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BASES

FENOMENOLÓGICAS -
INTRODUÇÃO
TEORIAS E PRÁTICAS PSICOTERÁPICAS
PROFª ESP. MARIA EDUARDA DE O. CASTRO
UNIFUCAMP
INTRODUÇÃO
“A terapia fenomenológica é uma
proposta enfocada predominantemente
em uma investigação descritiva mais do
que em aspectos curativos”
Ernesto Spinelli

• Abordagem pautada no modelo


médico: certo incômodo ou mesmo
recusa
• Desafio as formas tradicionais de
terapia x compreensão das diversas
possibilidades da experiência das
pessoas que consultam
• Existem múltiplos estilos e enfoques,
tanto sentido teórico como no sentido
prático
• Cada terapeuta existencial tem sua
própria e única forma de praticar a
terapia
• O encontro existencial e os
diferentes estilos a cada momento
• Ao que se segue, servir como
inspiração para o desenvolvimento
de uma terapia existencial-
fenomenológica

“necessitamos inventar uma nova


forma de terapia para cada novo
paciente”
Yalom
ETIMOLOGIA DA PALAVRA “CLÍNICA”
• Proveniente do latim clinicus, que provém
do grego klinikós, que se refere aquele que
visita, o que guarda o leito, o que deriva
de Kline, que significa leito ou cama:
diagnóstico ao pé da cama do enfermo
• Enfoque fenomenológico diferente:
filosófico, com especial ênfase na
investigação da experiência
• Clínica = pessoa enferma + médico que
possui certos conhecimentos ausentes na
paciente
• Possuir um poder sobre o outro
• Encontra-se em estado de melhor
saúde e bem-estar
• Uma postura que reconhece um não
saber, uma postura humilde diante
da pessoa
• Reduzir ao mínimo a diferença de
poder, renunciando a realizar
“diagnósticos” que reduzam ou
demarquem a um “quadro clínico”,
abrindo possíveis significados e
múltiplos caminhos para a
experiência
• Postura passiva de “clínica” x
postura ativa e envolvida sobre a
própria experiência eu vivência
O NASCIMENTO DA CLÍNICA
“Em nome da saúde, grandes crimes foram
cometidos”
Michel Foucault
• Instituição disciplinatória, que gestava os
corpos, seu funcionamento, comportamento
e inclusive a sexualidade, como função
normativa
• Dispositivos de verificação de suas próprias
representações: polícia que vigia a moral e a
saúde pública
• “corpus” das técnicas de cura e
saber + homem doente + homem
modelo

“quando se fala da vida dos grupos e


das sociedades, da vida da raça, ou
inclusive da “vida psicológica”, não se
pensará em princípio na estrutura
interna do ser organizado, mas na
bipolaridade médica do normal e do
patológico”
Foucault
TERAPIA SIM, CLÍNICA NÃO
“A terapia existencial é um movimento. Um
modelo, uma postura, uma atitude.”
Ernesto Spinelli

• Terapia: colocar-se ao lado do outro, junto


ao outro, para acompanha-lo em um
processo importante de sua existência
• Não é dar aulas, não é moralizar, não é ser
amistoso. Mais fácil definir o que não é, do
que o que é
Definição da palavra Terapia:
Em medicina, tratamento ou terapia
(do grego θ∊ραπ∊ία/therapeia) é o
conjunto de meios de qualquer classe
(higiênicos, farmacológicos, cirúrgicos
ou físicos) cuja finalidade é a cura ou o
alívio (paliação) das enfermidades ou
sintomas. É um tipo de juízo clínico. São
sinônimos: terapia, terapêutico, cura,
método curativo
Definição de Psicoterapia:
A psicoterapia – de psicologia (ciência social que
estuda os pensamentos, as emoções e o
comportamento humano) e terapia (forma de
intervenção social que busca a melhoria da saúde
do paciente, cliente ou consulente que a solicita)
é o nome que se utiliza para se referir ao
processo terapêutico que se produz entre um
psicólogo com uma formação em psicologia
clínica e uma pessoa que se propõe a consultar-
lhe, que se dá com o propósito de uma melhora
na qualidade de vida deste último, através de
uma mudança em sua conduta, atitudes,
pensamentos e/ou afetos. Há distintos marcos
teóricos a partir de onde se pode desenvolver
uma psicoterapia exitosa, ou seja, que leve a
uma mudança positiva e duradoura na qualidade
de vida de que solicita essa atenção
• Cultura terapêutica x Cultura clínica
• Outras definições: cuidar, tratar algo
cuidadosamente, pôr atenção. “A
palavra Therapeutés, em grego,
significa em primeira acepção,
adorador, servidor de um Deus”
• Todd DuBose vai na mesma direção:
“A palavra therapeuoes, traduzida
como cura mas, da mesma maneira,
curar, significa mais apropriadamente:
atender, cuidar, preocupar-se e,
inclusive, esperar servilmente a
alguém”
• Aproximação gentil e sensível –
“adoradores do Existente em si mesmo” –
serventes daquele que se deve tratar
cuidadosamente
• Acompanhamento cuidadoso +
participação na experiência do outro
• Acompanhamento: “sustentação ou
auxílio harmônico de uma melodia
principal por meio de um ou mais
instrumento ou vozes”
• “Tratamento” não necessariamente
se refere à busca por mudar ou
modificar aquilo de que se trata, mas
a uma forma de comportar-se,
comunicar-se e se relacionar com o
outro para atendê-lo ou assisti-lo de
determinada forma
• Não é o que, mas o como se fala, o
que designa a conversa como
terapêutica
O DESAFIO E A ORIGINALIDADE DA TERAPIA
EXISTENCIAL-FENOMENOLÓGICA
“Hoje a terapia se converteu em engenharia e se
esqueceu que se tratava de ‘cuidar da alma’.”
(Todd DuBose)

• Elimina qualquer fragmento residual de algum


tipo de intervenção quase médica
• Uma terapia existencial que desafie,
confronte e transforme os pressupostos
• “estar ao lado” do outro e de “estar com” o
outro (e consigo mesmo) com a tarefa: revelar
o que se apresenta tal e como se apresenta
A CLÍNICA EXISTENCIAL:
REPARADORA? EDUCATIVA?
EXPLORADORA?
• Trata-se de uma tentativa de
organizar os diferentes estilos de
terapia existencial em três
diferentes “orientações”, cada uma
das quais se distingue das outras por
uma postura específica em relação a
seus objetivos e propósitos
1. ORIENTAÇÃO REPARADORA (TAMBÉM
CHAMADA “ORIENTAÇÃO CLÍNICA”)
• Nessa orientação o terapeuta considera que
seu trabalho consiste em “reparar” (curar ou
sanar) aquilo que se encontra “lesado”,
“enfermo” ou “disfuncional” – próximo a
“clínica”
• Seu interesse costuma se apoiar em critérios
e taxonomias diagnósticas, portanto,
trabalha-se junto às instituições de saúde
• Modus operandi em termos tipicamente
clínicos, para manter-se dentro do status quo
da tradição psicoterapêutica no rol das
“ciências da saúde”
2. ORIENTAÇÃO EDUCATIVA (OU
FACILITADORA DE DESENVOLVIMENTO)
• Consiste no interesse de facilitar ou
promover formas de existência mais
satisfatórias, aprendizagens de
novas estratégias para a vida ou
diferentes estilos de relação consigo
mesmo, com os demais e o mundo
• Geralmente essas formas “mais
plenas” são vistas através das lentes
do pensamento existencial
• Busca promover a aprendizagem de
formas mais “apropriadas” de
experiência
“Devo assumir que saber é melhor que não
saber, que aventurar-se é melhor que não
aventurar-se e que a magia da ilusão, por
mais rica e atrativa que seja, debilita o
espírito humano”
Irvin Yalom

“A terapia, de um ponto de vista existencial,


trata de ajudar as pessoas a encontrar o valor
para enfrentar suas lutas e predicamentos. Os
terapeutas existenciais tentam ajudar as
pessoas a recuperar algo de paixão em suas
vidas”
Emmy van Deurzen
“É uma terapia que valoriza, exorta os
clientes a serem indivíduos livres e
responsáveis em sua existência própria”
Susana Signorelli
3. ORIENTAÇÃO EXPLORATÓRIA (ORIENTADA
À COMPREENSÃO)
• Trata-se de uma exploração da situação
existencial, inter-relacional e do ser-no-
mundo na qual se entendem não apenas
as relações com o mundo e com os outros,
mas também a relação consigo mesmo e
com o terapeuta
• Não há um objetivo específico a cumprir
para além de descrever e clarificar as
situações e experiências que o consulente
narra, que se mostram na relação
terapêutica
“A tarefa da fenomenologia-existencial
consiste em articular como é o mundo do
outro, e sua forma de ser e estar nesse
mundo”
Ronald Laing

A maioria das aproximações utiliza a


exploração fenomenológica como
metodologia principal, mas o fazem com
diferentes ênfases e propósitos:
A. No alívio dos sintomas, do mal-estar, de
algum tipo de psicopatologia, transtorno
ou disfuncionalidade (orientação
reparadora/clínica).
B. Na melhora da forma de experimentar a
existência, ampliando a consciência desta
e/ou promovendo a aceitação dos
aspectos trágicos da vida (orientação
educativa).
C. Na exploração das experiências e
situações que conformam a existência,
para compreendê-las, assim como na
reflexão compartilhada e no diálogo
colaborativo sobre os diversos contextos
que constituem o ser-no-mundo do
consulente (orientação exploratória).
• O sobrenome “fenomenológica”, que
se acrescenta à terapia existencial,
sublinha um enfoque que tenta se
desenvolver de maneira exclusiva na
orientação exploratória, ainda que
alguns praticantes, devido ao contexto
particular de sua prática, tendam a se
apoiar temporalmente em alguma
outra orientação
POR FIM, EM QUE CONTRIBUI A TERAPIA
EXISTENCIAL?
• O terapeuta existencial-fenomenológico
renuncia a qualquer objetivo de sanar,
melhorar, ensinar, promover maturidade
ou facilitar formas de existência mais
plenas ou satisfatórias
• Renuncia a desejar conduzir o consulente a
qualquer ponto “ideal” ou que se
considere “melhor” em algum sentido, em
relação ao ponto em que ele se encontra
• Não há nenhuma meta estabelecida a
priori para o processo terapêutico,
para além de coconstruir uma relação
cuja qualidade permita explorar ou
analisar conjuntamente a existência
inter-relacional do consulente, o que
facilita uma aproximação à
compreensão de seu ser-no-mundo
• O terapeuta existencial-
fenomenológico renuncia ativa e
conscientemente a considerar seu
consulente de uma perspectiva
diagnóstica, tipicamente conhecida
como “clínica”
• Tampouco se trata de nos movermos até o
outro extremo e de recusar qualquer tipo
de mudança beneficiosa na experiência do
paciente

• Em resumo, a terapia existencial-


fenomenológica implica uma tomada de
atitude, na qual o terapeuta se declara a
favor da confiança no processo existencial
de seu paciente, em que o que se busca é
se aproximar da possibilidade de
reconhecer seu mistério, permitindo
experiências de apropriação de sua
situação-no-mundo e do assombro diante
do desenvolvimento de possibilidades
existenciais.
• Atitude não corretiva nem “reparadora”
COMO ENTENDER O TERAPÊUTICO DA
TERAPIA EXISTENCIAL?
• Sob essa perspectiva que
compartilho, entendemos o
terapêutico como uma colaboração
• O caminho é a meta
• No processo mesmo está a
finalidade
• Na vinculação mesma bem como no
trabalho compartilhado de
exploração
• Quanto mais rápidos forem, melhor.
Deixou-se de levar em conta o processo.
São apenas os resultados que importam.
Sutilmente, terminamos por aceitar o ideal
maquiavélico que nos diz “o fim justifica os
meios” e vamos mais além: “se consegues
o fim, nem os meios, nem os processos
importam”
• Considera-se que a “eficácia” de um
modelo terapêutico em sua capacidade de
produzir mudanças e transformações
“positivas e/ou saudáveis” e a buscar
“soluções simples e rápidas”
• Consideram que a terapia é apenas
para resolver “problemas de saúde
psicológica”
• “quem sabe você necessite de
terapia” pode ser visto como uma
ofensa
• É por isso que a prática desse estilo
de terapia implica uma tomada de
atitude e a aplicação de valores que
constituem uma forma de
contracultura
• Uma manifestação a favor de outra
maneira de nos relacionarmos com
os demais, com o mundo e com nós
mesmos
• Muitas vezes os futuros terapeutas ou
aqueles que já se encontram praticando
perguntam-se:
“Mas se não oferecermos ajuda concreta para
melhorar sua vida, nossos clientes/pacientes
não irão querer estar no processo terapêutico
conosco, muito menos nos pagar”
“A Terapia Existencial é a poesia ou a
dança de dois seres humanos que se
encontram sem esquemas rigidamente
preestabelecidos. Com o mistério que
ocorre quando ambos estão dispostos a
olhar-se cara a cara, em intimidade e
reconhecendo sua vulnerabilidade. Com
a surpresa da existência que se
desenvolve, reorganiza e reinventa,
pelo simples fato de analisá-la
conjuntamente”
REFERÊNCIA:
MELO, Fabíola Freire Saraiva de; SANTOS, Gustavo Alvarenga O. Psicologia
fenomenológica e existencial: fundamentos filosóficos e campos de atuação. Editora
Manole, 2022.

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