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EMOCIONALMENTE OS SERES
HUMANOS?
COMO SOBREVIVEM EMOCIONALMENTE OS SERES
HUMANOS?
INTRODUÇÃO
Pac. B- 25 anos. É uma mulher extremamente bonita que vive num quase
total isolamento social, queixando-se de depressão e de perseguição por
parte colegas, que rivalizam com ela. Profissionalmente, nunca fica nos
empregos pois, sente uma compulsão a paquerar os chefes, com quem
namora um pouco e é mandada embora. Diz que quer casar e ser rica.
Dentre as cenas nucleares que traz destaco duas: Na primeira, tem 6 anos,
mora com os avós maternos e sua mãe, que é mãe solteira e empregada
doméstica, vem visitá-la no domingo. Estão todos à mesa e a mãe se põe a
querer lhe ensinar bons modos à mesa, modos que ela aprende na casa dos
patrões. A paciente se sente inferiorizada diante destas pessoas que a mãe
admira. Na segunda cena, tem 5- 6 anos e vai pedir a bênção para o avô,
antes de dormir. Ela sabia que o avô não lhe daria a bênção pois, ele
sempre dizia que jamais abençoaria a filha bastarda de uma mãe que não
prestava. Nesta cena o avô novamente a humilha, repetindo o maltrato.
Pois bem, reparem como estes quatro pacientes sofreram formas variadas
de abuso infantil: o Nº 1, assistia seu pai bater na mãe; Pac. nº2- ouviu
durante toda a infância que sua mãe não prestava e ela tampouco; o Pac.. 3
apanhava até se dobrar de humilhação, além de ter sido abusado
sexualmente; a pac.nº4- era obrigada a ouvir, sem compreender, a
intimidade afetiva e sexual de sua avó .
Por outro lado , quando convido estes pacientes a dramatizarem suas cenas
e começamos a pesquisar o locus, o status nascendi e a matriz ( Bustos,
1994: 63-77) * de suas dificuldades atuais, acabo sempre me deparando
com um outro conjunto de fatos que me deixam intrigada. Estas cenas
ocorrem na primeira infância, em geral antes dos 7 anos de idade. O
conteúdo do drama que trazem é, freqüentemente, o de uma criança sendo
frustrada e/ou punida por algum desejo , travessura e /ou, uma criança
assistindo alguém em casa sendo desrespeitado, violentado por um adulto
que exerce e abusa do poder que tem. Existe um enorme desequilíbrio de
forças na cena, e tudo o que a criança pode fazer é ficar passiva, assistindo
e se submetendo ao poder do adulto.
A criança percebe que o adulto está sendo injusto ou abusivo, sente raiva,
mas nada pode fazer a não ser se submeter. Esta submissão forçada gera,
por sua vez, sentimentos de vergonha, humilhação e inferioridade, que
não serão jamais esquecidos, apesar de todos esforços que fizer para negá-
los, disfarçá-los e/ou modificá-los.
Feito um disco avariado que gira em falso e entoa sempre a mesma parte
da canção, parece existir atrás do drama atual e real das pessoas adultas
uma dramática ** interna que repete o drama infantil, só que,
freqüentemente com papéis trocados. Quem agora abusa do poder que
tem, impinge humilhação e vergonha aos outros é o próprio paciente.
Enfim, nos últimos três anos tenho ido atrás destas respostas. Primeiro
comecei a ler exaustivamente a literatura disponível sobre narcisismo,
auto-estima, psicologia do ego e finalmente me deparei com uma
abordagem americana ( Mellody,P., 1989) que descreve a existência de
uma patologia vincular chamada codependência**. Também acabei
tomando contato com estudos sobre personalidades fronteiriças ou
borderlines e distúrbios narcísicos de personalidade.
Ela é valorizável– uma criança não nasce com auto-estima e nem tem
noção alguma do seu valor pessoal Ela irá absorvendo este valorde fora
para dentro, de acordo com a estima e dedicação que seus pais têm por ela.
No início da vida isto pode significar um toque e um olhar especiais (
Kohut, H., 1977)* , presença constante e previsível, espelhamento correto
das necessidades físicas, etc. Com o desenvolvimento, este dedicar valor ao
outro vai , progressivamente se transformando em atitudes mais
complexas, e que exigem grande maturidade dos pais, tais como, permitir
que a criança experimente sua autonomia crescente sem ameaçá-la com a
retirada do amor .
Penso que uma das tarefas mais difíceis na educação infantil seja colocar
limites nos filhos sem, entretanto, chantageá-los com a retirada deste valor
intrínseco.
Mesmo porque, a maior parte dos pais foi educada desta mesma forma por
seus próprios pais e considera este jeito de se comunicar com a criança,
natural e inofensivo. Se pensarmos num adolescente freqüentemente
ameaçado de perder seu divertimento predileto se não tirar notas altas,
veremos como o valor abstrato de outrora, se transforma com o tempo em
objetos concretos, bens materiais, dinheiro, que são dados e retirados ,
desde que o outro faça isto ou aquilo.
Toda vez que uma criança sente que não tem valor para os pais ela se sente
envergonhada e inferiorizada por isso. O “Eu “se ama e se respeita quando
se percebe amado e respeitado. Por outro lado , o” Eu ” se odeia quando
intui que está sendo rejeitado ou deixado de lado. Muitos anos de
educação sob este sistema de manipulação do outro através da atribuição e
retirada de valor , acabam gerando adultos que , tal qual a Pac.. B,
sobrevivem com um senso de valor próprio defeituoso . São pessoas que
ora se subestimam ora se superestimam, tornando – se ou excessivamente
dependentes do outro, sem a autonomia da vida adulta, ou excessivamente
independentes do outro ( do tipo que não precisa de ninguém).
Muitas informações são necessárias para que uma criança entenda como é
a vida, e ela aprende por ensaio e erro, e/ou através daquilo que os adultos
ensinam , mas e sobretudo, através de como os adultos agem eles mesmos.
Sabemos hoje que crianças criadas com excessiva intransigência
costumam se amoldar à expectativa tornando-se, mais tarde, adultos
perfeccionistas e controladores ; poderão também tornar-se adultos
profundamente inseguros , que sofrem demasiadamente quando erram e
que tem medo de avaliações ; ou ainda poderão se rebelar, recusando-se a
cooperar e até trabalhando para serem o contrário daquilo que lhe pedem.
Estes são os rebeldes e as crianças ruins e problemáticas da casa.
Costumo dizer aos meus pacientes, brincando: -“Faça o que você está
querendo, mesmo que sua mãe concorde!”, aludindo a este mecanismo de
ir contra , pois o que percebo é que muitos adultos não seguem nem
mesmo as normas que eles colocam para si , sendo incapazes de qualquer
disciplina.
5-permitam que a criança seja criança , depois que ela cresça e ganhe
autonomia;
Sei que vocês devem estar achando que sou extremamente exigente , que
estes pais ideais são tudo menos humanos e que ¼ das características
descritas já são suficientes para uma criança crescer razoavelmente
normal. Concordo com esta observação, mas tenho percebido que a cada
desconto que se dá aos pais, se conta um ponto numa lista enorme de
abusos infantis, e que crianças submetidas a qualquer tipo de abuso ou
negligência destas necessidades básicas de dependência, crescem apenas
na aparência física e social, emocionalmente continuam de alguma forma,
humilhadas, órfãs e envergonhadas toxicamente, reivindicando aquilo que
não tiveram, tentando, a qualquer preço reparar sua auto-estima, sua
dignidade, seu narcisismo ferido.
ABUSO INFANTIL – NÃO É UM EXAGERO CHAMAR
FATOS TÃO CORRIQUEIROS DE ABUSO?
Para concluir, uma criança que não tem suas necessidades de dependência
respeitadas e satisfeitas sofre um grave dano em sua identidade básica,
passa a desacreditar das próprias necessidades, julgando-as ilegítimas e o
próprio desejo fica significado como vergonhoso. Seu egocentrismo infantil
somado ao fato de precisar manter a idealização dos adultos de quem
depende para sobreviver, faz com que ela, freqüentemente, se atribua
alguma culpa pela atitude dos pais, do tipo: ” Eu é que sou ruim! Fui má!
Sou burra! Tenho algum defeito grave, etc”. Esta atribuição acaba, com o
tempo, virando um traço da identidade da pessoa.
De fato sabemos hoje que a interpretação daquilo que vem a ser educação
infantil, depende menos de normas que os psicólogos ou educadores
estabelecem como saudáveis e desejáveis, e mais da estrutura emocional
dos pais e do jeito como eles próprios foram educados.
Nossos filhos e suas atitudes infantis são sentidos, por nossas crianças
internas feridas como os algozes que nos submetem e obrigam a fazer
coisas que não queremos. Por isso nós os punimos. Enquanto crianças não
podíamos nos defender ou melhor podíamos, mas com táticas infantis de
defesa *. São estas táticas aliás , ineficientes contra os adultos que nos
violentaram, que repetimos contra nossas crianças,
perpetuando multigeracionalmente e intrafamiliarmente estas
características abusivas.**
Este é o disco quebrado que roda sempre no mesmo lugar. Alguém tem que
ir lá e cuidadosamente tirar a agulha da parte riscada, mostrar ao paciente
que aquele dano pode talvez até ter algum reparo, ser remendado ou
coberto, mas não pode deixar de existir. Por outro lado o futuro está cheio
de discos que potencialmente ainda podem ser tocados se a agulha for
tirada a tempo e não se danificar.
O drama da criança ferida que muitos de nós mantêm dentro de si, fala de
um momento na vida, no qual nosso narcisismo foi fragilizado e nosso
psiquismo se mobilizou então, com toda a sua espontaneidade, para
reparar o dano cometido. Criamos um antibiótico específico para o mal que
nos acometia e o conservamos, feito pedra preciosa, pensando em usá-lo
cada vez que outra ameaça à nossa auto-estima aparecesse pelo caminho.
Penso que não há nada mais sedutor para uma criança, mesmo uma
criança doente e deprimida, do que lhe dar um brinquedo novo ou propor-
lhe uma brincadeira inusitada. Sei disso porque trabalhei*** numa
enfermaria de crianças com doenças terminais durante algum tempo, e
elas brincavam comigo. O “como se” do jogo descentra nossa identidade
básica e, por algum tempo, podemos esquecer quem somos, quais são
nossas dores , quais injúrias sofremos e como temos que nos prevenir para
que elas não mais aconteçam.
Zerca Moreno ( Cukier, R., 1994) quando esteve entre nós o ano passado,
começou a sua fala dizendo que dentro de todos nós habitava uma criança
ferida e que considerava uma questão profilática e de saúde pública a
criação, urgente, de escolas para pais.
Nunca vou ter esta resposta, mas sim saberei o que vocês, que representam
para mim o movimento psicodramático moderno pensam. Aguardo então a
sua resposta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bradshaw, John (1988) – Healing the Shame That Binds You- Health
Comunications, Inc, Flórida,
Kreisman, JJerold and Strauss,H. (1989)- I hate you don’t live me-
Understanding the Borderline Personality, Avon Books, New York.