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A POLARIDADE SAUDÁVEL NO PROCESSO DO ADOECER

Fabíola Mansur Polito Gaspar


Resumo:
Neste trabalho, discutimos, sob a ótica da Gestalt-Terapia, o processo do adoecer, cujas
principais questões se referem a como compreender o adoecimento como uma experiência de
transformação do próprio indivíduo, e o que podemos fazer para resgatar a consciência de
suas potencialidades e limites, a fim de que reencontre um novo sentido para sua vida. Desta
forma, profissionais de saúde, principalmente psicólogos, são convocados a repensar sua
atitude diante do processo do adoecer, proporcionando uma reconfiguração do seu significado.
Ao ampliar as fronteiras entre a experiência do adoecimento e seu aspecto saudável, na
relação dialógica, observamos que a Gestalt-Terapia vem trazer grandes contribuições para o
trabalho em hospitais. Assim, consideramos que, além de fazer parte da condição humana, o
adoecer pode ser abarcado, terapeuticamente, a partir de uma perspectiva funcional,
resgatando a qualidade do contato criativo do indivíduo com sua vivência.
 
Palavras-chave: Gestalt-terapia; Saúde; Adoecimento.
 
Abstract:
In this work, we discuss, from the Gestalt-therapy view, the sickness process, which mainly
aspects refer to how we can understand the sickness as a man’s transformed experience, and
what we can do to rescue his potentialities and limits’ conscience. By this way, health
professionals, mainly psychologists, are required to think about their attitude toward sickness
process, permitting a reconfiguration of its significance. Increasing the bounds between
sickness process and its healthy aspect, in terms of dialogical relationship, we perceive that
Gestalt-therapy brings great contributions to the hospital work. So, we consider that, besides
making part of human condition, the sickness process can be understood, therapeutically, from
a functional perspective, rescuing the person’s creative contact quality with his experience.
 
Key-words: Gestalt-therapy; Health; Sickness.
 
INTRODUÇÃO
A grande motivação para esta reflexão parte do questionamento: como enxergar o
adoecimento como uma experiência de transformação do próprio indivíduo e inerente à própria
vida? O que se pode fazer para resgatar com estes sujeitos as suas potencialidades, mesmo
em situações de gravidade extrema? Como favorecer que o paciente, principalmente o
hospitalizado, reencontre um sentido para sua vida, mediante a peculiaridade de seu
diagnóstico?
A partir de tais inquietações é que a escolha da abordagem gestáltica toma lugar, uma vez que
ela permite "tocar" o ser humano, fundamentada num diálogo sensível, cuja pretensão não é,
absolutamente, fragmentá-lo em patologias, mas sim, estar a serviço dos recursos que ainda
são possíveis de se resgatar.
 Observo que os primeiros estudos teórico-científicos do ser humano, tanto fundamentados
pelo olhar médico, quanto pelo psicológico, recaíam muito mais sobre a psicopatologia do que
pela visão funcional e saudável do processo do adoecer. É impressionante observar como se
enfatizava o "doentio", o "anormal", o "distúrbio", o "defeito", esquecendo-se de que, estas
manifestações são uma maneira expressiva de ajustamento criativo por parte do indivíduo
mesmo que, por algum momento, disfuncional. Ao invés de privilegiar sintomatologias,
independente se pela via do adoecimento ou dos comportamentos considerados
psicossomáticos, pretende-se levar em conta o aspecto saudável e, quem sabe "curativo" que
se esconde nas entrelinhas do adoecer, visando uma compreensão mais criativa (no sentido
gestáltico) do homem.
Este trabalho, então, objetiva, a partir da experiência em um hospital geral, sugerir a
possibilidade de oferecer aos profissionais da área de saúde a visão gestáltica do processo do
adoecer, aparentemente desintegrador, percebendo-o, também, como uma vivência
transformadora ou não. Pode-se ainda dizer que este estudo é também uma forma de contribuir
com aqueles profissionais, principalmente psicólogos, para que reflitam sobre sua real postura
de agentes ativos dentro do contexto hospitalar, no sentido de reverter o significado restrito e
precário que se vem dando ao adoecimento.
A compreensão do homem a partir de sua existência, subjetividade e potencial de constante
crescimento e auto-regulação, favorece a abertura para conceber o adoecer como uma etapa
de ajustamento criativo disfuncional, capaz de, muitas vezes, salvaguardar o indivíduo da
insuportabilidade de determinadas experiências.
Aproveitando a leitura da Gestalt-Terapia, deseja-se enfatizar que o estar doente, como a
própria expressão indica, visa um estado, um processo e, não, algo estático, sintomático e sem
perspectiva de transformação. Se pudermos fazer uma analogia, uma semente precisa
apodrecer e se desfazer, a fim de que dê frutos. Caso isto não ocorra, ela perde a sua função.
Assim também é o adoecer humano: se um estado de debilitação não puder ser reconfigurado
e reconhecido como um percurso de crescimento, o homem fica desacreditado de si, fechando
suas fronteiras de contato, numa restrição e paralisação, muitas vezes, fatais.
 
DESENVOLVIMENTO
Ampliar as fronteiras de contato dos pacientes, especialmente os hospitalizados, valorizando a
capacidade de poderem refazer e readquirir um movimento mais vivo em suas atitudes, é tarefa
primordial do trabalho psicológico no hospital, principalmente dos gestalt-terapeutas -
profissionais que trabalham para favorecer a qualidade do contato do indivíduo com suas
necessidades, potencialidades e limites, rumo ao crescimento e transformação através de suas
experiências.
Para alcançar este novo olhar e esta nova atitude frente o adoecer, é imprescindível que se
reavalie e se reconceitue a própria doença. Esta pode ser entendida como uma parte
estruturante da existência. E isto significa que também pode ser vista como "... um fenômeno
do cotidiano" (Kovács, 1992, p. 144), prescindindo de uma singularização, cujos contextos não
se fundamentem em polaridades fragmentadas, mas em polaridades que se complementem, a
fim de estarem a serviço da própria "cura", além de assumir um sentido para o próprio doente
em si.
 
Ao sensibilizar tal conexão, abre-se uma primorosa perspectiva para repensar o significado da
“cura”. “Cura” esta, não como o alcance de um corpo perfeito, de um estado afetivo
completamente satisfatório (o que é impossível). Mas sim, “cura” enquanto qualquer outra
experiência singular e importante para a existência.
E, particularmente, concebo a “cura” como um processo de transformação e mudança, que
fortalece e motiva o indivíduo ao prazer de uma necessidade satisfeita. “Cura” também é uma
relação, ou seja, “dar um laço novo, re-atar”. E esta compreensão pode ser vinculada à
reconstrução da própria história do indivíduo, a partir das experiências que abarcam dor,
sofrimento e, por outro lado, potencialidades.
Não há como pensar no adoecer em Gestalt-Terapia sem relacionar este processo com a
saúde, pois um dos fundamentos básicos desta abordagem é justamente o pensamento
holístico e a crença na capacidade e no potencial do indivíduo.
De acordo com a conceituação gestáltica do adoecer, é importante acrescentar que esta
abordagem imprime constantemente uma visão processual de todas as circunstâncias
vivenciadas pelo homem. E este processo em si corresponde a um interminável fluir de
formação e destruição de figuras, ora experimentando a assimilação, ora a alienação daquilo
que entrar em contato, na fronteira. A partir desta crença, "... o contato tem de ser uma
transformação criativa. Por outro lado, a criatividade que não está continuamente destruindo e
assimilando um ambiente dado na percepção, e resistindo à manipulação, é inútil para o
organismo e permanece superficial, faltando-lhe energia..." (Perls, 1997, p. 211). Desta forma,
ao buscar fundamentar a polaridade saudável do processo de adoecimento, é essencial não
perder de vista que tal funcionalidade só será criativa, na medida em que houver assimilação e
crescimento.
Na linha desta polarização do adoecer, há um exemplo bastante ilustrativo em que a palavra
grega "pharmakon significa veneno e também remédio" (Dethlefsen, 1997, p. 25). Dentro desta
configuração o adoecimento pode ser tanto um veneno quanto um remédio para o homem,
dependendo de como este experienciar tal processo. Caso não fique cristalizado apenas em
uma das polaridades mas, ao contrário, permita-se verter por qualquer uma delas, obterá uma
visão e uma postura completamente diferentes diante de seus sintomas, sofrimento e estados
psíquico e clínico em geral.
É fundamental ressaltar que o importante neste movimento é o amadurecimento, a
transformação, a transmutação do adoecimento e o conseqüente contato com os recursos
pessoais. Aqui se encontra a grande diferença entre “... lutar contra a doença e transmutá-la. A
cura acontece exclusivamente pela transmutação da doença e nunca pela vitória sobre um
sintoma, pois a cura pressupõe a compreensão de que o ser humano também mergulhou na
experiência de contatar as dimensões de suas potencialidades, enquanto aquilo que melhor
sabe ser, sentir e agir.
Na linguagem gestáltica, esta transmutação pode também ser correlacionada à expansão da
awareness e do contato entre o indivíduo, seu ambiente e seu adoecer, pressupondo que o
alcance do estado saudável implica a mobilização de energia para satisfazer uma
"necessidade-figura" e a conseqüente troca intersubjetiva no campo vivencial, a fim de ampliar
o potencial de ação do indivíduo em seu diálogo consigo e com o meio.
Assim, quando os pacientes ousarem lançar mão de seus próprios recursos (que pode ser a
partir, ou não, do suporte proveniente dos atendimentos terapêuticos), o estado de
adoecimento ganhará um sentido de movimento, de expansão para um contato funcional e
dinâmico, num encontro que, provavelmente, possa vislumbrar um propósito de vida e uma
abertura de possibilidades. Eis aqui uma outra diferença entre lutar contra tal estado, extirpar
os sintomas e, resignificá-los em prol do crescimento.
"A doença precisa ser vista como a 'abertura para novas possibilidades existenciais a partir do
confronto com determinados impedimentos'..." (Rehfeld, 1991, p. 28-29). Se o indivíduo não se
permite mergulhar no próprio adoecer e perceber o que ele quer dizer, ou como vem fazendo
parte de sua vida, dificilmente ele poderá experimentar-se são.
E este mergulho implica também em se reconhecer frágil, portador de limites próprios; fruto de
expressões “deformadas” na interação com o meio. Significa ainda admitir que, inúmeras
vezes, o que fez parte do desenvolvimento pessoal foi uma sucessão de desconfirmações,
desvalorizações e insatisfações que culminaram numa opressão das habilidades em
transformar o disfuncional em funcional. O adoecer vem espelhar uma das facetas deste limiar
entre a dor e a realidade da condição humana. O que não pode ser esquecido é que este
percurso, muitas vezes considerado frágil ou manco existencialmente, faz parte da condição
humana e, ao invés de exilado de tal contexto histórico-pessoal, deve ser a ele incorporado,
fazendo-se fonte de possíveis ajustamentos criativos.
E falar em ajustamento criativo, implica em se pensar sobre o funcionamento saudável. Em
Gestalt-Terapia, este se refere ao "fluxo contínuo e energizado de awareness e formação
perceptual de figura-fundo, onde através de fronteiras permeáveis e flexíveis, o indivíduo
interage criativamente com seu meio ambiente, desenvolvendo recursos novos para responder
às dominâncias que se afigurem e usando funções de contato para poder avaliar e
apropriadamente estabelecer contatos enriquecedores e interrompê-los quando tóxicos e
intoleráveis" (Ciornai, 1995, p. 74).
Uma outra definição importante, da contribuição de Yontef, é que “na saúde, a figura muda
conforme a necessidade, isto é, ela se desvia para um outro foco quando a necessidade é
satisfeita ou superada por uma necessidade mais urgente” (1998, p.35).
Ao contrário, o funcionamento não saudável se caracteriza "por interrupções, inibições e
obstruções destes processos, com a conseqüente formação de figuras fracas, desvitalizadas,
mal definidas, nebulosas, confusas à percepção, que ao não se completarem vão dificultando
progressivamente as possibilidades de contatos criativos, vitalizados e vitalizantes com o
presente" (idem, ibidem, p.74).
Yontef, na mesma linha de reflexão acerca do não-saudável, diz que, “quando a figura e o
fundo estão dicotomizados, um dos dois é deixado como figura sem contexto ou com o
contexto fora de foco” (idem, 1998, p.35).
 Assim, muitas vezes, mediante o primeiro impacto de um diagnóstico ou de uma
hospitalização, o indivíduo pode carecer tanto desta fluidez, que acaba perdendo o contato com
seu querer e se distanciando de si mesmo (Ribeiro, 1998). Com a interrupção e a inibição do
processo criativo, há uma irrupção de sintomas que deixam o corpo como figura, enquanto os
recursos se tornam nebulosos e enfraquecidos psico-energeticamente.
 O que venho observando na prática hospitalar é que, no momento da notícia diagnóstica por
exemplo, é como se houvesse uma espécie de avalanche de toxinas e lixos existenciais que
cegam, enfraquecem e alienam quaisquer produtos nutritivos que pudessem conduzir a um
contato mais eficaz com a polaridade saudável do adoecer. E, na grande maioria, são estas
toxinas que obstruem o fluir do processo de crescimento, tornando turva qualquer tentativa de
identificação da figura dominante, o que, conseqüentemente, afasta articulações que ativem
recursos e potencialidades.
O estado de adoecimento, assim, pode se revelar como fruto de relações cristalizadas,
ausência de autoconfiança e auto-estima. Entretanto, é fundamental que o paciente
hospitalizado seja visto como portador de uma história pessoal que antecede a própria
internação. E, por esta razão, este estado de crise deve ser compreendido a partir de todos os
comportamentos e crenças que a história daquele paciente refletir. Este lembrete se deve ao
fato de que possíveis modificações decorrentes do adoecer, como a restrição no grau de
investimento energético frente às atividades até então desenvolvidas pelo paciente, pedem
uma escuta mais apurada e cuidadosa. E esta escuta se dará certamente na fronteira de
contato terapeuta-paciente, presumindo de uma gradual retomada da fluidez entre o indivíduo e
seu meio, acrescida da disponibilidade de tornar a crise uma oportunidade, gerando um sentido
novo para o adoecimento.
 
Nós não existe, mas é composto de Eu e Tu; é uma fronteira sempre móvel onde duas pessoas
se encontram. E quando há encontro, então eu me transformo e você também se transforma.
Frederick Perls – Gestalt-Terapia Explicada.
 
Tomando esta via de reflexão, é que se propõe traçar algumas correlações entre a visão
gestáltica do ciclo de contato e os estágios pelos quais os pacientes passam, a partir do estudo
de Klüber-Ross.
Da mesma forma que Frederick Perls e seus demais seguidores reconhecem este ciclo de
contato, ou curva organísmica como um dos pontos-chave da teoria e abordagem gestáltica,
Elisabeth Klüber-Ross, por outro lado, também propõe uma outra configuração para
compreender as experiências dos pacientes, após a notícia de uma grave enfermidade. Na
verdade, não há a intenção de se aprofundar ou realizar uma comparação inteiramente
fundamentada deste assunto. Mas, em contrapartida, ressaltar certos aspectos, ilustrando-os
com casos clínicos atendidos na instituição hospitalar na qual trabalhei, será um interessante
percurso!
Tanto as necessidades fisiológicas quanto as psicológicas rondam e perfazem quaisquer
experiências do ser humano, num processo de homeostase. Este processo homeostático se
caracteriza por um "jogo contínuo de estabilidade e desequilíbrio no organismo" (Perls, 1988,
p.20), almejando um estado de satisfação. Entretanto, para atingi-lo, não há como pensar no
indivíduo isoladamente, mas sim, em constante relação com seu ambiente.
É daí que surge o próprio conceito de ajustamento criativo onde, a partir deste relacionamento
organismo-meio,
"... a pessoa entra em contato responsavelmente, reconhece e conduz (de maneira bem
sucedida) a sua vida e toma a responsabilidade para criar condições vantajosas para o seu
próprio bem-estar" (Yontef, s/d, p.40-41).
 
Klüber-Ross identifica a negação e o isolamento como a primeira reação do indivíduo à sua
enfermidade. Para esta autora, "a necessidade de negação vai e volta, e o ouvinte sensível,
perspicaz, ao notar isso, deixa que o paciente faça uso de suas defesas..." (1996, p.54).
Refletindo gestalticamente, a negação pode, num primeiro momento, ser produtiva, na medida
em que permite ao paciente retrair e proteger-se na fronteira de contato, contra a dor e a
angústia iniciais. Observa-se que, mesmo na retração, há um acúmulo de energia armazenada
que, posteriormente poderá ser utilizada como uma via de ação e conscientização do
adoecimento.
A raiva é o segundo estágio apontado por Klüber-Ross; ela constata: "o pior é que talvez não
analisemos o motivo da raiva do paciente; nós a assumimos em termos pessoais quando, na
sua origem, nada ou pouco tem a ver com as pessoas em quem é descarregada" (idem, 1996,
p.65). As falas recheadas de raiva, muitas vezes vêm carregadas de sentimentos de
inconformismo e fracasso: “por que isto aconteceu comigo?”; “como pode um dia de sol se
transformar neste dia de tempestade assim?” (SIC).
De acordo com a concepção gestáltica, a raiva é um sentimento muito profícuo, a partir do
instante em que se pode dar vazão a ele. A raiva também mobiliza uma tomada de atitude e
bloqueá-la é tornar algo indigesto, impedido de ser processado sensorial e afetivamente. Em
meu contato com pacientes, percebo, nas falas, a mescla de sensações que acompanham a
raiva e a negação: "meu corpo não é mais meu; sou invadida por todos me examinando";
"gostaria de jogar os problemas do outro lado da janela"; "tenho um E.T., um objeto estranho
em meu corpo" (SIC).
É evidente como estas sensações não ficam confinadas exclusivamente aos pensamentos dos
pacientes. Muito pelo contrário, elas brotam de todo o corpo, em cada gesto, em cada suspiro,
em cada experiência. E, na grande maioria dos casos, há uma luta desenfreada para controlar
a difícil situação, em que as trocas entre fronteiras vão ganhando uma conotação vitimizada e
camuflada por promessas de seguir o tratamento corretamente, tomar a medicação prescrita
por exemplo, compreendendo a barganha, enfocada por Klüber-Ross que, nada mais é do que
"uma tentativa de adiamento" (idem, ibidem, p.97). Um episódio clarificador deste momento
ocorreu com um garoto de doze anos que, após uma série de quimioterapia e de seis meses
ininterruptos de internação, dizia: "prometo que volto para o hospital; só quero passar uns dias
em casa" (SIC).
Este fato, se olhado do ponto de vista saudável, revela um pedido de resgatar "as próprias
coisas"; de se sentir singular, possuidor de uma história que extrapola a realidade hospitalar.
Neste sentido, percebe-se uma mobilização de energia que prima por satisfazer uma
necessidade emergente. Neste caso, em especial, a equipe de saúde chegou a um acordo,
permitindo que o paciente ficasse em casa por uma semana, retornando então para outra série
do tratamento. A vitalidade e a disponibilidade após o retorno foram cruciais ao bom
prognóstico deste garoto. De um tumor no centro do cérebro, tendo seus dias de vida
"contados", hoje, este paciente experimenta o gosto pela vida!
Prosseguindo com estas comparações ilustrativo-teóricas, o estágio seguinte seria o da
depressão, no qual a autora distingue a depressão reativa (mediante os limites trazidos pelo
adoecer), e a depressão preparatória (Klüber-Ross, 1996), onde na linguagem da Gestalt, seria
vista como um momento de intensa retração na fronteira e forte introspecção. Fazendo uma
analogia com a curva de contato, este momento pode configurar uma verdadeira percepção e
conscientização do processo de adoecimento, uma vez que o paciente se dispuser a identificar
e entrar em contato com a figura dominante.
Por fim, o último estágio é o da aceitação. Pode-se considerar que esta aceitação é uma
experiência de awareness ampliada, na medida em que experienciando medos, dúvidas e
impasses, chega a hora de agir e contatar os recursos próprios diante do adoecimento.
Na verdade, a meta que se deseja atingir é justamente mostrar que, separadamente, o que é
saudável e o que não é podem guardar prejuízos e benefícios ao ajustamento criativo do
indivíduo, na medida em que ficarem ou não cristalizados numa só polaridade,
respectivamente. Entretanto, ao serem olhados como uma totalidade, a nível processual e
dinâmico, podem ampliar a gama de facilidades perceptivo-sensoriais do indivíduo,
favorecendo uma melhor qualidade do diálogo entre ele e seu mundo, numa constante busca
de auto-regulação organísmica.
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
‘Se aceito a outra pessoa como algo fixo, já diagnosticado e classificado, já modelado
pelo seu passado, estou cumprindo a minha parte para confirmar essa hipótese limitada.
Se o aceito como um processo de tornar-se, estou fazendo o que posso para confirmar
ou tornar real suas potencialidades!’.
 Buber apud Hycner – A cura na relação terapêutica.
 
A partir de toda esta produção, embasada na literatura teórica e na prática hospitalar, conclui-
se que há muito que se fazer para facilitar um diferente experimentar do processo de
adoecimento.
A Gestalt-Terapia, fundamentada no diálogo entre paciente e terapeuta, abre tais
possibilidades para “cuidar” e resignificar o estado do adoecer. Isto quer dizer que é viável
favorecer um transitar do paciente pelos “nós” deste processo e pelo encontro com suas
potencialidades, a fim de desatá-los. Para isto, a proposta gestáltica é a de incentivar o auto-
suporte, no sentido de que cada paciente se responsabilize e escolha o que quer fazer ao se
perceber “adoecido”.
Particularmente, tenho tido o privilégio de me “encontrar” com pacientes que se dispõem a
experienciar um novo jeito de incluir os processos saudáveis e adoecidos de sua existência, de
forma criativa e auto-reguladora.
E, estar disponível a traçar um caminho, a ser presença no diálogo, iluminando e sendo
iluminado pelo encontro inter-humano é também a grande tarefa e o grande presente da terapia
gestáltica. Nada de facilidades; porém, extremo empenho e criatividade, numa construção
artesanal, onde paciente e terapeuta tecem um caminho possível, fazendo do adoecer uma
experiência transformadora.
 
“Entrar em contato é viver em vez de falar sobre vida. É fazer e experienciar em vez de
analisar. É ter uma experiência com o paciente no presente. A cura está no viver em
diálogo”  (Yontef, 1998, p.265). 
 
 
“Toda mudança requer um trabalho interno de busca, contato profundo consigo próprio
e muita coragem. Cada sofrimento, angústia e ‘morte’ guardam um mistério de vida e
uma natural sensação de re-nascimento, de florescimento. Arriscar-se e embrenhar-se
nestes sentimentos paradoxais culmina numa grande maturidade, dando ao espírito
humano uma leveza e alegria imensuráveis. A presentificação de tais emoções é o
reflexo de toda a caminhada; não há limite para conquista e triunfo; só a garra
prevalece!
No final das contas, o ‘desconhecido’, antes temido, apresenta-se àquele que tanto
buscou, como um crescimento pessoal, cujas lembranças apagam os abalos e fazem
reluzir as vitórias internas...”
Bibliografia
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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-              REHFELD, Ari. “Existência e Cura – Idéias”. Revista de Gestalt. Ano I, n. 1, 1991.
-   RIBEIRO, W. F. R. Existência-Essência – Desafios Teóricos e Práticos das Psicoterapias. São Paulo, Summus,
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-              YONTEF, G. M. “Gestalt-Terapia: uma fenomenologia clínica”. The Gestalt Journal, v. II, n. 1., s/d.
-              YONTEF, G.M. Processo, Diálogo e Awareness. São Paulo, Summus,1998.

Publicado em 10/03/2004
Currículo(s) do(s) autor(es)
Fabíola Mansur Polito Gaspar - (clique no nome para enviar um e-mail ao autor) - Psicóloga, gestalt-
terapeuta e mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina.

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