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Aula 2

ANGIOSPERMAS: Introdução & Nymphaeales


Introdução
As angiospermas contam com cerca de 250.000 Saco Embrionário
espécies, incluindo uma enorme diversidade de Antipodas
formas. Em 1879, em uma carta para Hooker,
Darwin considerou a origem das angiospermas Núcleos
um “mistério abominável”. Esse assombro foi Célula polares
causado pelo aparecimento repentino das Central
angiospermas no registro fóssil, contradizendo a Gameta
hipótese de evolução gradual dos seres vivos
Sinérigides
(Darwin 1859). Desde então, desvendar esse
mistério tem representado um dos desafios mais
fascinantes da botânica.
O número de características
compartilhadas é uma evidência clara de que as
angiospermas formam um grupo monofilético.
Elas são facilmente reconhecidas pela produção Tegumentos Micrópila
de flores ou, mais especificamente, pela inclusão Fig. 2. Esquema do óvulo das angiospermas com detalhe do
dos óvulos em um ovário, que quando maduro se gametófito feminino.
transforma em fruto. A origem do ovário ainda é Célula
controvertida, mas a hipótese mais aceita supõe do tubo
que os carpelos do ovário teriam origem foliar. Gameta
Micrósporo Célula
uninucleado generativa Gameta
Fig. 3. Desenvolvimento do gametófito masculino nas
angiospermas.

A maioria das angiospermas possuem


vasos associados a fibras de sustentação no
Fig. 1. Flores e frutos. xilema e tubos de células crivadas associados a
células companheiras no floema, apresentando
As angiospermas se caracterizam maior eficiência na condução de líquidos em
também pela dupla fertilização e o conseqüente relação às gimnospermas. As angiospermas
endosperma triplóide. Ambos os gametófitos são também possuem um vasto arsenal químico:
reduzidos em relação aos das gimnospermas, o alcalóides, óleos essenciais, taninos, iridóides,
feminino (saco embrionário) é constituído por glicosídios, etc., defesas mecânicas como ráfides
apenas oito núcleos (dois núcleos polares, duas de oxalato de cálcio também podem torná-las
sinérgides junto ao gameta feminino e três impalatáveis aos herbívoros.
antipodas) e o masculino é tricelular. O óvulo é
geralmente bitegumentado. O grão de pólen
possui o teto reticulado e é recebido no estigma;
ele não entra pela micrópila, como ocorre nas
gimnospermas. O tubo polínico cresce e penetra
no óvulo pela micrópila, lançando dois gametas
no saco embrionário. Um deles fertiliza o gameta
feminino, produzindo o zigoto diplóide,
enquanto o outro se une às células polares
formando o endosperma triplóide que nutrirá o
embrião esporofítico durante seu
Fig. 4. Elemento de vaso
desenvolvimento.
As flores atuam na atração de encontradas nas atuais Magnoliaceae. Essa teoria
polinizadores, geralmente associando cores era corroborada por fósseis de pólen em tétrades,
vistosas e odores intensos a um sistema de característico de Winteraceae, e de
incompatibilidade e reconhecimento. Ainda Archaeanthus, taxon extinto semelhante as
assim, vários grupos, como as gramíneas, Magnoliaceae.
geralmente com flores inconspícuas são A teoria do Pseudanto, por outro lado,
polinizados pelo vento. Uma flor perfeita acreditava que as primeiras flores eram
(hermafrodita) é composta por um conjunto de inconspícuas e unissexuadas, reunidas em
sépalas (cálice), pétalas (corola), estames inflorescências, semelhantes às encontradas em
(androceu) e carpelos (gineceu), freqüentemente Amentíferas, grupo hoje sabidamente derivado,
organizados em verticilos cuja identidade é apresentando pólen tricolpado. Essa teoria foi
controlada por genes reguladores, posteriormente modificada de modo a relacionar
predominantemente pertencentes a família as primeiras flores de angiospermas àquelas
MADS. encontradas em Chloranthaceae, estabelecendo
O cálice é geralmente pouco vistoso e através desse grupo a relação entre as Gnetales e
está associado à proteção, ao passo que a corola as angiospermas. A colocação das
geralmente vistosa está associada à atração de Chloranthaceae dentre as primeiras
polinizadores. Os estames são geralmente angiospermas era corroborada por fósseis de
compostos de filetes longos e esguios, possuindo pólen clorantóides que estão entre os mais
em seu ápice anteras com quatro lóculos antigos inquestionavelmente pertencentences às
homólogos aos microsporângios. Os carpelos são angiospermas, apresentando columelas e teto
geralmente esguios para o ápice formando um reticulado.
estilete, apresentando uma zona receptiva na Interpretações sobre fósseis bem
ponta, o estigma. Eles englobam os óvulos e preservados da extinta Archaefructaceae podem
compõem o ovário. Na maioria das espécies, as sustentar tanto a teoria do pseudanto (Sun et al.
flores se encontram agrupadas em diversos tipos 2002) quanto a teoria antostrobilar (Friss et al.
de inflorescências. 2003). Por outro lado, a posição de Amborella,
Duas teorias procuraram explicar a gênero monoespecífico da Nova Caledônia, com
origem das flores. A teoria Antostrobilar, flores medianas, unissexuadas, com peças livres,
relacionava as flores com estróbilos bissexuados não muito numerosas, na raiz das angiospermas,
de Bennettitales, grupo extinto, e supunha que as sugere que a flor das primeiras angiospermas
flores mais primitivas seriam grandes, com seria intermediária àquelas esperadas segundo
muitas partes, sem maiores especializações do essas duas teorias contrastantes.
androceu e do gineceu, semelhantes às

Estróbilos bissexuados Flor Archeanthus

Flor Amentífera
Estróbilos unissexuados
Fig. 5. Teorias alternativas para a origem da flor. a-b. Teoria Antostrobilar. c-d. Teoria do Pseudanto. Setas indicam
transformação; as ilutrações indicam candidatos à primeira angiosperma.
Fig. 6. Cronograma sobre a evolução das plantas vasculares baseado no registro fóssil (note o apareceimento explosivo das
angiospermas no Cretáceo Inferior).

Baseado nos registros fósseis, as 90 milhões de anos, elas já dominavam os


angiospermas atuais teriam surgido no Cretáceo ambientes terrestres. O aparecimento da
Inferior, há cerca de 140 milhões de anos. A linhagem das gimnospermas atuais, grupo irmão
partir da região equatorial, elas se dispersaram das angiospermas, no Carbonífero, há cerca de
em direção aos polos. No Terciário, há cerca de 300 milhões de anos (Doyle 1998), no entanto,
indica uma origem bem anterior para as fazer uso das gimnospermas na polarização da
angiospermas. Onde estaria escondida a topologia. Eles obtiveram Amborella como
linhagem das angiospermas durante os quase 200 primeira linhagem a divergir na evolução do
milhões de anos que separam a divergência grupo. Análises combinadas de regiões incluídas
dessas linhagens e o aparecimento das nos três genomas (Soltis et al. 1999, 2000, Qiu et
angiospermas atuais no registro fóssil? Ou a al. 1999, 2000), confirmaram esse resultado,
linhagem das angiospermas teria sido pouco indicando um grado formado por Amborella,
representativa, restrita a locais de fossilização seguida por Nymphaeales e um clado constituído
difícil, como regiões montanhosas (e.g. Axelrod de Illiciales, Trimeniaceae e Austrobaileyaceae,
1952, Takhtajan 1969), ou os representantes que passou a ser conhecido como ANITA.
ainda não teriam adquirido características que Alguns estudos (Barkman et al. 2000,
permitissem atribuir sua relação evolutiva com Graham & Olmstead 2000), entretanto,
as angiospermas durante esse período, como contestaram a posição de Amborella,
ocorre com diversos fósseis de posição incerta justificando-a como artefato derivado de
(e.g. Crane et al. 1995). distúrbios na análise ou atração de ramos longos
As angiospermas eram tradicionalmente (mas veja Qiu et al. 2001), não descartando a
classificadas em Dicotiledôneas, caracterizadas possibilidade de uma linhagem inicial formada
por um crescimento secundário formando um pelo clado Amborella-Nymphaeales. A presença
anel no lenho, venação reticulada, dois de Nymphaeales no Cretáceo Inferior (Friis et al.
cotilédones, geralmente com flores penta ou 2001), período que marca o aparecimento dos
tretrâmeras, e as monocotiledôneas, com apenas primeiros fósseis incontestavelmente de
um cotilédone, sistema vascular disperso, angiospermas (Crane 1995) corroborou então a
venação paralelinérvia e flores trímeras. Essa posição desse grupo próximo ao nó das
dicotomia foi refutada em meados dos anos 90, angiospermas.
quando estudos filogenéticos confirmaram que, As angiospermas passaram, então, a
apesar das monocotiledoneas formarem um estar divididas em angiospermas basais
grupo monofilético, as dicotiledôneas seriam formando um grado, seguidas por um clado
parafiléticas em relação a elas. Tornou-se composto de grupos de Magnoliideae contendo
importante o reconhecimento das 6% das angiospermas mais as monocotiledôneas,
eudicotiledôneas, fortemente sustentada em com cerca de 19%, e finalmente as
análises cladísticas e reconhecidas pelos grãos de Eudicotiledôneas com os restantes 75%, aqui
pólen tricolpados ou derivado desse. denominado Euangiospermas. Estudos com um
Entre 1991 e 1992, Douglas Soltis e número maior de dados (Qiu et al. 2001, Zannis
Mark Chase iniciaram um grande projeto para et al. 2003) mostraram, no entanto, que as
investigar as relações filogenéticas entre as Magnoliideae estão mais relacionadas com as
angiospermas. Quarenta e dois pesquisadores se Eudicotiledôneas do que com as
integraram ao projeto, e juntos publicaram o monocotiledôneas. Assim, excluindo Amborella,
primeiro trabalho (Chase et al. 1993) relevante e as aquáticas Nymphaeales e três pequenas
compreensível em sistemática molecular na famílias, Illiciaceae, Schizandraceae e
botânica, utilizando rbcL. A invenção da PCR Trimeniaceae, que formavam ANITA, as
facilitou enormemente a amplificação das (eu)angiospermas podem ser divididas em dois
seqüências, permitindo a intensificação dos grande grupos com circunscrição muito similar
sequênciamentos. Essa revolução laboratorial foi às tradicionais monocotiledôneas e
acompanhada de perto por progressos dicotiledôneas.
computacionais que permitiriam analisar de Os grupos que formam o grado basal em
maneira mais eficiente um grande número de angiosperma são pobres em número de espécies,
seqüências, assim como utilizar algorítimos mais e não existem evidências fósseis de que eles
complexos, tanto para busca de árvores como teriam sido mais diversos no passado. Os clados
para avaliação estatística da confiança dos com taxas altas de diversificação são mais
resultados. recentes, especialmente encontrados nos grupos
As análises de rbcL, foram seguidas de Asterideae. Portanto, uma intensificação na
pelas de DNAr 18S (Nickrent & Soltis 1995, diversificação das angiospermas não teria
Soltis et al. 1997) e de atpB (Savolainen et al. ocorrido senão tardiamente na evolução do
2000). Mathews & Donoghue (1999) utilizaram grupo.
genes parálogos para detectar a raiz das Ao longo da evolução das angiospermas
angiospermas sem que para isso tivessem que houve uma estabilização do número de verticilos
Fig. 7. Cladorama das angiospermas com atenção para a divergência das primeiras linhagens de angiospermas. Acima dos ramos são
os números de substituições e abaixo o bootstrap (índice de sustentatção). Note o grado Anita (Amborella, Nymphaeales e o clado
ITA) e as o clado composto por dois subgrupos: monocotiledôneas (incluindo Ceratophyllum) e dicotiledôneas (incluindo
Chloranthaceae, Eumagnoliidae e Eudicotiledôneas).
e de peças por verticilo floral, quatro ou mais (incluindo a vitória-régia, V. amazonica) e uma
freqüentemente três como é o comum nas em Nuphar (N. advena). Devido às flores
monocotiledôneas e cinco, como é mais comum tipicamente grandes e vistosas, várias espécies
nas eudicotiledôneas. Passou a haver uma maior são utilizadas como ornamentais, e algumas
especialização das estruturas, como espécies exóticas passaram a ocorrer de maneira
diferenciação entre sépalas e pétalas, por subespontâneas.
exemplo. A gamopetalia, isto é a fusão dos lobos
da corola passou a ser comum e o ovário passou
a ser ínfero em muitos casos, aumentando a
proteção aos óvulos. A maioria dos grupos
passou a oferecer néctar, recurso menos
A B
dispendioso à planta, em vez de pólen, como
recompensa a seus polinizadores, e a associação
com insetos mais especializados levou em
muitos casos a simetria bilateral, enquanto em
outros levou a agregação de flores em
inflorescências congestas, como nas Compositae.
A padronização do seqüenciamento, a
aparente objetividade das análises moleculares e
o princípio filogenético amplamente
compartilhado entre os sistematas possibilitou
que especialistas com diversos pontos de vista
pudessem trabalhar em colaboração em busca de
uma classificação comum (Enderby 2001). C
Baseadas em resultados moleculares e
estruturadas nos alicerces da morfologia
surgiram desse esforço conjunto classificações
consensuais propostas pelo grupo de filogenia
das angiospermas (APG 1998, 2003).

NYMPHAEALES
Nymphaeaceae
Plantas aquáticas de água doce,
rizomatosas. Estípulas eventualmente presentes.
Folhas alternas, longamente pecioladas e
flutuantes, ou submersas, eventualmente
D
espinescente, inteira a lobada. Flores solitárias,
acima do nível d’água, vistosas, bissexuadas,
actinomorfas, hipo ou epíginas. Tépalas
geralmente numerosas, diferenciando-se
gradativamente em sépalas (3-5 ou muitas),
pétalas (4 a muitas) e estames, alvas, róseas,
liláses, vermelhas, amarelas ou azuis. Estames
numerosos, livres, laminares, dispostos E F
espiraladamente; estaminódios geralmente
Fig. 8. Exemplos de Nymphaeales. A. Victoria amazonica
presentes. Gineceu sincárpico ou quase, 3-47
(vitória-régia); B. distribuição da ordem. C-D. Nymphaea. C.
carpelos, formando um disco receptivo no ápice; hábito; D. Flor. E-F. Flor de Nuphar. E. corte longitudinal; F.
placentação parietal, numerosos óvulos por corte transversal.
carpelo. Fruto cápsulas bacáceas deiscente;
sementes numerosas, eventualmente ariladas. Estão proximamente relacionada às
Nymphaeaceae está distribuída no Cabombaceae, família com dois gêneros
mundo todo, incluindo seis gêneros (Les et al. (Cabomba e Brasenia) e seis espécies de plantas
1999) e cerca de 55 espécies, a maioria em aquáticas, submersas, de água doce, amplamente
Nymphaea. No Novo Mundo, ocorrem 21 utilizada na ornamentação de áquários (e.g.
espécies, 15 em Nymphaea, duas em Victoria Cabomba caroliniana). Juntas, essas famílias
compõem as Nymphaeales, depois de Amborella, fecundação. O tempo de floração parece,
a linhagem mais antiga dentre as angiospermas. portanto, estar associada a eficiência da
O número elevado de partes florais encontrados polinização cruzada: em plantas onde predomina
em vários gêneros de Nymphaeaceae parece a autogamia o tempo de floração é maior,
contribuir para a proteção das estruturas aumentando as chances de cruzamentos
reprodutivas em flores polinizadas por besouros, ocasionais (Prance & Anderson 1976).
e teria derivado de uma trimeria inicial, como a
encontrada em Cabombaceae e nos fósseis mais
antigos apontados como possíveis Nymphaeales.
A relação entre Nymphaeaceae e os gêneros
aquáticos Nelumbo e Ceratophyullum, indicada
em classificações tradicionais, no entanto, foi
fortemente rejeitada em estudos filogenéticos;
ambos estão agora posicionados em uma família
própria (Nelumbonaceae em Euasteridae e
Ceratophyllaceae como grupo irmão das
monocotiledôneas).

Fig. 9. Exemplo de Cabombaceae (note a planta submersa e a


flor trímera)

As flores são geralmente termogênicas e


odoríferas, com ântese diurna ou noturna,
atraindo besouros ou abelhas. São na maioria dos
casos protogínicas, mas podem apresentar
diferentes graus de auto-compatibilidade. As
flores podem durar apenas uma noite, como em
Victoria amazonica: os besouros ficam
aprisionados no interior da flor, que no início é
funcionalmente feminina, passando a masculina
ao longo da noite. Em outras espécies (e.g.

Fig. 10. Flor de Victoria amazonica, antes da antese e no dia


seguinte.

Nymphaea rudgea), a flor pode durar de duas a


três noites, sendo funcionalmente feminina
apenas na primeira noite. Outras espécies podem
possuir flores de duração mais prolongada. Em
Nymphaea ampla, por exemplo, a flor dura entre
três e quatro dias e o pólen fica disponível antes
da abertura da flor, favorecendo a auto-

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