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As grandes teorias linguísticas: revisão teórica - I

Fábio Macedo Simas

Resumo: O propósito deste artigo é analisar as diversas escolas teóricas que permeiam
o universo da linguística como ciência da linguagem. A presente abordagem
contemplou as correntes teóricas conforme o processo histórico que delineou o papel de
cada uma no cenário científico. Ressalta-se, portanto, o registro de que a linguística tem
sua origem na filosofia grega e no remoto pensamento indiano, que será explicado nas
linhas abaixo.
Palavras-chave: Linguística. Linguagem. Filologia. Saussure. Schlegel.

Abstract: The purpose of this article is to analyze the different theoretical schools that
permeate the universe of linguistics as a science of language. This approach included
the theoretical currents as the historical process that outlined the role of each one in the
scientific field. It is noteworthy, therefore, the record that the language has its origin in
Greek philosophy and in the remote Indian thought, which will be explained in the lines
below.
Keywords: Linguistics. Language. Philology. Saussure. Schlegel.

I - A noção de ciência e a linguística como ciência interdisciplinar


Conforme Guimarães & Orlandi (2006), dois termos devem nortear, num
primeiro plano, o processo do conhecimento via ciência: tradição e inovação. A
distinção entre ambos deve ser clara e consciente a fim de saber o que já foi produzido
dentro de determinado domínio científico e, consequentemente, identificar o que pode
ser dado novo para a reflexão. Faz-se relevante conhecer e reconhecer quais as teorias
estão em voga, as que já estiveram, quais os possíveis pontos de contato entre elas, seus
procedimentos, métodos, abordagens etc. “Em outras palavras, precisamos construir
para nós um saber caracterizado por ser um conhecimento produzido por outros e que
nós de algum modo adquirimos, constituindo uma espécie de arquivo do conhecimento
científico, do discurso da ciência.” (GUIMARÃES e ORLANDI, 2006, p. 125) Essa
“erudição mínima necessária” parece ser condição sine qua nom para que alguém possa
estudar determinado campo do conhecimento. Por isso, procurar-se-á revelar neste
artigo, os pressupostos teóricos básicos das teorias linguísticas aqui abordadas, haja
vista a escassez de espaço e tempo para relatar pormenores, não menos importantes, de
cada escola linguística.

Os mesmos autores afirmam ainda que, dentro do campo dos estudos da


linguagem, deve-se saber que as teorias defendidas são basicamente cognitivas – têm

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como objeto as estruturas mentais -, empíricas – os produtos linguísticos resultantes da


prática das línguas constituem seu objeto - ou materialistas – têm por objeto o
funcionamento simbólico tomado na sua historicidade. Além disso, há a possibilidade
de reconhecer a existência de estudos comparativos entre países que falam a mesma
língua, como Brasil e Portugal, entre outros importantes estudos já produzidos no amplo
domínio das ciências da linguagem.

Por outro lado, não se deve contentar-se apenas com o que já se conhece, mas
produzir conhecimentos e pesquisas novos. Todavia, parece difícil produzir algo novo
sem conhecer um mínimo do que já foi produzido. Para tal, o estudioso precisa
posicionar-se de forma clara e coerente dentro de dada teoria, a fim de realizar um
recorte da mesma para que sua pesquisa seja reconhecida e validada pela comunidade
científica. Deve-se percorrer um longo caminho que vai da supracitada erudição mínima
àquilo que é descoberto por novidade. Entretanto, não se deve esquecer de que é
fundamental delimitar a(s) teoria(s) dentro de um trabalho de pesquisa a fim de
questionar, descrever e analisar.

Outro fator importante na pesquisa científica é levar em consideração os estudos


que de certa forma contribuíram para o desenvolvimento de determinado campo do
conhecimento. Os linguistas supracitados afirmam que levar em conta não significa
necessariamente concordar, mas também discutir e discordar.

Outrossim, fazer ciência envolve conhecer o que já foi produzido a fim de


embasar e solidificar aquilo que se descobre por meio de novas pesquisas fruto de
descrições, análises, reflexões, conclusões etc. Isso pode ser feito a partir de um
investimento individual em uma(s) determinada(s) teoria(s) ou por convivência com
grupos de pesquisa ou pessoas envolvidas no assunto.

II - Estudos pré-linguísticos; tradições e inovações na ciência da linguagem


Apesar de ter seu nascimento cronologicamente marcado no século XVIII, a
linguística existe desde quando existe o interesse pela questão da linguagem. Assim,
desde a Antiguidade filósofos, sábios ou gramáticos estudam, principalmente, a questão
da significação ou das formas das palavras. Isso se refere tanto aos filósofos gregos
como aos sábios hindus. Platão, por exemplo, criou a primeira classificação das palavras
em nomes e verbos, já Aristóteles estabeleceu a nomenclatura de nomes, verbos e
partículas.

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Outras disciplinas, ou artes, ou técnicas, de prestígio na época eram a gramática


e a retórica. A primeira destina-se à preocupação com a correção, com o uso regular e
acurado das línguas. Já a segunda, ocupa-se com a questão do convencimento por meio
da oratória.

Estamos diante de duas posições distintas: de um lado uma norma de


correção (gramática), de outro as regras de como proceder para
convencer, para alcançar o ouvinte (retórica). De um lado o “valor” da
língua, de outro a adequação da relação orador/auditório.
(GUIMARÃES & ORLANDI, 2006, p.146)

Os já citados hindus preocuparam-se em estudar aspectos fonológicos do


sânscrito a fim de obter um modo perfeito de pronunciar as palavras em seus cânticos
sagrados. Dessa forma, acreditava-se que teriam validade sagrada se as palavras fossem
pronunciadas “corretamente”. Era a religiosidade motivando os estudos linguísticos.

Todas essas motivações até então citadas constituem uma espécie de embrião
para os estudos da linguagem. Desde que o homem entende-se “refém” da linguagem
para a comunicação, há a preocupação em estudá-la, seja para descrever, seja para
conhecer ou regular. Pode-se dizer que o homem nunca esteve alheio às questões
linguísticas. No mundo cristão, por exemplo, tudo começou por meio da palavra: “Disse
Deus...” Precisou haver um comando verbal para que tudo passasse a existir. Os
cânticos religiosos, seja em que religião for, são por meio da linguagem. Em outras
palavras, desde a comunicação interpessoal, até a comunicação com o divino, utiliza-se
a linguagem. O homem não vive sem ela, pois assim não interagiria, não trocaria
experiências ou até morreria solitário.

As preocupações filológicas dão início aos estudos históricos, uma vez que a
filologia preocupa-se com a mudança das línguas na linha temporal através do estudo de
textos antigos, em sua maioria literários. Isso só se torna possível a partir do momento
em que determinadas sociedades consideram seus textos escritos preciosos documentos
linguísticos e históricos. Evidentemente, esse tipo de trabalho não pode ser efetuado em
sociedades ágrafas, que são dignas de outros métodos de estudo.

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III – As escolas teóricas da Linguística no processo histórico

1 – A abordagem histórico-comparativa e o programa dos neogramáticos


A partir do século XVIII, percebe-se que as línguas possuem pontos de contato,
semelhanças. Apesar de reconhecidamente iniciado o movimento em 1808, devido à
publicação de F. Schlegel, na Alemanha, de texto sobre a língua dos hindus, William
Jones publicara, em 1786, na Índia, texto indicando semelhanças entre o sânscrito, o
latim e o grego, iniciando assim o método comparativo. Schlegel, além das semelhanças
apontadas por Jones, versou sobre o germânico e o persa por meio de estudos não só das
raízes lexicais bem como das semelhanças das estruturas gramaticais.

Todavia, Franz Bopp foi quem mais criteriosamente estudou a semelhança entre
essas línguas. Em 1816, publicou livro no qual, por meio da morfologia verbal,
demonstrou correspondências sistemáticas entre elas. Nas décadas seguintes, Bopp
inclui em seu estudo outras línguas, tais como o lituano, o eslavo, o armênio, o celta e o
albanês criando, posteriormente, uma gramática comparativa de todas as línguas
estudadas por ele. Essa obra é considerada pioneira nos estudos histórico-comparativos.

Em consequência da criação do método comparativo, notou-se que havia


correspondências sistemáticas e não aleatórias em termos de estrutura gramatical.
Depois de estabelecido o parentesco entre as línguas, Jacob Grimm foi além com a
marcação da passagem de um estágio anterior ao outro no percurso histórico. Destarte,
Grimm utilizou-se de interpretações de correspondências fonéticas sistemáticas entre as
línguas como resultado das mudanças cronológicas. A partir das reflexões de Grimm,
pôde-se denominar o método histórico-comparativo, e não mais comparativo, tão
somente. Esse estudioso obteve dados de catorze séculos, o que lhe permitiu estabelecer
uma sucessão histórica das formas em estudo.

A linguística que adentrou o século XIX foi extremamente valiosa no que tange
aos estudos da comparação, ratificando assim a questão da mudança e do parentesco
entre as línguas. Além dos supracitados autores, diversos outros foram importantes na
construção dessa ciência. Por exemplo, Rasmus Rask, paralelamente a Bopp, trabalhou
com as línguas nórdicas e tornou-se pouco conhecido devido ao atraso de sua
publicação e à língua em que foi publicada sua obra (dinamarquês). Já o alemão
Friedrich Diez inicia os estudos filológicos das línguas românicas e seu trabalho torna-

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se mais abrangente pelo fato das línguas românicas deterem maior número de
documentos antigos escritos em latim, a então língua dos povos romanos.

Por sua vez, Augusto Schleicher orientou seus estudos por uma visão naturalista
baseado no evolucionismo de Darwin. A língua passa a ser vista como um organismo
vivo, com existência própria fora de seus usuários, “sendo sua história vista como uma
“história natural”, isto é, como um fluxo que se realiza por força dos princípios
invariáveis e idênticos às leis da natureza” (FARACO, 1991, p.87). Há várias
contribuições comuns a todos esses estudos. Uma delas é aquela que consolida o que se
denomina tronco indo-europeu e que ficou mais consolidada através dos estudos de
Schleicher que propunha a divisão das línguas em ramos até chegar a uma única língua.
Entretanto, apesar de ver a língua como organismo vivo, esse estudioso não leva em
conta as variações dialetais, nem as influências que uma língua exerce sobre a outra.

A partir da segunda metade do século XIX, surge o movimento dos


neogramáticos, desde a publicação, em 1978, das “Investigações morfológicas”, revista
fundada por Hermann Osthoff e Karl Brugmann. Essa publicação é considerada o
manifesto neogramático e critica a visão naturalista da língua. Sua concepção de língua
é de orientação psicológica subjetivista, e a reconhece como ligada ao falante. Assim,
uma nova orientação surge no postulado da mudança linguística, fato que ilustra a
questão do surgimento de uma teoria em detrimento às críticas e oposições a um
postulado anterior. Uma outra crítica era a de que o alvo do pesquisador não devia ser o
de chegar à língua original indo-europeia, mas investigar os mecanismos de mudança e
assim criar uma teoria da mudança.

Os dois autores criticavam ainda o fato de antecessores considerarem


irregularidades fonéticas como exceções fortuitas e casuais. Afirmavam que, se assim
fosse, as línguas não seriam passíveis de estudo científico. Logo, instituiu-se o princípio
de que as mudanças sonoras eram absolutamente regulares, ou seja, afetavam a mesma
unidade fônica em todas as suas ocorrências, não admitindo exceções. Se houvesse
exceções, uma das seguintes razões era considerada: ou a mudança ainda não havia sido
efetiva como processo regular, ou a regularidade da mudança havia sido afetada pelo
processo da analogia por força dos paradigmas gramaticais da língua. Em outras
palavras, o processo de analogia consistia na interferência do plano gramatical no plano
fônico.

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O estudo diacrônico dos neogramáticos contou com outra obra considerada


referência, o manual do alemão Hermann Paul (1846-1921), publicado em 1880. Tal
autor negava a existência de outra linguística que não fosse histórica e propunha que a
teoria linguística havia de se aplicar a todas as línguas. Assim como outros linguistas,
Paul acreditava que os fatores que provocavam a mudança das línguas ocorriam por
razões psíquicas e físicas e eram determinantes dos objetos culturais de maneira geral,
tal como a língua. Dessa forma, existe certo ponto de contato com o gerativismo de
Chomsky, pois o caráter subjetivo da teorização de Paul colabora para uma análise de
que a mudança se dava por meio dos indivíduos, principalmente no processo de
aquisição da língua (FARACO, 1991, pp. 92-93). Parece difícil aceitar tal tese, pelos
simples fato de que a língua se constrói ao longo de sua história pelos falantes em
contato entre eles, inseridos em diversas situações.

O rigor metodológico introduzido pelos neogramáticos foi fundamental para a


solidificação da linguística como ciência. No entanto, a rigidez das leis fonéticas,
princípio absoluto, ou seja, teria que ser aplicado a todas as palavras sem exceção, foi
relativizado por consequência dos trabalhos de Hermann Paul e outros. De acordo com
Faraco, “passou-se a entender a “lei fonética” não como um princípio categórico, mas
como uma fórmula de correspondência entre sistemas fonéticos sucessivos duma
mesma língua nos diversos períodos de sua existência.”(FARACO, 1997, p.93). Apesar
disso, estudos empíricos mostraram que uma unidade sonora pode mudar de maneira
diferente de um vocábulo para outro. Em outras palavras, o processo de mudança é
lento, progressivo e diferenciado, conforme as condições de uso. A mudança não é
casual nem fortuita.

2 – O estruturalismo – de Saussure a Mattoso Câmara


No entanto, foi com Ferdinand de Saussure que a linguística adquire status
científico, definitivamente, por meio do advento do estruturalismo. A ruptura de
paradigmas feita por Saussure perdura até os dias de hoje. Dificilmente se encontram
estudos científicos dentro do campo da linguagem, e até fora dele, que não citem,
critiquem, releiam ou bebam nas fontes saussurianas.
A primeira ruptura realizada pelo ilustre linguista foi considerar a língua como
sistema abstrato, i.e., não se levará em conta a situação de produção nem os falantes
(Saussure chama de “parole” a fala), em oposição à visão subjetiva trazida pelos últimos

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neogramáticos. Outro aspecto relevante é o fato de propor uma abordagem descritiva,


sistemática e não histórica da ciência linguística. Passa-se de uma visão naturalista,
diacrônica, à noção de estrutura, sincrônica. Se a língua constitui sistema abstrato, as
forças exteriores não atuam sobre ela e o sujeito psicológico é desconstruído, o que nos
confirma Gadet (1996) apud Paveau e Sarfati (2006, p. 252), Saussure mostra:

Que o homem não é senhor de sua língua. Ao questionar as evidências


gramaticais e a maneira pela qual elas funcionam para o sujeito
falante, Saussure contribuiu para tirar a reflexão sobre a linguagem
das evidências empíricas; ao estudar a língua como objeto abstrato,
um sistema cujas forças são exteriores ao mesmo tempo ao indivíduo
e à realidade física, a teoria saussuriana produziu um efeito de
desconstrução do sujeito psicológico livre e consciente que reinava na
reflexão da filosofia e das ciências humanas nascentes, no final do
século XIX.

A linguística moderna considera o Curso de Linguística Geral (CLG), publicado


em 1916, segundo notas de alunos que frequentaram cursos de Saussure entre 1906 e
1911, sua obra fundadora. Ousa-se a dizer que não há linguística moderna fora do CLG,
pois a grande maioria dos estudos pós saussureanos, invariavelmente, referem-se a tal
obra. Paveau e Sarfati (2006, p.63), falam em “corte epistemológico” radical na maneira
de considerar os fatos da linguagem. Após concluir as tarefas da linguística, que serão
(SAUSSURE, 1985, p.13):

a) fazer a descrição e a história de todas as línguas que puder


abranger, o que quer dizer: fazer a história das famílias de línguas e
reconstruir, na medida do possível, as línguas mães de cada família;
procurar as forças que estão em jogo, de modo permanente e
universal, em todas as línguas e deduzir as leis gerais às quais se
possam referir todos os fenômenos peculiares da história; delimitar-se
e definir-se a si própria.

O linguista afirma que o objeto da linguística resulta da construção de um ponto


de vista e não existe antecipadamente tal qual nas ciências exatas, como na famosa
expressão: “não é o objeto que precede o ponto de vista, diríamos que o ponto de vista
que cria o objeto”(SAUSSURE, op. cit.,p.15). Isso quer dizer que o objeto da ciência
linguística será a língua, o sistema abstrato, e não a linguagem, que é uma faculdade
humana em atividade constante. Destarte, “os fatos de linguagem não são exteriores à
experiência humana, mas fazem parte dela, são mesmo o seu produto, porque a
linguagem é uma atividade do homem.”(PAVEAU & SARFATI, 2006, p.66)

Com a publicação do CLG, além de firmar a linguística como ciência e definir


seus objetos, Saussure premia a ciência da linguagem com aparato teórico consistente e

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relevante até o presente século. Questões como língua x fala, sincronia x diacronia, a
noção de signo linguístico, a arbitrariedade desse signo, a própria noção de sistema,
paradigma x sintagma, permitiram – e ainda permitem – discussões e colaborações no
campo em questão. Dessa forma, vejamos um breve resumo da teoria saussuriana:

A língua consiste em sistema abstrato, coletivo, oposto à fala que é individual. A


primeira é um fato social enquanto a segunda é um fato individual. Pessoas que falam a
mesma língua comunicam-se porque a compartilham, apesar de “falas” diferentes.
Diante disso, somente a língua pode servir de objeto para a linguística e ser passível de
abstração e sistematização. Considerar a fala é levar em conta aspectos exteriores à
língua, tais como os falantes, o meio social, os problemas físicos e psíquicos dos
falantes etc. Tal tarefa tem sido desempenhada pelas linguísticas enunciativas, as quais
serão abordadas a posteriori.

A noção de sistema está inteiramente ligada à dicotomia língua/fala. De acordo


com Pietroforte (2006, p.82), “pode-se definir um sistema como um conjunto
organizado em que um elemento se define pelos outros.” Assim, a língua é o sistema
cujos elementos organizados são os signos. A fala, por sua vez, não permite tal
ordenação por ser individual e depender de fatores externos, como já exposto.

Para Saussure, os signos não são rótulos que as coisas reais do mundo recebem,
mas a união de um conceito (significado) a uma imagem acústica (significante) cujo
resultado é o signo linguístico. Fiorin (2006, p. 58), de maneira clara, discorre sobre o
fato:

Não existe significante sem significado; nem significado sem


significante, pois o significante sempre evoca um significado,
enquanto o significado não existe fora dos sons que o veiculam. A
imagem acústica /gatu/ não evoca um gato particular, mas a idéia
geral de gato, que tem um valor classificatório. Na criação desse
conceito, a língua não leva em conta as diferentes raças, os tamanhos
diversos, as cores várias etc. Faz abstração das características
particulares de cada gato, para instaurar a categoria de /felinidade/. O
significado não é a realidade que ele designa, mas a sua representação.
É o que quem emprega o signo entende por ele.

O significante assume um papel de veiculador do significado, e a única maneira


de determinado significado ser representado na realidade é por meio de um significante,
uma imagem acústica no caso saussuriano. Logo, a existência de ambos presume total
reciprocidade. Todavia, essa imagem acústica não é tão somente um som material,
físico, mas uma impressão psíquica dele materializada e reprodutora de sentido.

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Resumindo, o signo linguístico é uma entidade psíquica que combina dois lados ou
faces: o significado e o significante (SAUSSURE, 1985, p.80).

Por conseguinte, no CLG, percebe-se a arbitrariedade do signo, ou seja, isso


quer dizer que ele não é motivado, não há relação que possa ser estabelecida entre o
som e o sentido. Isso pode ser percebido na comparação entre as línguas, pois diferentes
signos, que designam um mesmo significado, possuem sons completamente diferentes e
que nada lembram seu significado. Por exemplo, bed, que no inglês significa cama,
nada tem a ver com cama do português e assim por diante. Entretanto, a arbitrariedade
do signo tem sido contestada principalmente por alguns funcionalistas que afirmam
exatamente o oposto, que toda mudança é motivada. A teoria funcionalista será
abordada mais adiante.

Por meio de um contrato social, os participantes de uma mesma comunidade


linguística estabelecem convenções, o que colabora com a arbitrariedade do signo
linguístico. Tomando a supracitada palavra cama como exemplo, ela significa “móvel
em que se dorme ou repousa” porque se convencionou assim no seio da comunidade.
Mas o próprio Saussure afirma que “o signo pode ser relativamente motivado”
(SAUSSURE, 1985, p.152). Certos signos, como cama, são totalmente arbitrários por
não haver motivação entre o significado e seu significante, mas outros podem ser
relativamente arbitrários, como os substantivos compostos que existem em razão dos
signos que os compõem. O exemplo do próprio linguista é o número dezenove que faz
lembrar o número dez e o nove, simultaneamente.

Entretanto, os estudos diacrônicos realizados, principalmente pelos adeptos da


linguística histórico-comparativa, mostram o parentesco entre as línguas por meio de
semelhanças fonológicas e até morfológicas. É o caso de pater (latim), patér (grego) e
pitar (sânscrito), as três palavras significam pai. Saussure então faz emergir outra
dicotomia: sincronia x diacronia.

À linguística que se detém nos estudos das mudanças que ocorrem nas línguas
através do tempo, Saussure chama de diacrônica. Àquela que vê a língua como sistema
onde um elemento se define pelos demais, chama de sincrônica. Um estudo sincrônico
deve isolar um determinado estado da língua para que, por meio de abstrações, ela seja
estudada como um sistema de signos.

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A proposta do linguista não é recusar o estudo diacrônico. Ele próprio é fruto de


uma geração preocupada com o estudo da mudança e do parentesco entre as línguas. O
que Saussure propõe é que se faça um recorte temporal, o que não diminui a
importância dos estudos diacrônicos, apenas surge uma outra possibilidade de se estudar
as questões relativas às línguas.

Para melhor assinalar essa posição, porém, e esse cruzamento das


duas ordens de fenômenos relativos ao mesmo objeto, preferimos falar
de Linguística sincrônica e de Linguística diacrônica. É sincrônico
tudo quanto se relacione com o aspecto estático da nossa ciência,
diacrônico tudo o que diz respeito às evoluções. Do mesmo modo,
sincronia e diacronia designarão respectivamente um estado de língua
e uma fase de evolução. (op. cit., p. 96).

A coerência da teoria de Saussure reside no fato de deixar bastante claro que a


língua é um sistema abstrato e não é afetado por forças externas. Além do mais, o
linguista só trabalhou com a linguagem verbal, pois, em outras linguagens, percebe-se
que a relação entre o significante e o significado, por exemplo, é totalmente motivada,
haja vista as linguagens visuais. Ainda em relação à distinção entre significante e
significado, Coseriu (2004, p.4) afirma não ser esta ideia original de Saussure. Segundo
o estudioso romeno, tal distinção já constava no “De interpretatione de Aristóteles, que
distingue o que está na voz [...] daquilo que está na alma”
Para Saussure, as relações entre os elementos da língua podem ser efetuadas
dentro de dois eixos: o paradigmático e o sintagmático. O primeiro diz respeito ao que
se chama de eixo das seleções, enquanto o segundo refere-se ao eixo das combinações.
Daí a dicotomia sintagma x paradigma. Devido à impossibilidade da ocorrência
simultânea de dois signos na cadeia da fala, o linguista afirma haver um encadeamento
entre os signos, uma combinação. Essas relações de combinação baseadas no caráter
linear da língua chamam-se relações sintagmáticas. Alem dessas relações
combinatórias, há relações de seleção dos elementos combinados, ou seja, dentro de
determinado paradigma. Discorre Pietroforte (2006, p.88):

Apresentando algo em comum, um signo pode ser associado a outros


signos por, pelo menos, três modos: por meio de seu significado, com
seus antônimos e sinônimos; por meio de seu significante, com
imagens acústicas semelhantes; e por meio de outros signos, em
processos morfológicos comuns.

Defendendo a tese fundamental da descrição linguística, o estruturalismo surge


como corrente que predominou durante várias décadas dentro do campo dos estudos da

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linguagem, utilizando-se de processos de segmentação dos elementos linguísticos até


chegar aos constituintes mínimos (morfemas e fonemas) a fim de realizar análises e
classificações. No estudo da “langue”, levar-se-á em consideração a primazia da fala
sobre a escrita e do sincrônico sobre o diacrônico devido à sistematização abstrata
requerida da língua e ao desejo de descrição. Dessa forma, exclui-se o uso social da
língua, pois assim não caberiam abstrações. Vale ressaltar que o estruturalismo oriundo
de Saussure é ideologicamente compatível com a teoria behaviorista do comportamento.

Apesar de ainda colherem-se frutos da herança estruturalista até os dias de hoje,


em diversas teorias, novas e velhas, como já aqui exposto, algumas críticas têm sido
levantadas, tais como o uso de conjunto finito de enunciados como corpus; visão
taxionômica, i.e., visando tão somente à descrição e à classificação dos elementos;
descarta a variação natural da língua por meio de abstração; exclui o uso social e
individual da língua, a “parole”; não considera a polissemia dos enunciados, limitando-
se ao sentido literal e excluindo questões como a ambiguidade. Mesmo assim, parece
pouco provável descartar o papel fundamental da teoria original dos estudos
saussureanos. Só a partir deles que a linguística ganhou status de ciência autônoma, por
empregar critérios mais objetivos e explícitos para identificação e classificação das
unidades. Além do mais, foi Saussure quem primeiro precisou a utilização de um corpus
para executar a análise linguística.

Por fim, apesar de tão contestada, não se pode deixa de salientar a definição de
língua como sistema. A partir da contestação de tal definição é que várias teorias
emergiram, e.g., as teorias enunciativas e funcionalistas que consideram, com alguma
variação, a língua como instrumento de comunicação, logo a fala – parole – não tem
como ausentar-se da análise do linguista.

O estruturalismo de Saussure, por ter estabelecido quebra de paradigmas, como


já abordado, tornou-se teoria de grande valor no meio científico vigente por ter
colaborado com um programa de investigação que revolucionou a maneira de se
construir a análise linguística. Não se publicaram análises descritivas feitas por
Saussure, mas seu programa teórico é tão amplo e coerente, que dificilmente encontrar-
se-á estudo que não faça referência à axiomática saussuriana.

Assim, diversos estudos e publicações receberam o nome de “estruturalistas”


apesar de divergirem bastante do estruturalismo original do linguista de Genebra. Quais

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são então as linguísticas estruturais? Em resposta a essa pergunta, declara Ilari (2007,
pp. 67 e 68):

A frequência com que os autores incluíram o adjetivo estrutural em


seus títulos, a partir de um certo momento, deixa praticamente de nos
informar sobre o conteúdo das obras, e apenas mostra que o
estruturalismo estava em alta, e que o qualificativo estrutural ajudava
a promover a obra.

Como em qualquer campo da ciência, algumas linhas de investigação surgem


para dialogarem sobre um mesmo objeto sob diversas perspectivas, ou simplesmente
para alargar suas fronteiras. Tradicionalmente, recebem o nome de “estruturais” ou
“estruturalistas”, os estudos que mantêm determinadas orientações oriundas de
Saussure, como, por exemplo, o recorte sincrônico da língua, prioridade de análise do
sistema, entre outras. Mais uma vez, Ilari (op. cit.,pp.68 e 69):

Há um consenso antigo em reconhecer como estruturais: (1) a escola


que atuou entre as duas guerras mundiais em Praga, (2) a glossemática
de Hjelmslev, (3) o funcionalismo de Martinet. Por outro lado, (4)
Roman Jakobson, a cuja obra linguística não corresponde o nome de
uma escola, foi, provavelmente, o autor que mais fez pelo
estruturalismo, em sua vida longa e produtiva, vivida em dois
continentes. Todas essas orientações enriqueceram o projeto
saussuriano com reflexões e análises originais.

Além dessas citações de Ilari, vale salientar o estruturalismo norte-americano e


seus diversos autores, tais como Bloomfield e Sapir, e os desdobramentos de Joaquim
Mattoso Câmara Jr., no Brasil. Vejamos, resumidamente, devido ao espaço, um pouco
sobre cada um desses recortes.
3 – A Escola Linguística de Praga
Desenvolveu-se durante as duas grandes guerras mundiais, e contou com a
participação de autores influentes, tais com André Martinet, fundador do funcionalismo,
Troubetzkoy, com seus importantes estudos sobre fonologia, Roman Jakobson,
responsável pela redação das Teses do Círculo Linguístico de Praga, entre outros.
Baseados em Saussure e influenciados pelo psicólogo vienense Karl Buhler – quem
primeiro discorreu sobre as funções da linguagem – esses autores também marcaram
época nos estudos linguísticos do século XX.
Dentre outros relevantes estudos realizados pela ELP, uma das contribuições
mais importantes é a que diz respeito à noção de comunicação. Enquanto Saussure
acreditava que a comunicação se dava por meio do pleno controle sobre os elementos
dos signos linguísticos por parte dos falantes, os autores da ELP colaboram com uma

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concepção mais dinâmica, quando afirmam haver a necessidade de considerar o


processo de interpretação, ou o que acontece quando se interpreta determinado signo ou
sentença. De acordo com esses linguistas, a comunicação afeta dinamicamente nossos
conhecimentos e nossa consciência das situações. Assim, Mathesius, outro grande nome
da ELP, chegou à conclusão de que os enunciados possuem uma parte tipicamente
menos dinâmica – o tema – e outra mais dinâmica – o rema. Hodiernamente, há outros
termos, tais como figura e fundo, informação velha e informação nova etc (ILARI,
2007, p. 69).
Por sua vez, a concepção de língua começa a ser lapidada ao ser acrescida de
novas perspectivas. A definição saussuriana de língua como sistema abstrato começa,
aos poucos, a ser substituída por outra que considera a língua como instrumento de
comunicação entre os falantes de determinada comunidade linguística. Tanto que
diversos autores, a partir da ELP e influenciados pelo supracitado Buhler, começam a
discutir as funções da linguagem. Dois grandes exemplos são M. A. K. Halliday1 e o
próprio Roman Jakobson, cujo estudo adquiriu mais fama no Brasil.
Da mesma forma que Saussure revolucionou os estudos linguísticos, pode-se
afirmar que a ELP, além de tipificar a revolução saussuriana, serviu para alargar ainda
mais as fronteiras da linguística. Diversos estudos e teorias surgiram a partir da escola
praguense, tais como a glossemática e o próprio funcionalismo, tão difundido
atualmente.

4 – O Funcionalismo de André Martinet


Preferiu-se denominar o título desta seção associando o termo funcionalismo ao
seu mentor, pois aquilo que se entende por funcionalismo na linguística atual parece-nos
diferir até certo ponto daquilo que vamos por agora tratar. Alguns autores preferem
ainda englobar os estudos de Martinet, Jakobson e Halliday numa escola chamada de
“funcionalista” ou de “estruturalismos funcionais”, o que não será feito neste trabalho
por razão de simples escolha.
Apesar de estruturalista, Martinet já compartilha da noção de língua, ou ao
menos da de fala, como instrumento de comunicação. Além do mais, foi ele que cogitou
a tese da dupla articulação da linguagem. Em outras palavras, ele afirma existir nas

1
O estudo sobre as funções da linguagem efetuado por Halliday, além das reflexões sobre coesão e
coerência, pode ser encontrado em sua famosa obra Cohesion in English (1976) em coautoria com R.
Hasan.

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unidades da língua uma parte passível de segmentação em partes menores dotadas de


significação e matéria fônica. A menor delas são os morfemas, que constituem a
primeira articulação da linguagem. Já a segunda articulação da linguagem é aquela que
diz respeito aos fonemas, que não possuem significação mas podem distingui-los, tais
quais os fonemas /p/ e /b/ em pata e bata, respectivamente. Separadamente, ambos não
possuem função, mas são responsáveis por distinguirem signos diversos
(PIETROFORTE, 2006, p.91-92). A dupla articulação da linguagem é um fator de
economia linguística, o que será estudado pelos funcionalistas mais modernos.
Além disso, Martinet foi responsável por estudos de fonologia diacrônica
mostrando a evolução fonológica de um dialeto românico da região dos Alpes franceses,
e percebeu que essa evolução é baseada no princípio da economia. Segundo esse
princípio, os fonemas sofrem uma pressão na assimilação de fonemas vizinhos, o que
leva ao desgaste de algumas oposições fonológicas (ILARI, 2004p. 72-73).
No final de sua vida, Martinet também se dedicou a estudos de descrição
sintática tentando aplicar os métodos saussurianos antes usados em descrições
fonológicas. Deve-se também a Martinet a noção de função e de rendimento funcional.

5 – Roman Jakobson
Dono de vasta obra, Jakobson produziu diversos estudos no campo da fonologia
influenciado não só por seu colega Troubetzkoy, mas também por Saussure. Seus
trabalhos auxiliaram a ciência nos estudos da afasia no processo de aquisição da
linguagem, e na poética. Não se pode deixar de citar sua famosa nomenclatura das
funções da linguagem, herança funcionalista, em que se definem as funções fática,
conativa ou apelativa, metalinguística, informativa ou referencial, poética e expressiva.
Esse quadro tornou-se tão influente que, atualmente, encontra-se presente em quase
todos os livros didáticos de Língua Portuguesa.
Jakobson tornou-se influente no campo da poética, por meio de seus estudos de
fonética e fonologia, por acreditar, dentre outros aspectos, na afirmação de que não há
atração no texto poético por seu conteúdo, mas pelo tratamento que ele dá à linguagem.
Por isso, no Brasil, apreciava a poesia concretista e quase foi contratado pela recém
criada Universidade de São Paulo, na década de oitenta do século passado.

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6 – O estruturalismo americano
Quando se fala em “estruturalismo americano”, pensa-se num
amplo espectro de trabalhos que foram realizados nos Estados
Unidos da América entre as décadas de 1920 e 1950, e em
autores que cultivaram interesses de pesquisa bastante
diversificados. [...] um amplo trabalho de descrição e análise
que, ao contrário, mereceria a maior atenção. Não faltam,
contudo, características comuns, que definem o que poderíamos
chamar de “estilo de época”, e essas características ficam ainda
mais visíveis quando são postas em contraste com a linguística
chomskiana. (Ilari, 2007, p. 77)

A citação acima resume bem a maneira como se discorrerá sobre a linguística


realizada no norte das Américas neste trabalho. Os principais e mais reconhecidos
autores da linguística estruturalista norte-americana são Edward Sapir, Leonard
Bloomfield e Charles Hockett.
Sapir, além de responsável por descrições exaustivas de línguas indígenas,
afirmou que a linguagem2 move-se, altera-se com o tempo, numa espécie de evolução
por meio de alterações fonéticas. Todavia, acreditava que essas mudanças não
constituíam fenômeno meramente fisiológico, mas psicológico. Outro achado de Sapir
foi afirmar que toda mudança fonética é acompanhada de alterações morfológicas,
criticando estudos anteriores.
Leonard Bloomfield, apesar de ex-aluno de Sapir, manteve uma tendência
antimentalista declarada. Ele considerou os pressupostos dos neogramáticos,
principalmente no que tange às leis fonéticas, como base ideal para a fonologia histórica
estruturalista. Em relação à mudança, acredita que ela só é pertinente quando afeta o
sistema estrutural da língua. Para ele, só os fonemas que mudam e por razões de
alterações nos hábitos dos movimentos articulatórios dos falantes e que fatores não-
fonéticos jamais poderiam ser pertinentes para a mudança sonora. Vale salientar
também que sua abordagem recebe forte influência do Behaviorismo, para o que o
comportamento humano é explicado a partir de dados externos, por meio do famoso
esquema estímulo-resposta.
Por último, Charles Hockett é um dos mais notáveis antimentalistas pós-
Bloomfieldianos. Ele aceitou os pressupostos de seu mestre e acrescentou que o falante
está constantemente tentando atingir um alvo articulatório, um ponto máximo de

2
A tradução da palavra language do inglês para o português é, no mínimo, ambígua. Sabe-se que tal
vocábulo pode ser traduzido tanto como língua quanto como linguagem. A tradução feita da obra de Sapir
usa, nesse trecho, linguagem, mas acreditamos que língua seria mais adequado.

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frequência. Além do falante raramente atingir o alvo, a margem de articulações


possíveis é limitada.
Outra importante marca de seus estudos é aceitar motivos extralinguísticos, tais
como umidade no trato vocal, cera ou sujeira nos ouvidos e o desleixo em geral, para
justificar o fracasso do falante em manter determinado ponto máximo de frequência.
Enfim, dentre outros aspectos, o que une os autores da linguística estrutural
americana é o caráter altamente descritivista de seus estudos.

7 – O estruturalismo no Brasil – a inauguração da ciência da linguagem no Brasil


É impossível falar em Linguística no Brasil sem citar Joaquim Mattoso Câmara
Jr. Foi ele o grande responsável por trazer para o nosso país essa ciência como
disciplina nos cursos de Letras. Além disso, escreveu diversas obras importantes e
seminais sobre tal disciplina, tanto de caráter teórico, como descritivo.
Por ter sido aluno de Roman Jakobson nos EUA, Câmara Jr. foi quem primeiro
ministrou aulas de Linguística no Brasil, em 1938, na Universidade de Brasília.
Implementou a Linguística como disciplina obrigatória nos anos de 1960 na então
Universidade do Brasil, hoje, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. A partir
de então, diversos estudos e manuais de linguística foram publicados no Brasil. Até hoje
seus livros são utilizados nos diversos cursos de Letras em todo o país e até no exterior.

Fim da primeira parte


O autor é Doutorando em Estudos de Linguagem pela UFF. Professor de Língua
Portuguesa, Produção Textual, Linguística e Língua Inglesa da UNESA, onde coordena
o Curso de Letras EAD.

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