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Guia para a Promoção da Saúde nos Terreiros


atagbá Guia para a Promoção
da Saúde nos Terreiros

Autores: José Marmo da Silva, Solange Dacach e Fernanda Lopes | Rio de Janeiro, 2005
Guia para a Promoção
de Saúde nos Terreiros
Realização: Rede Nacional de Religiões Afro-Bra-
sileiras e Saúde
Apoio: PCRI-Saúde/DFID – Componente Saúde
do Programa de Combate ao Racismo
Institucional do Ministério Britânico
para o Desenvolvimento Internacional
e Redução da Pobreza
Créditos
Programação visual:
Estúdio Metara | 21 2242 7609
estudiometara@terra.com.br
Foto de capa: Renato Mangaba
Fotos internas: Renato Mangaba e José Marmo

Agradecimentos
Nossos agradecimentos aos sacerdotes e sacer-
dotisas das religiões de matrizes africanas, que pre-
servaram a sabedoria dos nossos ancestrais e trans-
mitiram seus ensinamentos dando continuidade a
nossa tradição.
Agradecimentos especiais aos adeptos/as
das religiões afro-brasileiras que ao longo dos
anos vêm demonstrando que a fé ocupa um lu-
gar central na nossa identidade e, graças a ela,
somos fortes para continuar mantendo nossa
religiosidade e cultura.
Aproveitamos também para agradecer aos ter-
reiros parceiros do projeto Ató-Ire, pois foram
os primeiros a abrirem suas portas permitindo
o desenvolvimento de nossas ações e das oficinas
que deram origem ao guia de promoção de saúde
nos terreiros.
A todos e todas nosso carinho e axé.

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Prefácio

atagbá Guia para a Promoção


da Saúde nos Terreiros

A
promoção da saúde é um tema com o Em outro momento, a promoção da saúde
qual tenho proximidade desde os tempos revelou um caráter mais institucional: projetos
de estudante de medicina da UFBa, pas- de promoção da saúde, organizações, associa-
sando pela minha atuação como docente do De- ções, grupos de trabalho, apoio de organismos
partamento de Medicina Comunitária da UFPI, internacionais, fóruns, conferências e congres-
como consultor do Projeto de Promoção da Saú- sos. Enfim, um campo que vem apresentando
de e hoje, como coordenador das Ações Popula- intensa produção conceitual, metodológica e ins-
res de Educação na Saúde do Ministério da Saú- trumental, e que tem como pilares a amplitude
de, quando sou convidado a escrever a introdu- e complexidade do conceito de saúde, a discus-
ção desse guia (ilekê) para a promoção da saúde são acerca da qualidade de vida, o pressuposto
nos terreiros. de que a solução dos problemas está no poten-
O interessante é que cada aproximação da pro- cial de mobilização e participação efetiva da
moção da saúde se fez em contextos específicos, reve- sociedade, no princípio da autonomia dos indi-
lando aspectos teóricos, conceituais, metodológicos víduos e das comunidades e no reforço do pla-
e intencionalidades políticas distintas. nejamento e poder local.
A idéia inicial e nebulosa de uma ação com Mas, considero que ao ler o Guia para Promo-
temporalidade, que se antecipava ao aparecimen- ção da Saúde nos Terreiros, tive aproximação com
to da doença e se articulava ao estágio seguinte uma dimensão da promoção da saúde que eu não
que se denominava prevenção, ganhou uma ima- tinha apreendido: a dimensão da voz e do espaço
gem mais real, quando professor da disciplina de de sustentação dos sujeitos que se movimentam -
saúde comunitária e participante dos projetos de atores, portanto - promovendo a saúde.
extensão, eu trabalhava com grupos da popula- A primeira lição veio do lugar da autoria do tra-
ção que moravam na zona rural e nas periferias balho. A rede de saúde dos terreiros: uma articula-
urbanas. Naquela época sobressaia o aspecto da ção de movimentos, de credos, de ritos, de práti-
educação em saúde e a participação da comuni- cas, que se legitima pela história de sua fé, seu
dade na definição e nas tentativas de resolução conhecimento e seus rituais. Articulação que se
dos problemas locais. manifesta nas raízes de exclusão, sofrimento e dis-

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criminação da população negra e seus descenden- ros passos religiosos”, compreendi que o guia
tes e se fortalece na afirmação da identidade afro- foi feito para servir como um Atagbá, ou seja,
brasileira e na participação social. Não é um parti- aquilo que é passado de mão em mão.
do, uma organização governamental ou mesmo não E, sob essa compreensão, percebi a possibili-
governamental. É tão somente uma articulação “que dade de construção coletiva do conhecimento e
tem como pressupostos respeitar a tradição religio- das atitudes necessárias para a promoção da saú-
sa afro-brasileira, o seu tempo e o seu ritmo, consi- de, a viabilidade da participação de cada um na
derando suas diversas expressões”. definição de seu modo de viver.
A segunda lição veio do próprio tema – pro- Assim, com a benção dos orixás, dos voduns,
moção da saúde nos terreiros. Terreiros que re- dos caboclos, encantados e dos xangôs, vamos
presentam territórios de interação, de solidarie- tomar Atagbá como uma ferramenta importante
dade, de acolhimento e de cuidado. Pensando para todos nós, implicados na luta pelo direito à
nestes territórios foi possível criar imagens para o vida, capaz de nos levar a reflexões sobre o nosso
cuidado acolhedor e solidário, nos quais se per- lugar no mundo e qual a potência de nossas ações.
cebe a integralidade de que tanto falamos. Para a concretude das estratégias para a pro-
Integralidade do espírito, corpo e mente que con- moção da saúde, formalizadas desde a Carta de
fere a cada um ser humano; integralidade do sa- Ottawa de 1986, a educação em saúde tem sido
ber ancestral com as práticas cotidianas; apontada como sendo um conjunto de práticas
integralidade nas trocas e nas possibilidades de pedagógicas de caráter participativo,
cuidado, integralidade entre o mundo da objeti- construtivistas e transversais a vários campos de
vidade e o mundo subjetivo. atuação, que são desenvolvidas com gestores,
A terceira lição veio da ressignificação da pa- profissionais de saúde, movimentos sociais, gru-
lavra guia. Primeiro tive que desconstruir o pre- pos populacionais específicos e a população em
conceito instituído de que guia é prescrição e, geral, na maioria das vezes com o objetivo de
portanto, é uma instrumento que pode atentar sensibilizá-los para a aderência a projetos que
contra a autonomia, a produção de saberes com- contemplam as estratégias propostas.
partilhados, contra o saber do outro, enfim, uma Dessa forma é possível conceber dois amplos
prática normatizadora. espaços de ação e conhecimento: os movimentos
Mas ao saber que o guia significa um Ileké, sociais e suas lideranças e a estrutura das organi-
ou seja, “os fios de conta e os colares dos zações governamentais que, sob a égide do po-
orixás, que vão sendo confeccionados pelas der público, devem responder às necessidades
pessoas no momento em que dão seus primei- de promover a saúde.

José Ivo Pedrosa


SEGETS/Ministério da Saúde

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Í n d i c e

1. Apresentação ..............................................................pág 06

2. Rede Nacional de Religiões


Afro-Brasileiras e Saúde .............................................. pág 07

3. Terreiros: espaços privilegiados


para a promoção da saúde em rede .............................pág 08

4. Saúde e doença: os cuidados nos terreiros ................... pág 10

5. A dinâmica e a linguagem da Rede .............................. pág 11

6. A experiência de capacitação
dos núcleos da Rede Nacional
de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde ............................pág 13

7. Sete momentos, sete etapas,


sete caminhos que podem
ser seguidos para a capacitação nos núcleos ................pág 14

8. O que estamos aprendendo .........................................pág 23

9. Onde queremos chegar ...............................................pág 24

10. Celebrar a Vida - um compromisso


da Rede Nacional de Religiões
Afro-Brasileiras e Saúde ..............................................pág 25

11. Anexos .......................................................................pág 26


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1 Apresentação
ser um preceito, uma oferenda, uma notícia, uma
prática educativa, uma ação preventiva ou infor-
mativa, um ensinamento.
Esta publicação pode ser considerada um
“guia” que, em ioruba, se chama Ileké. Ilekés são
os fios de conta, os colares dos orixás. Além de
adornar, têm por função proteger e criar nos adep-
tos e adeptas uma identidade religiosa.
Quando uma pessoa está confeccionando
o seu fio de contas, está vivenciando a possibili-
dade de entrar em contato com ela mesma e
com seus orixás, voduns, inkisses, caboclos e en-
cantados. Este processo é entendido como uma
ocasião de conexão com o sagrado e, portanto,
também tem um aspecto terapêutico, a partir
do momento que proporciona o equilíbrio.
O ritual de “lavar contas” é um dos primeiros
contatos das pessoas com uma comunidade de
Esta publicação tem por objetivos: terreiro. O ato de colocar no fio, miçanga por
miçanga, acontece como preparação para se dar
• registrar a metodologia utilizada pelo Projeto
os primeiros passos do nascimento religioso.
Ató-Ire: Religiões Afro-Brasileiras e Saúde na
Para a concretização de Redes, como a Rede
capacitação de diversos núcleos da Rede Na- Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde,
cional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde temos que agir como se estivéssemos compondo
• socializar esta forma de fazer e de atuar em um fio de contas. De passo em passo, de terreiro
rede, visando aumentar o número de terreiros em terreiro.
engajados em ações de promoção da saúde Desta forma, as informações são multiplicadas,
e controle social de políticas públicas a capacidade crítica é potencializada e o conjunto
(Rede) pode tornar-se uma força capaz de inter-
O orukó (nome) que demos a nossa
vir e influenciar tanto na atenção, quanto
metodologia é Atagbá, palavra ioruba que signi-
nas políticas públicas de saúde (controle social).
fica “aquilo que é passado de mão em mão”. Pode

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atagbá
Rede Nacional de Religiões
Afro-Brasileiras e Saúde
2
A
Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras aspectos da saúde da população dos terreiros;
e Saúde é uma iniciativa que visa • criar espaços de comunicação entre os terrei-
promover a saúde dos/as adeptos/as das ros de diversas cidades do país;
religiões de matrizes africanas. É uma instância
• legitimar as lideranças de terreiros enquan-
de articulação que envolve:
to detentores/as de saberes e de poderes para
• mães, pais e filhos/as de santo e demais exigir das autoridades locais um atendimen-
adeptos/as da tradição; to de qualidade, onde a cultura do terreiro
• lideranças comunitárias; seja reconhecida e respeitada;
• gestores/as, profissionais, conselheiros/as • criar e exercitar a inclusão e o diálogo entre
e agentes comunitários de saúde; os dois saberes e práticas: as práticas tera-
• integrantes de organizações não governamen- pêuticas dos terreiros e as práticas da medi-
tais, sociedade civil; cina hegemônica;
• pesquisadores/as. • reforçar a importância de interligar os dois
universos de saberes – pois não são
Criada em São Luis, no II Seminário Nacional excludentes e sim complementares
Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (2003), a Rede
• atuar como veículo ou espaço de participa-
foi consolidada em Recife no III Seminário Naci-
ção e controle social em saúde;
onal Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (2004).
Desde o início a Rede tem se constituído como • levar aos adeptos/as e aos simpatizantes
um espaço de articulação para: informações importantes sobre o SUS –
Sistema Único de Saúde
• fortalecer ações e projetos realizados por adep-
tos/as das comunidades de terreiro; A Rede tem como pressupostos respeitar a tra-
• estimular práticas de promoção da saúde; dição religiosa afro-brasileira, o seu tempo e o seu
ritmo, considerando as suas diversas expressões: o
• monitorar e intervir nas políticas públicas
Candomblé do Rio de Janeiro e de Salvador que
de saúde;
cultua os orixás, voduns e inkisses; o Tambor de
• estabelecer um diálogo entre adeptos/as da Mina e Tambor de Caboclo do Maranhão que
tradição religiosa afro-brasileira, gestores/as, cultuam os voduns, caboclos e encantados;
profissionais e conselheiros/as de saúde; a Jurema, o Xambá e os Xangôs do Recife; o Batu-
• contribuir para uma reflexão sobre diferentes que e a Umbanda do Rio Grande do Sul.

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Guia para a Promoção da Saúde nos Terreiros
3 Terreiros:
espaços privilegiados para
a promoção da saúde em rede
F
ormando uma estrutura que marca de forma significativa a Muitas vezes, o aconteci-
cultura brasileira, mais de 30.000 terreiros espalhados pelo mento ou experiência, enten-
país constituem as diversas expressões das religiões de ma- didos na lógica da medicina
trizes africanas no Brasil. Esses espaços sagrados possuem oficial, como distúrbios do cor-
características próprias, de acordo com sua origem geográfica e po físico e/ou da mente são,
interação com diferentes grupos étnicos. para as religiões de matrizes
Por meio de suas práticas rituais e de sua visão de mundo africanas, sinais ou manifesta-
integradora, estas religiões possibilitam a inclusão de grande par- ções da espiritualidade.
cela da população, que encontra nos terreiros ou casas de santo a Os/as iniciados/as crêem no
possibilidade de vivenciar relações humanas e espirituais em um poder da terapêutica dos terrei-
espaço de acolhimento e solidariedade. ros exercida por pais e mães de
A força advinda dos deuses e deusas para lidar com a saúde, santo, diante de diversas situações
seja do ponto de vista da promoção, prevenção, dos tratamentos ou de adoecimento ou desequilíbrio.
curas, pode ser ilustrada pelo mito de Ossain – guardião dos segre- Operando com riquíssima
dos das folhas: simbologia, esta terapêutica
está contida nos rituais, nas
Quando Orumilá, o testemunho do destino dos seres hu- folhas, nos banhos, na comida
manos, veio ao mundo, pediu a um ajudante de nome Ossain de santo e nos ebós.
– guardião dos segredos das folhas - para lavrar seu campo. Na Se por um lado é funda-
hora de começar o seu trabalho, Ossain percebeu que ia cortar a mental que o povo de santo
erva que curava a febre. E então gritou : “impossível cortar esta conte com o SUS – Sistema
erva, pois é muito útil!”. A segunda curava dores de cabeça e Único de Saúde –, por outro
Ossain recusou-se também a destruí-la. A terceira suprimia as é essencial que a medicina
cólicas. Na verdade, disse ele: “não posso arrancar ervas tão oficial reconheça e considere
necessárias” Orumilá , tomando conhecimento da conduta do a capacidade de intervenção,
seu ajudante, demonstrou o desejo de ver estas ervas que Ossain aconselhamento e acolhimen-
se recusava a cortar. Elas tinham um grande valor, pois contri- to da medicina exercida nos
buíam para manter o corpo em boa saúde. Orumilá decidiu terreiros.
então que Ossain ficaria sempre ao seu lado na hora das con- Grande parcela da popula-
sultas para explicar-lhe as virtudes das plantas, das folhas e ção pobre e da população negra
das ervas. Desde então, elas são trazidas em uma cabaça (Ató), conta exclusivamente com o
misturadas e guardadas visando restabelecer a saúde. SUS. No conjunto daqueles que

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atagbá
1
Conceitos retirados
são de tradição religiosa afro-brasileira a maioria é Segundo o Supremo Tribunal Federal é uma es- do Caderno de Textos
pobre e negra, o que nos faz refletir sobre diversas pécie de prática de racismo, considerado crime Básicos do I Seminário
Nacional de Saúde
situações conflitantes envolvendo racismo, discri- inafiançável. da População Negra,
realizado em Brasília-
minação, intolerância religiosa e preconceito. Prá- Fazendo contraponto aos conceitos listados ao DF, de 18 a 20
ticas que afetam tanto a saúde dessas pessoas e lado, os que se seguem devem permear todo
de agosto de 2004.
Organização:
desse grupo religioso, quanto sua qualidade de vida, o trabalho: MS/SEPPIR.

além de contribuir para a sua baixa auto-estima;


Direitos Humanos: sistema de valores éticos,
aumentar o risco de adoecimento físico, dano psí-
hierarquicamente organizados de acordo com o
quico e sofrimento mental.
meio social. Tem como fonte e medida a dignida-
A interação destes fatores deve ser conside-
de do ser humano, definido pela concretização
rada em todo e qualquer trabalho de promoção
do valor supremo da justiça.
da saúde junto às comunidades de terreiro.
Neste sentido, alguns conceitos 1 usados Tolerância: entendida como o respeito, aceita-
no dia-a-dia precisam ser discutidos e inseridos ção e apreço da riqueza e da diversidade das
em um trabalho que visa a promoção da saúde: culturas de nosso mundo, aos diferentes modo
de viver e aos diferentes modos de expressão dos
Racismo: ideologia que atribui status intelectual seres humanos.
e moral inferior a grupos específicos. O racismo
atribuiu à população negra características nega-
tivas justificando dessa forma um tratamento VOCÊ SABIA QUE:
desigual em diversos setores, inclusive na saúde.
• A legislação garante ampla liberdade de cren-
Preconceito: idéia ou opinião preconcebida, ça e de culto, bem como proíbe discrimina-
formada sem maior conhecimento, sem consi- ção baseada em credo religioso. Desde a pri-
derar os argumentos, sentimentos ou opções meira Constituição Republicana (1891), não
das pessoas. existe religião oficial no Brasil.
• O Estado não apóia nem adota nenhuma
Discriminação: atitude ou conduta (por ação ou religião. A lei proíbe eleger esta ou aquela
omissão) que viola os direitos das pessoas pelo religião como verdadeira, falsa, superior ou
prejulgamento e explicitação de estereótipos de inferior; esta é a justificativa para dizermos
raça, etnia, sexo, orientação sexual, idade, reli- que o Estado Brasileiro é um Estado laico.
gião, origem social, porte de alguma doença ou • Segundo a Constituição vigente (1988) to-
deficiência, entre outros motivos. das as crenças e religiões são iguais perante
a lei e devem ser tratadas com igual respeito
Intolerância: não reconhecimento da existência
e consideração.
de outras verdades, outros valores, outras prefe-
rências, sentimentos, gostos, expressões, sejam • Apesar disso as religiões afro-brasileiras e
elas religiosas, artísticas, entre outras. seus/suas adeptos/as vêm sendo alvo de ati-
tudes preconceituosas e discriminatórias que
Intolerância religiosa: desrespeito de pratican- precisam ser denunciadas. Somos muito/as
tes de uma religião ou de pessoas sem religião, e, atuando em Rede, podemos ficar cada vez
em relação à religião de outros/as. A intolerância mais fortes.
religiosa é violação de um direito humano.

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Guia para a Promoção da Saúde nos Terreiros
4 Saúde e doença:
os cuidados no terreiro
V ocê que é gestor ou profissional de saúde venha contribuir
e balançar a Rede conosco. A Rede é nossa.
É importante conhecer a relação que os/as adeptos/as fazem
entre os agravos e doenças e as forças dos deuses e deusas.
Isto para entender porque as pessoas procuram os terreiros nos
momentos de aflição.
Para as religiões afro-brasileiras a doença é um desequilíbrio ou
uma ruptura entre o mundo dos humanos e o mundo sobrenatural.
O equilíbrio é restabelecido pelas práticas rituais, pelo reforço
do axé (energia vital). A combinação de práticas terapêuticas en-
volvendo a medicina oficial e a medicina dos terreiros é muito co-
mum entre os/as adeptos/as da tradição religiosa afro-brasileira.
Exemplos da relação das doenças com os deuses/deusas po-
dem ser verificados nos terreiros de candomblé da nação ketu.

Orixás
Sintomas e doenças (deuses e deusas)
Doenças epidêmicas (varíola, aids) e doenças de pele Obaluaiê
Aborto, infertilidade feminina, problemas menstruais Iemanjá e Oxum
Impotência e infertilidade masculina Xangô e Exu
Problemas de visão Oxum
Asma, falta de ar e problemas respiratórios Iansã
Distúrbios emocionais Oxossi e Ossain
Males do fígado, vesícula e úlceras estomacais Oxossi e Logun-Edé
Obesidade Iemanjá, Oxum e Xangô

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atagbá
A dinâmica
e a linguagem da Rede
5
A cada seminário, encontro
ou capacitação, Rede vem
reforçando sua legitimidade
ORI/BOBOROMINA
e autenticidade. Hoje conta com Com a proteção de Iemanjá o auto-exame
parcerias em diversas cidades do de mamas é um toque de saúde
Brasil. Somos, aproximadamente,
136 terreiros, 49 organizações
não governamentais e 18 órgãos E ntre os mitos e lendas que constituem o imaginário da tradi
ção do terreiro, Iemanjá está relacionada ao princípio femini-
no da criação dos seres humanos na Terra. Está também relaciona-
públicos.
da à capacidade de cuidar, de ensinar aos homens e mulheres a
Desenvolvemos um trabalho
importância da solidariedade. Enquanto entidade ligada às águas
de promoção da saúde respeitan- alguns mitos a mostram como mãe de seios fartos que nutre os
do a tradição e a visão de mundo filhos.
das religiões de matrizes africa- Conta Mãe Beata, ialorixá do Ilê Omi Ojuarô e uma das mais
nas, seus valores e significados. eméritas filhas deste Orixá, que “Iemanjá tinha muito leite, ti-
Para isso utilizamos os itans nha seios muito fartos e por conta disso amamentou Exu, Ogum,
(lendas) e os conceitos de saú- Oxossi, Xangô até bem tarde. Queria ela que seus filhos fossem
de e doença do modo como saudáveis e tivessem saúde. Seu leite era sua força que queria
são entendidos e vivenciados transmitir para seus filhos”.
nos terreiros. O entendimento O mito tornado vida no cotidiano dos terreiros pode ser perce-
da linguagem dos orixás, dos bido no incentivo, que passa dos mais velhos aos mais novos,
voduns, dos inkisses, dos ca- para que as mães amamentem suas crianças fazendo com que
estas cresçam fortes e saudáveis.
boclos e dos encantados é fun-
Seja através de Iemanjá, Janaína, Dandalunda ou Mãe D´água,
damental para aqueles/as que
a tradição afro-brasileira mostra a importância dos seios, órgãos
fazem parte da Rede, mas não
muito sensíveis que tem relação com o prazer, a nutrição, a
são praticantes da religião. beleza, a sensualidade e a sexualidade.
Um exemplo do esforço de Mas cuidados devem ser tomados para que esta fonte de ener-
diálogo entre as duas linguagens gia não se transforme em tristeza e adoecimento.
são os textos do folheto ORI/ O auto-exame é o toque fundamental para que as mulheres
BOBOROMINA distribuídos pelo façam a prevenção do câncer de mama.
projeto Ató-Ire nas festas de
Atenção: O exame de mamas faz parte da consulta ginecológica
santo. Naquela ocasião o Proje-
e é umas das coisas que o/a médico/a não pode deixar de fazer.
to privilegiou o tema preven- Se ele/a esquecer é bom lembrá-lo/la.
ção do câncer de mama.

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Guia para a Promoção da Saúde nos Terreiros
A formação dos núcleos da Rede
Um dos pontos altos desta dinâmica é a de promoção da saúde nos terreiros e a repliquem.
capacitação e a formação de núcleos. É importante que os núcleos sejam responsá-
Por tratar-se de religiões que tem seguidores/ veis pelas atividades. A agenda dos terreiros deve
as por todos os cantos do pais é importante que ser conhecida com antecedência, pois na época
sejam criados núcleos de referência nos terreiros de festas ou grandes obrigações é um período
ou inter-terreiros, para o trabalho de promoção difícil para todos/as estarem engajados em ativi-
da saúde. dades além daquelas que envolvem a prepara-
Para fortalecer os núcleos e empoderar as ção e execução dos rituais.
ações de seus membros, são realizadas Os membros mais engajados no trabalho dos
capacitações, com metodologia própria, que le- núcleos são denominados facilitadores ou agen-
vam em conta as especificidades de cada expres- tes multiplicadores de axé. São protagonistas
são de matriz africana. das ações que visam a socialização das informa-
A idéia é que todos e todas que passem por esta ções entre os/as adeptos/as e o monitoramento
capacitação fiquem envolvidos/as com o trabalho das políticas públicas de saúde.

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atagbá
A experiência da Capacitação
dos Núcleos da Rede Nacional 6
de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde
N
ossa intenção aqui é registrar as etapas 3. possibilitam o resgate de experiências, o co-
da capacitação que viemos realizando por nhecimento das práticas individuais de auto-
diversos terreiros do Brasil e incentivar cuidado e de cuidado com o/a outro/a;
que sejam reproduzidas. 4. permitem a socialização de diversos casos
Apresentamos aquilo que consideramos mais reais sobre o atendimento oferecido à popula-
importante e que achamos que deva ser exerci- ção pelos serviços locais de saúde – muitas
tado. Mas destacamos que, se necessário, novas vezes lastimáveis;
etapas devem ser inseridas. 5. fornecem elementos que possibilitam avanços
Da mesma forma que existem as diversas no exercício da crítica e da luta por direitos;
expressões religiosas de matrizes africanas, exis- 6. motivam e envolvem os/as adeptos/as para a
tem diversas formas, ou métodos de trabalho. multiplicação de núcleos de ação nos terreiros;
Os grupos podem ser diferentes. Isto têm 7. resgatam a ancestralidade africana, os re-
a ver com a expressão religiosa, a cultura da re- cursos utilizados pela medicina dos terrei-
gião em que vivem, seus valores, sua visão de ros e explicitam a riqueza de seus procedi-
mundo. A meta é promover a saúde. Os cami- mentos, seja na promoção da saúde, na pre-
nhos podem ser muitos. venção, no tratamento ou na cura de doen-
Assim como as festas e os rituais nos terrei- ças e agravos;
ros, a metodologia da capacitação possui vários 8. confirmam as razões de sua utilização seja
momentos que estão interligados e todos são como alternativa frente às dificuldades de aces-
importantes. Cada momento “abre os caminhos” so aos serviços de saúde, como um cuidado
para a próxima etapa. paralelo àquele recebido no sistema oficial ou
Trabalhamos com a metodologia de oficinas - ainda como o conforto espiritual necessário para
trabalhos em grupos onde são mescladas técni- aqueles que crêem nos orixás, voduns,
cas e ingredientes diversos: vivências, trabalhos inkisses, caboclos, encantados.
de corpo, jogos educativos, dramatizações. As oficinas são parte do “jeitinho” do proces-
Privilegiamos esta forma de fazer por diver- so. É nas oficinas que realizamos o diagnóstico
sos motivos: de nossas necessidades e demandas sociais e de
1. cada vivência, cada depoimento, cada “peda- saúde, onde estudamos os casos de insucesso do
ço da vida” serve de elemento essencial para a sistema único de saúde, onde ocorre o diálogo
reflexão, a troca de saberes e de informações; que permite chegar a um consenso e onde cons-
2. significam espaços de trabalho. Os orixás tam- truímos alguns caminhos possíveis que podem
bém têm suas formas próprias de abordagem ser apresentados aos profissionais de saúde, aos
nas oficinas, nos seus símbolos em metais, re- gestores, às lideranças comunitárias e aos conse-
ceitas, recipientes; lheiros de saúde.

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Guia para a Promoção da Saúde nos Terreiros
7 Sete momentos, sete etapas, sete
caminhos que podem ser seguidos
para a capacitação nos núcleos
E
xu é o orixá dono dos caminhos e das com ele para guiar o nosso trabalho e abrir canais
encruzilhadas. É o deus da comunicação e de comunicação entre todos e todas nós.
é representado pelo número sete. Contamos Laroiê Exu (saudação a Exu)

Momento 1. Momento 3.
Cantando para os orixás, inkisses, voduns, Rede. O que significa?
caboclos e encantados É necessário que os/as participantes da
As cantigas abrem as diversas capacitações. capacitação apoderem-se do conceito de Rede.
Nos rituais e obrigações iniciam-se com aquelas Como já foi visto no exercício anterior, é impor-
que trazem pedidos de licença para o início dos tante conhecer e compreender o conceito de Rede
trabalhos de santo. São usadas para evocar a pro- (o que é, o que dizem ser e o que nós acredita-
teção dos deuses e deusas para que tudo aconte- mos que seja). Provavelmente muitos/as já pos-
ça de maneira satisfatória. suem o “espírito de Rede”.
Esta prática não pode ser desconsiderada nas Neste sentido, quanto mais terreiros envolvi-
capacitações, pois envolve e une as pessoas. dos e quanto mais frentes de diálogo forem de-
senvolvidas com outros setores da área da saú-
Momento 2. de, educação e outras, maior será a possibilida-
Quem sou e de onde venho de de enfrentamento e superação dos problemas
Nos terreiros é costume saber sobre cada pes- que impedem a concretização do Sistema Único
soa: qual o orixá, inkisse ou vodum que rege a de Saúde, a humanização do cuidado e a eficá-
cabeça do iniciado, a que terreiro pertence, e cia da atenção oferecida à população.
qual é o grau de iniciação.
Para as religiões afro-brasileiras isto é fundamen- Técnica (sugestão)
tal, pois a família mítica e a “família de santo” são • distribuir folhas de papel em branco com
muito importantes para a manutenção da tradição. canetas hidrográficas de várias cores
Técnica (sugestão) • incentivar que cada participante escreva em
• dividir os/a participantes em pares para que uma palavra, frase ou desenho o que enten-
conversem um pouco. Na conversa a dois, de por Rede
trocar informações sobre idade, local de mo- • socializar, e discutir com o grupo, aqui-
radia, terreiro de origem, linhagem mítica lo que cada um produziu, construindo
familiar, seu orixá e como está a sua saúde; uma interpretação e definição coletiva
• de volta ao grupo, cada um/a apresenta o para a Rede
seu par.
16
atagbá
Momento 4. Técnica (sugestão)
O Glossário da Rede
• fixar na parede folhas de papel pardo com
Para que os/as adeptos/as e os demais inte-
as letras do alfabeto de modo que forme um
grantes dos núcleos tenham uma maior interação
grande mural
entre si, é necessário que, durante todo o pro-
cesso da capacitação, sejam registradas as pala- • responsabilizar alguém para ficar atento/a
vras e conceitos-chaves presentes na linguagem e escrever as palavras que forem sendo
dos/as deuses/as e na linguagem dos/as profis- pronunciadas no lugar correspondente
sionais de saúde. à letra do alfabeto
Para uma verdadeira comunicação é necessá- • realizar uma visita ao mural para ler o que
rio que um/a conheça a linguagem do/a outro/a. foi escrito pelos integrantes

A B C D E F
Acolhimento Babalorixá Controle Direitos Exclusão Formação
Axé Busca Comunicação Deuses Encontro Força
Amizade Coletividade Deusas Educação Filha
Atuação Conhecimento Ebó
Acossi Cuidado
Corpo

G H I J L M
Gestão Humano Identidade Jogo Listar Monitorar
Gamela Honestidade Inclusão Jejê Liderança Mãe de santo
Homossexualidade Integração Liberdade
Interagir
Intercâmbio
Iansã
Iemanjá

N O P Q R S
Negro Organizar Participação Questionamento Ritual Saber
Negra Ouvir Povo Quilombo Rede Saúde
Orientar Prazer Respeito Superar
Olhar Presença Responsabilidade Satisfação
Orixá Projeto Raça Sensibilidade
Oxossi Pai de santo Relação
Ogun Proteção

T U V X Y Z
Terreiro Unidade Vida Xangô Yalorixá Zona
Tradição União Valorização Yaô Zomadonu
Trabalho Voluntariado
Terapia
Tecer
Transformar

17
Guia para a Promoção da Saúde nos Terreiros
Momento 5.
O SUS que temos. Diagnóstico se existem diferenças de acordo com a idade,
Para intervir em uma determinada realidade – orientação sexual, raça/cor/etnia da mulher
no caso, a da saúde – é importante que os/as neste ou naquele local de residência, neste ou
participantes saibam a função do diagnóstico. naquele serviço de saúde;
Trata-se de uma etapa básica não só para • saber se as políticas públicas, as ações,
conhecer a situação, mas para discutir se os prin- os programas ou os projetos governamen-
cípios básicos desta política pública – tais são organizados e executados refletin-
integralidade, universalidade, equidade, partici- do estas diferenças;
pação e controle social e descentralização (prin-
• conhecer, de forma mais profunda, os direi-
cípios do SUS) – estão sendo respeitados.
tos sexuais e reprodutivos de meninas, ado-
Se fôssemos traduzir os princípios do SUS po-
lescentes e mulheres;
deríamos dizer que, em termos de saúde, o Esta-
do brasileiro deve prover o de melhor para to- • analisar e atuar de forma consciente em rela-
dos, de acordo com as diferentes necessidades ção a qualidade da assistência prestada à
e partindo de uma construção democrática, o saúde sexual e reprodutiva de meninas, ado-
que exige a existência de um controle social lescentes e mulheres;
capaz de intervir e propor alternativas. Nosso • saber mais sobre as unidades de saúde que,
diagnóstico possibilitará discutir se o direito à na região de sua residência ou na região
saúde tem sido promovido efetivamente e de onde o terreiro está localizado, oferecem ser-
que forma isto tem ocorrido. viços de ginecologia, pré-natal e obstetrícia;
Por exemplo, se o núcleo for discutir a saúde • adquirir e divulgar informações sobre direi-
da mulher é necessário: tos sexuais e reprodutivos e sobre o direito
• conhecer a a situação de saúde das mulheres; humano à maternidade segura.

18
atagbá
Passos do diagnóstico
1. O que se entende por diagnóstico 3. Apresentação dos resultados e debate
O facilitador deverá provocar os participantes A fala de cada um/a deve ser garantida por
da oficina para que estes – em grupo - listem em todos/as e o debate deve ser instigante, conside-
uma folha de papel o que entendem por diag- rando e respeitando as diversas opiniões.
nóstico, para em seguida ser socializado. Registramos e apresentamos aqui alguns pon-
tos destacados no exercício de diagnóstico em
2. Preenchimento (individual) do roteiro
capacitações realizadas pela Rede no Rio de Ja-
para posterior discussão em grupo
neiro, São Luis e Recife:
Bairro onde mora:______________________ • a maioria das pessoas prefere utilizar servi-
ços de saúde privados: planos de saúde ou
Município: ____________ Estado:________ clínicas populares;
Unidades de saúde que sempre procura quando • o serviço público de saúde geralmente é precário;
você ou seus familiares estão com problemas • falta acolhimento;
Posto de Saúde ( ) Centro de Saúde ( ) • enormes filas e demora na marcação
Hospital ( ) Pronto socorro ( ) de consultas;
Quais as especialidades médicas que você mais • o tempo entre a chegada na unidade
procura no serviço: e o atendimento é longo;
Pediatria ( ) Ginecologia ( ) • falta de acesso a medicamentos;
Clínica Geral ( ) Pneumologia ( ) • falta investimento na formação permanente
Cardiologia ( ) Outros:____________ dos profissionais;
• urgência da descentralização e munici-
Como você classifica os serviços de saúde que palização dos serviços;
busca/utiliza ?
• falta eficácia nos trabalhos de prevenção
péssimos ( ) ruins ( ) regulares ( ) de doenças e agravos;
bons ( ) muito bons ( ) ótimos ( ) • a população desconhece os canais de comu-
nicação com o serviço seja para sugerir, de-
Explique melhor a sua classificação
nunciar ou intervir de alguma outra forma;
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ • a população desconhece os mecanismos de
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ controle social e de gestão participativa.

Que atitude você toma quando o serviço de saú-


de, ou o profissional que nele trabalha, não lhe
satisfaz?___________________________________
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

19
Guia para a Promoção da Saúde nos Terreiros
Momento 6. balhados pelos grupos nas capacitações em diversas
Estudos de caso cidades do Brasil, bem como a técnica utilizada.
É importante que sejam apresentadas aos par- O primeiro caso – o de Maria – retrata as difi-
ticipantes situações vividas pela população nas culdades das mulheres relacionadas ao atendimen-
unidades de saúde. Estas situações podem ser to na maternidade. O segundo caso – o de José –
estudadas e avaliadas, partindo da simulação de refere-se aos direitos das pessoas que vivem com
que o caso chegou até o terreiro ou até a Rede HIV/aids e o terceiro caso – o de Márcia – aborda
Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde. racismo, preconceitos e relações humanas.
De acordo com a temática privilegiada nas Os casos devem ser suficientemente debatidos
capacitações, é importante que os agentes pelos grupos, seguindo o roteiro: 1. leitura do caso;
multiplicadores de axé – ou facilitadores – criem 2. discussão; 3. elaboração de respostas para as
um texto (caso) que sirva de base para o estudo perguntas apresentadas no roteiro; 4. apresenta-
e para a discussão. ção dos resultados dos estudos de caso; 5. elabo-
Como exemplo, reproduzimos aqui três casos tra- ração de planos de ação.

1º. Leitura do caso


1. O caso de Maria ternidade. Depois de esperar um bom tempo foi
Maria estava grávida. Tinha feito apenas três informada de que não havia leito disponível. De
consultas de pré-natal porque o posto de saúde ônibus foi para outra maternidade. Esta era parti-
ficava muito distante de sua casa. cular e não tinha convênio com o SUS.
Com oito meses de gravidez começou a sentir Finalmente, em outra maternidade, foi aten-
dores estranhas nos quadris e no baixo ventre. dida e levada para a sala de cirurgia. A hemorra-
Tomou 40 gotas de novalgina e nada mudou. As gia foi ficando cada vez mais forte. Maria preci-
dores iam ficando cada vez mais fortes, além do sava de transfusão de sangue para que os médi-
sangramento. Resolveram levá-la ao posto de saú- cos tentassem realizar uma cesariana. O estoque
de que naquele dia não tinha atendimento gine- de sangue da maternidade estava no final, tor-
cológico porque o médico estava de férias. nando aquele momento o mais tenso de sua vida.
A dor estava ficando insuportável. A atendente Seu marido nervoso na recepção pedia a todos e
a aconselhou que fosse para a maternidade mais todas que ali estavam para doar sangue ...
próxima. Maria tomou um ônibus e desceu na ma- Maria e o bebê não resistiram.

2º. Discussão sobre o caso


Para a discussão sugerimos alguns pontos • o cuidado com a auto-medicação;
e outros foram sendo levantados pelo grupo: • informações sobre as rotinas de atendimento
• a importância do pré-natal já nos primei- nas maternidades e nos serviços de saúde;
ros três meses de gestação;
• mortalidade materna e neonatal;
• atenção para os exames de rotina no pré-
natal como o VDRL que informa sobre • a negligência nos serviços de saúde;
a possibilidade de sífilis; • o direito a um atendimento de qualidade.

20
atagbá
1º. Leitura do caso 2
Caso 2 – O caso de José Para seu desespero não conseguiu os medi-
José de Ribamar é casado e pai de dois fi- camentos que precisava na farmácia do hospi-
lhos. Trabalha em uma firma de construção no tal, pois vários remédios estavam em falta. Pro-
centro da cidade. Alguns anos atrás descobriu curou um serviço de referência para pessoas que
que havia sido infectado pelo HIV. Seus colegas vivem com HIV, mas lá também não havia os
de trabalho ao saber do fato começaram a se medicamentos receitados pelo médico.
afastar com medo de pegar a doença e ele ficou Sua mulher recorreu a vários serviços
muito sozinho e depressivo, contando somente e farmácias do governo, mas não obteve êxi-
com o apoio de sua mulher. to. José de Ribamar foi internado em estado
No ano passado seu estado de saúde agravou- grave, com várias complicações, e acabou
se, precisou fazer vários exames e passou a tomar perdendo a visão.
uma medicação para controlar a progressão da do- A família de José de Ribamar ficou
ença. Como não tinha condições de realizar um tra- desestruturada e sua mulher teve que voltar
tamento particular contou somente com os serviços com os filhos para a casa dos pais, pois o ma-
de saúde do governo. rido foi mandado embora do serviço.

2º. Discussão sobre o caso de José


Pontos para a discussão (nossas sugestões e idéi- • direitos trabalhistas;
as que saíram do grupo): • acesso aos exames e medicamentos gratuitos;
• informações sobre DST/AIDS (contágio, pre- • a importância do acolhimento dessas pessoas
venção, tratamento); nas comunidades de terreiro;
• discriminação, estigma e preconceito contra • o direito ao exercício da livre orientação sexual,
as pessoas que vivem com HIV; sem estigmas, preconceitos ou discriminações;

21
1º. Leitura do caso 3
Caso 3 – O caso de Márcia Márcia acabou tendo um problema sério e foi
Márcia é uma mulher negra muito bonita que parar no Pronto Socorro. Lá, o profissional que a
trabalha como doméstica para ajudar no orça- atendeu, ficou sabendo do caso e fez um co-
mento da família. Há três meses, o filho da sua mentário:
patroa começou a paquerá-la. Márcia disse que, “Essas negras na hora de abrirem as pernas
caso ele não a deixasse em paz, faria queixa a não pensam nas conseqüências. Agora vai ficar
sua mãe. aí esperando, pois tenho muita gente decente
Um dia o rapaz, não conformado com a situ- para atender.”
ação, agarrou Márcia no quarto e a violentou. Ela Márcia nervosa e indignada com a reação do
acabou ficando grávida e, desesperada, não que- profissional, reuniu todas as suas forças, saiu da
ria ter o filho. Foi fazer aborto. Como tinha pouco Emergência e procurou outro hospital para tentar
dinheiro foi a qualquer profissional e fez o aborto resolver o seu problema. Infelizmente o seu caso
em péssimas condições. era grave e hoje ela não pode mais ter filhos.

2º. Discussão sobre o caso de Marcia


Elementos para a discussão:
• relações de gênero
• violência sexual
• abuso de poder
• aborto
• racismo
• relação usuário/a x profissional de saúde
Daqui em diante, os passos valem para todos os
estudos de caso:

3º. Responder o roteiro 4º. Apresentação dos resultados


1. Quais os pontos que você considera importan- dos estudos de caso
te discutir? Nesta última etapa os grupos devem destacar
2. Por que? os pontos que necessitam de maior aprofundamento
3. O que você sabe a respeito? Que tipo de infor- e/ou traçar estratégias de intervenção.
mação você tem? A partir daí estarão habilitados a planejar
4. O que você acha que deve ser feito por parte as ações.
da população? Vários problemas enfrentados pela popula-
5. O que você acha que deve ser feito se um caso ção foram apontados nas discussões dos três
desse for apresentado no terreiro? casos como:
6. O que você acha que o sistema de saúde deve • má administração dos recursos;
fazer para que estas situações sejam resolvidas • falta de medicamentos;
a contento e os problemas não se repitam? • atendimento precário;

22
atagbá
• demandas da população não contempladas • ampliação da participação da população nos
pelos serviços de saúde; espaços já instituídos no SUS para controle
• desumanização no atendimento (rápido e social das políticas públicas de saúde (con-
sem escuta adequada); selhos distritais, municipais e estaduais);
• falta de sensibilidade, habilidade e capaci- • disseminação de informações sobre
dade dos profissionais para lidar com as ouvidorias em saúde e estimulação da po-
questões de gênero e raça/cor/etnia, violên- pulação para denunciar a inadequação do
cia, direitos humanos. Isto além do precon- cuidado/assistência, discriminações ou pre-
ceito relacionado à religião; conceitos, dor ou sofrimento gerados por erro
• estabelecimento ou naturalização de privilé- do funcionário, etc.;
gios para uns/as, em detrimento de outros/ • divulgação de informações em linguagem
as (por exemplo: conhecer um funcionário adequada sobre a estrutura, funcionamento
do serviço e conseguir vaga sem fila de espe- e direitos constitucionais a serem garanti-
ra, chegar fora de horário e, por conhecer dos pelo SUS para a população;
alguém, ser atendido); • priorização de temas pela comunidade;
• omissão do poder público em relação a baixa • promoção da educação em saúde;
qualidade da atenção prestada à população • mapeamento dos profissionais adeptos/as da
e suas inúmeras e graves conseqüências: tradição;
mortes por imperícias ou negligências mé- • estabelecimento de parcerias entre os terrei-
dicas, hospitais sucateados, falta de profis- ros, a população residente na localidade, as
sionais de saúde nos serviços, falta de qua- ongs, os profissionais das áreas de saúde,
lificação dos profissionais na ativa, falta educação, direitos humanos, assistência
de serviços de saúde ou profissionais social que atuam no entorno do terreiro;
especializados nas regiões de difícil acesso
• divulgação ampla sobre os benefícios do su-
ou extrema pobreza.
porte religioso /espiritual e da medicina tra-
5º. Planos de ação dicional dos terreiros com suas ervas, infu-
Na capacitação os/as participantes, agora sões, rezas, orações, chás, banhos, para a
habilitados para trabalhar em Rede, devem ser sociedade como um todo e, em especial, para
motivados a elaborar um plano de ação. os profissionais de saúde;
As discussões remetem ao exercício da busca • sensibilização dos agentes comunitários de
de soluções. Aqui registraremos aquelas que fo- saúde e das equipes técnicas de saúde da
ram apontadas, de forma geral, nas capacitações. família para incluir os terreiros em sua lista
Chamamos a atenção para o fato de que muitas para visita domiciliar;
das recomendações propostas dizem respeito a • sensibilização dos agentes comunitários de
necessidade de ampliar os conhecimentos da po- saúde, equipes técnicas de saúde da família
pulação sobre o SUS e seus mecanismos de par- e aquelas que atuam nos demais serviços
ticipação e controle social: locais de saúde para que utilizem o espaço
• criação de Redes para o controle social em dos terreiros para as ações de saúde volta-
saúde ou integração naquelas que já existem; das para a comunidade do entorno.

23
Guia para a Promoção da Saúde nos Terreiros
Momento 7.
Contribuindo para o fortalecimento da Rede
Esse é um dos momentos em que as pessoas fazer encaminhamentos, acompanhar denún-
já passaram por uma série de situações dentro cias, listar potenciais e dificuldades, criar e pre-
do grupo. É importante perceber e estimular a servar parcerias.
capacidade de contribuição de cada um/a para Algumas pessoas podem ficar responsáveis
que o trabalho desenvolvido passe de mão em pela comunicação do núcleo local da Rede. Um
mão, permitindo que cada um dos participantes grupo poderá visitar novos terreiros para divulgar
se torne um fio de sustentação da rede e das o trabalho, visitar os serviços de saúde e divulgá-
ações que ela vai construir. Só assim cada passo los nos terreiros.
do trabalho será forte como as contas que se Cada participante poderá contribuir para que
juntam para fazer valer uma guia. É a hora de mais gestores, profissionais de saúde e terreiros
dividir tarefas e compromissos a partir daquilo caiam na Rede.
que foi discutido e construído. Os integrantes dos núcleos locais devem
Para a eficácia de um trabalho desta natu- acompanhar e manter contato com a coorde-
reza, cotidianamente a Rede deve ter a capa- nação nacional para que as experiências,
cidade de identificar problemas, necessidades as dificuldades e avanços possam ser divulga-
e demandas (fazer diagnóstico da situação de dos e compartilhados com todos/as os/as inte-
saúde), avaliar, criar e recriar sua dinâmica e grantes da Rede Nacional de Religiões Afro-
operacionalidade, suas interfaces, estratégias, Brasileiras e Saúde.

Visite o nosso site: www.redereligioesafrosaude.org

24
atagbá
O que estamos aprendendo 8
O
que garante a existência das religiões tos/as ou simpatizantes, todos/as usuários/as,
de matrizes africanas é, primeiramente, tenham relativo conhecimento da política do
a crença nos orixás, voduns, inkisses, SUS e dos seus direitos para que, ao fazer o
caboclos e encantados. Depois disso vem o re- controle social, saibam em que padrão de exi-
passe de conhecimento dos mais velhos e mais gência devem se basear.
velhas para os mais novos/as. Nas religiões afro- É necessário também conhecer alguns dos
brasileiras, a experiência é adquirida na vida agravos que incidem sobre a população em ge-
civil (idade) e na vida religiosa (tempo de in- ral, e que, no caso específico da população de
serção ou iniciação nos terreiros). terreiro, podem ter conseqüências dramáticas
É respeitando essa prática peculiar de trans- para os doentes, sua família consangüínea e a
mitir ensinamentos que abordamos algumas ques- sua família de santo.
tões, na perspectiva de ampliar o conhecimento Muitos destes agravos podem também estar
e favorecer as decisões em prol da saúde e da associados ao racismo, ao sexismo, à desigualda-
preservação da vida de todas as pessoas envol- de social, à homofobia e, por conta disso, podem
vidas neste universo onde a Rede Nacional de reforçar os mecanismos já existentes de exclusão
Religiões Afro-Brasileiras e Saúde vem atuando. ou gerar novos preconceitos e estigmas.
Para que a Rede Nacional seja um espaço A intolerância religiosa também é um dos te-
potencial de promoção da saúde e atinja resul- mas que devem ser discutidos, pois impede que
tados satisfatórios, reconhecidos por estas co- pais e mães de santo prestem auxílio e conforto
munidades religiosas, é necessário que cada pai espiritual a quem necessita seja nos hospitais,
e mãe de santo, filho e filha de santo, adep- maternidades, presídios ou mesmo em funerais.

25
Guia para a Promoção da Saúde nos Terreiros
9 Onde queremos chegar

Quando o direito humano à saúde é desres- universalidade, integralidade, equidade, contro-


peitado precisamos tomar algumas atitudes para le e participação social e descentralização.
que isso não aconteça mais. Para a população dos terreiros, os princípios
Ao longo do processo entendemos que o SUS da integralidade e equidade são fundamentais,
deveria ser o melhor plano de saúde para todos/as pois garantem que a atenção à saúde seja orien-
e que o cumprimento de seus princípios é essenci- tada com competência, justiça, adequação às
al para garantia de acesso aos serviços, qualidade diferentes necessidades e demandas e respeito
do cuidado, da assistência e da resolutividade. às diversas culturas, tradições, valores, noções
O SUS possui 5 princípios norteadores: de saúde, doença, tratamento e cura.

26
atagbá
Celebrar a Vida:
um compromisso da Rede Nacional
10
de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde

“P
ara a tradição do terreiro, o igbadu é A mãe criadeira(pessoa que cuida do iaô) tem
a representação material do universo. um papel fundamental no processo de formação
O igbadu é uma cabaça cortada ao meio, do novo ser. Ela permanece durante todo o tem-
cujas partes estão sempre unidas. A parte de cima po próxima do/a novato/a, ensinando-lhe e au-
representa os orixás e antepassados masculinos e a xiliando-lhe nos momentos difíceis da gestação
parte de baixo os orixás femininos e as antepassadas. ou da nova vida. Assim como as mães orientam e
A parte de baixo, em sua concavidade, evidencia o cuidam dos primeiros passos do bebê, é a mãe
mistério do conter, do dar sustentação, do possibi- criadeira que orienta e cuida dos primeiros pas-
litar a transformação. Este mistério está ligado a sos do iaô. Elas possuem um jeito carinhoso de
capacidade de gestar e permitir o nascimento. lidar com a situação, possuem um manejo para
O sabaji, o quarto de axé, o rondemi são como garantir que a gestação, o parto e o nascimento
úteros comunitários que, enquanto limites sólidos sejam efetivados com êxito.
e seguros são a parte da tradição milenar dos terrei- A vivência do cuidado, da preparação e ce-
ros que apresentam maleável doçura e se amoldam lebração do nascimento nos terreiros, e as do-
para receber os/as iaôs, novos/as filhos/as da co- ses de carinho, deveriam ser igualmente co-
munidade que serão gestados/as e paridos/as. muns aos cuidados e a assistência oferecidos a
O cuidado e a proteção que os/as iaôs recolhi- todas as pessoas no Sistema Único e Saúde. O
dos recebem, assim como o cuidado que os envol- nascimento deveria ser também celebrado. Às
vem na cerimônia do “dia do nome”, mostram a mães e aos recém- nascidos deveria ser ofere-
importância que a tradição do terreiro dá à gesta- cido um tratamento de qualidade, com carinho
ção e ao nascimento, entendendo que nascer é e atenção que eles merecem neste momento
dar continuidade, é manter e expandir o axé indi- tão especial da vida.
vidual e coletivo, é preservar a história do povo de Os cuidados com os idosos também são uma
tradição religiosa afro-brasileira”. (Marco Antonio prática nos terreiros, assim como os cuidados com
Guimarães/ ORI – ano I, n. 2, maio 2002) as crianças, jovens, homens e mulheres e todos
O nascer nos terreiros é um dos momentos mais os elementos da natureza. Todos/as recebem ca-
importantes na vida das pessoas e das comunidades, rinho e atenção como recomenda a tradição.
pois possibilita experimentar novas transformações. A prática dos terreiros mostra que existe um
Não importa o tamanho do barco. Cada iaô modelo possível, desejável e resolutivo de cuida-
(nome que se dá a pessoa que está no processo do. Os profissionais do SUS, responsáveis pela
de iniciação) é cuidado com carinho e satisfa- assistência ou pela elaboração e implementação
ção, pois representa a continuidade, a preserva- de programas, ações e projetos podem se espelhar
ção da tradição, o fortalecimento do axé. em nossas experiências

27
Guia para a Promoção da Saúde nos Terreiros
Recomendações para leitura
Religiões Afro-Brasileiras e Saúde – Projeto Ató-Ire/ Contatos dos núcleos da Rede Nacional
Centro de Cultura Negra do Maranhão, São Luis - 2003 de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde
Racismos Contemporâneos – Ashoka Empreendedo- Núcleo Belém | acyomi@hotmail.com | (91) 3253-1318
res Sociais e Tanaka Cidadania, RJ - 2003 Núcleo BH | denisia.martins@click21.com.br |
Política Nacional de Saúde da População Negra: uma (31) 9622-0620
questão de equidade – OPAS/DFID, Brasília - 2001 Núcleo Diadema | isode@hotmail.com
Núcleo João Pessoa | omidewa@ig.com.br
Cadernos Criola – A Saúde de da População Negra
Núcleo Piracicaba | wlsode@hotmail.com
para Gestores e Profissionais de Saúde. CRIOLA.
Núcleo Recife | lucieneloyce@yahoo.com.br |
RJ, 2005.
(81) 3257-7233 e 8822-6902
A Saúde da Mulher Negra – Nossos Passos vem de Núcleo RJ | mguimar@uol.com.br | (21) 2224-4576
Longe. CRIOLA. Ed. Pallas. RJ 2000 Núcleo Salvador | nzila@oi.com.br
Saúde da População Negra – Brasil Ano 2000. Núcleo São Luis | daguia@elo.com.br | (98) 3275-8604
Fátima de Oliveira. OPAS e SEPPIR.Brasília, 2002 Núcleo São Paulo (capital) | gvtr@globo.com
Núcleo São Roque | (11) 4712-9319
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

11 Anexos
1. A legislação brasileira sobre direito humano à saúde
Tendo conhecimento e propriedade sobre nos- Os casos de desrespeito e o não cumprimento
sos direitos fundamentais podemos avaliar e da lei, violação ou não efetivação do direito a
monitorar melhor as ações dirigidas à população saúde podem ser encaminhados à Ouvidoria do
de terreiro, seja no campo da saúde, inclusão SUS, ou se preferir o cidadão pode entrar com
social e outros. uma ação no Ministério Público.
Algumas leis
• Constituição Brasileira • Conselho de Saúde
Artigo 196: “a saúde é um direito de todos e O Conselho de Saúde – órgão permanente de
dever do Estado, garantido mediante políticas fiscalização do SUS – está previsto na Constitui-
sociais e econômicas que visem à redução do ção e nas Leis Orgânicas de Saúde 8.080/90 e
risco de doença e de outros agravos e ao acesso 8.142/90. Deve atuar na formulação de estratégias
universal e igualitário às ações e serviços para e no controle da execução da política de saúde,
sua promoção, proteção e recuperação”. inclusive nos aspectos econômicos e financeiros.
O Conselho é composto por representantes dos
• Lei Orgânica da Saúde usuários, dos trabalhadores de saúde, do governo
Leis 8.080/1990 e 8.142/1990: institucionalizam e dos prestadores de serviço, e sua existência no
o Sistema Único de Saúde. Definem as competên- Município, no Estado e na União é exigência legal
cias em relação a saúde de cada esfera do gover- para que os recursos financeiros sejam repassados
no: União, Estados e Municípios. aos seus respectivos órgãos de saúde.

28
atagbá
2. Participações importantes da Rede no contexto da promoção da equidade em saúde
Uma boa oportunidade para mostrar a socie- de Saúde. Estes eventos congregam no mesmo
dade que desejamos mudanças e a inclusão das espaço, gestores profissionais de saúde e a so-
questões de saúde do povo de santo nas agendas ciedade civil e possibilitam o estabelecimento
de governo é participando de eventos (seminári- de novos canais de diálogo, a troca de infor-
os, encontros, fóruns, conferências). mações, monitoramento e avaliação do impac-
A nossa participação nestes espaços, enquan- to das políticas públicas de saúde.
to integrantes de uma Rede, é uma forma de Outros são organizados pela sociedade civil.
defender as nossas necessidades e prioridades Nestas ocasiões também podemos encontrar re-
em saúde. Além disso possibilita a expansão e o presentantes do governo, o que permite o inter-
crescimento da Rede para outras regiões do país. câmbio, as sugestões, as cobranças, etc.
Nesses espaços encontramos pessoas de vários Para a promoção da equidade em saúde é
lugares e algumas delas se identificam com a nossa preciso o esforço de todos/as nós. Assim como
maneira de pensar e de agir, podendo inclusive Exu temos muitos caminhos para percorrer e
ajudar no reforço e na defesa de nossas propostas. muitas encruzilhadas para ultrapassar. Sabemos
Alguns eventos que consideramos funda- que essa tarefa não é fácil, mas um dos instru-
mentais são realizados pelo governo, como as mentos que nos permite avançar e comunicar é a
Conferências Municipais, Estaduais e Nacional participação social.

Algumas de nossas participações


• XII Conferência Nacional de Saúde – dezembro de 2003 – Brasília
• I Seminário Nacional de Saúde da População Negra/MS e SEPPIR – agosto de 2004 – Brasília
• Fórum Mundial de Saúde – janeiro de 2005 – Porto Alegre
• Comitê Técnico de Saúde da População Negra – Ministério da Saúde

3. Experiências de inclusão dos terreiros no Sistema Único de Saúde


Relacionamos algumas experiências inéditas • Ações de Saúde nos Terreiros de Tambor
realizadas pelo sistema único de saúde para in- de Mina de São Luís(MA)/Secretaria Muni-
clusão da população dos terreiros. Experiências cipal de Saúde de São Luis.
como estas servem de estímulo para outros pro-
fissionais ou serviços de saúde:
• Projeto Atotô – Coordenação de DST/AIDS
da Secretaria Estadual de Saúde de
Pernambuco
• Projeto Formação de Agentes de Prevenção
nos Terreiros – HUPE/Hospital Universitário
Pedro Ernesto/RJ
• Projeto AIDS nos Terreiros – Secretaria Muni-
cipal de Saúde do Recife

29
Guia para a Promoção da Saúde nos Terreiros
1
Documento elaborado
ao final do III Seminário
4. Carta do Recife1
Nacional Religiões A visão de mundo da tradição religiosa afro- papel fundamental em nossa sociedade porque,
Afro-Brasileiras e Saúde.
Recife- Pernambuco, brasileira mostra que estar em equilíbrio é estabe- como espaços de convivência, permitem a cons-
março de 2004.
lecer uma relação de preservação e troca entre os trução de redes de sustentação coletiva que po-
deuses/deusas, as pessoas e tudo que existe no dem produzir mudanças positivas em relação à
universo. Para que o equilíbrio aconteça é necessá- qualidade de vida.
rio que mulheres, homens, pedras, rios, animais, Diante deste fato, pais e mães-de-santo de todo
florestas, mares e terra sejam bem cuidados. o país, gestores/as, profissionais de saúde, pes-
Para os/as adeptos/as das religiões afro-bra- quisadores, representantes do movimento negro e
sileiras o corpo é a morada dos deuses/deusas, e adeptos/as das tradições religiosas afro-brasileiras,
por isso merece atenção especial no que diz res- reunidos em Recife, nos dias 26 e 27 de março,
peito à saúde, possibilitando que voduns, inkices, reiteram que o Estado Brasileiro deve tomar medi-
orixás, mestres/mestras, caboclos, pretos-velhos das especiais com o objetivo de eliminar as desi-
e encantados possam manter a sintonia conosco. gualdades historicamente acumuladas por este
O saber do terreiro propõe uma forma de lidar grupo e compensar as perdas provocadas pela dis-
com a saúde que tem como finalidade o equilí- criminação e marginalização sofridas por motivos
brio do corpo, através do fortalecimento da ener- racistas, étnicos, religiosos e outros. Neste sentido
gia vital, proporcionando também a integração recomendam aos gestores da saúde dos três níveis
subjetiva e a inclusão social. Os terreiros têm um (federal, estadual e municipal):

1. Adequação da linguagem e inclusão do simbólico das 8. Visita regular das equipes do PSF/PACS nos templos
religiões de matrizes africanas nas ações de comunicação de religiões de matriz africana respeitando a visão de mun-
em saúde (campanhas, peças publicitárias, materiais infor- do dos terreiros
mativos, entre outros)
9. Inclusão prioritária de negros, negras e afro-descendentes,
2. Capacitação de pessoas adeptas das religiões de matrizes membros de comunidades de terreiro, nas ações e programas de
africanas para atuarem como agentes de saúde em suas cuidado e assistência à saúde contemplando suas necessidades,
comunidades respeitando inclusive sua orientação sexual. A recomendação
3. Inclusão oficial de pessoas das comunidades de terreiro pela inclusão prioritária se deve ao fato dessas comunidades, em
no Programa de Agentes Comunitários de Saúde sua maioria, estarem inseridas nos contextos de menor índice
de desenvolvimento humano – IDH –, pior distribuição de ren-
4. Inclusão dos templos de tradição afro-brasileira na rede da e nos bolsões de pobreza, seja nas cidades ou nos campos
de equipamentos sociais como espaços de promoção da saú-
de, de acolhimento, de cura e de educação popular 10. Livre acesso de sacerdotes e sacerdotisas afro-religiosos
nas unidades de saúde (unidades básicas de saúde, hospi-
5. Investimentos na formação continuada dos conselheiros e
tais e maternidades)
conselheiras de saúde no tocante às necessidades diferencia-
das em saúde para a população negra 11. Criação de vagas específicas para representação das religiões
de matrizes africanas nos espaços de controle social do SUS
6. Ampliação da participação dos/as negros/negras e afro-
descendentes, membros das comunidades de terreiro, nas 12. Provimento de suporte técnico e financeiro para coopera-
diversas instâncias de controle e participação social (conse- tivas organizadas nas comunidades de terreiro ou entre
lhos de saúde, orçamento participativo, etc.) as mesmas, que tenham por objetivo a produção popular
de fitoterápicos ou outros produtos utilizados nos rituais
7. Formação contínua de profissionais de saúde e gestores/
as, em todos os níveis, no acolhimento, cuidado e assistên- 13. Criação de linhas de pesquisa e garantia de recursos
cia aos membros das religiões de matrizes africanas, respei- financeiros para a produção de plantas medicinais
tando seus valores, práticas e crenças e fitoterápicos utilizados nos terreiros.

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Guia para a Promoção da Saúde nos Terreiros
Guia para Promoção de Saúde nos Terreiros
Realização: Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde
www.redereligioesafrosaude.org

Apoio: PCRI Saúde/DFID – Componente Saúde


do Programa de Combate ao Racismo Institucional
do Ministério Britânico para o Desenvolvimento
Internacional e Redução da Pobreza

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