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FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLINICA Unidade 3

Unidade 3 - A psicologia fenomenológica-existencial na clínica

Nesta unidade você verá:

// a clínica e o cuidar

// a situação existencial

// o tempo e o espaço

// o outro e a fala

Objetivos

A clínica e o cuidar

A situação existencial

O tempo e o espaço

O outro e a fala

1/5 Objetivos

UNIDADE 3.
A psicologia fenomenológica-existencial na clínica
Francisca Edinete Nogueira de Sousa

OBJETIVOS DA UNIDADE

• Apresentar questões sobre o cuidado direcionado ao ser humano;

• Conceituar temas referentes à situação existencial frente aos conflitos humanos;

• Proporcionar discussão de temas da fenomenologia e do olhar para o outro dentro dessa abordagem

TÓPICOS DE ESTUDO

A clínica e o cuidar

// O que é o cuidar dentro da prática fenomenológica-existencial

// Quais as principais características da clínica fenomenológica-existencial

A situação existencial

// O conflito existencial

// A visão dimensional do ser

O tempo e o espaço

// O contexto de desenvolvimento

// A existência humana e o seu tempo

O outro e a fala

// A escuta sem julgamento

// O dilema em ser o outro

2/5 A clínica e o cuidar

A clínica é um espaço de cuidado, definido há muito tempo dentro do campo da psicologia. Nesse sentido, se faz
necessário compreender sua importância, pois o ser humano, quando procura esse lugar, vem acompanhado de um
momento diferente, permeado por influências em sua vida. O cuidar manifesta uma atitude de contenção por parte
do psicólogo, revelando um nível de suporte cuja estratégia, com o intuito de fortalecer e restabelecer o bem-estar,
além da recuperação do equilíbrio emocional, tem como objetivo básico aliviar ou diminuir o sofrimento do indivíduo.
Assim, o cuidar é um ato de atenção dedicado a um indivíduo em situação de fragilidade ou necessidade específica.
Logo, é preciso abordar a perspectiva de olhar sob a premissa de que o cuidado está ligado ao fato de escutar o
sofrimento de uma pessoa que busca desse cuidado.

Diagrama 1. Elementos que envolvem o cuidado com o outro dentro do olhar terapêutico.

A atuação clínica voltada ao cuidado se refere ao olhar para o outro e em como o outro estabelece suas relações, que
podem ser denominadas como interindividuais, sem esquecer da relação com outras pessoas. A procura por descrever
o cuidado se dá na mesma perspectiva das características relatadas pela filosofia da existência. Uma das primeiras
características aponta para a valorização do homem e de seu modo como seu sofrimento e sua angústia é explicitada.
Tal perspectiva de cuidado é descrita como a principal causa pela busca da psicoterapia.
A atuação fenomenológica existencial exige um contato com a realidade do outro, no que se denomina consciência,
mas que, dentro do método fenomenológico, pressupõe uma substituição pela palavra percepção, uma vez que a
interpretação de um fenômeno parte da percepção. Pensar em um método terapêutico é pensar no cuidado,
portanto, o que é cuidar, nesse sentido, representa uma atitude de olhar para o outro, o que envolve impressões e
ideias acerca de um determinado fenômeno.
No que tange às impressões, elas se condicionam à maneira como cada pessoa enxerga sua existência, um
conhecimento construído de forma imediata, por meio da realidade ligada à experiência atual, embora haja relação,
por meio dos sentidos, com o já construído. A fim de auxiliar na trajetória psicoterapêutica, cabe ressaltar que, na
relação com o paciente, se faz necessário separar o que é seu e o que é do outro, pois ser empático não é somente
experimentar o sofrimento do outro, mas também compreender tal percepção diante de um fenômeno, auxiliando no
desenvolvimento da interpretação, a partir do discurso diante de um fenômeno.

O QUE É O CUIDAR DENTRO DA PRÁTICA FENOMENOLÓGICA-EXISTENCIAL

O cuidar dentro da Psicologia é o principal aspecto dessa profissão, uma vez que se busca apontar e encontrar um
método de intervenção que garanta o olhar para essa questão. Nesse sentido, ter uma percepção de totalidade institui
um aspecto básico dentro dessa abordagem, que é o de compreender a existência humana e trazer uma concepção do
que é acolher o sofrimento humano.
A escuta é uma das estratégias que trazem resultado na atuação clínica, posto que quem procura ajuda busca o
acolhimento necessário para o enfrentamento do seu sofrimento. Nesse sentido, o acolhimento dentro da clínica faz
com que o indivíduo entenda o seu lugar no mundo e a sua principal tarefa dentro disso. Portanto, o
autoconhecimento é uma das premissas do processo terapêutico. A prática clínica suscita considerações importantes
sobre o cuidado, com maior destaque para a escuta clínica, que tem como objetivo compreender o sofrimento
psicológico. O método fenomenológico, desenvolvido por Heidegger, é o que mais se adequa na investigação da
subjetividade humana.

Compreender o sofrimento humano é um dos maiores desafios no âmbito da psicologia, uma vez que tal questão é
apontada como uma das principais tarefas, pois somente uma compreensão do sofrimento leva ao “cuidar”, cujo
primeiro aspecto é o acolhimento do que o paciente traz, sem julgamento ou avaliação prévia. Com esse olhar, se
garante o entendimento do fenômeno apresentado.

Essa questão é apontada como um dos maiores desafios da abordagem fenomenológica existencial clínica, que é de
olhar, dentro de uma unidade, o ser que pertence a uma unidade. Partindo do princípio de que a unidade é definida
como ciclo vital, olhar o ciclo auxilia na compreensão do momento de vida e o quanto o fenômeno interfere na
existência. O movimento de compreensão do cuidado do outro alude a um aspecto importante da fenomenologia,
mas também à evolução humana, que é permeada por fatores que impactam o modo como se vislumbra a própria
existência.

QUAIS AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA CLÍNICA FENOMENOLÓGICA-EXISTENCIAL

A fenomenologia existencial tem como pressuposto básico a compreensão da vida humana dentro de uma perspectiva
global, partindo de uma percepção que esse mesmo indivíduo pertence a uma unidade.

As características da Fenomenologia Existencial estão ligadas à retomada de questões relacionadas à consciência,


campo que necessita de um método de abordagem muito peculiar e que, durante muito tempo, foi pouco abordado,
pois as teorias mais clássicas consideravam o aspecto mais digno de interpretação como algo inconsciente. Trazer à
consciência os fenômenos do inconsciente obriga o “ser” a avaliar sua percepção diante de um fenômeno, fazendo
com que o método dê conta de questões importantes e que necessitam de uma intervenção mais humanista da
situação apresentada.
A grande dificuldade em trabalhar tais questões reside no fato de que a consciência não é delimitada como um lugar
físico. A fenomenologia existencial na clínica é uma das abordagens psicológicas apontadas como uma terceira força
dentro da psicologia, tendo em vista o olhar para a existência humana. Tal perspectiva aponta que o “ser” precisa ser
compreendido numa perspectiva humanista e acolhedora. O olhar na clínica traz a concepção de que o tratamento
necessita de um olhar ampliado, atuando de forma a estabelecer parcerias que contribuam para que as doenças sejam
tratadas por um olhar além do tratamento farmacológico.
Nessa perspectiva, é importante refletir sobre a humanidade, no sentido de entender a qual ser humano se faz
referência e qual ser humano se pretende definir, ideia que não é tão fácil de ser explanada, uma vez que a existência
humana é permeada por fatores presentes no contexto de uma pessoa. A questão principal é compreender quem é
essa pessoa, muito mais do que compreender o que é a pessoa. Nesse sentido, quando mudada a pergunta, muda-se
também o objetivo, que não é entender a origem da pessoa e, sim, quem é essa pessoa na realidade compreendida
por ela e diante da forma como ela interpreta sua realidade.

A existência humana, nesse contexto, é descrita por uma reflexão que, dentro da abordagem fenomenológica, só se
torna possível quando o olhar é o mais próximo da realidade da própria pessoa, como em épocas cujas angústias e
sofrimentos requerem um olhar mais próximo do contexto, como após a Segunda Guerra Mundial. Outra questão
emergente de interesse da ciência é a de descrever até que ponto todos os eventos vivenciados fazem com que ele
evolua e lide com suas questões.

Nesse ponto, é importante ressaltar que a existência humana é permeada por fatores que interferem na conduta do
ser em processo de desenvolvimento e, por isso, há uma necessidade de ter profissionais – no caso, os psicólogos –
que olhem por uma perspectiva mais humanista.

3/5 A situação existencial

A situação existencial é uma das questões abordadas pelo método fenomenológico, sendo descrita como uma das
causas que levam o ser humano a desenvolver conflitos. Na busca por alternativas à sensibilização para o sentido e à
realização de valores, a vivência humana sofre muitas influências.

Descrever a situação existencial faz com que a existência seja permeada por outros fatores, componentes de uma
dimensão muito mais complexa do que se imagina.

A abordagem existencial tem como premissa básica se ocupar do ser humano, evidenciando suas experiências
permeadas por fenômenos que trazem sentido para a vida e que caracterizam sua existência. A experiência cotidiana
requer uma análise minuciosa, na qual se compreende que o ser apresenta aspectos individuais ou mesmo
intencionais que compõem a raça humana.

Heidegger é um dos precursores em trazer a ideia de existência, que precisa ser compreendida dentro de um espaço e
de uma temporalidade, aspectos descritos como contexto e desenvolvimento. De acordo com Heidegger (1998), o
indivíduo não pode ser determinado somente por um aspecto, questão presente nessa concepção, uma vez que a
existência é algo indefinido, pois há uma independência na forma de atuação na relação com o objeto.

Com base nessa ideia, a existência dentro do método fenomenológico é definida de uma forma ampla, distinguida por
meio das relações que o ser estabelece com os outros. Dentro da sua existência, o homem também é concebido como
um ser privilegiado, uma vez que possui o dom da existência. Nessa perspectiva, se destaca que o ser possui traços
característicos de ser-no-mundo. A partir disso, se define que o ser humano possui afetos e interesses que o
determinam como ser humano e, por isso, a ideia de privilégio. Ou seja, o ser estabelece uma relação com o outro e
esse fator, por si só, justifica a existência.

DICA

“Ser-no-mundo” é uma das principais ideias presentes nas obras de Martin Heidegger, que aponta para questões da
existência humana ao trazer várias concepções sobre quem é uma pessoa, analisando tais concepções a partir da
relação construída com outras pessoas.

O CONFLITO EXISTENCIAL

O método fenomenológico parte de um pressuposto do conhecimento transcendental, por meio de uma filosofia
transcendental, em que se busca estudar a subjetividade. Os paradoxos humanos fazem com que o ser desenvolva
conflitos existenciais, portanto, compreender o conflito ajuda o profissional a entender como surge a relação
estabelecida com o outro. Essa questão é muito bem definida quando as dificuldades vivenciadas por uma pessoa
passam de experiências a conflitos e, após isso, o ser sadio alcança as possibilidades de aceitar e enfrentar tais
paradoxos e restrições impostas pela existência.

A partir dessa ideia, a fenomenologia existencial amplia o olhar para o cuidado clínico, no qual o sofrimento requer
que o profissional tenha uma atuação diferenciada. Com isso, é importante entender que o psicólogo tem pela frente
um grande desafio, pois precisa ter a compreensão de que o paciente apresenta um conflito existencial, que traz um
sofrimento em sua vivência como ser.
ASSISTA

O filme Para sempre Alice traz a história de Alice, uma professora que, aos 50 anos, é diagnosticada com a doença de
Alzheimer de início precoce. Ela vive um período muito importante da sua vida, que muda de uma forma inesperada
com o diagnóstico. Por isso, é necessário entender que o acometimento por uma doença, seja ela qual for, representa
uma condição que se traduz num impacto para a pessoa e para quem a cerca, como familiares, amigos ou colegas de
trabalho.

A VISÃO DIMENSIONAL DO SER


A ontologia dimensional traz elementos fundamentais da antropologia heideggeriana e de seu caráter de fundamento
para a humanização das ciências. Esse método proporciona uma perspectiva de apresentar a pessoa em sua unidade-
totalidade, fundada, integrada e garantida dentro de uma análise existencial.

Com essa concepção dos pilares da análise existencial, se entende que a liberdade está ligada à vontade, que se
direciona à autotranscendência, compreendida por uma visão biopsicossocial e, para além disso, por um ser
sociológico dentro da concepção do contexto. Assim, é possível notar que existe uma dialética que permeia a
liberdade do ser humano, ligada ao destino das pessoas, que conscientiza sobre as diversas possibilidades de resposta
que o ser humano tem diante das situações da vida e sobre seu caráter histórico.

A visão dimensional também remete à ideia de que a vida é permeada por uma busca de atribuir sentido à existência,
dimensionando valores de extrema importância para contemplar a existência desse ser e buscando a relação do
sentido com a unicidade da pessoa e a singularidade da situação. Também se faz necessário reconhecer a legitimidade
da pergunta pelo sentido último da vida, algo abordado numa perspectiva diferente dessa existência.

A fenomenologia possibilita um enfrentamento numa realidade de um mundo pós-moderno, em que se faz necessária
uma análise existencial, com foco na busca por um sentido, contribuindo da forma mais compreensiva possível para
uma problemática que é inerente à condição humana e ao efetivo desenvolvimento de valores. Dentro da dimensão
humana, se pretende trazer também questões relacionadas ao mal-estar vivenciado numa sensibilização para o
sentido da vida, uma vez que há a necessidade de refletir sobre a problemática e as consequências da falta de sentido
no mundo de hoje.

4/5 O tempo e o espaço


O tempo é uma questão muito complexa de ser definida, em especial se a definição se relaciona à suposição de que a
vida necessita de uma compreensão num espaço, ou seja, a existência humana é marcada pelo processo de existência
dentro de um tempo e um espaço.

A acepção do que é o tempo está presente dentro da Psicologia, dado o discurso voltado ao tempo que cada ser
possui. Assim, se faz necessário compreender o momento de cada pessoa ao procurar um atendimento.

O tempo é deliberado pela temporalidade e pela transitoriedade, porém, há uma necessidade de definição de valores
para compreender o tema da transitoriedade e temporalidade como condições existenciais para a configuração de
sentido, relacionando as categorias de valores à realização de sentido nas principais dimensões da experiência
humana, além de refletir sobre a possibilidade de constituir sentido nas situações limites da existência. Esse tempo
reflete muito do que o indivíduo vive, pois o momento atual tem uma representação significativa dentro da existência,
se interligando ao contexto histórico e aos fatores que o compõem.
O espaço é outro aspecto que permeia o campo da psicologia, tendo uma representação muito importante dentro da
existência humana e sendo também interligado ao tempo, pois é preciso analisar o lugar em que a pessoa se insere e
cuja influência é primordial na formação humana. O tempo não para e, com isso, é fundamental ter uma noção de
como o ser humano acompanha tal mudança, tendo em vista o que há de permanente nos seres humanos,
independente do ciclo vital. Em síntese, as transformações causadas pelas mudanças no tempo e no espaço se tornam
presentes nessa visão de mundo.

Figura 2. O tempo e o ser humano. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 21/09/2021.

A Figura 2 propõe uma breve reflexão sobre o lugar e o tempo, em que o tempo é algo subjetivo, embora seja
demarcado por instrumentos como a ampulheta e o relógio. O tempo é descrito como uma das questões mais
importantes dentro da perspectiva fenomenológica existencial, ideia essencial para compreender o momento do
indivíduo e como ele se relaciona com a sua existência, descrita como ciclo vital.

O CONTEXTO DE DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento humano é uma das áreas da psicologia mais importantes pois, quando se pensa em
desenvolvimento, é preciso compreender que o indivíduo se forma por meio de diversas influências. Nesse sentido,
para interpretar a concepção de ser, se faz necessário compreender que, numa perspectiva biopsicossocial, o ser
humano evolui e tem influência direta na própria existência.

A personalidade é moldada ao longo do desenvolvimento humano, haja vista que uma das características da
personalidade é o seu amadurecimento. Sendo assim, o desenvolvimento humano é dinâmico e a personalidade
também requer esse dinamismo, assim como a compreensão, a partir da busca de sentido, do processo de
amadurecimento da personalidade.

Figura 3. A evolução humana. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 21/09/2021.

A fenomenologia, dentro de sua concepção do indivíduo, compreende que o contexto em que uma pessoa se insere
tem relação direta com as relações interpessoais ocorridas e, nesse sentido, se faz necessário delimitar seu campo de
interferência por meio de algumas situações. Ao abordar o desenvolvimento, é preciso relacioná-lo a fases do ciclo
vital, pois cada momento do ciclo traz questões importantes, que podem causar aspectos positivos ou aspectos
negativos.

Erik Erikson aborda tais questões ao afirmar que o Ego se fortalece a cada fase, mas que cada fase gera uma
cser_educacional para esse indivíduo. Assim, é importante pensar nisso sob uma abordagem fenomenológica,
entendendo a cser_educacional do indivíduo e auxiliando na forma de lidar com questões que podem tornar essa
pessoa mais forte.
Diagrama 4. Os oito estágios de desenvolvimento, de acordo com Erikson.

Em suma, o desenvolvimento humano é permeado por um contexto social de relações, por isso, a psicoterapia
necessita de uma alteração no campo de análise, visto que o método fenomenológico traz tal concepção de contexto à
psicoterapia e o fazer clínico inclui a compreensão do contexto.

A EXISTÊNCIA HUMANA E O SEU TEMPO

Como não é uma tarefa fácil distinguir o contexto em que se dá o desenvolvimento, tal distinção só é possível quando
há uma definição do que se é e como essa questão interfere na forma como uma pessoa pensa e como sua existência
se dá por meio da compreensão do tempo em que ela acontece. Tempo e contexto são questões interligadas, logo,
olhar para a concepção humana equivale a se dar conta de muitas situações que fogem da explicação da psicologia.

Compreender o aspecto transcendental, nesse momento, ajuda a traçar objetivos que contribuam para a existência
humana. Essa questão não é fácil de ser respondida, embora exija compreensão, uma vez que o profissional que se
propõe a atuar nessa linha precisa se dar conta de qual é o seu papel na atuação com o outro, que é descrita como um
encontro existencial que se concebe numa relação intersubjetiva, de realidades diferentes, mas de vivências muito
próximas, cujo encontro possibilita o exercício da empatia, que também não é fácil de ser exercida.

A atuação fenomenológica existencial pressupõe um contato com a realidade do outro, denominada consciência, mas
que, como já exposto, pressupõe, dentro do método fenomenológico, uma substituição pela palavra percepção, uma
vez que a interpretação de um fenômeno parte da sua percepção. Essa realidade tem uma ligação direta com o
contexto e o tempo de inserção da pessoa, por meio da qual é possível promover uma reflexão no indivíduo, em uma
perspectiva que alcance resultados positivos, fazendo com que o indivíduo olhe de forma mais aprofundada para
certas situações.

Ao falar sobre as impressões, está se aludindo à maneira como cada pessoa enxerga sua existência da sua forma,
conhecimento construído de forma imediata por meio da realidade, que está ligada à experiência atual, mas que tem
relação com o que é construído por meio dos sentidos.

5/5 O outro e a fala

Dentro da perspectiva fenomenológica, a procura por ajuda está ligada a uma necessidade. A fala vem acompanhada
de uma perspectiva de um lugar de escuta, que está ali para trazer sentido à fala das pessoas que buscam pela escuta.
Nesse contexto, a fala é importante, pois faz com que o indivíduo elabore tal conteúdo. Uma questão importante
também se refere ao entendimento de que, por trás da fala do outro, existe algo, muitas vezes encoberto, que
influencia o comportamento.

A escuta clínica se modifica à medida que o campo de atuação também sofre mudanças. No caso da abordagem
fenomenológica existencial, a escuta se torna essencial dentro do tempo e espaço em que o ser humano se insere. O
desenvolvimento dessa escuta é discutido por vários autores, mas, mesmo assim, a habilidade profissional faz toda a
diferença, visto que observar o outro é uma possibilidade de enxergar a pessoa para além das aparências.

Uma das atitudes mais frequentes da humanidade é olhar o outro por meio de um rótulo, o que não ajuda na
compreensão do ser na ação genuína, como uma maneira de preocupação com o outro. Nesse sentido, a escuta ativa
é uma das possibilidades, apesar de ser uma tarefa muito difícil de se colocar em prática, dada a necessidade de
compreensão da fala do outro. A atitude empática, assim, se constitui numa via de mão dupla, na qual aprender sobre
experiências de outras pessoas é fundamental para enxergar o mundo através dos olhos dos outros, contudo, também
é importante se abrir sobre seus próprios sentimentos e experiências.

A ESCUTA SEM JULGAMENTO

A escuta é uma das tarefas mais complexas quando se pensa em humanidade. No campo da psicologia, a escuta é uma
das ferramentas mais importantes no processo de compreensão humana, tendo em vista que ela passa pela
capacidade do outro de promover, por meio das sensações, algo que faça sentido.

Prova disso é que, ao falar, existe um desejo de expor o que causa dor e/ou uma percepção de algo desagradável.
A psicologia fenomenológica existencial dentro da clínica compreende que todo processo de escuta apurada requer
alguém do outro lado, que o faça sem qualquer julgamento do que é dito. O julgamento aqui é descrito como algo que
interfere na perspectiva de quem é o outro, visto que a pessoa julgada pode resistir em falar. Logo, o julgamento não
faz parte desse processo, pois a pessoa busca compreensão, e não julgamento e, além do mais, tal fator não contribui
para o processo de melhora.
A escuta qualificada provê ao profissional informações sobre o ser que quer ser ouvido, permitindo descobrir até que
ponto o adoecimento impacta a vida de uma pessoa que procura auxílio. A escuta também proporciona a elaboração
do conteúdo por parte da pessoa escutada, uma vez que o conteúdo causa sofrimento a essas pessoas. A partir dessa
realidade, é traçado um plano terapêutico realista e que atinge resultados positivos.
No que tange à importância da escuta qualificada como ferramenta benéfica, ela tem um papel fundamental no
cuidado e na intervenção mais apurada da situação vivenciada por uma pessoa, partindo da ideia de que o profissional
deve ter habilidade para desenvolver uma postura livre de qualquer julgamento ligado ao desenvolvimento humano e
às escolhas que a pessoa vem a fazer. Em resumo, escutar é algo além de apenas ouvir, pois está ligado à capacidade
de desenvolver uma postura de acolhimento, já que quem busca acolhimento se encontra numa situação de
sofrimento psicológico

.
Figura 4. A escuta qualificada. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 21/09/2021.

O DILEMA EM SER O OUTRO

Uma das questões mais estudadas pela fenomenologia existencial se refere ao dilema humano que é marcado por
uma concepção diferente do que se é e de onde se pretende chegar. Para a maioria dos teóricos, a psicologia, como
ciência humana que se propõe a enxergar a realidade dessas pessoas, deve pensar sobre isso, lembrando que uma
pessoa que se vê diante de um dilema é um ser em sofrimento por conta de algum tipo de sensação desagradável. O
dilema está associado à existência humana e, nesse contexto, May (2000, p. 23) conceitua que:

O dilema humano é aquilo que se origina da capacidade de um homem para sentir a si mesmo simultaneamente como
sujeito e como objeto. Ambas as capacidades são necessárias, para a ciência, para a psicologia e para a vida.

Portanto, toda ação revela uma intenção e, por isso, um ato, mesmo que acidental, é sucedido por uma consequência.
Ser livre é uma das possibilidades que o ser tem, mas tal liberdade, por vezes, causa uma ambiguidade de pensamento
que se transforma em dilema, o que significa que a liberdade humana é cercada por dilemas que interferem nas
escolhas. Tal ideia remete à concepção de que o dilema é algo presente no desenvolvimento.

Conforme descrito por Sartre (2011), se a ação é intencional, isso gera no indivíduo a capacidade de se tornar
independente e responsável por suas consequências. A liberdade é uma condição indispensável ao ser atuante, pois
significa uma ruptura com seu próprio passado, fazendo dele o motivo para a ação.

CURIOSIDADE

Sartre conviveu com Merleau Ponty, uma das figuras mais importantes dentro da abordagem fenomenológica
existencial e que, após a Segunda Guerra Mundial, fundamentou uma das questões mais importantes e conhecidas,
que busca uma interpretação do mundo por meio de um método dentro da filosofia: o existencialismo.

Agora é a hora de sintetizar tudo o que aprendemos nessa unidade. Vamos lá?!

SINTETIZANDO

Nesta unidade, foram abordadas questões importantes sobre a importância do cuidar. Um dos aspectos que requer
compreensão, tendo em vista o contexto explicitado, se refere à existência humana e ao olhar diante da conjuntura
em que a pessoa se insere. A psicologia é um campo de interesse sobre o desenvolvimento humano e seu processo de
formação, por isso, é importante ressaltar que a pessoa, em seu processo evolutivo, passa por experiências que dão
sentido à existência, mas que a influenciam de forma positiva ou negativa.

A partir dessa compreensão, há a necessidade do ser humano expor suas vivências num processo de acolhimento e
escuta sobre a história de vida de uma pessoa, algo que não se trata de uma tarefa tão simples assim, tendo em vista a
demanda por um profissional capacitado e atuante, que olhe com veemência para essas questões sem qualquer
julgamento, posto que os aspectos da consciência são importantes nessa compreensão humanista, que passa pelo
encontro existencial discutido por meio desse método de investigação da condição humana.

Diante de todas essas informações, é importante ressaltar que a experiência é uma das principais características
inerentes à formação humana, sendo a maior responsável pela composição da personalidade. Embora não se refute a
herança biológica, esse aspecto, aliado às vivências, direciona o desenvolvimento de comportamentos que influenciam
as relações que um ser estabelece em vida.

Além disso, o desenvolvimento humano é um tema de interesse da abordagem fenomenológica existencial, em


especial na compreensão da influência do contexto em que se dá o desenvolvimento de um ser humano. Ao final
desta unidade, o dilema humano também foi apresentado, uma vez que ele se condiciona às escolhas que uma pessoa
faz diante de situações que, de certa forma, podem causar desequilíbrios.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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