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1980). Aí, temos a ver com uma divisão violência simbólica nunca se exerce, de
que se assemelha mais à das castas fato, sem uma forma de cumplicidade
definitivamente definidas e delimitadas (extorquida) daqueles que a sofrem e a
(como prova, a taxa excepcionalmente "globalização" dos temas da doxa social
baixa de intercasamentos: menos de 2% americana ou de sua transcrição, mais
das afro-americanas contraem uniões ou menos sublimada, no discurso semi-
"mistas", em contraposição à metade, erudito não seria possível sem a
aproximadamente, das mulheres de colaboração, consciente ou
origem hispanizante e asiática que o inconsciente, direta ou indiretamente
fazem) que se tenta dissimular, interessada, não só de todos os
submergindo-a pela "globalização" no "passadores" e importadores de
universo das visões diferenciantes. produtos culturais com grife ou
Como explicar que sejam assim dégriffés (editores, diretores de
elevadas, tacitamente, à posição de instituições culturais, museus, óperas,
padrão universal em relação ao qual galerias de arte, revistas etc.) que, no
deve ser analisada e avaliada toda próprio país ou nos países-alvo,
situação de dominação étnica,12 propõem e propagam, multas vezes com
determinadas "teorias" das "relações toda a boa-fé, os produtos culturais
raciais" que são transfigurações americanos, mas também de todas as
conceitualizadas e, incessantemente, instâncias culturais americanas que,
renovadas pelas necessidades da sem estarem explicitamente
atualização, de estereótipos raciais de coordenadas, acompanham, orquestram
uso comum que, em si mesmos, não e, até por vezes, organizam o processo
passam de justificações primárias da de conversão coletiva à nova Meca
dominação dos brancos sobre os simbólica.15
negros?13 O fato de que, no decorrer dos Mas todos esses mecanismos que
últimos anos, a sociodicéia racial (ou têm como efeito favorecer uma
racista) tenha conseguido se verdadeira "globalização" das
"mundializar", perdendo ao mesmo problemáticas americanas, dando,
tempo suas características de discurso assim, razão, em um aspecto, à crença
justificador para uso interno ou local, é, americanocêntrica na "globalização"
sem dúvida, urna das confirmações mais entendida, simplesmente, como
exemplares do império e da influência americanização do mundo ocidental e,
simbólicos que os Estados Unidos aos poucos, de todo o universo, não são
exercem sobre toda espécie de suficientes para explicar a tendência do
produção erudita e, sobretudo, semi- ponto de vista americano, erudito ou
erudita, em particular, através do poder semi-erudito, sobre o mundo, para se
de consagração que esse país detém e impor como ponto de vista universal,
dos benefícios materiais e simbólicos sobretudo quando se trata de questões
que a adesão mais ou menos assumida tais como a da "raça" em que a
ou vergonhosa ao modelo norte- particularidade da situação americana é
americano proporciona aos particularmente flagrante e está
pesquisadores dos países dominados. particularmente longe de ser exemplar.
Com efeito, é possível dizer, com Poder-se-ia ainda invocar,
Thomas Bender, que os produtos da evidentemente, o papel motor que
pesquisa americana adquiriram "uma desempenham as grandes fundações
estatura internacional e um poder de americanas de filantropia e pesquisa na
atração" comparáveis aos "do cinema, difusão da doxa racial norte-americana
da música popular, dos programas de no seio do campo universitário
informática e do basquetebol brasileiro, tanto no plano das
americanos" (Bender, 1997).14 A representações, quanto das práticas.
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papel de alguns dos responsáveis pelas fazer referência a uma nova posição na
estratégias de import-export conceitual estrutura do espaço social urbano
mistificadores mistificados que podem quando seus colegas americanos ouvem
veicular, sem seu conhecimento, a parte falar de "under" pensam em uma
oculta e, muitas vezes, maldita dos cambada de pobres perigosos e imorais,
produtos culturais que fazem circular. tudo isso sob uma óptica
Com efeito, o que pensar desses deliberadamente vitoriana e racistóide.
pesquisadores americanos que vão ao No entanto, Paul Peterson, professor de
Brasil encorajar os líderes do ciência política em Harvard e diretor do
Movimento Negro a adotar as táticas do "Comitê de pesquisas sobre underclass
movimento afro-americano de defesa urbana" do Social Science Research
dos direitos civis e denunciar a Council (também financiado pelas
categoria pardo (termo intermediário Fundações Rockefeller e Ford), não
entre branco e preto que designa as deixa subsistir qualquer equívoco
pessoas de aparência física mista) a fim quando, com o seu aval, resume os
de mobilizar todos os brasileiros de ensinamentos extraídos de um grande
ascendência africana a partir de uma colóquio sobre a underclass realizado,
oposição dicotômica entre "afro- em 1990, em Chicago, nestes termos
brasileiros" e "brancos" no preciso que não tem necessidade de qualquer
momento em que, nos Estados Unidos, comentário: "O sufixo 'class' é o
os indivíduos de origem mista se componente menos interessante da
mobilizam a fim de que o Estado palavra. Embora implique uma relação
americano (a começar pelos Institutos entre dois grupos sociais, os termos
de Recenseamento) reconheça, dessas relações permanecem
oficialmente, os americanos "mestiços", indeterminados enquanto não for
deixando de os classificar à força sob a acrescentada a palavra mais familiar
etiqueta exclusiva de "negro"? 'under'. Esta sugere algo de baixo, vil,
(Spencer, 1997; DaCosta, 1998). passivo, resignado e, ao mesmo tempo,
Semelhantes constatações nos algo de vergonhoso, perigoso,
autorizam a pensar que a descoberta disruptivo, sombrio, maléfico, inclusive,
tão recente quanto repentina da demoníaco. E, além desses tributos
"globalização da raça" (Winant, 1994 e pessoais, ela implica a idéia de
1995) resulta, não de uma brusca submissão, subordinação e miséria"
convergência dos modos de dominação (Jenks e Peterson, 1991:3).
etno-racial nos diferentes países, mas Em cada campo intelectual
antes da quase universalização do follk racional, existem "passadores" (por
concept norte-americano de "raça" sob vezes, um só; outras vezes, vários) que
o efeito da exportação mundial das retomam esse mito erudito e
categorias eruditas americanas. reformulam nesses termos alienados a
Poder-se-ia fazer a mesma questão das relações entre pobreza,
demonstração a propósito da difusão imigração e segregação em seus países.
internacional do verdadeiro-falso Assim, já não é possível contar o
conceito de underclass que, por um número de artigos e obras que têm
efeito de allodoxia transcontinental, foi como objetivo provar – ou negar, o que
importado pelos sociólogos do velho acaba sendo a mesma coisa – com uma
continente desejosos de conseguirem bela aplicação positivista, a "existência"
uma segunda juventude intelectual desse "grupo" em tal sociedade, cidade
surfando na onda da popularidade dos ou bairro, a partir de indicadores
conceitos made in USA.17 Para avançar empíricos na maioria das vezes mal
rápido, os pesquisadores europeus construídos e mal correlacionados entre
ouvem falar de "classe" e acreditam si (cf., entre muitos, Rodant, 1992;
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NOTAS
1. Para evitar qualquer mal-entendido – e afastar a 2. Entre os livros que dão testemunho dessa
acusação de "antiamericanismo" – é preferível macdonaldização rampante do pensamento, pode-se
afirmar, de saída, que nada é mais universal do que a citar a jeremiada elitista de A. Bloom (1987),
pretensão ao universal ou, mais precisamente, à traduzida imediatamente para o francês, pela editora
universalização de uma visão particular do mundo; Julliard, com o título L'Âme Désarmée (1987) e o
além disso, a demonstração esboçada aqui será panfleto enraivecido do imigrante indiano
válida, mutatis mutandis, para outros campos e neoconservador (e biógrafo de Reagan), membro do
países (principalmente, a França: cf. Bourdieu, 1992). Manhattan Institute, D. DiSouza (1991), traduzido
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para o francês com o título L'Éducation contre les Propriedades Universais daqueles que dominam
Libertés (1993). Um dos melhores indícios para simbolicamente um universo (cf. Casanova, 1997).
identificar as obras que participam desta nova doxa 13. James McKee demonstra, a uma só vez, em sua
intelectual com pretensão planetária é a celeridade, obra-mestra (1993), por um lado, que essas teorias
absolutamente inabitual, com a qual são traduzidas e com pretensões científicas retomam a estereótipo da
publicadas no exterior (sobretudo, em comparação inferioridade cultural dos negros e, por outro, que
com as obras científicas). Para uma visão nativa de elas se revelaram singularmente inaptas para
conjunto dos sucessos e fracassos dos professores predizer e depois explicar a mobilização negra do
universitários americanos, atualmente, ver o recente após-guerra e os motins raciais dos anos 60.
número de Daedalus consagrado a "The American 14. Sobre a importação da temática do gueto no
Academic Profession" (1997), principalmente B. recente debate em torno da cidade e de seus males,
Clark, "Small Worlds, Different Worlds: The Wacquant (1992).
Uniqueness and Troubles of American Academic 15. Uma descrição exemplar do processo de
Professions" (pp. 21-42), e P. Altbach, "An transferência do poder de consagração de Paris para
International Academic Crisis? The American Nova York, em matéria de arte de vanguarda,
Professoriate in Comparative Perpspective" (pp. 315- encontra-se no livro clássico de Serge Guilbaut
338). (1983).
3. Para uma análise de conjunto dessas questões que, 16. Não se trata de um incidente isolado: no momento
com justeza, coloca em evidência sua ancoragem e em que este artigo vai para o prelo, a mesma editora
recorrências históricas, ver Lacorne (1997). empreendeu um combate furioso comos urbanólogos
4. Sobre o imperativo de reconhecimento cultural, Ronald van Kempen e Peter Marcuse, a fim de que
ver Taylor (1994) e os textos coletados e estes modifiquem o título de sua obra coletiva, The
apresentados por T. Goldberg (1994); sobre os Partitioned City, para Globalizing Cities.
entraves às estratégias de perpetuação da classe 17. Como tinha sido observado, há alguns anos, por
média nos Estados Unidos, cf. Wacquant (1996a); o John Wastergaard em sua alocução diante da British
profundo mal-estar da classe média americana é bem Sociological Association (Wastergaard, 1992).
descrito em Newman (1993). 18. Tendo sentido muita dificuldade para arguir uma
5. Sobre a "mundialização" como "projeto evidência, ou seja, o fato de que o conceito de
americano", cf. Fligstein (1997); sobre o fascínio underclass não se aplica às cidades francesas,
ambivalente pela América no período após a guerra, Cyprien Avend aceita e reforça a idéia preconcebida
ver Boltanski (1981) e Kuisel (1993). segundo a qual ele seria operatório nos Estados
6. Não se trata do único caso em que, por um Unidos (cf. Avend, 1997).
paradoxo que manifesta um dos efeitos mais típicos 19. Essas diferenças estão enraizadas em profundos
da dominação simbólica, um certo número de tópicos pedestais históricos, como indica a leitura comparada
que os Estados Unidos exportam e impõem em todo o dos trabalhos de Giovanna Procacci (1993) e Michael
universo, a começar pela Europa, foram tomados de Katz (1997).
empréstimo a esses mesmos que os recebem como as 20. O problema da língua, evocado de passagem, é
formas mais avançadas da teoria. um dos mais espinhosos. Tendo conhecimento das
7. Para uma bibliografia do imenso debate, ver precauções tomadas pelos etnólogos na introdução de
Philosophy & Social Criticism, vol. 14, nº 3-4, 1988, palavras nativas, e embora também sejam conhecidos
número especial – Universalism vs. todos os benefícios simbólicos fornecidos por esse
Communitarianism: Contemporary Debates in Ethics. verniz de modernity, podemos nos surpreender que
8. Desse ponto de vista, aviltadamenle sociológico, o determinados profissionais das ciências sociais
diálogo entre Rawls e Habermas a respeito dos povoem sua linguagem científica com tantos "falsos
quais não é exagerado afirmar que, em relação à amigos" teóricos baseados no simples decalque
tradição filosófica, são bastante equivalentes é lexicológico (minority, minoridade; profession,
altamente significativo (cf., por exemplo, profissão liberal, etc.) sem observar que essas
Habermas,1995). palavras morfologicamente gêmeas estão separadas
9. Segundo o estudo clássico de Carl Degler, Neither por toda a diferença existente entre a sistema social
Black Nor White (1995), publicado pela primeira vez no qual foram produzidas e o novo sistema no qual
em 1974. estão sendo introduzidas. Os mais expostos à fallacy
10. Um poderoso antídoto ao veneno etnocêntrico do "falso amigo" são, evidentemente, os ingleses
sobre esse tema encontra-se na obra de Anthony porque, aparentemente, falam a mesma língua, mas
Marx (1998), que demonstra que as divisões raciais também porque, na maioria das vezes, tendo
são estreitamente tributárias da história política e aprendido a sociologia em manuais, readers e livros
ideológica do país considerado, sendo que cada americanos, não têm grande coisa a opor, salvo uma
Estado fabrica, de alguma forma, a concepção de extrema vigilância epistemológico-politica, à invasão
"raça" que lhe convém. conceitual. (É claro, existem pólos de resistência
11. Quando será publicado um livro intitulado "O declarada à hegemonia americana, como, por
Brasil Racista" segundo o modelo da obra com o título exemplo, no caso dos estudos étnicos, em torno da
cientificamente inqualificável, "La France Raciste", de revista Ethnic and Racial Studies, dirigida por Martin
um sociólogo francês mais atento às expectativas do Bulmer, e do grupo de estudos do racismo e das
campo jornalístico do que às complexidades da migrações de Robert Miles na Universidade de
realidade? Glasgow; no entanto, esses paradigmas alternativos,
12. Esse estatuto de padrão universal, de "meridiano preocupados em levar plenamente em consideração
de Greenwich" em relação ao qual são avaliados os as especificidades da ordem britânica, não se definem
avanços e os atrasos, os "arcaísmos" e os menos por oposição às concepções americanas e seus
"modernismos" (a vanguarda), é uma das derivados britânicos.) Segue-se que a Inglaterra está
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estruturalmente predisposta a servir de cavalo de 22. Em uma obra essencial para avaliar plenamente
Tróia pelo qual as noções do senso comum erudito não só a partede inconsciente histórico que, sob uma
americano penetram no campo intelectual europeu forma mais ou menos irreconhecível e reprimida,
(isto é válido tanto em matéria intelectual, quanto em sobrevive nas problemáticas eruditas de um país,
política econômica e social). É na Inglaterra que a mastambém o peso histórico que dá ao imperialismo
ação das fundações conservadoras e dos intelectuais- acadêmico americano uma parte de sua
mercenários está estabelecida há mais tempo e é a extraordinária forçade imposição, Dorothy Ross
mais apoiada e compensadora. Dão testemunho dessa revela como as ciências sociais americanas
situação a difusão do mito erudito da underclass na (economia, sociologia, ciência política e psicologia)
sequência de intervenções ultramidiatizadas de seconstruíram, de saída, apartir de dois dogmas
Charles Murray, especialista do Manhattan Institute complementares constitutivos da doxa nacional,
e guru intelectual da direita libertária dos Estados asaber: o "individualismo metafísico" e aidéia de uma
unidos, e de seu par simétrico, ou seja, o tema da oposição diametralentre o dinamismo e aflexibilidade
"dependência" dos desfavorecidos em relação às da "nova" ordem social americana, porum lado, e,por
ajudas sociais que, segundo proposta de Tony Blair, outro, aestagnação e arigidez das "velhasformações
devem ser reduzidas drasticamente a fim de sociais européias" (Ross, 1991). Dois dogmas
"libertar" os pobres da "sujeição" da assistência, fundadores cujas retraduções diretas se encontram,
como foi feito por Clinton em relação aos primos da em relação ao primeiro, na linguagem
América no verão de 1996. ostensivelmente depurada da teoria sociológica com
21. Cf. em particular Erickson & Goldthorpe (1992); atentativa canônica de Talcott Parsons de elaborar
Erik Olin Wright (1997) chega ao mesmo resultado uma "teoria voluntarista da ação" e, mais
com uma metodologia sensivelmente diferente; sobre recentemente, na ressurgência da teoria dita da
os determinantes políticos da escala das escolha racional; e, em relação aosegundo, na "teoria
desigualdades nos Estados Unidos e de seu da modernização" que reinou sem partilhas sobre o
crescimento durante as últimas duas décadas, estudo da mudança societal nas três décadas após a
Fischer et alii (1996). Segunda Guerra Mundial e que, atualmente, faz um
retorno inesperado nos estudos pós-soviéticos
.
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