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CARTA DO PADRE SEBASTIÃO GOMES

(13-6-1624)

SUMÁRIO — Apreciação do novo Governador — Legado do Capitão


Vargas — Pagamento das ordinárias à Companhia de Je-
sus— Projecto de viagem à Guiné.

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Pax Christi

a
Por uia do Brasil escreui a V. 111. S. como Deos N. Senhor
foi seruido leuar pera si aos quatro de Ianeiro passado ao Capitão
Diogo Xemenes Vargas, o qual por seguir os conselhos que V. S.
lhe daua em suas cartas, fazendolhe uarias lembranças sobre nós,
quis que ficasse a nossa Companhia por herdeira do remanecente,
depois de testar de vinte e tres, ou vinte quatro mil cruzados.
Destas lembranças estou confiado na Magestade diuina, há de ter
a a
V. Ill. S. muy grande premio, e do que achei nas cartas de V. S.
e e
tenho auizado ao N. R. P. Geral e ao N. P. Prouincial, porque
a
ainda que as obrigaçols que a Companhia tem a V. S. saõ muitas
e muy grandes, hé bem que se saiba recresse esta.
Na passada tinha escrito a V. S. hüs enfadamentos em que nos
tinha metido o Bispo sem fundamento algum, e como Deus N. S. foi
seruido leuallo pera si; com a vinda do gouernador Francisco de
Vasconcellos da Cunha cessou tudo, e elle nos faz muitos fauores,
e o que delle posso dizer a V. S. que hé verdadeiro português,
e tem no bem mostrado no muito zello que mostra ás couzas da
Igreja, em fauorecer aos pobres, e nesta terra hé muito de agra-
decer, porque a gente delia naõ hé mais que aquillo que quer um
Gouernador, e onde sente que com seu exemplo pode fazer crescer
o zello de seruir a Deus, naõ falta, e assi porque vio que naõ
auia tantos que nas procissões quizessem pegar nas varas do palio,
elle hé o primeiro que pega; muito poderá dizer, mas quando tenha
licença de V. S. o farej mais largamente; permitia Deus N. S.
acrescentarlhe o zello que nestes princípios mostra.
Eu lhe dei a carta de V. S., a qual ainda que era em fauor
do Capitão que Deos tem, a nós naõ deixa de seruir muito pera
o que com o dito gouernador nos pretendiaõ fazer de mal; mas

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como Deos N. S. foy seruido que a Companhia tiuesse esta esmola,
o mesmo Senhor quis que tudo socedesse bem, ainda que foj depois
de grande tormenta, em que nos tinha metido o bispo que Deos tem.
Diz V. S. na sua, que em meserauel estado afirmaõ que está
esta ilha, pois [saiba] V. S. que depois que affirmaraõ isso, que
tem descaido outro tanto, e se V. S. naõ acode, que se pode dar
de todo por perdida, e o remédio hé fácil, e com muito proueito
da fazenda de Sua Magestade; como se pode ver da informação
particular, que com esta vaj.
No nosso particular pesso a V. S. algum remédio pera se
nos pagarem a nossa esmola que Sua Magestade nos manda dar,
e pera que de todo V. S. saiba o que se vsa com nosco, direj
com chaneza o que aqui nos aconteceo: hum gouernador nos veo
certo dia auizar que apertássemos com o almoxerife e feitor
poios nossos pagamentos, e como naõ vsauamos de malicia fizemos
o que nos aconselhou; e tanto que o fizemos alcançou elle certa
couza que delles pretendia, e com isso fez tais excessos sobre nós
entendermos com elles, que fez com a Camara que escreuesse sobre
nós, e elle fez o mesmo, de modo que conforme ao que escrueraõ,
auizou elRey aos nossos Superiores que nos ordenassem naõ vazás-
semos (sic) de excomuhoís, e foy ardil, assi pera auer o que
pretendia, como também pera naõ termos lugar de pedir mais a
nossa ordinária, e assi nunca mais deraõ nem hum real; veia V. S.
se hé isto o que Sua Magestade ordena, e assi se V. S. nos naõ
dá algum remédio, naõ o teremos.
O gouernador que ora hé me dice pretendia hir a Guiné, e naõ
será pouco acertado; fallaua em eu auer de hir com elle, mas como
naõ posso mudar a stancia em que me tem posto sem ordem de
e
meus Superiores, escreuo sobre este ponto ao N. R. P. Geral, e
ao N. P. Prouincial, pera que elles ordenem o que lhes parecer,
estando prestes primo loco pera o que for seruiço de Deus N. S.,
secundo pera o que for bem da Coroa, e Reino de Portugal, e
como iá estiue em Guiné, e na Serra Leoa, bem sej que me naõ
faltará em que exercite os mistérios (sic) da Companhia.
Perdoeme V. S. o ser taõ largo, porque quis dar conta de tudo,
por ter a V. S. em lugar de pai da Companhia. Deos N. S. prospere
o estado, e augmente a vida e saúde de V. S. por largos annos. / /
Cabo Verde, ilha de S. Tiago, 13 de Junho de 1624.
a
De V. 111. S. certo orador ett.

Sebastião Gomez.
ATT., Cartório dos Jesuítas, Maço 36, doc. n.° 9.

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