurança nacional mente construídas e que se mos- justificam o desencadeamento de um
traram falsas ou inadequadas. Esses conjunto de ações predefinidas para
ma política de segurança novos conceitos e metodologias irão gerar efeitos programados visando
U conforma um complexo con- modificar as formas e os proce- reverter o estado de segurança à
junto de decisões setoriais articu- dimentos de criação de valor na situação anterior, ou então criar
ladas, orientadas para o propósito cadeia de causalidades que gera a outros estados mais favoráveis.
de analisar e qualificar problemas segurança. Nesse propósito, a política de
típicos, desenhar desenvolvimentos Nesse segundo propósito a po- segurança cumpre dois papéis
hipotéticos de cadeias de causa- lítica de segurança instrui a cons- mutuamente complementares: ela
lidades portadoras de possíveis trução de critérios para a elaboração aumenta a escala e a progressão
soluções para esses problemas, e a avaliação de mérito dos efeitos dos benefícios da segurança com
decidir entre alternativas competitivas e consequências da estratégia de redução de custos e acelera os ciclos
de programas de governo, orientar defesa nacional. Isso decorre do fato de decisão institucionais, aumen-
a gestão de processos de implan- de ela ser a portadora das premissas tando a capacidade de correção
tação das decisões e avaliar re- que orientam o projeto de força das causas dos desvios progra-
sultados gerados, os quais pro- nacional, de onde emanam as máticos. Nesse terceiro propósito
gridem na arquitetura de rela- decisões articuladas sobre a di- a política de segurança ganha
cionamentos pessoais, funcionais e mensão tecnológica que irá definir a pragmatismo executivo, instruindo
institucionais que produzem a estrutura de força que deveríamos decisões que frequentemente envol-
segurança desejada para o país em possuir para fazer frente à natureza vem enormes complexidades, sob
um dado momento e contexto e ao número de enfrentamentos grande pressão política e compres-
histórico. simultâneos projetados contra nossos são de tempo, integrando informa-
Embora absolutamente neces- interesses nacionais. Dela também ções imperfeitas de uma grande
sária, é notório que ainda não emanam as premissas que irão instruir quantidade de fontes, muitas vezes
demos suficiente atenção a essas qual estrutura organizacional da com desempenhos fracos ou mesmo
funções da política de segurança no defesa permitirá exercitar os requisitos comprometidos por interesses pes-
processo decisório de alto nível superiores de comando, controle, soais.
brasileiro, enquanto, simultanea- comunicação e computação sob os Em seu terceiro propósito uma
mente, e talvez por causa disso, padrões de interoperabilidade tática, política de segurança dá a moldura
nosso povo ainda não está suficien- tecnológica, estratégica e cognitiva do processo de decisão política,
temente consciente da importância e existentes, projetados para dar conta consciente das recomendações
da necessidade de uma Política de das dinâmicas bélicas quando e acadêmicas, mas atenta ao fato de
Segurança Nacional, dados seus três como necessário em defesa da paz que as responsabilidades executivas
propósitos fundamentais. que almejamos. não podem depender daqueles que
Em seu primeiro propósito, ela É ainda nesse segundo propósito desenham as teorias ou as criticam.
diagnostica os problemas funda- que a política de segurança define É aqui que a política de segurança
mentais, as grandes questões e as quais níveis de prontidão (que no torna-se prática política. Nesse sentido,
novas questões que projetam ganhar final representam custos e compe- a ideia de que uma política de se-
relevância, que entravam ou promo- tências disponibilizados para a gurança é neutra, portadora de elã
vem ações para que alcancemos diplomacia coercitiva) desejamos, patriótico na definição de suas pre-
níveis superiores de estabilidade para onde aponta nossa doutrina missas e judiciosa na especificação
institucional, alinhando a visão que estratégica e, finalmente, ela explica das metas que ela ordena é algo
a liderança política tem para go- quais as condições de emprego da que desejamos mais com ardor do
vernar e o que as instituições neces- força, quais os limites autorizados que com sérias expectativas. Uma
sitam executar para promover o e, principalmente, quando iremos política de segurança nasce da prá-
desenvolvimento econômico e social. cessar de usar a força. tica política e com ela evolui.
Nesse primeiro propósito, uma po- Qualquer estratégia de defesa
lítica de segurança dá significação elaborada sem referência às A teoria da prática
histórica às decisões governamen- premissas do projeto de força que política
tais, definindo o escopo de respon- uma política de segurança determina
sabilidades da defesa, alinhando-a é vazia de significado, exceto para As políticas de segurança evo-
com as demais agências e instituições propósitos de continuidade dos luem por muitas razões. Mas,
governamentais. anseios de recompletamento material principalmente, porque elas são
Em seu segundo propósito, uma corporativamente e isoladamente declarações de preferências e
política de segurança orienta a determinados. O risco, nesse caso, é intenções, com possibilidades de
construção de novos conceitos e que em vez de o Brasil possuir uma implementação temporal e espa-
metodologias para o enfrentamento Defesa, as Forças Armadas é que cialmente condicionadas. É impor-
de questões herdadas de outros possuam o Brasil. tante ser prudente, mas é igualmente
governos e de novos problemas Em seu terceiro propósito, uma importante estar preparado para
emergentes que resistiram às soluções política de segurança antecipa e agir quando os interesses que a
1
Mearsheimer, J. The False Promise of International Institutions, International Security, 19:3 (1994/5), pp. 5-49.
2
Kenneth N. Waltz, Theory of International Politics (Reading, MA: Addison-Wesley, 1979), p. 192.
3
Hans Morgenthau, Politics Among Nations, 4th ed. (New York: Alfred A. Knopf, 1967), p. 131.
4
George Modelski & William R. Thompson, Seapower in Global Politics, 1494–1983 (Seattle: University of Washington Press, 1987).
5
Klaus Knorr, The War Potential of Nations. (Princeton: Princeton University Press, 1956).
6
Charles Hitch & Roland McKean, The Economics of Defense in the Nuclear Age (Cambridge: Harvard University Press, 1960).
7
Oskar Morgenstern et al., Long Term Projections of Political and Military Power (Cambridge: Ballinger, 1973).
8
Clifford German, “A Tentative Evaluation of World Power,” Journal of Conflict Resolution, Vol. 4 (1960) pp. 138–144.
9
É possível encontrar estatísticas similares no site da organização RAND, http//:www.rand.org.