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Professor

DIREITO
ADMINISTRATIVO

DIREITO
ADMINISTRATIVO
RICARDO ALEXANDRE
DIREITO ADMINISTRATIVO O ESTADO E A SUA ORGANIZAÇÃO

Administração Pública e o Direito Administrativo

O Estado e sua Organização

Esse é o primeiro módulo do curso de direito administrativo. Para ingressar corretamente na matéria, é
necessário que buscar alguns conhecimentos do direito constitucional que vão repercutir de maneira muito impor-
tante no direito administrativo.

Primeiramente, é fundamental recordar que no Estado Brasileiro é organizado segundo um pacto federativo.
A federação tem uma liberdade vigiada; quando se começa a estudar direito, tende-se a achar que a União – o
ente federal – é, naturalmente, o mais poderoso entre os entes. A liberdade vigiada consiste porque os entes que
compõem a federação, na organização político-administrativa, são apenas autônomos, têm uma faixa de atuação
em que eles atuam de maneira livre. Porém, essa liberdade é vigiada pelo texto constitucional; cada ente pode
tudo, mas tudo no seu limite, ou seja, a União não se sobrepõe aos estados e aos municípios sempre.
Se for editada uma lei municipal sobre um assunto que a Constituição diz ser de competência do
município, a União Federal não poderá contrariar essa lei. Quando uma lei federal colide com uma lei estadual
ou uma lei municipal, tende-se a achar que a lei federal, simplesmente por ser lei federal, mas a resposta a isto não
pode ser automática, é necessário que olhar no texto constitucional quem pode editar leis sobre aquele assunto;
se a competência for do município, a lei federal é inconstitucional. Por exemplo, passou em uma reportagem o
seguinte:

“Uma fiscalização realizada em Ipatinga tem desagradado os comerciantes da cidade. Em cumprimento a


lei municipal de 2007, alguns seguimentos do comércio não podem mais funcionar depois de uma hora da tarde
aos domingos. A lei de 2007 estabelece que o comércio da cidade pode abrir aos domingos de oito da manhã à
uma da tarde, os donos de estabelecimentos que descumprirem a determinação podem pagar entre duas e cinco
unidades fiscais padrão de Ipatinga como multa, o valor vai de 163,00 a 408,00 reais; a cobrança pode dobrar se
a empresa for reincidente. Além disso, o comércio pode ter o alvará de funcionamento suspenso. Não há limitação
de horário para alguns tipos de estabelecimentos, como boates, shoppings, restaurantes, cafés, bancas de jornal,
padarias e postos de combustíveis.”

O que aconteceu com o município de Ipatinga foi edição de uma lei que regulou o horário do funcionamento
do comércio local. Houve uma grande discussão na cidade sobre a possibilidade de o município legislar sobre
esse assunto. Na Constituição Federal não há nenhum dispositivo que fale sobre esse assunto, quem legisla sobre
o horário do funcionamento do comércio, entretanto, no artigo 30 da CF existe uma regra que diz que assuntos
de interesse local são de competência legislativa do município, e o horário de funcionamento do comércio é
um assunto de competência do município, uma vez que é um assunto de interesse predominantemente local; e
em alguns municípios, como foi o caso de Ipatinga, se colocou um limite, com excessos aos shoppings, bares,
boates, sendo a ideia principal ao trabalhador normal do centro da cidade ter a possibilidade de um domingo de
tranquilidade.

O município legislou sobre esse assunto e quando o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a com-
petência para legislar sobre esse assunto era municipal, ele reconhece que a União não pode tratar da matéria.
Se a União vier a editar uma lei para que o comércio no Brasil funcione até às 17h, em Ipatinga funcionará até às
13, porque se a competência é do município, nenhum outro ente poderá invadir tal competência. Por isso, o STF
editou a súmula vinculante nº 38 deixando claro que é de competência municipal a legislação sobre o horário do
funcionamento do comércio local.

Assim sendo, a federação tem uma liberdade vigiada; é fundamental entender isso no âmbito do direito
administrativo, porque na seara administrativa, cada entidade pode legislar sobre sua atividade (com algumas pe-
culiaridades que serão estudadas, como a legislação sobre licitações, em que a União edita normas gerais, os es-
tados complementam a legislação federal no que couber). Existe uma descentralização territorial do poder político.
O poder político da república é a união dos entes federados, União, estados, DF e municípios, todos autônomos,
como diz a Constituição Federal no seu artigo inaugural.

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Todos são autônomos. A União não é soberana; a soberania, esse poder incontestável que se estuda em
direito constitucional, é atributo do Estado Brasileiro, a república federativa do Brasil. A União, os estados, o Distrito
Federal e os municípios têm, cada um, um pedaço desse poder, e esse pedaço dá a essas entidades uma autono-
mia que é menor do que soberania; é uma liberdade vigiada nos termos constitucionais.

No momento em que a União resolver legislar sobre o funcionamento do comércio local, ela estará ultrapas-
sando os limites constitucionais e essa liberdade vigiada; vigiada pelo judiciário em geral. Esses vigias, digamos
assim, da liberdade desses entes nos termos do texto constitucional vão atuar para dizer qual lei vale em cada
matéria. Estamos diante de um Estado Federado e, dentro desse contexto, que cada um tem competências que
pode exercer sem interferência dos demais, será estudada a atuação da administração pública brasileira dando
autonomia a cada um desses entes da maneira prevista na Constituição.

Estado Brasileiro

- Características:

a) Forma federativa;
b) Pessoas políticas;
b.1) União: poder político central;
b.2) Estados – Membros: poderes regionais;

Sabe-se que existem pessoas políticas, como já citadas várias vezes anteriormente (politicas = têm
poder político). Diferentemente do que se estuda em direito administrativo quanto às pessoas que chamadas
de administrativas, as entidades que o poder político, por meio de lei, vai criar a chamada administração indireta
(autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedade de economia mista). Essas entidades são pessoas
meramente administrativas, porque não compartilham do poder político do Estado brasileiro, fundamentalmente
não têm poder de legislar e têm atribuições apenas administrativas (“apenas”, porém não é pouca matéria). Porém,
o poder político ao qual estamos se referindo agora é um poder que só é compartilhado pelos membros da
federação.

No Brasil é o federalismo de terceiro grau (três grupos de membros – União, estados e municípios; ainda
tendo o ente anômalo, com algumas peculiaridades – o Distrito Federal). Temos como pessoas políticas a União
Federal, a entidade nacional, que tem poder político em todo o território nacional; sem significar hierarquia entre
os entes, inclusive, lembrando-se do exemplo citado da lei de Ipatinga. Cuidado que no Brasil o poder que a
União tem na prática realmente é muito maior do que os poderes dos estados e dos municípios, mas por conta da
Constituição ser bastante centralizadora de poder no âmbito da União, porque na federação existe uma autonomia
vigiada nos termos da Constituição, só que os termos da constituição são muito favoráveis à União Federal.

Se comparar, por exemplo, a República Federativa do Brasil com os Estados Unidos da América, perce-
be-se que no último os estados têm mais poder do que os equivalentes deles aqui no Brasil. Sabe-se que, por
exemplo, os estados nos Estados Unidos da América legislam sobre direito penal; existem estados com pena de
morte e estados sem pena de morte, então tem muita matéria que o estado lá tem competência para fazer e que
no Brasil, os equivalentes não a detêm. Inclusive, tem explicações históricas, porque o Brasil é uma federação por
desagregação, o poder era centralizado e, desde as capitanias hereditárias, vem sendo dividido com as autono-
mias regionais. Enquanto nos Estados Unidos foi ao contrário, os estados chegaram independentes e resolveram
se unir numa federação, criando uma república federativa.

A diferença está em: quando chegam à reunião os estados independentes para criar um estado centralizado/
federado, chega-se livre/autônomo com todas suas competências de estado; então se desejam criar a União, os
estados passam apenas um pouco do seu poder para ela. Enquanto no Brasil, o Estado tinha todo o poder em
suas mãos e quando passaram a autonomia para os estados, que se tornaram federados, passaram menos
poder a eles. Logo, por origens históricas, o Estado Federativo Brasileiro é um estado com características muito
centralizadoras, diferente do Estado Federado Americano, que essa descentralização é mais notória, por conta de
uma divisão mais equânime de poderes.

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Mas o fundamental é que não há uma concepção apriorística de federação, cada uma tem seu modelo nos
termos da Constituição de cada Estado e dentro daquela autonomia que foi dada aos outros entes. A intervenção
de um ente no outro, no estado federado, é algo raríssimo e só acontece em situações bastante graves, como se
estuda no direito constitucional.

A União tem o poder político central, enquanto os estados e o Distrito Federal têm poderes regionais (tendo
o DF também poderes locais, uma vez que não há divisão em municípios), e os municípios têm poderes locais.
Lembrando-se que no Distrito Federal tem a peculiaridade, no direito constitucional, de que algumas competências
de estados ele não tem, como polícias e corpo de bombeiro militar, que ficam a cargo da União, então o DF não
possui todas as competências estaduais e municipais.

Vistos esses aspectos, falaremos agora da relação entre os entes políticos. Sabe-se que não é uma relação
de subordinação ou hierarquia, existe uma autonomia definida anteriormente, simplificadamente, como uma liber-
dade vigiada. É como quando se diz que o poder do Estado é um poder incontestável, que não admite nenhum
maior que ele dentro daquele território, o poder é soberano, não se admite que alguém tenha poder nem semelhan-
te ao do Estado; isso tudo vale para a soberania. Porém, no Estado Federado, parcelas desse poder são entregues
a cada um dos membros da Federação; e para que nenhum destes entes faça abuso desse poder, é necessário
um controle, para isso existem órgãos de controle. Sendo aqui principalmente abordado o poder judiciário, e nesse
âmbito o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição, que fará com que o ente não invada as com-
petências alheias.

No ano de 2005, a União Federal resolveu fazer uma intervenção no serviço municipal de saúde do Rio
de Janeiro – uma atividade administrativa que também está a cargo do município. A União requisitou hospitais, e
até os servidores ficariam sendo administrados por ela, pois o então presidente, Luís Inácio Lula da Silva, editou
um decreto reconhecendo calamidade pública no serviço público de saúde do município do Rio de Janeiro e fez
uma verdadeira intervenção. O Supremo Tribunal Federal, então, disse que a autonomia era do município; inclu-
sive quando a Constituição prevê intervenção no município, ela prevê uma intervenção do estado do município,
enquanto a União interveria no estado, logo, a União passou por cima do Estado do Rio de Janeiro e interviu no
município do Rio de Janeiro. Por esse e outros motivos, o Supremo Tribunal Federal disse que a União pode muito,
porém não tudo, então declarou inconstitucional aquele decreto do presidente da república, em 2005.

A autonomia é uma liberdade vigiada, se alguém for passar por cima da liberdade alheia ou da competên-
cia alheia, haverá inconstitucionalidade e os órgãos de controle, principalmente o judiciário (tratando-se de uma
matéria tão relevante para a Constituição Federal), terão a competência para corrigir essas eventuais invasões.

Funções Básicas do Estado

Todos que já estudaram o direito constitucional sabem que o Estado tem três funções básicas, que são
as funções que originam a tripartição de poder – as funções administrativas ou executivas, exercidas pelo poder
executivo; as legislativas, pelo poder legislativo; e as funções judiciais, pelo poder judiciário. Isso está dentro da
ideia que a doutrina costuma chamar de tripartição de poderes; a doutrina mais atual gosta de dizer que o poder
do Estado é uno, indivisível, e o que existem são blocos orgânicos que são partes de uma pessoa política. Por
exemplo, a União divide as suas funções em legislativas, executivas e judiciárias, mas o poder da União é uno e
indivisível – o que existe é um conjunto de blocos orgânicos que tem especialidade em tratar de certas funções que
compõem as atividades do Estado.

Lembrando-se que todo Estado tem como finalidade fundamental buscar a consecução do bem comum do
povo que está naquele território, mas para chegar a isto é necessário o estabelecimento de regras no legislativo,
a aplicação dessas regras e a administração da atividade do poder público (função executiva ou administrativa), e
que dirima os conflitos que venham a surgir com a aplicação da lei (função judiciária). Tudo isso é necessário, mas,
pela teoria geral do Estado, a necessidade de separação dessas atividades nesses blocos orgânicos é essencial
também; basicamente por dois motivos, sendo o primeiro a proteção dos direitos fundamentais das pessoas que
ali residem, pois todo poder tende ao abuso.

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“Depois que descobriu o poder, deixou de beber”, uma frase popular, que mostra como o poder é sedutor e
vicia. A ideia é que o poder exercido por alguém muitas vezes não satisfaz por si só, a tendência é o abuso e como
é que se vai garantir que os que exercem o poder, não vão abusar ao ponto de atingir os direitos individuais das
pessoas?

Se na Constituição está dito “ninguém será preso, salvo em flagrante de delito ou por ordem escrita e fun-
damentada de autoridade judiciária”, mas de vez em quando ouvimos falar em uma prisão pra averiguação. Isso
não pode existir, ou o sujeito está em flagrante de delito e é preso, ou existe uma ordem escrita e fundamentada
de autoridade judiciária com mandato de prisão; para averiguar, não pode prender. Se prender fora das hipóteses,
se há um abuso da autoridade policial, o que é que pode acontecer? Como é que faz pra liberar o sujeito e fazer
vale a constituição? Ajuíza-se um habeas corpus, porque não daria certo se essa discussão sobre a prisão desse
sujeito fosse resolvida no âmbito da polícia, é necessário que exista um poder, outro que não tem hierarquia com
esse poder em que está a polícia que possa decidir se aquela prisão é legal ou não para fazer valer a Constituição.

Então para garantir que os direitos individuais sejam respeitados, é necessária a existência de outro órgão
autônomo que possa analisar a legalidade do que esse órgão fez, tem que ser outra estrutura de poder. Porque,
por exemplo, alguém poderia dizer que o delegado vai analisar se a prisão é correta ou não, mas o delegado está
lá, conversou com o policial que prendeu o sujeito, está na mesma estrutura do poder executivo, conhece o policial
civil que está fazendo as suas atividades, portanto, o delegado poderia ter a tendência de manter a prisão. Então
vai para o secretário de segurança pública, que está na mesma estrutura de poder; depois para o governador. É
tudo dentro do executivo, por isso é necessário alguém que esteja fora dessa estrutura, que não tem hierarquia
com ninguém.

Suponha que entre um chefe de executivo (como um governador) que não quer respeitar direito individual
algum; manda a polícia ser agressiva com todos e prender em quaisquer circunstâncias. Ele está mandando e
ninguém no executivo iria controlá-lo, por isso deve ter uma estrutura que faça esse controle. A ideia básica é que
se todas as funções de Estado forem concentradas nas mesas mãos, a tendência ao arbítrio seria irrefreável. Para
que haja respeito aos direitos individuais deve existir essa separação de poderes.

O outro motivo para essa separação é a especialização, que segundo as ciências da administração, tende
a levar a uma maior eficiência. A criação de órgãos especializados em fazer determinadas atividades, os agentes
especializados naquilo, tendem a fazer aquela atividade de maneira mais eficiente e adequada, mais bem feita do
que se tivesse a responsabilidade sobre tudo. Logo, a especialização leva a uma produtividade maior. Nessa linha
de raciocínio, separação de poderes existe basicamente para garantir o respeito aos direitos individuais, esse é o
ponto essencial, e para trazer maior eficiência na atuação administrativa.

Tripartição de Poder Tripartição de Poder

Tripartição de poder são blocos orgânicos (“tripartição de poder”, para alguns autores, porque o poder
seria uno e indivisível). Existem órgãos da mesma pessoa que exercem essas atividades (poder executivo, poder
legislativo e poder judiciário).

Objetivos básicos: garantir os próprios direitos individuais (teoria do “checks and balances”, que é estu-
dado profundamente em direito constitucional, ou teoria dos freios e contrapesos, que é exatamente o exemplo
do habeas corpus – um poder controlando o outro). Os órgãos policiais, tanto aa polícia civil, quanto da polícia
militar, quanto do corpo de bombeiro militar, são do poder executivo, então quando essa polícia abusa do poder,
consegue-se no outro poder – no judiciário – um freio. O poder judiciário vai contrabalancear essa ação da polícia,
vai refrear aquilo.

Às vezes é o poder legislativo que abusa do poder. Ele tem o direito de elaborar as leis, sua atribuição con-
stitucional é essa de elaborar as normas, no entanto, às vezes, ele abusa, como quando edita uma lei que contraria
a Constituição – uma lei inconstitucional –, e o que pode acontecer a partir disto? O poder judiciário, podendo ser
até provocado pelo executivo (o presidente da república ajuíza uma ação direta de inconstitucionalidade, pedindo
que o poder judiciário declare a inconstitucionalidade daquela lei editada pelo legislativo e expurgue esta lei do
ordenamento jurídico), age o checks and balances. Sabe-se que o poder executivo tem o poder – previsto no art.

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84, IV, da Constituição – de editar decretos para dizer como a lei será fielmente cumprida. Fala-se que compete
privativamente ao presidente da república sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, e como esse pedido de-
creta, regulamenta-se para sua fiel execução. Logo, quando o executivo edita um decreto dizendo como a lei será
cumprida, se o poder executivo exorbita e vai além do que diz a lei, a constituição diz que o poder legislativo pode
sustar esse ato do executivo.

Isto foi o legislativo controlando o executivo; e se, na realidade, o legislativo sustou quando o executivo
tinha razão? O judiciário pode controlar isso? Além do CNJ, que está dentro da estrutura judiciária, há alguns
tipos de controle prévios. A cúpula do Supremo Tribunal Federal é indicada pelos outros dois poderes (indicada
pelo presidente da república, passando por sabatina no Senado), mostrando a separação de poderes, que não é
estanque (não vivem sem a interferência um do outro), por dois motivos:

Um poder controla o outro, e – o mais importante motivo – essas funções (legislar, administrar e julgar) são
típicas de cada um desses poderes. No entanto, cada um desses poderes exercem as funções dos demais de
maneira atípica, por exemplo, aposentar alguém não é legislar, nem é julgar, é aplicar uma lei – função administra-
tiva típica do poder executivo –, mas quando um juiz pede aposentadoria, no judiciário, quem concede é o próprio
judiciário; quando um servidor pede férias, quem concede é o próprio poder judiciário. Quando o poder judiciário
faz essas atividades, ele está administrando, exercendo isso de maneira atípica. Esse mesmo exemplo vale para
o legislativo ao conceder férias, aposentadoria, licenças.

No caso do impeachment de Collor e o de Dilma, ambos os presidentes foram julgados e condenados pelo
Senado Federal, um poder jurisdicional atípico. O senado exerceu uma função jurisdicional que é função típica do
judiciário, e não do legislativo. Muitos consideram também que quando o poder executivo julga – analisa processos
administrativos e profere decisões – é uma função jurisdicional atípica (porém, isso é discutível, pois há algumas
peculiaridades no processo administrativo que serão estudadas mais a frente). Ninguém discorda que o poder
executivo, atipicamente, legisla, porque o presidente da república edita medidas provisórias com força de lei nos
casos de relevância e urgência, conforme previstos no art. 62 da Constituição Federal. Então:

Funções atípicas:

• Poder legislativo: legislativa ou normativa, e fiscalizatória;


• Poder judiciário: jurisdicional;
• Poder executivo: administrativa ou executiva.

Funções atípicas:

• Poder legislativo: administrativa e jurisdicional;


• Poder judiciário: normativa e administrativa;
• Poder executivo: jurisdicional e normativa.

Vistos esses aspectos, é importante analisar outra distinção: governo e administração. Palavras que são
usadas, de maneira equivocada, como sinônimas, mas estão em âmbito de atuação diferentes. Para essa análise,
será mais focado o poder executivo, visto que o estudo é sobre direito administrativo.

A função de governo é algo que está acima da função administrativa. Nela são tomadas decisões sobre
para que rumo o Estado vá tomar, o que ele fará – suas prioridades e políticas públicas –; como construir casas
populares e a quantidade delas, a melhoria da segurança pública, através de concursos e comprar de viaturas, por
exemplo. São decisões de governo. A atividade administrativa está justamente na definição de como concretar
essas decisões e necessidades. É a administração que lança editais de licitação sobre os veículos para viaturas,
por exemplo; ou seja, ela lida com as licitações e contratações. O governo diz o que é preciso para realizar suas
prioridades e a administração executa maneiras que atender a essas necessidades. Em suma:

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O governo discute politicamente isso, elaboram-se políticas públicas; é na atividade de governo que se
propõe até a lei orçamentária (política de inaugurar o processo legislativo orçamentário). Enquanto a administração
executa essas decisões tomadas pela política, há uma integração entre política e administração. Tanto que a
atuação do governo é política e a da administração é técnica/neutra (não cabe à administração decidir qual a
prioridade do Estado; ainda que discorde do governo, ela precisa executar as prioridades que ele tomou para
o Estado). O agente administrativo se quiser discutir sobre as decisões tomadas pelo governo, ele não pode, a
não ser que se torne candidato e eleito para ir ao parlamento. A administração deve agir de maneira neutra, uma
atuação para cumprir as decisões de governo.

A administração tem uma atuação vinculada à lei ou à norma técnica. O governo pode até propor mudança
da lei, como foi visto em relação ao orçamento em que o executivo propõe lei orçamentária, mas a administração
vai, de maneira neutra e técnica, necessariamente cumprir o que está lei.

As decisões políticas são independentes e discricionárias, pois o parlamentar/chefe do executivo decide de


maneira independente. Enfatizando no executivo, o chefe dele decide de maneira independente onde, voltando à
norma do orçamento, serão aplicados mais recursos (em segurança, em saúde, etc. – nesses casos, teria de apli-
car mais que o patamar mínimo), o que ele vai priorizar. É uma decisão que ele toma de acordo com conveniência;
ele venceu a eleição e precisa ter autonomia para conseguir executar da melhor maneira possível o problema de
governo.

Enquanto a administração, não há conduta, é hierarquizada. Por exemplo, no Ministério da Fazenda há o


ministro da fazenda, seguido do secretário da Receita Federal, seguido de várias autoridades, hierarquicamente,
de forma que a autoridade superior tem poder de mando sobre autoridade que está imediatamente abaixo. E no
que concede à administração, o caráter é instrumental; instrumento é algo que existe para atender determinada
atividade, é para realizar algo, então a administração é um instrumento na mão do governo.

Sentidos da expressão Administração Pública

Sentido Subjetivo (refere-se aos sujeitos): “Administração Pública” designa os entes que exercem as
funções administrativas, compreendendo as pessoas jurídicas, os órgãos e os agentes incumbidos dessas funções.

Logo, quando se fala que “a administração pública fez”, está dizendo que alguém fez, referindo-se ao órgão,
como, por exemplo, “a autarquia que fez aquilo”, quem fez foi sujeito da administração pública.

Sentido Objetivo (atividade): Caracterizada pela própria atividade administrativa exercida pelo Estado e
por meio de seus agentes e órgãos.

Às vezes se fala em administração no sentido da atividade de administrar, ou seja, certo órgão exerceu certa
atividade; o órgão é a Administração Pública. O órgão que fez algo, ele é o sujeito da frase (na língua portuguesa).
“A receita federal fiscalizou”, a receita é Administração Pública, e a fiscalização é uma atividade da Administração
Pública.

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Para lembrar-se disto com facilidade: “Administração Pública exerce a atividade administração pública”.
A ideia é que o sujeito é quem faz certa coisa, é da Administração Pública; e essa atividade administrativa é da
Administração Pública, por exemplo, atividade de fomento, atividade de fiscalização, atividade de controle, entre
outras. O sujeito que faz é a Administração Pública em sentido subjetivo e o que ele faz é Administração
Pública em sentido objetivo.

Administração Pública em sentido material

Seguindo com os conceitos iniciais, falemos agora da Administração Pública em sentido material. O sentido
objetivo é basicamente o que é significa a atividade. A atividade material é o conjunto de atividades que contribuem
direta (atividades-fim) ou indiretamente (atividades-meio) para as seguintes atuações estatais:

a) Polícia Administrativa – será estudado o exercício do poder de polícia, como no âmbito da fiscalização, por
exemplo, vigilância sanitária ao verificar estabelecimentos está cumprindo as regras, exercendo o poder de polícia;
b) Intervenção – quando o Estado intervém em uma situação social, ou em uma situação econômica, como
vender estoques reguladores para baixar o preço de determinada mercadoria, seria atuação administrativa de
intervenção;
c) Fomento – quando o BNDS financia certos empreendimentos, concede crédito barato, juros baixos, para
fomentar (incentivar);
d) Serviço Público – presta-se determinado serviço público, como o serviço público de saúde. O médico que
está atendendo o paciente, no final das contas, é uma atividade do poder público; prestar um serviço público é uma
atividade, sobre certa ótica, administrativa. Essa é a atividade-fim.

Tudo isso acaba sendo atividade administrativa. Contudo, fala-se muito da atividade-fim, mas por trás de
cada atividade-fim existem várias atividades-meio e todas são Administração Pública, no sentido material; con-
tribuem direta ou indiretamente para estas atividades. Por exemplo, quando a vigilância sanitária fiscaliza, ela
exerce uma atividade-fim, mas para isso acontecer é precisa fazer concurso para nomear os fiscais da vigilância
sanitária e isso é uma atividade-meio; em um hospital, a licitação para comprar os equipamentos que são utilizados
pela equipe médica é uma atividade-meio. Mas é tudo atividade administrativa.

Administração em sentido amplo e sentido estrito

Essa classificação é semelhante a algo que já foi vista anteriormente, quando se falou em Administração
Pública em sentido subjetivo e em sentido objetivo (sendo em sentido subjetivo os órgãos e as entidades, e em
sentido objetivo atividades, políticas públicas, execução de políticas, etc.). Entretanto, aqui a ideia é basicamente
que o sentido amplo vai compreender mais coisas dentro de si e o sentido estrito é mais restrito, compreendendo
apenas uma parte do que está dentro do amplo. O sentido restrito é, obviamente, menos abrangente do que o
sentido amplo, então terá um sentido amplo e um sentido restrito tanto para definição da Administração Pública em
sentido objetivo, quanto em sentido subjetivo.

Quando for falar em Administração Pública em sentido amplo e for olhar a questão subjetiva, terão mais su-
jeitos envolvidos no conceito de Administração Pública do que quando for olhar a Administração Pública em sentido
subjetivo, têm no sentido estrito menos sujeitos.

Sentido amplo:

a) Aspecto subjetivo: órgãos constitucionais de Governo e órgãos administrativos subordinados;


b) Aspecto objetivo: formulação de políticas públicas (função de Governo) e execução dessas políticas
(função administrativa).

Sentido estrito:

a) Aspecto subjetivo: órgãos administrativos subordinados;


b) Aspecto objetivo: execução das políticas públicas (função administrativa).

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Apesar de ser aspecto mais de governo, a formulação das políticas públicas está aqui ligando uma coisa à
outra, governo à administração. Não é uma atividade exatamente administrativa, mas o Governo formula políticas
públicas e a administração as executa. Há quem use a expressão Administração Pública num sentido tão amplo
que abrange toda a parte de órgãos públicos, tanto os órgãos de governo, que são os órgãos que formulam políti-
cas públicas, quanto aqueles que são órgãos de administração, que são os que executam politica pública.

Quando se fala em ser rigoroso é o sentido estrito: sendo rigoroso, a administração pública só compreende
os órgãos subordinados ao Governo; a administração pública é instrumental do Governo. Mas em sentido amplo,
podem-se incluir todos os órgãos públicos, inclusive os de Governo e os órgãos subordinados. Então, por isso no
sentido amplo a administração abrange no aspecto subjetivo os órgãos tanto os de governo quanto os subordina-
dos, e no aspecto objetivo, tanto o que o governo faz (a formulação de políticas públicas) quanto o que os órgãos
administrativos fazem (a execução dessas politicas).

O sentido estrito, que é o sentido adequado para usar a expressão mais técnica, de acordo com as definições
anteriores, no aspecto subjetivo não vai englobar órgãos de governo, porque função de governo é diferente de
função de administração, ele vai englobar apenas os órgãos administrativos subordinados. No aspecto objetivo,
ele vai englobar apenas a execução das políticas públicas.

É preciso cuidado para não confundir, porque essa última classificação pode atrapalhar, visto que, em
sentido amplo, ela contradiz o que foi dito anteriormente. Sempre nas classificações jurídicas quando fala em
sentido amplo, é uma expressão que vai abranger coisas que não são exatamente aquelas as esperadas para
uma maneira técnica, porque o exatamente é o sentido estrito; em sentido estrito, órgão de governo não é órgão
administrativo. Em sentido estrito, atividade de formulação de política pública não é atividade administrativa,
apenas no sentido amplo. Além do governo, terão órgãos subordinados ao governo, que em sentido estrito só há
a parte subordinada, só o instrumental à disposição do governo.

Então, o sentido mais adequado para ser utilizado é o sentido estrito, porém em prova, de vez quando,
pergunta-se o que seria administração pública em sentido amplo; falou em sentido amplo será mais abrangente
(incluindo aquilo que aprendeu ser governo). Mas em questões que perguntam a diferença de Governo para
Administração, só precisa incluir o que está aqui colocado como administração em sentido estrito.

Com isso, conclui-se este bloco. No próximo, continua a análise do direito administrativo.

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