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DIAS, Cleber o Esporte e A Cidade Na Historiografia Brasileira Uma Revisão Crítica
DIAS, Cleber o Esporte e A Cidade Na Historiografia Brasileira Uma Revisão Crítica
34 |Dossiê
Uma história do esporte para
um país esportivo
Resumo
Pesquisas têm apontado a urbanização como um dos principais vetores explicativos da emergência
histórica dos esportes. Este trabalho pretendeu revisitá-las criticamente, apontando casos de regi-
ões pouco urbanizadas que conheceram práticas esportivas. Esse processo, além disso, irradiou-se
de diferentes pontos, impedindo a identificação de um único centro responsável por isto, como às
vezes sugere-se.
Palavras-chave: história; esporte; urbanização.
1
Ralph C. Wilcox, David L. Andrews, “Sport in the city: cultural, economic, and political portraits”, In: Ralph C.
Wilcox, David L. Andrews, Robert Pitter, Richard L. Irwin. (eds.), Sporting Dystopias: the making and meanings
of urban sport cultures, New York, State University of New York Press, 2003, p. 1-16.
2
Dale Somers, The rise of sports in New Orleans, 1850-1900, Baton Rouge, Lousiana State University Press, 1972.
3
Stephen Hardy, How Boston played: sport, recreation, and community, 1865-1915, Boston, Northeastern
University Press, 1982.
4
Steve Riess, City games: the evolution of American urban society and the rise of sports, Chicago, University
of Illinois Press, 1989.
5
Para uma síntese a respeito das relações entre áreas urbanas e rurais, ver Maria Cristina Cortez Wissenbach,
“Da escravidão à liberdade: dimensões de uma privacidade possível”, In: Nicolau Secvenko (org.), História da
vida privada no Brasil, vol. 3, São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 513-619.
6
Sobre a história do esporte nessas cidades, bem como sua relação com o processo de urbanização, ver
os artigos da coletânea organizada por Victor Melo (org.), Os sports e as cidades brasileiras: transição dos
séculos 19 e 20, Rio de Janeiro, Apicuri/Faperj, 2010.
7
Cesar R. Torres, “South America”, In: Steven W. Pope, John Nauright (eds.), Routledge companion to sports
history, New York, Routledge, 2009, p. 553-569.
8
Para dados até 1920 (nos intervalos de 1872, 1890 e 1900), c.f. Brasil, Anuário estatístico do Brasil. Rio de
Janeiro, Typographia do Departamento de Estatística e Publicidade, 1936, p. 46. Para 1960, ver Brasil, Anuário
Estatístico do Brasil. Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1960, p. 22.
9
Nicolau Secvenko, “A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio”, In: ______. (org.), História da vida privada
no Brasil, vol. 3, São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 513-619.
10
Gilmar Mascarenhas, “Construindo a cidade moderna: a introdução dos esportes na vida urbana do Rio de
Janeiro”, Estudos Históricos, Rio de Janeiro, jun. 1999, p. 17-39. (http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/
article/viewArticle/2086).
11
Leonardo Affonso de Miranda Pereira, “Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro, 1902-
1938”, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2000.
12
Fabio Franzini, “Esporte, cidade e modernidade: São Paulo”, In: Victor Melo (org.), Os sports e as cidades
brasileiras: transição dos séculos 19 e 20, Rio de Janeiro, Apicuri/Faperj, 2010, p. 49-70.
13
Nicolau Secvenko, Orfeu extático na metrópole, São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20, São
Paulo, Companhia das Letras, 1992, p. 44.
14
Ibidem, p. 19 e 52, respectivamente.
15
Victor Melo, Cidadesportiva: primórdios do esporte no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Relume-Dumará/
Faperj, 2001, p. 14.
16
Evaldo Cabral de Mello, “A festa da espoliação”. Jornal do Commercio, Pernambuco, 22 de janeiro de 2008,
apud, José Murilo de. Carvalho, “D. João e as histórias dos Brasis”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 28,
n. 56, 2008, p. 557. Segundo a definição oferecida pelo próprio autor, referindo-se, mais especificamente, à
constituição do federalismo brasileiro, tradição saquarema da historiografia brasileira seria “a historiografia
da corte fluminense e dos seus epígonos na República, para quem a história da nossa emancipação política
reduz-se à da construção do Estado unitário. Nesta perspectiva apologética, a unidade do Brasil foi concebida
e realizada por alguns indivíduos dotados de grande descortínio político, que tiveram a felicidade de nascer
no triângulo Rio-São Paulo-Minas [...]” — Evaldo Cabral de Mello, “Frei Caneca ou a outra Independência”,
In: ______. (org.), Frei do Amor Divino Caneca, São Paulo, Editora 34, 2001, p. 16.
17
Fabio Franzini, Corações na ponta da chuteira: capítulos iniciais do futebol brasileiro (1919-1938), Rio de
Janeiro, DP&A, 2003, p. 11.
18
Cleber Dias, “O surfe e a moderna tradição brasileira”. Movimento, Porto Alegre, vol. 15, n. 4, 2009, p. 258
(http://seer.ufrgs.br/Movimento/article/view/5537). Para uma autocrítica a partir do caso de surfe em Salvador,
que se desenvolve sem quaisquer referências aos episódios do Rio de Janeiro, ver Cleber Dias, “Vaca longa:
re-pensando a historiografia brasileira do esporte a partir do surfe na Bahia”. Recorde, Rio de Janeiro, vol. 4,
n. 2, 2011 (http://www.sport.ifcs.ufrj.br/recorde/pdf/recordeV4N2_2011_21.pdf).
19
No Brasil, diversos trabalhos do geógrafo Gilmar Mascarenhas de Jesus têm sublinhado essa multiplicidade
de caminhos para o desenvolvimento, especificamente, do futebol no país, o que talvez possa ser estendido,
com utilidade, ao estudo de outras modalidades. Como exemplo, ver Gilmar Mascarenhas de Jesus, “A via
platina da introdução do futebol no Rio Grande do Sul”. Lecturas, Buenos Aires, año 5, n. 26, 2000.
20
Gilmar Mascarenhas de Jesus, “A via platina da introdução do futebol no Rio Grande do Sul”. Lecturas,
Buenos Aires, año 5, n. 26, 2000.
21
Ana Maria Daou, A belle époque amazônica, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2008.
22
Maria Lígia Coelho Prado, Maria Helena Rolim Cappelato, “A borracha na economia brasileira da Primeira
República”. In: Sergio Buarque De Holanda (dir.), História geral da civilização brasileira, tomo III, vol. 1, 8. ed. Rio
de Janeiro, Bertrand Brasil, 1989, p. 300.
23
Patroni, “Na arena”, O liberal do Pará, Belém, 02 out. 1889, n. 222, p. 3.
24
Sport-Club do Pará, Relatório apresentado pela Directoria do Sport-Club do Pará em sessão de Assembleia
Geral de 30 de janeiro de 1904, Belém, Secção de Obras d’A Província do Pará, 1904.
25
Ver Givanildo Alves, História do futebol em Pernambuco, 2 ed., Recife, Bagaço, 1998; Coriolano Pereira Rocha
Junior, Fernando Reis do E. Santo, “Futebol em Salvador: o início de uma história (1899-1920)”, Movimento,
Porto Alegre, vol. 17, n. 3, p. 2011, p. 79-95 (http://seer.ufrgs.br/Movimento/article/view/17683); Claunísio Amorim
Carvalho, Terra, grama e paralelepípedos: os primeiros tempos do futebol em São Luis (1906-1930), São Luis,
Café & Lápis, 2009. Aliás, muitas das cidades do Norte e do Nordeste estabeleceram forte intercâmbio entre
si. Por volta do início da década de 1920, foram comuns as competições e os festivais entre times de Recife,
Belém, Manaus, São Luís e Parnaíba, no Piauí.
26
Para uma descrição da Copa dos Rios, ver Mario Magalhães, Viagem ao país do futebol, São Paulo, DBA
Artes Gráficas, 1998. Outro bom exemplo seria o Campeonato de Peladas do Amazonas, popularmente
conhecido como “Peladão”. Realizado desde 1973, o torneio reúne atualmente mais de 27.000 jogadores,
distribuídos em mais de 1.000 equipes, que se enfrentam em 80 campos de futebol por seis meses (c.f. Alex
Bellos, Futebol: o Brasil em campo, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2002, especialmente capítulo 11).
27
José Eli da Veiga, Cidades imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se imagina, Campinas, Autores
Associados, 2002.
28
Cleber Dias. “Primórdios do futebol em Goiás, 1907-1936”. Revista de História Regional, Maringá, vol. 18, n. 1,
no prelo.
29
Gazeta de Catalão, 20 dez. 1910, apud, Antônio Miguel Jorge Chaud, Memorial do Catalão, Goiânia, Editora
do Autor, 2000.
30
Barsanufo Gomes Borges, O despertar dos dormentes, Goiânia, Editora da Universidade Federal de Goiás,
1990; Ana Lúcia da Silva, A revolução de 30 em Goiás, 2 ed., Goiânia, Cânone, 2005.
31
Wilson Cavalcanti Nogueira, Pires do Rio: marco da historia de Goiás, Goiânia, Roriz, 1977, p. 33.
32
Nova estrada para carro de bois. Correio Official, Goyaz, 04 de setembro de 1920, n. 287, p. 11.
33
Brasil, Recenseamento geral do Brasil, vol. 21, Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, 1952, p. 94.
34
Joaquim Rosa, Por esse Goiás afora, Goiânia, Cultura Goiana, 1974, passim.
35
c.f. Cleber Dias, Primórdios do futebol em Goiás, 1907-1936, Revista de História Regional, Maringá, vol. 18, n. 1, no prelo
36
Ibidem.
37
Em 1927, o antropólogo Helbert Baldus, em visita à aldeia Guarani do Bananal, no interior do Estado de São
Paulo, registrava a existência de um “campo de football que satisfaria a qualquer sport-club branco. Alguns
têm até uniformes e sapatos de footballistas” (Herbert Baldus, “Ligeiras notas sobre os índios Guarani do
litoral paulista”, Revista do Museu Paulista, São Paulo, vol. 16, 1929, p. 88). Entre 1958 e 1964, realizando trabalho
de campo entre os Xavantes, no Mato Grosso, David Maybury-Lewis também registrara “a paixão, ou pode-
se mesmo dizer, o vício do futebol”. De acordo com ele, já naquela época, “todos jogavam, jovens e velhos,
e a toda hora” (David Maybury-Lewis, A sociedade xavante, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1984, p. 61). Para
uma síntese de registros etnográficos mais recentes do envolvimento indígena com esportes, ver Cleber
Dias, Esporte, lazer e culturas tradicionais, In: Ana Márcia Silva; José Luíz Cirqueira Falcão; Tatiana Tucunduva
(orgs.), Práticas corporais em comunidades quilombolas de Goiás, Goiânia, Editora da PUC/GO, 2011, p. 93-117.
38
c.f. Cleber Dias, “A Igreja, o Estado e a bola: história do esporte entre os índios do Brasil Central”. Pensar a
Prática, Goiânia, vol. 15, n. 1, 2012, p. 148-175 (http://www.revistas.ufg.br/index.php/fef/article/view/17069).
39
Manuel Silvino Bandeira de Mello, Relatório apresentado ao Snr. Tenente-Coronel Alencarliense Fernandes
da Costa, Goiás, Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, 1931, parte segunda, quadro número 23, s./p.
Considerações finais
A crítica que apresentei à urbanização e ao crescimento das cidades como
variável explicativa da emergência histórica dos esportes não pretende negar
a correlação entre ambas as entidades: os esportes e as cidades. Em várias si-
tuações, os dois fenômenos estiveram, de fato, historicamente relacionados,
conforme demonstram diversos estudos. Tais elementos, porém, não neces-
sariamente estiveram presentes em todas as situações, como este trabalho es-
forçou-se por mostrar. O florescimento de práticas esportivas em ambientes
pouco ou nada urbanizados às vezes nem sequer sofreu influências significa-
tivas de centros metropolitanos. Nesses casos, outras regiões da hinterlândia
impulsionavam o incremento do esporte.
40
Durval Rosa Sarmento Borges, Rio Araguia: corpo e alma, São Paulo, Ibrasa, 1986, p. 360.
41
C.f. Luis de Gusmão, O fetichismo do conceito: conhecimento teórico na investigação social. Rio de Janeiro:
Topbooks, 2012.
42
Isaiah Berlin, O sentido da realidade, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1999, p. 24.