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A educação dedicada à desumanização

Lucas Maia Maciel


Apr 10, 2017

“A educação é simplesmente a alma de uma sociedade a passar de uma geração para a


outra. “ G. K. Chesterton

A comicidade da educação moderna é a mesma do homem moderno: representa todos os


acidentes, porém está de essência desalmada; tem os músculos, tem a barba, tem um
mecânico ímpeto viril, porém não é capaz de doar-se, em sangue e carne, por outro que
não ele próprio — como fez Jesus Cristo, o Homem dos homens –, é um egoísta que só
derrama do seu sangue por si próprio, embriagando-se em sua própria seiva. A escola —
em todos seus estágios, do primário à universidade — foi presenteada com aparatos
tecnológicos diversos, aperfeiçoando o potencial de ensino: projetores, telas, quadros,
canetas, áudio amplificado — independente da acústica arquitetônica –, jogos virtuais
educativos, internet, etc. É similar a estar diante dum cavaleiro medieval, de belíssima
armadura reluzente e, atônito, aproximar-se para ver quem está revestido por tão
impressionante exoesqueleto, tendo viseira — barbudas, na linguagem medieval —
levantada, os olhos não estão lá, nem a carne, nem ninguém.

A “educação” de hoje, apesar de toda tecnologia, está faltosa de alma, daquela primeva
relação entre educador e educando, na qual o primeiro estava comprometido na formação
completa do indivíduo — o que só é possível através do laço pessoal, a impessoalidade é o
caminho oposto –, e o segundo estava comprometido em seguir o exemplo dos grandes
homens, pois a virtude era o sumo bem a ser perseguido.

“Sócrates, porém, ensinava em qualquer lugar e ocasião que se lhe apresentasse; o filósofo
Santo Alberto Magno lecionava em praça pública. “ (Fausto Zamboni, Contra a Escola,
p.122).

Com a industrialização, cresceu a demanda pelo técnico, o que deu primeiro rumo à
educação moderna; a tentativa de transformar a educação numa fase preparatória para
servir às indústrias e empresas acarretou numa pobre e infantil compreensão das relações
humanas, das mais simples às mais complexas, prendendo os homens em seus cosmos
imaturos, tal como crianças procurando a satisfação das suas necessidades tão rápido
quanto o seu surgir, sem considerar suas consequências.

“ […] os problemas abordados pelos físicos, ainda que estejam presentes na sociedade,
não fazem necessariamente parte da consciência das pessoas. O teu desconhecimento
acerca das partículas subatômicas não afetará fundamentalmente as tuas decisões na
vida. Mas problemas referentes ao amor, à morte, ao ódio, à tristeza, ao casamento, às
relações humanas todo mundo tem. Então de cara o assunto do qual a literatura trata é a
vida de todo mundo, e não a vida de um grupo especializado. “ (Olavo de Carvalho, O valor
da educação literária).

De alguns tempos para cá, os marionetistas da Unesco, da “WCEFA” — Word Conference


on Education for All -, da OCDE — Organisation de Cooperátion et de Développement
Économiques -, do Parlamento europeu no episódio “La politique de l’éducation et de la
formation dans la perspective” em 1993, etc. [quem quiser uma lista mais ampla para
análise da situação, mande-me um e-mail, será de todo meu prazer partilhar tal
conhecimento] notaram que a educação puramente tecnicista não impedia a cultura
tradicional, transmitida pelas gerações, de ser continuada — a tradição cria famílias
fortes, as famílias fortes são o principal núcleo de resistência aos devaneios totalitários -,
então optaram por adotar um ensino “multidimensional”:

“em detrimento do acadêmico e do cognitivo, [o ensino] torna-se desde já


‘multidimensional’ e incumbido, por isso mesmo, de todos os componentes da
personalidade: ético, afetivo, social, político, estético, psicológico… Estes são os domínios
que precisam ser prioritariamente contemplados pelas políticas de avaliação
internacionais planificadas em escala mundial.” (Pascal Bernardin, Maquiavel
Pedagogue: ou Le ministère de la réforme psychologique, p. 97).

Essa “modalidade” é o simples ensinar de cacoetes, lugares-comuns e chavões aplicados


aos atos da existência humana, ela inculca, de fora para dentro, as reações — e ações —
possíveis, normalmente tornando-as em dualidades: ou x ou y. A realidade é
transformada num filme preto e branco, onde algo ou é escuridão ou é luz. Basta notar o
comportamento dos direitistas e esquerdistas de hoje quando de frente a uma opinião que
os desconcerta, logo exclamarão: “Fascista!”.

As relações humanas são dotadas de diversas facetas, múltiplas camadas de sutilezas e


intenções, uma educação que imputa valores de dentro para fora — basicamente, ensina
um leque de reações para cada situação — tende a empobrecê-las e emburrecê-las,
gerando mais dissabores nas interações e atomizando os indivíduos, pondo-os uns contra
os outros — uma estratégia antiga, afinal.

A educação real, provinda da educação liberal, da educação clássica, desde os gregos


antigos, com resquícios reluzentes inda no século passado, auxiliava o indivíduo a
apreender a estrutura da realidade, permitindo-o agir em variadas tonalidades, afinal, a
um desconforto existencial causado pelo argumentar alheio, uma cusparada ou um tapa
não é a única resposta.

Já muito bem disse Virgílio a Dante, na Divina Comédia: há ligação entre inteligência e
bondade. Os genuínos intelectos secretam bondade, o Inferno está cheio dos que
sacrificaram o bem do intelecto [da inteligência], que não o cultivaram devidamente [Inf.
3, v. 16–18].

Noi siam venuti al loco ov’i’ t’ho detto

Che tu vedrai le genti dolorose

C’hanno perduto il bem de l’intelletto.

(Nós chegamos ao local onde eu disse-te

Que verás aqueles que vivem dolorosos

E que perderam o bem do intelecto).

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