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TERCEIRO SETOR

De início, podemos estabelecer uma organização didática em três setores:

- 1o setor: Estado (Administração Direta e Administração Indireta);


- 2o setor: mercado (concessionárias e permissionárias de serviços públicos);
- 3o setor: sociedade civil (serviços sociais autônomos, entidades de apoio, organizações
sociais, organizações da sociedade civil de interesse público – sendo este rol
meramente exemplificativo). Neste material, estudaremos o terceiro setor e as
pessoas que o integram.

Além dos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública Direta e Indireta, temos
outras pessoas jurídicas que prestam atividades de interesse público, muito embora NÃO
integrem a Administração Pública, nem a Direta e nem a Indireta. Tratam-se dos “entes de
cooperação” ou “entidades estatais”.

Conceito: “são entidades da sociedade civil, sem fins lucrativos, que desempenham atividades
de interesse social mediante vínculo formal de parceria com o Estado”1.

Estas pessoas jurídicas possuem regime jurídico preponderante de direito privado, muito
embora haja a incidência parcial de normas de direito público, bem como a sujeição aos
controles realizados pela Administração Pública e pelo Tribunal de Contas. Assim, possuem
caráter híbrido: são “públicas”, visto que executam atividades sociais e recebem recursos
públicos, porém, são “não estatais”, já que não integram a Administração Pública.

Rafael Oliveira elenca as características comuns das entidades do terceiro setor:

- São criadas pela iniciativa privada;


- Não possuem finalidade lucrativa;
- Não integram a Administração Pública;
- Prestam atividades privadas de relevância social;
- Possuem vínculo legal ou negocial com o Estado;
- Recebem benefícios públicos.

Serviços sociais autônomos

São pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que são criadas por lei e prestam
atividades de interesse público em favor de certas categorias sociais ou profissionais.
Exemplos: SESI, SESC, SENAC, SENAI.

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OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método,
2016. p. 199.
Sua criação depende de lei. Essa exigência decorre da necessidade de uma lei que institua as
contribuições sociais, espécie de tributo. Logo, é uma autorização legislativa para a criação de
tributos e para o seu repasse a tais entidades.

Estas pessoas são criadas por Confederações privadas, após autorização legal, para prestarem
serviço de amparo a determinadas categorias profissionais. Recebem contribuições sociais que
são cobradas de forma compulsória da iniciativa privada2, instituídas pela União, que exerce a
fiscalização sobre tais entidades.

Vale ressaltar que o STF possui entendimento no sentido de que quando o produto das
contribuições ingressa nos cofres dos serviços sociais autônomos, perde o caráter de recurso
público, devido à natureza jurídica de direito privado de tais entidades.

Tais serviços sociais autônomos submetem-se ao regime dos precatórios para o pagamento
de débitos oriundos de decisão judicial?
Não, visto que são pessoas jurídicas de direito privado. Assim entendeu o STF, conforme
ementa destacada abaixo:

APLICABILIDADE ESTRITA DA PRERROGATIVA PROCESSUAL DO PRAZO RECURSAL EM DOBRO


(CPC, ART. 188) - PARANAPREVIDÊNCIA - ENTIDADE PARAESTATAL (ENTE DE COOPERAÇÃO) -
INAPLICABILIDADE DO BENEFÍCIO EXTRAORDINÁRIO DA AMPLIAÇÃO DO PRAZO RECURSAL -
INTEMPESTIVIDADE - RECURSO NÃO CONHECIDO. - As empresas governamentais (sociedades de
economia mista e empresas públicas) e os entes de cooperação (serviços sociais autônomos e
organizações sociais) qualificam-se como pessoas jurídicas de direito privado e, nessa condição,
não dispõem dos benefícios processuais inerentes à Fazenda Pública (União, Estados-membros,
Distrito Federal, Municípios e respectivas autarquias), notadamente da prerrogativa excepcional
da ampliação dos prazos recursais (CPC, art. 188). Precedentes.

Precisam realizar concurso público para a contratação de pessoal?


Não, visto que possuem natureza jurídica de direito privado e não integram a Administração
Indireta. Vale ressaltar que o STF entende que, muito embora não haja a exigência de concurso
público, isso não as exime de manterem um padrão de objetividade e de eficiência na
contratação e gastos com pessoal.

OBS: por serem pessoas jurídicas de direito privado, também não possuem as prerrogativas
processuais inerentes a Fazenda Pública.

Gozam de imunidade tributária?


Os serviços sociais autônomos não gozam de imunidade tributária recíproca, por não
integrarem a Administração Direta ou Indireta.
No entanto, destaque-se que as entidades integrantes do Sistema “S” gozam de isenção
tributária especial por expressa disposição dos arts. 12 e 13 da Lei n. 2.613/55. (STF. 1ª Turma.
ARE 739369 AgR)
Ademais, à luz do art. 150, VI, “c” da CRFB, as instituições de educação e de assistência social
sem fins lucrativos gozam da imunidade tributária quanto aos impostos, desde que atendam

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Art. 240. Ficam ressalvadas do disposto no at. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a
folha de salários, destinadas as entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao
sistema sindical.
aos requisitos previstos na lei. Desta forma, as entidades do sistema S podem gozar de
imunidade por este dispositivo, porque promovem cursos para a inserção de profissionais no
mercado de trabalho (logo, são consideradas instituições de educação e assistência social).

Por fim, vale lembrar que a competência para julgamento de causas envolvendo tais entidades
é da Justiça Comum Estadual, como regra (Súmula 516 do STF: O Serviço Social da Indústria –
SESI – está sujeito à jurisdição da justiça estadual).

Entidades de apoio

São pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que exercem serviços não
exclusivos, relacionados a pesquisa, saúde, desenvolvimento institucional, ciência e educação.
São fundações instituídas por particulares (e por isso estão sujeitas à fiscalização pelo
Ministério Publico), com o fim de auxiliar a Administração Pública, mas não a integram.

Em âmbito federal, temos a Lei n. 8958 de 1994, que estabelece normas sobre as relações
entre as instituições federais de ensino superior e pesquisa científica e tecnológica e as
fundações de apoio. Entretanto, cabe ressaltar que os demais entes federados possuem
autonomia para editar suas próprias legislações acerca do tema.

Já entendeu o STF que as fundações de apoio às universidades públicas possuem


personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio e administração próprios, não
integrando a Administração Pública Indireta. Assim, suas ações são julgadas pela justiça
comum estadual.

As fundações de apoio necessitam realizar licitação para firmar contratos?


Não. Segundo o art. 3o da Lei n. 8958, na execução de convênios, contratos, acordos e demais
ajustes abrangidos pela lei, que envolvam recursos provenientes do poder público, as
fundações de apoio adotarão regulamento especifico de aquisições e contratações de obras e
serviços, a ser editado por meio de ato do Poder Executivo, em cada nível de governo.

Além disso, podem ser contratadas, por prazo determinado e sem licitação, à luz do art. 24,
inciso XIII da Lei 86663.

Por derradeiro, Rafael Oliveira destaca em sua obra que, tal como ocorre com as demais
entidades privadas que formalizam parcerias com o Estado, o regime jurídico das fundações de
apoio sofre ingerência de normas de direito público, de modo a haver compatibilização entre a
natureza privada da entidade com os objetivos públicos que devem ser alcançados por meio,
inclusive, de dinheiro público, servidores que são cedidos e utilização do patrimônio publico.

Organizações sociais
De acordo com a Lei n. 9637, “o Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais
pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao

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Art. 24. É dispensável a licitação: XIII - na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou
estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à
recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não
tenha fins lucrativos.
ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do
meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei”.

Assim, as organizações sociais são entidades privadas, qualificadas na forma da Lei 9637, que
celebram o chamado “contrato de gestão” com o Estado para cumprir metas de desempenho
e receber benefícios públicos.

Quanto ao contrato de gestão, este deverá preencher os requisitos do art. 7o da Lei4 e será
fiscalizado pelo órgão ou entidade supervisora da área de atuação correspondente a atividade
fomentada e, também, fiscalizado pelo Tribunal de Contas.

A aprovação da qualificação como “organização social” é uma competência discricionária do


Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao
seu objeto social e do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado
(atualmente, correspondente ao Ministro do Planejamento).

Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)

As organizações da sociedade civil de interesse público estão regidas pela Lei n. 9790, que em
seu art. 1o dispõe: “Podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos que tenham sido constituídas
e se encontrem em funcionamento regular há, no mínimo, 3 (três) anos, desde que os
respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta
Lei”.

Tais objetivos sociais estão elencados no art. 3o da Lei, dentre eles: promoção da assistência
social, promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico,
promoção gratuita da educação e da saúde, promoção da segurança alimentar e nutricional,
etc.

OBS: atenção com as entidades que NÃO podem ser qualificadas como OSCIP, à luz do art. 2o
da Lei 9790.
o
Art. 2 Não são passíveis de qualificação como Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público, ainda que se dediquem de qualquer forma às atividades descritas no art. 3 o desta Lei:
I - as sociedades comerciais;
II - os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria profissional;
III - as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e
visões devocionais e confessionais;
IV - as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações;
V - as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços a um círculo
restrito de associados ou sócios;

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Art. 7o Na elaboração do contrato de gestão, devem ser observados os princípios da legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, economicidade e, também, os seguintes preceitos:
I - especificação do programa de trabalho proposto pela organização social, a estipulação das metas a serem
atingidas e os respectivos prazos de execução, bem como previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de
desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de qualidade e produtividade;
II - a estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem
percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações sociais, no exercício de suas funções.
Parágrafo único. Os Ministros de Estado ou autoridades supervisoras da área de atuação da entidade devem definir
as demais cláusulas dos contratos de gestão de que sejam signatários.
VI - as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados;
VII - as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras;
VIII - as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras;
IX - as organizações sociais;
X - as cooperativas;
XI - as fundações públicas;
XII - as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão público
ou por fundações públicas;
XIII - as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com o sistema
financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal.

Além disso, a qualificação da OSCIP é uma atividade vinculada, de acordo com o art. 1 o, §2o da
Lei: “A outorga da qualificação prevista neste artigo é ato vinculado ao cumprimento dos
requisitos instituídos por esta Lei ”. Nesse sentido, cumprindo os requisitos previstos na Lei, a
entidade deverá ser qualificada como OSCIP.

Uma vez qualificadas, as entidades que cumprirem os requisitos previstos no art. 1o poderão
firmar um “termo de parceria” com o Poder Público, que estabelecerá metas de desempenho
e, dessa forma, as entidades poderão receber recursos orçamentários do Estado. Vale lembrar
que a celebração do termo de parceria será precedida de consulta aos Conselhos de Políticas
Públicas das áreas correspondentes de atuação existentes, nos respectivos níveis de governo.

Quais seriam, então, as diferenças entre organizações sociais (“OS”) e organizações da


sociedade civil de interesse publico (“OSCIP”)?
Para compreender melhor essas diferenças, vejamos o quadro comparativo abaixo:

OS OSCIP
Sua qualificação é discricionária Sua qualificação é vinculada
A competência para qualificação é do A competência para qualificação é do
ministério ou órgão regulador responsável Ministério da Justiça5.
pela área de atuação da entidade.
Há a necessidade de presença de Não há a necessidade de representantes do
representantes do poder público no órgão de poder público, sendo a presença facultativa
deliberação superior da OS. do servidor público na composição do
conselho ou diretoria da entidade.
O vínculo jurídico celebrado é o contrato de O vinculo jurídico celebrado é o termo de
gestão. parceria.
OBS: para recordar: OSCIP celebra termo de
Parceria.

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Art. 5o Cumpridos os requisitos dos arts. 3o e 4o desta Lei, a pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos,
interessada em obter a qualificação instituída por esta Lei, deverá formular requerimento escrito ao Ministério da
Justiça, instruído com cópias autenticadas dos seguintes documentos:
I - estatuto registrado em cartório;
II - ata de eleição de sua atual diretoria;
III - balanço patrimonial e demonstração do resultado do exercício;
IV - declaração de isenção do imposto de renda;
V - inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes.
Art. 6o Recebido o requerimento previsto no artigo anterior, o Ministério da Justiça decidirá, no prazo de trinta dias,
deferindo ou não o pedido. (…).
O fomento é feito por meio do repasse de O fomento é feito por meio do repasse de
recursos orçamentários, permissão de uso de recursos orçamentários e permissão de uso
bens públicos e cessão especial de servidor. de bens públicos.

O Poder Público precisa realizar licitação para a formalização da parceria?

Há duas correntes sobre o tema:


- 1a corrente: SIM. Havendo duas ou mais entidades interessadas, o poder público
precisa realizar a licitação, em prestígio ao princípio da impessoalidade.
- 2a corrente (majoritária): NÃO. Não há necessidade em realizar licitação, em virtude da
natureza jurídica das parceiras, que é de convênio. Porém, muito embora não haja a
necessidade de licitação, o poder público precisa observar o princípio da
impessoalidade, o que se faz, normalmente, através de um processo seletivo
simplificado.

Além disso, formalizada a parceira, é necessária a licitação para contratações com as verbas
que são repassadas pelo poder público?
A Lei n. 8666 traz, expressamente, previsão de dispensa de licitação para as contratações que
são realizadas pelas organizações sociais, em relação às atividades previstas no contrato de
gestão.

O STF entende pela constitucionalidade do dispositivo, todavia, a qualificação das entidades e


a operacionalização de suas atividades deverão observar aos princípios da Administração
Pública.

Assim, por exemplo, o procedimento de qualificação como OS, a celebração do contrato de


gestão, as hipóteses de dispensa de licitação para contratações e os contratos a serem
celebrados pela OS com terceiros, com recursos públicos, devem ser conduzidos de forma
pública, objetiva e impessoal.

Vale destacar a decisão do STF na ADI 1923, veiculada no Informativo 781:

Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, acolheu, em parte, pedido formulado em


ação direta de inconstitucionalidade para conferir interpretação conforme a Constituição à Lei
9.637/1998 — que dispõe sobre a qualificação como organizações sociais de pessoas jurídicas de
direito privado, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e
entidades que menciona, a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras
providências — e ao inciso XXIV do art. 24 da Lei 8.666/1993 — com a redação dada pelo art. 1º
da Lei 9.648/1998, que autoriza a celebração de contratos de prestação de serviços com
organizações sociais, sem licitação —, para explicitar que: a) o procedimento de qualificação das
organizações sociais deveria ser conduzido de forma pública, objetiva e impessoal, com
observância dos princípios do “caput” do art. 37 da CF, e de acordo com parâmetros fixados em
abstrato segundo o disposto no art. 20 da Lei 9.637/1998; b) a celebração do contrato de gestão
fosse conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do
“caput” do art. 37 da CF; c) as hipóteses de dispensa de licitação para contratações (Lei
8.666/1993, art. 24, XXIV) e outorga de permissão de uso de bem público (Lei 9.637/1998, art.
12, § 3º) deveriam ser conduzidas de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos
princípios do “caput” do art. 37 da CF; d) a seleção de pessoal pelas organizações sociais seria
conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do “caput” do
art. 37 da CF, e nos termos do regulamento próprio a ser editado por cada entidade; e e)
qualquer interpretação que restringisse o controle, pelo Ministério Público e pelo Tribunal de
Contas da União, da aplicação de verbas públicas deveria ser afastada — v. Informativos 621 e
627 (medida cautelar noticiada nos Informativos 421, 454 e 474).

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