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O que é isto: a Filosofia?

Se essa pergunta continua a ser feita


é porque é um desafio a tentativa de respondê-la. Não há uma
definição simples que consiga resolver a questão, pela própria
extensão do conteúdo produzido que se convencionou chamar
de “filosofia” e pelas diferentes respostas que os filósofos
deram a ela no decorrer da história, muitas vezes refutando as
interpretações de outros. Ou seja, a própria questão “O que é
Filosofia” é aquilo que chamamos de “problema filosófico”:
problemas que só podem ser resolvidos por meio da
investigação racional, pois não podem ser constatados por meio
de uma experimentação, como faz a Matemática, através de
cálculos, ou de análise de documentos, como faz a História, por
exemplo.
Vamos tomar a palavra “Justiça” como exemplo, pelo método
histórico, nós podemos fazer uma investigação de quando essa
noção aparece, em qual contexto, quais foram seus
antecedentes, qual o sentido essa palavra teve em determinada
época. Se dois sócios querem dividir os lucros da empresa de
forma justa, ou seja, dividindo igualmente o lucro e os custos,
a Matemática pode nos ajudar a partir de cálculos. No entanto,
se tentarmos responder “O que é a justiça?” ou: “Faz parte da
condição humana a noção de justiça?”, o único recurso que
teremos será a nossa razão, a nossa capacidade de pensar.
Desde a invenção da palavra “filosofia”, por Pitágoras, temos
diversos problemas filosóficos e diversas respostas a cada um
deles. Para os pré-socráticos: a physis; para a Filosofia Antiga: a
atividade política, técnicas e ética do homem; para a Filosofia
Medieval, o conflito entre fé e razão, os Universais, a existência
de Deus, a conciliação entre Presciência divina e Livre-arbítrio;
para a Filosofia Moderna, o empirismo e o racionalismo, para
a Filosofia Contemporânea,diversos problemas a respeito da
existência, da linguagem, da arte, da ciência, entre outros.
Temos também uma diversidade de formas literárias da
filosofia: Parmênides escreveu em forma de
poema; Platão escreveu diálogos; Epicuro escreveu
cartas; Tomás de Aquinodesenvolveu o método “questio
disputatio” em suas aulas que foram transcritas por seus
alunos;Nietzsche escreveu em forma de aforismos. Por esses
exemplos, que não esgotam a pluralidade da escrita e da
atividade filosófica, podemos compreender que as formas de se
fazer filosofia vão muito além dos tratados e das dissertações.
A compreensão que temos por vezes da Filosofia como uma
atividade reservada a gênios e que, portanto, não precisa se
preocupar em se fazer entendida aos demais humanos é
baseada em uma compreensão da atividade do pensamento
sendo superior à atividade da linguagem, como se elas
estivessem dissociadas. Ora, não podemos ainda, por mais
desenvolvidas que estejam as nossas tecnologias, expressar o
pensamento sem linguagem e nem exercitar a linguagem sem
que ela seja, antes, elaborada pelo pensamento.

Surgimento da Filosofia
A Filosofia, como conhecemos hoje, ou seja, no sentido de um
conhecimento racional e sistemático, foi uma atividade que,
segundo se defende na história da filosofia, iniciou na Grécia
Antiga formada por um conjunto de cidades-Estado
(pólis) independentes. Isso significa que a sociedade grega
reunia características favoráveis a essa forma de expressão
pautada por uma investigação racional. Essas características
eram: poesia, religião e condições sociopolíticas.
A partir do século VII a.C., os homens e as mulheres não se
satisfazem mais com uma explicação mítica da realidade. O
pensamento mítico explica a realidade a partir de uma
realidade exterior, de ordem sobrenatural, que governa a
natureza. O mito não necessita de explicação racional e, por
isso, está associado à aceitação dos indivíduos e não há espaço
para questionamentos ou críticas.
É em Mileto, situado na Jônia (atual Turquia), no século VI a.C.
que nasce Tales que, para a Aristóteles é o iniciador do
pensamento filosófico que se distingue do mito. No entanto, o
pensamento mítico, embora sem a função de explicar a
realidade, ainda ecoa em obras filosóficas, como as de Platão,
dos neoplatônicos e dos pitagóricos.
A autoria da palavra “filosofia” foi atribuída pela tradição
a Pitágoras. As duas principais fontes sobre isso
são Cícero e Diógenes Laércio. Vejamos o que escreve Cícero:
“O doutíssimo discípulo de Platão, Heráclides Pontico, narra que
levaram a Fliunte alguém que discorreu douta e extensamente com
Leonte, príncipe dos fliúncios.
Como seu engenho e eloquência tivessem sido apreciados por Leonte,
este lhe perguntou que arte professasse, ao que ele respondeu que
não conhecia nenhuma arte especial, mas que era filósofo.
Admirado Leonte diante da novidade daquele termo, perguntou que
tipo de pessoas eram os filósofos e o que os distinguia dos outros
homens.
(...)
[Pitágoras respondeu] Outrossim, os homens (…) comparam-se com
os que vão da cidade a uma festa popular: alguns vão em busca de
glória enquanto outros de ganho, restando, todavia, alguns poucos
que desconsiderando completamente as outras atividades,
investigam com afinco a natureza das coisas: estes se dizem
investigadores da sabedoria - quer dizer filósofos - e como é bem mais
nobre ser espectador desinteressado, também na vida a investigação
e o conhecimento da natureza das coisas estão acima de qualquer
outra atividade”.
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Percebemos, por meio desse fragmento de Cícero que:
1) A fonte na qual ele se baseia para escrever sobre Pitágoras é
Heráclides Pontico, discípulo de Platão, mas que era também
influenciado pelos pitagóricos. No entanto, não se sabe da
veracidade a respeito dessa informação, como nota Ferrater
Mora que também observa que não é possível saber se “filósofo”
para Pitágoras significa o mesmo que significaria para Platão ou
Aristóteles.
2) Pitágoras em vez de se denominar como “sábio”, prefere se
denominar “filósofo”, ou seja, aquele que tem amor pela
sabedoria. Também percebemos que aparece nome “filósofo”
e não “Filosofia” que, como atividade, tem origem posterior.
Como se pode ver no fragmento, não havia na época uma “arte
especial”.

O que alguns filósofos dizem sobre O que é a Filosofia:


Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.): “A admiração sempre foi, antes
como agora, a causa pela qual os homens começaram a filosofar: a
princípio, surpreendiam-se com as dificuldades mais comuns; depois,
avançando passo a passo, tentavam explicar fenômenos maiores,
como, por exemplo, as fases da lua, o curso do sol e dos astros e,
finalmente, a formação do universo. Procurar uma explicação e
admirar-se é reconhecer-se ignorante."
Epicuro (341 a . C. - 270 a . C.): "Nunca se protele o filosofar quando
se é jovem, nem o canse fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém
é jamais pouco maduro nem demasiado maduro para conquistar a
saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou
ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já
passou a hora de ser feliz."
Edmund Husserl (1859-1938): "O que pretendo sob o título de
filosofia, como fim e campo de minhas elaborações, sei-o
naturalmente. E contudo não o sei... Qual o pensador para quem, na
sua vida de filósofo, a filosofia deixou de ser um enigma?"
Friedrich Nietzsche (1844-1900): “Um filósofo: é um homem que
experimenta, vê, ouve, suspeita, espera e sonha constantemente
coisas extraordinárias; que é atingido pelos próprios pensamentos
como se eles viessem de fora, de cima e de baixo, como por uma
espécie de acontecimentos e de faíscas de que só ele pode ser alvo;
que é talvez, ele próprio, uma trovoada prenhe de relâmpagos novos;
um homem fatal, em torno do qual sempre tomba e rola e rebenta e
se passam coisas inquietantes”. (Para além do bem e do mal, p.
207)
Kant (1724-1804): “Não se ensina filosofia, ensina-se a filosofar”.
Ludwig Wittgenstein (1889-1951): "Qual o seu objetivo em
filosofia? - Mostrar à mosca a saída do vidro."
Maurice Merleau-Ponty (1908-1961): "A verdadeira filosofia é
reaprender a ver o mundo."
Gilles Deleuze (1925-1996) e Félix Guattari (1930-1993): "A
filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos... O
filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência... Criar
conceitos sempre novos é o objeto da filosofia."
Karl Jaspers (1883-1969): “As perguntas em filosofia são mais
essenciais que as respostas e cada resposta transforma-se numa nova
pergunta” (Introdução ao pensamento filosófico, p. 140).
García Morente (1886-1942): “Para abordar a filosofia, para
entrar no território da filosofia, é absolutamente indispensável uma
primeira disposição de ânimo. É absolutamente indispensável que o
aspirante a filósofo sinta a necessidade de levar seu estudo com uma
disposição infantil. (…) Aquele para quem tudo resulta muito natural,
para quem tudo resulta muito fácil de entender, para quem tudo
resulta muito óbvio, nunca poderá ser filósofo”. (Fundamentos de
filosofia, p. 33-34)
(Com exceção das citações de Nietzsche, García Morente e Karl
Jaspers, as demais foram transcritas conforme citadas por Sílvio
Gallo em “Ética e Cidadania – Caminhos da Filosofia, p. 22)
Cicerone, Le Discussioni di Tuscolo, 2 vol. Zanichelli, Bologna,
1990.
GALLO, Silvio. Ética e Cidadania – caminhos da filosofia. São
Paulo: Papirus, 2002.
GARCIA MORENTE, Manuel. Fundamentos da Filosofia. São Paulo:
Mestre Jou, 1970.
JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo,
SP: Cultrix.
Nietzsche. Para além do bem e do mal. Prelúdio a uma filosofia do
futuro. São Paulo: Martin Claret, 2007.

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