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METODOLOGIA FENOMENOLÓGICA

O Método de Análise e Síntese Pertinente a Agroecologia

A fenomenologia nos dá “o
discernimento do bem, belo
e verdadeiro” (MIKLÓS, 2000)

A palavra fenômeno vem do grego e é composta pelos termos “phen” que


significa manifestação, revelação, expressão e “nomen” que significa nome,
essência. A língua portuguesa define fenômeno como “tudo quanto é percebido
pelos sentidos ou pela consciência; tudo que se observa de extraordinário no ar ou
no céu; tudo que é objeto de experiência possível, isto é, que se pode manifestar no
tempo e no espaço segundo as leis do entendimento (DICIONÁRIO AURÉLIO,
1988).
A Metodologia Fenomenológica é o método que procura extrair o
entendimento dos fenômenos, o significado, a essência das manifestações. É o que
definiu Luiz Carlos Pinheiro Machado, engenheiro agrônomo, especialista em
Pastoreio Racional Voisin, ex-presidente da EMBRAPA, como “Diálogo com a
Natureza”, procurando decifrar e entender as manifestações, os acontecimentos, os
sinais da natureza, os fenômenos naturais, diz também que “quando não se entende
o fenômeno, é problemática qualquer ação sobre ele” (MACHADO, 2010, p. 69).
Alberto Feiden, engenheiro agrônomo, doutor em Ciências do Solo da
Embrapa Agroecologia nos diz que:

...o instrumento fundamental para o estudo dos fenômenos agrícolas de


uma forma mais integrada é o desenvolvido pela ecologia (ODUM, 1988),
ciência integradora que permite uma compreensão global dos fenômenos
isolados, por meio dos conceitos de comunidades, ecossistemas e
propriedades emergentes, entre outros. Esses conceitos foram adaptados
por Altieri (1989, 2000, 2002), e Gliessman (2001), aos sistemas agrícolas,
criando o conceito de agroecossistema (AQUINO, 2005, p. 52).

Do ponto de vista etimológico a palavra fenologia é a forma contraída de


fenomenologia e é o ramo da ecologia que estuda os fenômenos periódicos (ciclos)
dos seres vivos e suas relações com o ambiente (temperatura, luz, umidade).
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Segundo Fábio R. Marin (Embrapa) a fenologia estuda as mudanças exteriores


(morfologia) e as transformações que estão relacionadas ao ciclo da cultura. Gil
Miguel de S. Camara, ESALQ-USP nos diz que a fenologia é a ferramenta auxiliar
de técnicas de produção. De tal forma que todas as “tomadas de decisão” e suas
respectivas “recomendações técnicas” devem estar fundamentadas na familiaridade
que o produtor ou o responsável técnico pela produção tenha com os diferentes
estádios de desenvolvimento de planta cultivada e suas necessidades.
Machado L.C.P. (pp. 126 a 131) nos dá uma noção muito consistente, prática
e utilitária do que seja a fenomenologia (fenologia) ao observar o Ponto Ótimo de
Repouso de uma pastagem, ou seja, a hora certa de por o gado para pastorear um
piquete.
Edgar Morin, ilustre educador e pensador contemporâneo que formula o
“pensamento integral”, ou o “pensamento complexo”, pesquisador emérito do
CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique) nos diz:

...consideramos que não existe nada sob, sobre e fora dos fenômenos, que
o virtual é pura e simplesmente irreal, e então tudo o que é vivo é
fenomênico, inclusive o genos, o qual se inscreve no fenon, sob a forma
de genoma. Ou consideramos como unicamente dignos de atenção os
princípios organizadores que geram as coisas visíveis e, então, a vida
fenomênica não é mais do que a expressão da realidade mais profunda
do genos. Toda operação viva comporta uma determinação genética. Não
existe nada vivo sem os genes. O DNA precisa sempre de um invólucro
fenomênico para se reproduzir. Assim os genes só operam enquanto
genes nas células vivas. Todo fenômeno de vida constitui, de certo modo,
um genofenômeno,... (MORIN, 2011, p. 133 a 143).

Marx, nos seus Manuscritos Econômicos e Filosóficos (1844) (citado por


FOSTER, 2014, p. 107) afirma: “O homem vive da Natureza, isso é, a Natureza é o
seu corpo, e ele precisa manter um diálogo contínuo com ela se não quiser morrer”.
Marx afirma ainda:

A percepção dos sentidos precisa ser a base de toda ciência. Apenas


quando a ciência parte da percepção dos sentidos na forma dual (dialética)
da consciência sensorial e da necessidade sensorial – isto é, só quando a
ciência parte da natureza – ela é ciência real.

É, então, a fenomenologia um método dialético, pois, considera as coisas e os


conceitos no seu encadeamento (onde tudo se transforma); suas relações mútuas,
sua ação recíproca e as decorrentes modificações mútuas, seu nascimento, seu
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desenvolvimento, sua decadência (onde tudo se relaciona), de acordo com Engels,


Anti-Duhring (1950), citado por Foster (2014).
É o método que nos permite compreender que o ovo cresce quantitativamente
na galinha e que se transforma, que muda qualitativamente ao nascer uma nova
galinha, única, sem igual. É o que nos permite compreender que os objetos e os
fenômenos da natureza supõem contradições internas, porque todos têm um lado
negativo e um lado positivo; um passado e um futuro; todos têm elementos que
desaparecem e elementos que se desenvolvem; estas contradições, a luta entre o
velho e o novo, entre o que morre e o que nasce, entre o que perece e o que evolui,
é o conteúdo interno do processo de desenvolvimento, da conversão das
mudanças quantitativas em mudanças qualitativas.
A dialética é um método de análise e síntese, é um modo de ver as coisas e
entender a realidade, a vida; “é o método... que por meio dos conceitos de
particularidade, singularidade e universalidade, podem integrar o estudo das partes
com o todo” (FEIDEN, 2005, p. 52).
A fenomenologia é o método que considera a realidade do movimento, da
mudança incessante e da transformação tendendo à estabilidade, ao equilíbrio, ao
repouso, à morte. Nos permite compreender o fenômeno da homeostase da vida.
A fenomenologia nos permite a percepção da paisagem e do Homem e muito
contribui na busca de respostas para as questões da relação Homem – Natureza e
do desenvolvimento humano, capacitando o Homem a reconhecer as causas das
coisas, a quididade, a essência das coisas, dos seres vivos, do ser humano, da
sociedade e de suas inter-relações.
Wolfgang Von Goethe (1749/1832) entendeu que a percepção visual era a
porta para o entendimento da “forma orgânica” e viu a natureza como “um grande
todo harmonioso”. Este entendimento da forma orgânica motivou Kant (1724/1804)
a entender que o conhecimento científico precisava ser suplementado com a
“compreensão da vida” (MERCHANT, 1994). Louis Pasteur (1822/1895) observou
que: a ciência avança por meio de respostas provisórias até uma série de questões
cada vez mais sutis, que se aprofundam cada vez mais na essência dos fenômenos
naturais. Esta compreensão da vida fez o médico e fisiologista Claude Bernard
(1813/1878) formular a ideia da estreita e íntima relação entre um organismo e o seu
meio ambiente e a tendência ao equilíbrio destas relações, o que deu base à noção
e concepção dos fenômenos da homeostase e da sinergia e de que o
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comportamento de um organismo (sistema vivo) como um todo integrado não pode


ser entendido somente a partir do estudo de suas partes isoladamente Daí o famoso
enunciado sistêmico, orgânico, holístico: “o todo é maior do que a soma de suas
partes”.
A metodologia fenomenológica acrescenta ao método científico cartesiano
(que é racional, objetivo, quantitativo, mecanicista, analítico, explicativo, dissociativo,
catabólico) a emoção, a síntese, o anabólico, o associativo, o solidário, o sutil, a
intuição, a qualidade, a sinergia, o vital, o todo. A metodologia cartesiana é
necessária ao entendimento das coisas, mas não é suficiente para a compreensão
do vivo, do orgânico, do todo. Niels Bohr deixa isso muito claro ao dizer: “É
impossível efetuar medidas físicas e químicas completas sobre um organismo sem
matá-lo” (citado por MORIN, 2011, p. 421). Edgar Morin completa este pensamento
de forma crítica:

...o homem e a vida estão em migalhas, volatilizados pelo pensamento


simplificador, desintegrados em disciplinas fragmentadas que, mesmo na
sua própria esfera, não conseguem comunicar entre si. O que nos impede
de perceber o homem vivo é o triunfo de uma ideologia tanto mais louca
quanto crê, ao expulsar o homem da vida, a vida da vida, o homem do
homem, ter extirpado toda a ideologia da ciência! (MORIN, 2011, p. 459).

Em contrapartida ao método cartesiano que precisa matar para entender e


que teve a compreensão da Natureza baseada na Anatomia, na dissecação e na
Química, a fenomenologia é o método que precisa do vivo, do anímico, do orgânico
para compreender a sinergia, a harmonia, a sinfonia, a sintonia, a simbiose, a
solidariedade. É um método holístico e transdisciplinar no sentido de ver o todo em
funcionamento em todas as dimensões no sentido de compreender que o todo
(“holos”) é mais que a simples soma das partes; de ver e sentir a sinergia dos
processos dinâmicos, vitais, anímicos; de ver e sentir os organismos equilibrados e
sadios; de transcender a matéria. É a capacidade de perceber o lado sutil da
natureza, de seus processos, de seus sistemas, de seus componentes e suas
relações. É a capacidade de perceber a intimidade dos seres vivos com o ambiente.
É a capacidade de ver o invisível. “O essencial é invisível aos olhos” (SAINT-
EXUPÉRY, 1943. citado por Marcelo Glaiser).
A fenomenologia aproxima de novo o ser humano da Natureza. Exige, do
sujeito, como pré condições a Capacidade de Admiração (veneração, gostar do que
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faz), a Ausência de Preconceitos e a Calma Interior (estado de silêncio que permite


que o mundo exterior seja escutado pelo íntimo) (GHELMAN, 2000).
Esta metodologia requer um entendimento de processos, de redes, de
sistemas, de organismos e enseja um caminho crítico, um caminho de
aprofundamento qualitativo para dentro dos fenômenos, uma pesquisa qualitativa.
O PRIMEIRO PASSO deste caminho crítico é a observação e a descrição dos
fatos ESPACIAIS. Deve se observar os fatos espaciais, o fenômeno no presente,
em tempo real, sem histórico, sem diagnóstico e prognostico. É comum, ao
observarmos algo, termos sensações íntimas de nossa alma como beleza, simpatia,
atração, sedução, encanto, fascínio, êxtase, empatia, solidariedade, compaixão,
amor ou aversão, repulsa, nojo, e imaginarmos para que este algo serve e termos
uma série de intuições. Estas primeiras impressões de nossa alma devem ser
levadas em conta. Esta primeira impressão mais a observação e descrição exata do
FATO ESPACIAL é o que Ricardo Guelman (2000) chama de PASSO ZERO e que
pode nos dar uma visão do caminho crítico, dos passos seguintes, de um pré-
diagnóstico. É o que os médicos, em especial, chamam de OLHO CLÍNICO e de
modo geral entendemos como INTUIÇÃO. É uma sensação que se tem com os
sentidos sem conceitos, sem preconceitos. Quando agregamos a esta sensação
conceitos como, por exemplo, cor, cheiro, calor, estética, ética, estamos tendo uma
percepção que é uma consciência do que é aquilo e para que serve. A vida, o dia a
dia, o amadurecimento, a prática nos treina para termos percepções rápidas, porque
juntamos automaticamente conceitos às sensações mais puras. Podemos chamar a
isso de perspicácia, sagacidade, astúcia, lucidez, clarividência.
O SEGUNDO PASSO deste caminho crítico é a observação e percepção da
manifestação do fenômeno no TEMPO. Vemos, percebemos, acompanhamos o
fenômeno no SER VIVO indo do ontem para o amanhã, conhecemos sua
transformação, sua METAMORFOSE. Para sair da exatidão estática da percepção
espacial e alcançar a plenitude dinâmica, holística da percepção temporal é preciso
PENSAR VIVO, PENSAR ORGÂNICO, PENSAR CÓSMICO. Este passo é a
percepção da mudança, da transformação, da evolução, da metamorfose afinal. É
na transição que desvela as intenções e origens dos fenômenos, assim, ao buscar a
GÊNESE do fenômeno, o fundamental é a observação da transição entre as partes,
no processo que lhe deu origem, da metamorfose, e não apenas contemplar a
forma acabada do ser ou da coisa. Neste passo percebe-se o invisível, o tempo, a
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história, através das mudanças que “são uma constante no universo”, como disse
Einstein “in” Teoria da Relatividade. Não devemos achar, supor nem extrapolar, mas
sim observar e perceber o que realmente mudou em intervalos de tempo, afinal
pretende-se uma metodologia verdadeira, cientifica. O princípio básico do método é
que nós mesmos devemos nos incorporar na experiência do fenômeno, fazendo-nos
parte dele durante toda a pesquisa, em vez de especular em torno dele ou substituí-
lo por um conceito abstrato, um dogma, um modelo matemático ou um gabarito.
Conforme o homem faz o uso racional de seus sentidos ele se torna o melhor
instrumento científico possível. Para Marx “a natureza só é percebida através dos
nossos sentidos na medida em que ela “vai passando”, ou seja, num processo
temporal; daí o “livre movimento da matéria” ser parte da nossa cognição tanto
quanto nós somos parte da Natureza e a percebemos sensorialmente” (FOSTER
2014). Considerando esta dinâmica temporal este método é válido para fenômenos
vitais, anímicos (plantas, animais, ser humano, fenômeno social, fenômeno
antropológico, bacias hidrográficas, etc.) onde o ser humano interage com o mundo
natural.
Altamira B. de Souza em 2008 falando de fenologia na botânica, diz: “a
biologia floral inclui o estudo de todas as manifestações de vida da flor, inclusive a
fertilização. Neste sentido a biologia floral mescla-se com a ecologia da polimização,
que engloba estudo de interação entre flores e seus visitantes/polinizadores”.
Wolfgang von Goethe (1979/1832), ilustre pensador e poeta, chamou esse
passo de “fantasia”, porque você está vendo alguma coisa que é invisível. “Olhem
uma flor: vocês estão vendo uma borboleta aprisionada. Olhem uma borboleta:
vocês estão vendo uma flor liberta”. Esse é o nível de consciência que se atinge
quando se chega ao tempo. Ao se observar borboletas e flores sempre se tocando,
torna-se possível perceber que a borboleta é como uma flor; ela é toda colorida, tem
pétalas que parecem asas, mas aprisionada, está no nível da flor. Quando se liberta,
ela entra no nível animal e percebe-se que a flor está bem no limiar. Mas Goethe só
conseguiu chegar a esta percepção depois de observar muitas e muitas borboletas e
flores desta forma peculiar. Isso tem relação com poesia sim, pois você pode retratar
uma experiência de uma maneira exata, porém poética. Então poesia pode ser
exata, descritiva (GHELMAN, 2000). Caetano Veloso usou brilhantemente este
aspecto da fenomenologia ao compor “Luz do Sol” onde explica, poeticamente, o
fenômeno da fotossíntese e da Vida na Terra...
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“Luz do sol
Que a folha traga e traduz
Em verde novo
Em folha, em graça
Em vida, em força, em luz...
Céu azul
Que venha até
Onde os pés
Tocam a terra
E a terra inspira
E exala seus azuis...
Reza, reza o rio
Córrego pro rio
Rio pro mar
Reza correnteza
Roça a beira
A doura areia...
Marcha um homem
Sobre o chão
Leva no coração
Uma ferida acesa
Dono do sim e do não
Diante da visão
Da infinita beleza...

Finda por ferir com a mão


Essa delicadeza
A coisa mais querida
A glória, da vida...”

O filósofo Fontenelle conta a história de uma rosa, que supunha ser eterno o
jardineiro. Por quê? Porque em sua memória de rosa, jamais se lembrava de ter
visto outro no jardim (POLITZER, 1977, p. 45). Ora, a experiência e a ciência nos
ensinam que os jardineiros são perecíveis, tanto quanto as rosas. É bem verdade
que há coisas que mudam muito mais lentamente do que uma rosa. Não podemos
nos deter nas aparências, não podemos nos iludir com o momento, nem com nossos
sentimentos ou desejos, precisamos perceber as coisas em seu movimento onde o
tempo é a essência.
O TERCEIRO PASSO é a percepção do vital, do gesto anímico do fenômeno.
É o DIAGNÓSTICO propriamente dito. O VITAL é a manifestação da vida, é o que
caracteriza os sistemas vivos ou organismos que, desde os mais simples
unicelulares, apresentam um “quantum” de inteligência (Qi), o que dá a cada ser vivo
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iniciativa, auto-determinação, autonomia, auto organização, auto suficiência


alimentar, reprodutiva e de defesa do corpo e da prole. ANÍMICO é o caráter de
ação, de movimento, de ânimo em busca das necessidades e em atendimento aos
instintos, em especial da alimentação, da reprodução, de defesa do corpo e da prole.
Para a compreensão do vital, do anímico, da vida como um fenômeno é
preciso considerar o que Lynn Margulis nos ensina como “...algumas propriedades
fundamentais da vida: autopoiese (automanutenção), crescimento e reprodução.
Estas três propriedades definidoras de toda a vida são manifestações visíveis de
uma complicada química do carbono” (MARGULIS, 2002, p. 29).
Temos então os carboidratos (CHO), os aminoácidos (CHON), as proteínas
(CHONS), ácidos nucleicos e água. Lynn Margulis nos esclarece ainda:

Dois processos distinguem a matéria viva da inerte: a autopoiese e a


reprodução. O termo autopoiese deriva dos radicais gregos auto (“próprio”)
e poiesis (“criação”). As entidades que metabolizam, isto é, que mantêm e
perpetuam quimicamente a sua identidade, apesar das constantes
perturbações ambientais, são consideradas autopoiéticas (Varela e
Maturana, 1974). Os progressos da bioquímica e da biologia molecular
permitem-nos agora identificar em pormenor a base do fenômeno
autopoiético a que chamamos “vida”. As transformações do composto de
carbono pelas proteínas enzimáticas constituem a base do metabolismo.
Estas transformações ocorrem constantemente nos seres autopoiéticos,
sempre alimentados pela luz ou por algum tipo de energia química. Assim, o
metabolismo é o mecanismo da autopoiese (MARGULIS, 2002, p. 31).

A matéria viva é composta de células.

...a célula. Esta é a unidade mínima tanto da autopoiese como da


reprodução. Sabe-se que, para além da célula, apenas uma espécie de
entidade é autopoiética e reprodutora: os organismos e os seus produtos
constituídos por muitas células (MARGULIS, 2002, p. 32).

Um sistema vivo (organismo) é autônomo e está constantemente se


autoproduzindo, autorregulando e sempre interagindo com o meio.
A prioridade máxima de qualquer sistema autopoiético é continuar a
existir.
Anímico é então o caráter ativo do ser vivo, do ser humano organizado em
busca de suas necessidades, instintos, sentimentos, vontades, prazeres, projetos,
sonhos.
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As plantas que não se movem, não berram, não latem, não falam, não
pensam, mas são os únicos seres vivos que são capazes de captar a luz do SOL,
que com a água, o ar, os elementos minerais e elaborarem a VIDA...
Aos animais, que se movem, mas, não falam, a natureza lhes deu o instinto
para se alimentarem, reproduzirem e se protegerem.
Aos Homens, que evoluíram e ficaram de pé, deu as mãos livres para o
trabalho, a vista perfeita para observarmos e produzirmos deu a inteligência, o
pensamento, a reflexão para decidirmos o que fazer, para escolhermos o nosso
destino, o livre arbítrio.
O gesto anímico é a expressão que emana do íntimo do fenômeno e que o
caracteriza, que o define como um ser único, ímpar, sem igual. É o passo que define
a identidade do fenômeno, do ser. O ser emite este gesto próprio, esta onda, este
sopro, esta aura, esta energia e a alma do observador que o recebe, o capta, o
decodifica, percebe o gesto anímico daquele ente, o que significa e para que ele
serve. É o diálogo com a Natureza. É aí que está o sutil, o sentimento, a intuição, a
sinergia.
O QUARTO PASSO de nosso caminho crítico é o estabelecimento de uma
intimidade entre o observador e o fenômeno. É a capacidade de ver o fenômeno
com os sentidos. É o juízo feito pelo observador com base no conhecimento prévio
do fenômeno (diagnóstico) e com a interação dos dados prováveis, da estatística e
da intuição. É a capacidade de intuir o futuro com base na história e no aqui e agora.
É o PROGNÓSTICO. É a capacidade de antever uma linda borboleta após o casulo.
A fenomenologia dá a nós técnicos, educadores, pensadores, filósofos,
cientistas a dimensão espiritual de ser humano, como nos diz Herberth Haum citado
por Miklós (2001, p. 25): “quando o meu pensar for luz, minha alma brilhará. E
quando minha alma brilhar... eu serei verdadeiramente homem”.
O “diálogo com a Natureza” é uma dimensão trans, além, é uma categoria
superior na compreensão das contradições da Natureza, dos processos naturais,
dos processos produtivos (agroecologia) e dos manejos pertinentes àquele “lócus”,
àquele sítio, àquele bioma. É preciso entender essas contradições, esses processos
e, sutilmente, sensivelmente, dialeticamente exercitar a observação e a dedução.
Sir Arthur C. Doyle, o criador de Sherlock Holmes nos diz: “as nossas ideias
devem ser tão vastas quanto a Natureza, se quisermos interpretar a Natureza”.
Assim a ciência Agroecologia nos permite decifrar sinais da Natureza como, por
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exemplo, o aparecimento da planta guanxuma (Sida rhombifolia) nos solos


compactados pelas patas de bois (“pé de boi”), pela mecanização intensiva do solo
(“pé de arado” e ou “pé de grade”) ou em estradas e carreadores abandonados. A
Natureza providencia o aparecimento da guanxuma naquele “locus” degradado para
que aquele solo compactado seja descompactado pelas suas raízes pivotantes,
lenhosas, vigorosas, que traspassam e perfuram aquela compactação permitindo a
penetração de água e ar favorecendo, desta forma, um bom condicionamento físico,
químico e biológico do solo.
Agroecologia é uma ciência holística que exige a compreensão do todo, uma
compreensão completa, inteira do mundo e não só das partes, especializada e
separadamente. Considera fundamentalmente as causas das coisas e não só os
efeitos; é preventiva e não curativa. Para compreendermos o mundo, a vida, o ser
humano e a agroecologia precisamos da física, da química, da biologia, além de
outras ciências, conhecimentos e saberes como história, antropologia, filosofia,
conhecimentos autóctones pertinentes ao território, ao solo, ao clima, aos costumes,
às necessidades, opções e saberes locais. O conceito filosófico do holismo
(WERFF, 1992; JESUS, 1992; CAPRA, 1998; NORGAARD; SIKOR, 2002), é de
fundamental importância para se entender os fenômenos isolados dentro de um
ponto de vista das interações que ocorrem de forma global (FEIDEN, 2005, p. 52).

COSMO
(luz, ritmos, clima)

Água
Portador da Vida
ANIMAIS HOMEM
(movimento, ação, instintos) (pensamentos, reflexão, sentimentos)

TERRA PLANTAS
(solo, água, ar) (fotossíntese, formação da biomassa)

A agroecologia envolve a Terra e seus componentes, solo, água, ar; Plantas


e seus processos como a fotossíntese e a formação da biomassa; Animais que são
animados e se movimentam em função de seus instintos como fome, reprodução e
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defesa de si e de sua prole; o Homem que racionaliza e organiza seus instintos


criando a produção, a economia (organização do habitat) e formando sociedades e
cultura; o Cosmos (energia), com a luz do Sol, a matéria original (elementos), os
ritmos da natureza, a força da gravidade, as estações do ano; as relações entre
estes componentes que é a VIDA. Na vida do planeta o que fica, o que vale, não
somos nós, os indivíduos, mas sim os processos, os ciclos biogeoquímicos, que
renovam e eternizam a vida, e o fluxo da água, que beneficia todas as coisas como
solo, as plantas, os animais, o ar. A água entra e sai em todos os organismos, em
todas as manifestações de vida na terra. É pela ação da água em um fluxo normal e
pertinente a cada organismo que tudo se renova. O fundamento maior da
agroecologia é a vida, são as relações entre os seres vivos, os processos vitais, os
ciclos biogeoquímicos, a compreensão de tudo isso com pertencimento,
solidariedade, amor. Esta compreensão, desta forma, é o espírito da agroecologia,
espiritualidade que ela nos empresta, que ela nos dá.
Na prática o método de análise e síntese adequado, pertinente, próprio para
agroecologia é a fenomenologia. Para compreensão da Nutrição Mineral das
Plantas, por exemplo, é essencial a compreensão dos seres vivos como um todo em
que o principal fundamento é a preservação, a perpetuação da espécie, onde o fim
último é a reprodução para continuar a vida nos filhos, netos, “ad aeternum”... A
missão de cada ser de uma determinada espécie é se alimentar, crescer,
amadurecer, reproduzir, envelhecer, morrer. É possível, de forma cartesiana,
representar esta metamorfose em uma Curva de Crescimento ou Curva Sigmóide
e compreender o fenômeno da necessidade fisiológica nutricional a cada instante
durante a vida do ser.
É possível, fenomenologicamente, dialogando com a natureza, decodificar,
traduzir esta logística vital em um Plano de Manejo de uma horta, de um pomar, de
um quintal, de um jardim, de uma lavoura, de um pastoreiro, de uma floresta.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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para uma agricultura orgânica sustentável. Ed. Embrapa Informação Tecnológica.
Brasília, 2005.

CAPRA, Fritjof. Sabedoria Incomum. São Paulo: Ed. Cultrix, 1998.

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