Você está na página 1de 3

REDES SOCIAIS: ALÉM DO MÉTODO

Autoria: Alair Ferreira de Freitas, Ivan Beck Ckagnazaroff

Propósito Central do Trabalho:


O objetivo deste ensaio é discutir criticamente o conceito de redes sociais, apresentando
pontos de vista alternativos na tentativa de ressaltar seu potencial metafórico. Procura-se rever
o conceito de redes sociais para além de um modelo de análise quantitativo, buscando não
reforçar o caminho de construção de uma teoria das redes sociais sobre uma ciência positiva e
normativa, mas gerar contribuições para articular o viés estruturalista, dominante no
desenvolvimento atual da teoria, com perspectivas interpretativistas e subjetivistas. Procura-se
ressaltar uma condição dinâmica às redes, representada pelo fato de que os relacionamentos
mudam ao longo do tempo, laços são constituídos e desfeitos, as posições dos atores nas redes
também se alteram, o que repercute numa série de movimentos que implicam que a
configuração das redes sociais está sempre em transformação, associada à ação dos atores. As
redes sociais, assim, não serão interpretadas como estruturas totalmente institucionalizadas e
estáticas, mas dinâmicas e fluídas porque recorrentemente atualizadas no cotidiano das
práticas sociais. A busca de uma interface com a prática nesta discussão é feita ao se
introduzir exemplos de análises de processos de internacionalização de empresas,
pontualmente mencionados para operacionalizar alguns argumentos. Perspectivas críticas são
apresentadas visando repensar o conceito de redes e as abordagens clássicas que dele se
apropriam, sem depreciá-las, mas mostrando outros ângulos pelos quais elas poderiam ser
referenciadas. A partir destas perspectivas, possibilidades heurísticas para a pesquisa aplicada
são traçadas, principalmente buscando ressaltar a abordagem metafórica.

Marco Teórico:
Mark Granovetter (1973, 1983, 1985) é um dos autores tradicionais na teoria das redes
sociais, que representa aqui uma abordagem clássica. Ele descortina uma dimensão relacional
da sociedade ao enfatizar as redes como categoria analítica, propondo uma tipologia
específica para se distinguir os vínculos interpessoais: os laços fracos, aqueles de menor
intensidade e frequência (como nas relações com amigos de amigos) e laços fortes, de grande
intensidade e alta frequência (como nas relações entre familiares e amigos mais íntimos). De
acordo com Steiner (2006), esta abordagem propõe uma descrição original do alicerce social
das relações mercantis, e desponta como uma configuração das relações sociais que garantem
a articulação entre os agentes nos mercados. Importantes autores da teoria das redes sociais
têm definido o foco de análise nas características morfológicas e nas posições dos atores nas
redes e de suas consequências. Essa abordagem posicional pode ser encontrada, por exemplo,
no conceito de laços fracos de Granovetter (1973), que considera que laços fracos, definidos
pela (e resultados da) posição dos atores na estrutura, são pontes para novas redes e assim
para novas informações e acesso a outros recursos. Burt (1992) postula que certas posições
nas redes têm efeitos sobre o alcance de melhores posições e retornos individuais nas
organizações. Já a teoria dos recursos sociais propõe que o acesso e utilização de tais recursos
são em parte determinantes das posições em estruturas hierárquicas e do uso dos laços fracos
(Lin, 1999). Nestas abordagens a localização nas redes condiciona a ação dos atores. O efeito
da estrutura de rede é colocado em termos de fornecimento de benefícios e restrições que os
atores devem explorar e gerenciar. Para Borgatti e Foster (2003), os estudos que examinam as
consequências das redes e das posições nas redes são tipicamente consistentes com uma
agenda estruturalista. Emirbayer and Goodwin (1994) perceberam que houve um
deslocamento do foco de atenção nos estudos das redes, onde a unidade de análise não é mais
a comunidade ou o grupo social (coletividades), mas ao invés disso o indivíduo, pouco ou
nada contextualizado, a não ser pela estrutura de relações padronizadas que o ampara. Neste

1
novo foco, a análise de redes tem se aproximado mais de um "new mode of structuralist
inquiry” (Emirbayer & Goodwin, 1994, p. 1413), sendo sustentada por uma constelação de
diversas estratégias metodológicas. Este argumento apresenta a discussão feita no artigo sobre
uma “virada” na teoria das redes, representada por um deslocamento da posição teórica
metafórica para a metodológica. Na abordagem estruturalista, a dinamicidade da estrutura se
aproxima mais de um aspecto residual do que uma característica inerente e constituinte da
essência das redes sociais. Porém, para Emirbayer and Goodwin (1994) a agência deve ser
introduzida nas análises de rede, reduzindo o determinismo estrutural por meio de uma
interpretação histórica e cultural, buscando compreender adequadamente a formação,
reprodução e transformação de redes sociais. Isso se relaciona ainda à crítica feita por
Fligstein (2003), de que a maior limitação da abordagem de redes é que não incluem as
questões políticas, nem as pré-condições sociais impostas às estruturas econômicas
envolvidas, nem os modos de conceituar as formas como os atores constroem seus mundos.

Resultados e contribuições do trabalho para a área:


Uma consequência da assimilação da noção de redes exclusivamente a um método de análise
estrutural é sua reificação, que pode tornar ininteligível sua natureza como empreendimento
humano (socialmente construída) contextualizado temporal e espacialmente, resultando numa
representação de ente vivo, porém inerte, e supostamente independe das práticas sociais e dos
significados que indivíduos atribuem a elas. Um percurso alternativo proposto é a revisão do
uso das metáforas para compreender as redes como formas organizacionais. Ao defender o
status ontológico das metáforas, Morgan (2007, p. 18) argumenta que elas são “uma forma
criativa que produz seu efeito pela intersecção ou sobreposição de imagens, [...] exercendo um
papel importante no uso da linguagem, no desenvolvimento cognitivo e na maneira pela qual
seres humanos formam concepções sobre suas realidades”. Não se trata, porém, de um
“recuo” teórico às metáforas, tão pouco uma apropriação alegórica ou decorativa da noção de
rede, mas de resgatar a subjetividade e avançar na construção teórica a partir de outras
metáforas sem perder de vista a objetividade conseguida com a perspectiva estrutural e
metodológica. Sheller (2000) dá importantes contribuições a esse debate ao tratar das redes de
movimentos sociais. A autora propõe inserir a metáfora “fluxo social” nas análises de redes
para apreender e descrever os fluxos e as instabilidades que as estruturas também podem
apresentar, e não apenas estabilidade estrutural, como a rede pode acabar traduzindo. Em
relação ao seu objeto de análise específico, Sheller (2000, p. 1) afirma que dar maior atenção
para fluidez, complexidade e ambiguidade pode ajudar “put the movement back into
movements”. Pode-se conceber as redes, por exemplo, como “sistemas abertos interativos”,
reforçando a ideia das conexões entre atores, formando um sistema social, não homogênio,
nem estável, mas em constante interação e mudança, que influencia as trocas com o ambiente
(o sistema é aberto) e é por ele influenciado, e que por isso se atualiza constantemente. A rede
é, assim, inacabada e está sempre em transformação no quadro espaço-temporal. Essa
perspectiva se aproxima do que propõe Castells (1999), para quem uma estrutura social
referenciada pelas redes representa um sistema aberto altamente dinâmico, capaz de alcançar
a inovação. Para o autor, a rede enquanto sistema possui também pode alcançar certo
equilíbrio, que minimiza ameaças do ambiente. (Re)Explorar o potencial metafórico das redes
sociais parece ser um desafio atual para o campo, resgatando a amplitude do conceito e sua
coerência com uma dimensão prática, em termos de dinamicidade e recursividade da
estrutura, e emancipatória, em termos de agência e do reposicionamento do sujeito no
desenvolvimento da teoria. As abordagens metodológicas e estruturalistas, é preciso
reconhecer, foram e continuarão sendo fundamentais no campo de estudo das redes, mas não
podem ser a única orientação para o seu desenvolvimento. Sua articulação com vertentes
teóricas mais interpretativas e críticas é importante para ampliar a capacidade de explicação

2
do conceito ao incorporar uma perspectiva mais subjetiva e relacional nas análises, sem
perder de vista a estrutura social, como parte de uma realidade concreta.

Referências bibliográficas:
EMIRBAYER, M., & GOODWIN, J. (1994) Network analysis, culture, and the problem of
agency. American Journal of Sociology, v. 99, n.6, p. 1411-1454.
GRANOVETTER, M. (1973) The strength of weak ties. American Journal of Sociology. v.
78, n. 6. p. 1360-1380.
GRANOVETTER, M. (1985) Economic Action and Social Structure: The Problem of
Embeddedness. American Journal of Sociology. v. 91, n.3, p. 481-510.
LIN, N. (1999) Building a network theory of social capital. Connections. n. 22, v. 1, p. 28-51.
MIZRUCHI, M. S. (2006) Análise de redes sociais: avanços recentes e controvérsias atuais.
RAE - Revista de Administração de Empresas. v. 46, n. 3, p. 72-86.

Você também pode gostar