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20/05/2020

MÓDULO: RELIGIOSIDADE DO MUNDO


CONTEMPORÂNEO - TEO 03
Movimentos Religiosos Contemporâneos I

Prof. Dr. Marcio Cappelli

Movimentos Religiosos
Contemporâneos - I

TEMA: Um panorama do campo


religioso contemporâneo.

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

Objetivo Geral
Apresentar e avaliar aspectos fundamentais
do campo religioso atual, a partir de
variados enfoques: antropológico,
sociológico, filosófico.

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Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

Objetivos específicos

• Mapear o debate acerca da presença da religião na


contemporaneidade;

• Considerar a pluralidade das expressões religiosas;

• Apresentar tendências no campo religioso


contemporâneo.

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

Roteiro da Aula
• As religiões no mundo contemporâneo

• O desafio do pluralismo religioso

• Disposições do campo religioso

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

Podemos dizer que, grosso modo, há 4


posições básicas sobre o lugar da religião no
mundo contemporâneo, segundo as quais
estaríamos vivendo:

1. o fim da religião;
2. o retorno da religião;
3. a continuidade da religião;
4. a transformação da religião.

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Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

O fim da religião?
O vaticínio do fim da religião ou de seu futuro duvidoso
ganhou importância na sondagem do que seria uma
sociedade do futuro, ou seja, uma sociedade radicalmente
secularizada.

Os estudos mais recentes, desenvolvidos na esteira de


Max Weber, sublinham que a racionalização do mundo
(desencantamento) e a separação entre Igreja e Estado
são evidências da perda do protagonismo da religião.

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

• Nesse viés, as religiões fariam parte de um passado da


humanidade. A invocação a Deus seria, no máximo, um
“gesto de etiqueta”, ou, quando muito, o resquício de uma
crença que sobrevive apenas na linguagem.

• Ainda que as religiões continuem existindo, elas não tem


um papel significativo na composição do espaço público.
E mesmo o sujeito religioso não depende de Deus como
antes da “modernidade”.

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

“Se a divergência religiosa era antes uma questão


privada, para a qual se invocava a tolerância ou a
liberdade, agora é a questão religiosa que passa a ser a
questão privada, com as mesmas preocupações. No
espaço de um século e meio, o caminho da laicização
teórica e prática tornou-se tão impetuoso e tão vasto que
pareceu irreversível.”

GALASSO, Giusepe. Ateu. In: Enciclopédia Einaudi. v. 12.


Lisboa: Imprensa Nacional e Casa da Moeda, 1987, p.
361.

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O retorno da religião?

Diante da efervescência do campo religioso,


particularmente a partir dos anos 1970, não faltaram
análises que retomaram Weber e o que teria sido a sua
“profecia falida” sobre o avanço do processo de
secularização e o declínio das religiões. Tais abordagens
apontam o que seria o reverso, denominado
“reencantamento do mundo”, a “revanche de Deus” ou o
“retorno da religião”.

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

• Segundo este posicionamento, tal “reencantamento” seria


uma contrapartida crítica ao otimismo científico e
filosófico de extração iluminista.

• De acordo com o filósofo italiano, Gianni Vattimo, esta


retomada do interesse religioso revela sobretudo um
“limite” da potencialidade humana (da razão) e da
aparente insolubilidade de seu instrumental técnico na
resolução de muitos problemas que afligem a
humanidade.

Cf. VATTIMO, G. O vestígio do vestígio. In: DERRIDA, J. &


VATTIMO, G. (Orgs.). A religião, pp. 92-93.

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

Dois fatores que, nessa perspectiva, contribuíram


para o ressurgimento do sentimento religioso:

• o medo e a ansiedade diante das ameaças


diversificadas que pesam sobre o futuro do
planeta;

• a insegurança face à carência de horizontes e à


perda de sentido da existência.

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Intervalo

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

A continuidade da religião?

Alguns autores afirmam que, no fundo, não faz sentido falar em um retorno
da religião, porque ela nunca teria “saído de cena”. De fato, se pensarmos
em contextos que não o europeu, fica mais claro que a religião possuiu um
em maior ou menor grau uma importância significativa na vida das pessoas
e no espaço público. As reações em países como Paquistão, Egito e Irã à
tentativa de secularização mostrou que a força da religião é incontornável.

Além disso, outros pensadores destacam que as estruturas dos Estados


modernos tem uma base teológica. Ou seja, ainda que se possa pensar
em termos laicos a sociedade contemporânea, ela se sustenta num
alicerce religioso (mítico: p.ex., o mito do progresso)

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

Clifford Geertz, um dos mais importantes antropólogos do


século XX, sublinhou que a ordem global trouxe sérios
conflitos religiosos, migrações de populações, deslocalização
das religiões, ressurgimento de fundamentalismos. Ou seja,
a indiferença religiosa não é o padrão dominante no mundo,
ainda que possa ter ganhado contornos individuais.

Cf. GEERTZ, C. O beliscão do destino: a religião como


experiência, sentido, identidade e poder. In: GEERTZ,
C. Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: Zahar,
2001. pp. 149-165.

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A transformação da religião?

Essa posição reconhece que a religião não perdeu espaço;


no entanto, por mais que seja um fator social determinante,
não há como deixar de reconhecer que as suas mais
variadas expressões estão submetidas à dinâmica da
composição individualizada da identidade do sujeito e da
fruição de sentimentos, gostos e prazeres pessoais.

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A socióloga francesa Danièle Hervieu-Léger, que tem se


dedicado a pensar a crise do tradicionalismo do
cristianismo na Europa, prevê que um legado da
modernidade é a possibilidade da crença sem tradição,
ou, em outros termos, de fé sem igreja. Em outras
palavras, a religião está em movimento e passou por um
processo de subjetivação.

Cf. HERVIEU-LÉGER, D. O peregrino e o convertido: a


religião em movimento. Petrópolis: Vozes, 2015.

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Algumas considerações intermediárias

Longe de sugerir a imposição de uma teoria ou de uma compreensão acerca da


presença da religião na contemporaneidade, é possível pensar de maneira mais
ampla que, conforme os diversos contextos sociais, a sua forma e seu papel
pode variar.

Isto quer dizer que podemos pensar que, especialmente no mundo moderno,
quando os espaços de produção de significado tornaram-se sensivelmente
problemáticos e submetidos à dinâmica do capitalismo pós-industrial, o estatuto
da religião e suas expressões podem ser pensadas a partir das categorias de
subordinação, retorno, permanência ou transformação do fenômeno o religioso, a
depender do contexto. É claro, isso não significa uma conciliação das
perspectivas ressaltadas, mas uma relativização de cada uma delas.

Portanto, podemos pensar o campo religioso nos termos de um pluralismo.

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O fenômeno do pluralismo

A realidade do pluralismo religioso faz parte


incontornável do cenário do século XXI. Surgem por
todo canto novas religiosidades e diversas tradições
religiosas dão mostras de grande vitalidade.

Há que sublinhar também a presença tensa de valores e


crenças em viva competitividade. Se de um lado o
pluralismo pode significar a abertura a uma nova
conversação dialogal e certo grau de tolerância, ele
tende também a acentuar as “heranças confessionais” e
as “dissonâncias cognitivas”.

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

As opções seriam “ou a rivalidade entre as religiões, o


choque de culturas, a guerra de nações – ou diálogo
das culturas e paz entre as religiões, como condição
para a paz entre as nações! Em face das mortais
ameaças à humanidade como um todo, não deveríamos
antes demolir pedra por pedra os muros do preconceito,
e com isso construir pontes de diálogo?”

KÜNG, H. O islamismo: rupturas históricas – desafios


hodiernos, Concilium, v. 313, n. 5, 2005, p. 104

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

A afirmação do pluralismo na modernidade não ocorre sem


provocar reações dissonantes. Na visão de Peter Berger, a
presença do pluralismo na modernidade vem acompanhada
de “crises de sentido”.

“O pluralismo cria uma condição de incerteza permanente


com respeito ao que se deveria crer e ao modo como se
deveria viver; mas a mente humana abomina a incerteza,
sobretudo no que diz respeito ao que se conta na vida.
Quando o relativismo alcança certa intensidade, o
absolutismo volta a exercitar um grande fascínio.”

BERGER, P. Una gloria remota: avere fede nell’epoca del


pluralismo. Bologna. Il Mulino, 1994, p. 48.

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Haveria portanto dois tipos de posturas diante das


dissonâncias cognitivas: rejeição e contaminação.

No caso da primeira atitude, responde-se à insegurança


provocada pelo pluralismo com uma “redução cognitiva”: 1)
defensiva ou 2) ofensiva.

Na primeira, ocorre um fechamento comunitário em torno a


uma identidade.

Na segunda, mais ameaçadora, adota-se a estratégia da


cruzada, ou seja, o caminho da “reconquista” da sociedade
em nome da tradição religiosa particular.

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

Já a “contaminação cognitiva”, segundo Berger, “se refere a um fato


comumente observado: se as pessoas continuam a falar umas com as
outras, elas se influenciam umas às outras”.

Em outras palavras: “qualquer interação ampliada com outros que


discordam da cosmovisão de alguém relativiza esta última”. Isto é, a
interação pode gerar relativização e adaptação das crenças.

BERGER, P. Os múltiplos alteres da modernidade: rumo a um


paradigma da religião numa época pluralista. Petrópolis: Vozes, 2017, pp.
21-22.

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

Embora o pluralismo possa ser pensado como um fenômeno


mais evidente a partir da modernidade e com características
particulares, podemos dizer que ele esteve presente ao
longo da história e diferentes formas, frequentemente
associado aos ambientes urbano (sedes de governos,
centros comerciais e portos marítimos).

O pluralismo na modernidade seria uma espécie de


“urbanização” em modo ostensivo e em expansão em que a
possiblidade de escolhas é ampliada.

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A modernidade não representa, portanto, apenas um avanço


significativo da tecnologia, mas inteiros sistemas alternativos:
podemos agora escolher com quem casar, a nossa
ocupação e o local de residência, nossos meios de
entretenimento, os nossos objetos de culto e mesmo a nossa
identidade.

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

Disso decorre que em boa parte das sociedades


contemporâneas há uma pluralidade de vivências
religiosas e nenhuma, em tese, detém o poder para
estabelecer a partir da sua hegemonia uma hierarquia
sobre as demais.

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

Algumas considerações intermediárias

“A maioria das pessoas vive no meio termo entre negar e louvar a


relatividade. Elas conseguem viver na situação pluralista administrando-a
pragmaticamente. Empenham-se numa convivência com os “outros” no
seu ambiente social, evitando contradições diretas e chegando a acordos
com base no viver-e-deixar-viver. Estes acordos podem ou não envolver
compromissos cognitivos entre cosmovisões e valores. É realmente
surpreendente como esta maneira de viver pode ser efetiva e duradoura.
Contudo, é surpreendente como ela pode ser rompida rapidamente, em
geral por líderes políticos que utilizam o ódio étnico ou religioso para os
seus próprios propósitos.”

BERGER, P. Os múltiplos altares da modernidade, p. 40.

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Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

Intervalo

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

Características do campo religioso contemporâneo

Obviamente, o que procuraremos oferecer nesta parte


final é um “voo” panorâmico sobre o campo religioso.
Num estágio posterior seria necessário identificar
particularidades que dizem respeito a cada contexto
específico.

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Algumas tendências a partir do Censo de 2010...

• A diminuição dos católicos romanos de 73,6% para 64,6%


= 123,2 milhões

• O crescimento dos evangélicos, sobretudo pentecostais,


que passaram de 15,4% para 22,2% (42,2 milhões, sendo
25,3 milhões de origem pentecostal.

• Aumento percentual dos sem religião, de 7,4% para 8,0%


(15,3 milhões).

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• Espiritismo com 2,0% (3,8 milhões)

• Umbanda com 407,3 mil e candomblé com 167,3 mil.

• As demais religiosidades somam 2,7% e algumas


começam a despontar com uma presença mais
definida: budismo (243,9 mil), judaísmo (107,3 mil),
novas religiões orientais (155,9 mil) e o islamismo
(35,1 mil).

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

• Proliferação de ofertas religiosas (Novos Movimentos


Religiosos)

• Proximidade de fronteiras entre sistemas simbólicos (o


diferente está próximo)

• Hibridização de crenças e práticas (bricolagens e


combinações de elementos de universos simbólicos
distintos)

• Trânsito religioso (intra e extra confessional)

Movimentos Religiosos Contemporâneos - I

• Subjetivação religiosa (enfraquecimento do vínculo


institucional)

• Deslocamento do religioso/religião fora da religião


(aspectos religiosos deslizam para a política, a arte –
p. ex. relação com figuras públicas)

• Espiritualidade sem religião (formas laicas de


espiritualidade sobretudo com apelo ético e
ecológico)

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• Midiatização (televisão, rádio, internet – pertenças


virtuais)

• Recrudescimento de identidades (fundamentalismos e


interpelações ao campo político)

Considerações finais

• O pluralismo como algo incontornável

• Novas formas de crer

• Recrudescimento e disputas

Diante disso, como seria possível articular as visões religiosas


e não religiosas de modo a garantir a liberdade fundamental
de cada uma delas e o direito de interferirem no espaço
público?

Obrigado.

Prof. Marcio Cappelli

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