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Módulo 

7: Compreensão e Ação clínica na perspectiva fenomenológico-
existencial
Concepção de Psicoterapia daseinsanalítica
Ação e compreensão na clínica fenomenológico-existencial
Concepção de uma Psicoterapia daseinsanalítica
Bibliografia básica: JARDIM, L.E. Ação e Compreensão na clínica
fenomenológico-existencial. In: EVANGELISTA, P. (org.) Psicologia
fenomenológico-existencial, pp. 45 – 76.
Bibliografia complementar: POMPÉIA, J. & SAPIENZA, B. “A terapia e a era
da técnica”. In: POMPÉIA, J. & SAPIENZA, B. Os dos nascimentos do
homem, pg. 123-140.
            Do ponto de vista dos procedimentos, a psicoterapia daseinsanalítica
acontece como aquela que a inspirou, a psicanalítica. Medard Boss defende o
uso do divã, a análise de sonhos, a relação terapêutica como foco do processo.
(Evangelista, 2015) Mas a fundamentação é outra. A Daseinsanalyse assume
que terapeuta e paciente são existências e que o paciente, que procura o
psicólogo, encontra-se restrito na liberdade para assumir certas possibilidades
existenciais. Tais restrições manifestam-se como modos de ser que
incomodam o paciente, pois ele não se reconhece neles. Ademais, considera-
os “sintomas”, “problemas”, “desajustamentos” e espera que o psicólogo possa
os eliminar, restaurando os modos de ser anteriores ao surgimento dos
mesmos.
No modelo científico-natural, causal, de pensamento, caberia ao psicólogo
investigar a etiologia dos incômodos para, de posse das causas, planejar e
implementar uma intervenção. Esse é o modo de proceder da Era da Técnica,
que visa a produção no menor tempo possível. Uma psicoterapia que
correspondesse a esse modo de ser produziria efeitos planejados pelo
terapeuta, isto é, conduziria o paciente ao modo de ser concebido pelo
psicólogo como o melhor para ele. O paciente, por sua vez, coloca-se passivo
nesse processo, no sentido de que recebe orientações e, enfim, o tratamento.
Pompeia & Sapienza explicam que, numa época em que toda experiência é
controlada, o que o paciente espera é conseguir controlar, dominar, o
sofrimento que o está controlando e dominando. (Pompeia & Sapienza, 2011)
Não é esse objetivo do processo psicoterapêutico. A ação do psicólogo deve
ser pensada como ação clínica. Ação clínica aproxima-se do sentido
etimológico de técnica (tekhné), que significa o deixar vir à luz algo que
permanecia oculto. Ou seja, a ação clínica não conta antecipadamente com
resultados, pois o futuro não pode ser controlado pela existência. A ação clínica
como tekhné propicia o surgimento de algo que pode ou não vir a acontecer,
cria um terreno fértil em que pode ou não vir à luz novo modo de ser da
existência. Que modos podem vir à luz? Cada existência precisa ouvir-se,
aproximar-se do que o incomoda, ao invés de tentar eliminá-lo a todo custo,
dominando-o. Pompeia & Sapienza (2011) jogam com o sentido etiológico de
“dominar”, que é o termo em latim domus, que significa casa. Ao invés de
dominar o que aflige, o convite da terapia daseinsanalítica é aproximar-se,
deixar-se sentir em casa, com o o que aflige, a fim de escutar seu sentido e,
quiçá, experimentar novos modos de ser mais livres. Isso ocorre por meio da
compreensão.
Aproximando-se do mundo do paciente, este e o psicoterapeuta buscam
compreender o sentido do que se passa consigo. Essa compreensão já é a
ação clínica, pois é a experiência de aproximar-se de si e deixar o sentido, que
permanece oculto, aparecer.
Ação e compreensão na clínica fenomenológico-existencial
A partir da caracterização de psicoterapia acima, a concepção de
fenomenologia enquanto um arcabouço teórico não se sustenta e esta passa a
ser entendida como uma postura do terapeuta que favorece ao paciente
revelar-se como fenômeno.
A postura do terapeuta exige, portanto, a escuta atenta e um demorar-se nas
situações relatadas, visando explicitar os sentidos vividos pelo paciente nas
descrições de suas experiências.
A compreensão, na analítica do dasein, é um aspecto fundamental da condição
de estar lançado do homem implicando na condição de ser-no-mundo. O ser-aí
habita o mundo faticamente em sua abertura constitutiva. Assim, a ação clínica
enquanto disponibilidade para a compreensão do existir se configura como
oportunidade para explicitação dos sentidos.
Paciente e terapeuta, no processo de psicoterapia, cohabitam um "aí" (abertra
de mundo) no do qual os modos concretos de ser do paciente se mostram e
podem ter seus sentidos des-velados. As tonalidades afetivas que tingem cada
experiência podem ser reconhecidas e o paciente pode se ver responsável
pelas escolhas que faz.
Desse modo a ação clínica em uma perspectiva fenomenológico-existencial
não está ocupada em resolver problemas, retirar sintomas ou adequar o
paciente a referências alheias, mas sim, está comprometida em oferecer uma
experiência de retomada do próprio acontecer histórico; do já vivido, do atual e
do porvir, recolocando o existir do paciente no processo de ser.
A psicóloga Carmem Barreto, estudiosa da ação clínica na perspectiva
fenomenológica existencial, define-a assim:
Assim, a atitude clínica mostra-se intimamente associada à própria atitude
fenomenológica de suspensão das objetivações da existência e abertura à
experiência de si e do outro como ser-no-mundo-com, como cuidado
ontológico, condição de possibilidade para o acontecimento de uma
transformação não produzida tecnicamente, mas emergente em forma de
reflexão sobre o sentido. Esse novo “olhar”, essa quebra do habitual, pode ter
início a partir dos estranhamentos ecoantes nas brechas de nossa existência
superficial via “acontecimentos” que, ao provocarem ruptura e transição,
destroçam e fundam horizontes de mundo, se e quando cedemos ao apelo dos
traços fundantes e constitutivos (ontológicos) do nosso ser si-mesmo próprio e
singular. Tal rompimento possibilita mudança e transformação ao abrir a crise
que dissolve e leva o “aí” a constituir-se outro. (SÁ & BARRETO, 2011, p.393)
Referência bibliográfica
SÁ, R. N. & BARRETO, C.L. (2011) A noção fenomenológica de existência e as
práticas psicológicas clínicas. Estudos de Psicologia Campinas, 28(3), p.389-
394

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