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Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas


Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social

Antropologia das epidemias


Tópico Especial IV de Antropologia
2 créditos, 30h/a | Segunda-feira, online, das 9h30 às 11h30
Jean Segata

Súmula
Leituras e discussões relativas a temas específicos na área da antropologia.
Aprofundamento de temáticas desenvolvidas nas teses e dissertações no Programa.
Estudos dirigidos em consonância com as linhas de pesquisa.

Objetivo
O objetivo deste curso é apresentar um panorama introdutório para a formulação de uma
antropologia das epidemias, com especial foco em antropozoonozes e doenças vetoriais. O
curso intersecta interesses contemporâneos de campos como os da saúde pública, da
etnografia multiespécie, da ciência e tecnologia, e da biossegurança.

Metodologia
Este curso foi reestruturado em virtude da suspensão das atividades presenciais da
UFRGS em decorrência da pandemia de COVID-19. As aulas acontecerão online na
forma de Ensino Remoto Emergencial, por meio da ferramenta Mconf-UFRGS no endereço
<https://mconf.ufrgs.br/webconf/antropologia-das-epidemias-ppgas-ufrgs>.
Serão 8 sessões/aulas, às segunda-feiras, das 9h30 às 11h30, de 08 de junho a 31 de agosto de
2020, conforme o cronograma de aulas. Em cada sessão haverão exposições teórico-
contextuais e debate críticos sobre os temas e as leituras propostas. A participação ativa
de toda a turma é essencial. Em cada aula, há um texto destacado, de leitura obrigatória, e
outros, entre parêntesis, de apoio. Demais orientações e leituras obrigatórias estarão disponíveis no
moodle da disciplina.

Avaliação
A avaliação é contínua e permeia todo o processo de ensino e de aprendizagem. Isso exige
frequência e participação nas aulas, com questões e debates. Ao final do curso, será
requerido um trabalho final (artigo) que articule situações empíricas e teóricas sobre
alguma das temáticas desenvolvidas na disciplina e suas possíveis intersecções (individual
e/ou em duplas). Orientações específicas (formato/temas) estarão disponíveis no moodle.
Cronograma das Aulas

Aula 01 | 08 de junho
Epidemias e antropologia
Este primeiro encontro tem o objetivo de fornecer informações gerais sobre o curso, incluindo o seu
cronograma e as leituras e discussões projetadas. Nele serão apresentadas ênfases e enquadramentos,
como o recorte temático das antropozoonoses e das doenças vetoriais a partir de alguns debates
contemporâneos da antropologia e seus diálogos com o campo da saúde pública, os estudos de ciência e
tecnologia e a biossegurança.

Keck, Frédéric; Kelly, Ann H.; Lynteris, Christos. “Introduction: the anthropology of
epidemics”. In The anthropology of epidemics. London: Routledge, 2019, pp. 1-23.

Primeira parte
Cruzando caminhos
Etnografias multiespécie, saúde e biossegurança

Aula 02 | 15 de junho
Saúde como questão de (bio)segurança
O objetivo deste encontro é o de fornecer uma introdução ao campo da antropologia da biossegurança.
A linha mestra da crítica é a conversão da saúde em uma questão de segurança. Os textos selecionados
problematizam o modo como diferentes domínios de interesse - como emergências sanitárias, mas
também a autonomia alimentar, a circulação de pessoas e o terrorismo - têm seus caminhos cruzados
na mira de ações de Estado para a vigilância e o controle de humanos, animais, artefatos e ambientes.

Collier, Stephen; Lakoff, Andrew. “The problem of securing health”. In Biosecurity


interventions: global health and security in question. New York: Columbia University Press,
2008, p. 7-31.

Caduff, Carlo. On the verge of death: visions of biological vulnerability. Annual Review of
Anthropology, 43: 105-121, 2014.

Lakoff, Andrew. “From population to vital system: national security and the changing object
of public health”. In Biosecurity interventions: global health and security in question. New York:
Columbia University Press, 2008, p. 33-60.

Aula 03 | 29 de junho
Novas inteligências epidêmicas
Novas políticas e práticas de vigilância e controle em saúde têm sido baseadas no uso de softwares de
modelagem, sistemas de data mining e projetos de modificação genética. Essas tecnologias digitais e da
vida formam infraestruturas para as chamadas de novas inteligência epidêmicas. A sua descrição e análise
forma o cenário de debates projetado para esta aula. Ela continua e expande a reflexão iniciada no
encontro anterior a partir da crítica às promessas de ubiquidade e de antecipação baseadas em dados e

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na digitalização da vida. Sobre elas emergem questões sobre como “governar o futuro” ou sobre como a
subjetivação sobre a incerteza do que (talvez) virá é convertida em política de Estado.

Caduff, Carlo. Sick weather ahead: on data-mining, crowd-sourcing and white noise.
Cambridge Anthropology 32(1): 32-46, 2014.

Duclos, Vincent. Algorithmic futures: the life and death of Google Flu Trends. Medice
Anthropology Theory, 5 (3): 1-14, 2018.

Reis-Castro, Luísa., Heidrickx, Kim. Winged promises: exploring the discourse on


transgenic mosquitoes in Brazil. Technology in Society, 35: 118–128, 2013.

Aula 04 | 13 de julho
Saúde multiespécie
O objetivo desta aula é refletir sobre “saúde” e “doença” como formas de relação entre humanos e
animais. Antropozoonoses e doenças vetoriais costumam sugerir políticas assimétricas, baseadas na
ideia geral de que “a natureza e os animais” são tipos estrangeiros que ameaçam às “sociedades e vidas
humanas”. O eixo central da crítica é a problematização destas divisões - natureza e cultura, humanos e
animais, algoz e vítima, contaminante e contaminado, etc. - para pensarmos em formas de
engajamento, encontros e pertencimentos.

Blanchette, Alex. Living waste and the labor of toxic health on American factory farms.
Medical Anthropology Quarterly, 33(1): 80-100, 2019.

Nading, Alex. Humans, animals, and health: from ecology to entanglement. Environment and
Society, 4: 60-78, 2013.

Keck, Frédéric; Lynteris, Christos. Zoonosis: prospects and challenges for medical
anthropology. Medicine Anthropology Theory, 5(3): 1-14, 2018.

Segunda parte
Performando epidemias
Materialidades, políticas e práticas

Aula 05 | 27 de julho
Amarelentos, miasmas e mosquitos
O objetivo desta aula é a de fazer aparecer performações de febre(s) amarela(s). De início, será
apresentado um panorama geral da febre amarela na América Latina e no Caribe, e em especial no
Brasil, antes da descoberta da sua associação com o mosquito Aedes aegypti. Na sequência, será
mostrado como o “mosquito anticolonialista” é transformado em “vilão”, acelerando o tempo das
campanhas de erradicação, da atuação da Fundação Rockefeller, e da expansão da saúde internacional.
Algumas questões guiarão esta aula: como a doença se tornou um desafio para a colonização européia
nas Américas? Como ela ajudou a nascer e a consolidar a microbiologia e a Medicina Tropical, as
políticas sanitárias e as reformas urbanas? Como nasceu, nas “terras quentes”, uma infraestrutura global

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da biologia e do capitalismo da saúde: um mosquito-como-vetor-universal, ou a emergência das políticas
“mosquitocêntricas”?

Lowy, Ilana. Vírus, mosquitos e modernidade: a febre amarela no Brasil entre ciência e política.
Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006.

Franco, Odair. A primeira epidemia de febre amarela no Brasil In A febre amarela no século
XVII no Brasil. Rio de Janeiro, Editora Edgard Blücher Ltda, 1971, pp. 87-99.

Mejía Rodrígues, Paola. De ratones, vacunas y hombres: el programa de fiebre amarilla de la


Fundación Rockefeller en Colombia, 1932-1948. Dynamis, 24: 119-155, 2004.

Aula 06 | 10 de agosto
Dengue, zika - epidemias que não terminam
Depois da tentativa de erradicação do Aedes aegypti nas Américas, um silêncio epidemiológico
desmonta as políticas para a sua vigilância e controle. Mas o mosquito sempre volta, e agora trouxe
“novos desafios”, como a dengue e a zika. A negligência com estas doenças formam um novo (mas
recalcitrante) ciclo de preocupações. O objetivo desta aula é o de apresentar um cenário recente, com
fatos científicos e políticas públicas em construção. Nele, é explicitada contabilidade da química, a
geopolítica e o gênero das decisões em biossegurança, e também o hiato entre o tempo da epidemia e o
tempo da burocracia e as experiências de quem vive a epidemia.

Nading, Alex. Local biologies, leaky things, and the chemical infrastructure of global
health. Medical Anthropology, 36(2): 141-156, 2017.

Nunes, João; Pimenta, Denise Nacif. A epidemia de zika e os limites da Saúde Global.
Lua Nova, 98: 21-46, 2016.

Diniz, Debora; Brito, Luciana. “Uma epidemia sem fim: zika e mulheres”. In Políticas
etnográficas no campo da moral. Porto Alegre: UFRGS, 2018, p. 169-183.

*Zika (filme). Direção de Debora Diniz. Assistente de Direção de Luciana Brito. Produção:
Luciana Brito, Sinara Gumieri. Edição, montagem e finalização: Valesca Dios. São Paulo:
Itinerante Filmes; 2016.

Aula 07 | 17 de agosto
Gripes, incertezas e futuros
Um dos principais “vetores” da emergência de campos em formação como o da antropologia da
biossegurança, das epidemias e pandemias foram os recentes eventos com diferentes tipos de “Hs e
Ns” - as influenzas, a gripe aviária, a gripe suína até a pandemia da Covid-19. O objetivo desta aula é o
de mostrar etnograficamente como estes eventos transformaram a saúde pública, a relação com algumas
populações humanas e espécies animais e com as novas tecnologias. Feedback e encerramento do curso.

Mason, Katherine. H1N1 is not a Chinese virus: the racialization of people and viruses
in post-SARS China. Studies in Comparative International Development, 50: 500-518, 2015.

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MacPhail, Theresa. “The predictable unpredictability of viruses and the concept of
‘strategic uncertainty’”. In The viral network: a pathography of the H1N1 influenza pandemic.
Ithaca: Cornell University Press, 2014, p. 132-151.

Porter, Natalie. Bird flu biopower: strategies for multispecies coexistence in Viêt Nam.
American Ethnologist, 40(1), 132-148, 2013.

Aula 08 | 31 de agosto
Covid-19 e suas muitas pandemias
Quando este curso foi projetado, os primeiros casos de uma pneumonia aguda começavam a preocupar
as autoridades internacionais de saúde. Algo se desenhava e, em pouco mais de quatro meses, já
vivíamos a pandemia promovida pelo novo Coronavírus (Sars-Cov-2) que provoca a Covid-19.
Atualmente, são mais de 210 países e territórios afetados, milhões de pessoas contaminadas e outras
centenas de vidas perdidas. O Brasil, já lidera alguns destes rankings. Não é por menos que a pandemia
da Covid-19 tem produzido cenários de exceção e de incerteza. Efeitos epidemiológicos, políticos,
econômicos e psicossociais são descritos em escala global e produzem, por conseguinte, muitas
pandemias. Elas têm colocado em relevo inúmeros problemas estruturais, injustiças sociais e
ambientais e distintas cargas de vulnerabilidade. Não há futuros definidos - é preciso fazê-los. O
objetivo desta aula é o de traçar reflexões sobre o lugar da antropologia no debate sobre a Covid-19 e
de como ela pode auxiliar na produção de conhecimentos e respostas à pandemia.

Santos, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020.

Barreñada Bajo, Isaías. Pandemia: anexiones territoriales en Israel y comorbilidad en


Palestina. Geopolítica(s) 11(Especial): 93-104, 2020.

Bringel, Breno. Geopolítica de la pandemia, escalas de la crisis y escenarios en disputa.


Geopolítica(s) 11(Especial): 173-187, 2020.

Capponi, Giovanna. Overlapping values: religious and scientific conflicts during the
COVID-19 crisis in Brazil. Social Anthropology, Special Section Article: 1-2, 2020.

Gellner, David. The nation-state, class, digital divides and social anthropology. Social
Anthropology, Special Section Article: 1-2, 2020.

Makoviki, Nicoletti. The national(ist) necropolitics of masks. Social Anthropology, Special


Section Article: 1-2, 2020.

Ríos Sierra, Jerónimo. La inexistente respuesta regional a la COVID-19 en América Latina.


Geopolítica(s) 11(Especial): 209-222, 2020.

Turnbull, Jonathon et al. Quarantine Urban Ecologies. Society for Cultural Anthropology
Covid-19 Forum, Fieldsights, 2020.

* Ler, no mínimo, três publicações da série Dispatches from the pandemic do Somatosphere -
Science, Medicine, and Anthropology. Todas estão disponíveis no moodle da disciplina.

* Ler, também, no mínimo, cinco publicações do “Boletim Ciências Sociais e Coronavírus”


da ANPOCS. Todos os boletins estão disponíveis no moodle da disciplina.

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Outras leituras
Os livros sugeridos expandem e aprofundam discussões iniciadas a partir dos textos e debates da
disciplina. Contudo, eles ecoam recortes, tendências de pensamento que não esgotam o tema.

Benchimol, Jaime. Dos micróbios aos mosquitos: febre amarela e a revolução pasteuriana no Brasil. Rio de
Janeiro, EdUFRJ/Editora Fiocruz, 1999.

Caduff, Carlo. The pandemic perhaps: dramatic events in a public culture of danger. Oakland: University of
California Press, 2015.

Chalhoub, Sidney. A cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras,
2013.

Diniz, Debora. Zika: do sertão nordestino à ameaça global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016

Espinosa, Mariola. Epidemic invasions: yellow fever and the limits of Cuban independence, 1878-1930. Chicago:
University of Chicago Press, 2009.

Foucault, Michel. O nascimento da biopolítica. Lisboa: Edições 70, 2010.

Haifa Giraud, Eva. What comes after entanglement: activism, anthropocentrism, and an ethics of exclusion.
Durham: Duke University Press, 2019.

Herring, Ann; Swedlund, Allan (eds.). Plagues and epidemics: infected spaces past and present. New York: Berg
books, 2010.

Keck, Frédéric. Un monde grippé. Paris: Flammarion, 2010.

______. Avian reservoirs: virus hunters & birdwatchers in Chinese sentinel posts. Durham: Duke University
Press, 2020.

Keck, Frédéric; Kelly, Ann H.; Lynteris, Christos. The anthropology of epidemics. London: Routledge,
2019.

Lynteris, Christos. Ethnographic plague: configuring disease on the Chinese-Russian frontier. London: Palgrave,
2016.

McNeill, John. Mosquito empires: ecology and war in the greater Caribbean, 1620–1914. Cambridge:
Cambridge University Press, 2010.

Mason, Katherine. Infectious change: reinventing Chinese public health after an epidemic. Stanford: Stanford
University Press, 2016.

Mavhung, Clapperton Chakanetsa. The mobile workshop: the tsetse fly and African knowledge production.
Cambridge, MIT Press, 2018.

Nading, Alex. Mosquito trails: ecology, health and the politics of entanglement. Oakland, University of
California Press, 2014.

Stepan, Nancy. Eradication: ridding the world of diseases forever? London: Reaktion Books, 2011.

Toussignant, Noémi. Edges of exposure: toxicology and the problem of capacity in postcolonial Senegal. Durham:
Duke University Press, 2018.

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