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Pausa para um café II:

Porque as denúncias de corrupção


não mudarão o destino das eleições presidenciais

Pois bem. Ainda não será nesta semana que retornarei com as crônicas do Dr. Goorï. Meu
caro amigo será certamente compreensivo, tendo em vista o momento especial que o Brasil vive.
Ademais, uma vez que nos lançamos nesta peste que é a interrogação sobre a vida política do país,
há como que uma necessidade de avançar, de seguir em frente e aprofundar as razões que nos fazem
como somos. Por mais que a brasilidade me inquiete, e mesmo que eu seja bastante reticente e
desgostoso com o fato de ser brasileiro (ao menos na configuração atual), há algo neste país que me
fascina: a junção entre cinismo e ingenuidade; entre desleixo e criatividade; entre a grandeza dos
potenciais e a pequenez dos pontos de vista.
Então prossigamos ainda um pouco... Semana passada me contrapus às leituras mais do
que ligeiras e rasas contra os programas sociais do governo, chamados pejorativamente de
assistencialistas. Ora, duas linhas de análise são neste ponto possíveis: por um lado, corre-se sempre
o risco de um aliciamento político quando se trata de distribuir renda à população. Ou seja, a velha
lógica da troca de favores – tão conhecida das elites nacionais, dos partidos conservadores que
governaram o Brasil antes do PT... – pode intervir nos programas sociais de tal modo que eles
sirvam de plataforma política. Isso é inegável e certa parcela desta barganha estará sempre presente.
Isso, todavia, é pouco para explicar a necessidade de um programa social específico, e há nessa
lógica de desvalorização um ponto cego...
A segunda linha de análise remete à própria acusação de assistencialismo. Ocorreu-me
que, no Brasil, temos a falsa ideia de que aplicar dinheiro em programas sociais significa retirar
recursos de investimentos necessários para investi-lo em gente pobre, ou vagabunda, ou os dois.
Esse raciocínio, quando revestido de pietismo cristão, aí sim pode desembocar em assistencialismos
do tipo Lions clube ou Rotary Internacional, onde um punhado de gente bem sucedida resolve
minimizar o sofrimento de um outro punhadinho de menos favorecidos, e com isso asseguram-se
que seus banquetes e reuniões sociais são justificados. Não estou a dizer que faltem pessoas de bem,
e bem intencionadas e cultas e críticas, em tais clubes, mas como sabemos, de boas intenções o
inferno está cheio.
Os programas sociais são parte essencial, diria mesmo o investimento primordial do país, e
nossa dificuldade é de enxergar que a totalidade das riquezas de uma nação pertence à totalidade da
população. Isso não implica uma distribuição igualitária, centavo por centavo; mas também não
exige e mesmo não admite diferenças tão acentuadas quanto as que o Brasil sofreu ao longo de sua
história. Manter a população na pobreza também é uma forma de aliciamento político, porém isso
não é dito por aqueles que criticam as posições do governo. Lendo recentemente um texto de
Leonardo Boff, vi com mais nitidez por onde passa o mal-estar dos conservadores. O governo atual,
afirma Boff, “operou uma revolução conceitual”. Teólogos tendem inevitavelmente ao otimismo,
mas creio ser justa a ideia de uma mudança de lógica significativa, que fez com que, apesar dos
desmandos, das falcatruas, do cinismo típico do povo brasileiro, novas linhas diretivas pudessem ser
implantadas; linhas que mexeram diretamente no conceito de distribuição de renda e não
simplesmente em questões pontuais. Nesse sentido, analisar o pensamento social do governo apenas
por sua fachada (Bolsa família, Bolsa escola, Luz para todos, etc.) é um equívoco grosseiro.
Tão grosseiro quanto a pressuposição de que denúncias de corrupção no governo possam
mudar o curso da eleição... Coloquei-me a seguinte pergunta: por que, apesar das inúmeras
denúncias contra o governo, sua candidata permanece favorita? Poderíamos responder, como de
costume, que se trata da ignorância do povo; ou – argumento mais técnico e querido às elites que
arrotam cultura de botequim – que se trata de um aparelhamento da mídia pela máquina do Estado.
Eu, porém, tenho uma resposta mais simples: ocorre que as pessoas não são burras nem ingênuas.
Ocorre que o povo não é tão besta quanto se pressupõe nas rodas de café ilustradas dos homens de
terno. Chega a ser infantil de tão simples: a moeda da corrupção ainda não está apta a mudar o curso
de uma eleição no Brasil, primeiro porque todos sabemos que esta corrupção é antiga, histórica, pré-
histórica; e que o governo só fez alinhar-se a ela, mesquinha e infelizmente. De fato, ninguém é tão
estúpido para acreditar que o governo são os malvados e que a oposição, ávida de denúncias, são os
bonzinhos. Nem mesmo nossas crianças vivem ainda nesta lógica tão simplista. Em segundo lugar,
temos que considerar a corrupção inerente ao povo brasileiro. Desta, tanto oposição quanto situação
se alimentam indiscriminadamente, e assim continuarão até que os cidadãos façam também sua
revolução conceitual, eliminando a corrupção da vida cotidiana. Mas isso ainda é sonho.
Em suma, tenho a impressão de que, nesta guerra de nervos da campanha presidencial, na
qual informação e desinformação se misturam e são utilizadas de modos obscuros por ambos os
lados, o que vai prevalecer é a percepção profunda das conquistas do povo (não do governo, nem da
economia, nem tampouco de um partido). Isso tem uma força inercial que ultrapassa as
propagandas, e, certamente, o Brasil em sua totalidade não se alinhará aos equívocos eleitorais de
minha querida e conservadora Joaçaba.
Eis mais uma prova da inteligência subliminar das massas.

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