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2009/ 2010
Conforme foi sendo exposto, os sistemas jurídicos não se encontram todos no mesmo plano,
antes existe um certo número deles que operam como centros de irradiação, a partir dos quais os
restantes se foram autonomizando, constituindo com eles como que uma família. É neste símile que
radicada a tendência para recorrer ao conceito de família jurídica a fim de designar um conjunto
de sistemas jurídicos que possuem afinidades entre si quanto a certos aspectos.
No entanto, vários autores empregam preferencialmente o conceito de tradição jurídica a
fim de designarem «qualquer conjunto de atitudes historicamente condicionadas, relativa à natureza
do Direito, ao papel deste na sociedade e na polis, à organização e ao funcionamento do sistema
jurídico, bem como ao modo pelo qual o Direito deve ser criado, estudado, aperfeiçoado e
ensinado» (Merryman/Clark/Haley). Para outros, trata-se antes de toda «a informação normativa
transmitida através das gerações» – H. Patrick Glenn, do complexo de institutos, valores e conceitos
jurídicos objecto dessa transmissão geracional. Ambas as orientações colocam o seu acento tónico
na genealogia dos sistemas jurídicos e na continuidade da sua evolução.
O conceito de cultura jurídica sofre o mesmo reparo que o de tradição jurídica, pelo menos
nas sugestões de Alan Watson ou David Nelken. A verdade é que existem diferenças muito
acentuadas entres os sistemas que integram cada uma dessas família culturais: 1) Quanto ao modo
de conceber o Direito; 2) No tocante à relevância que é conferida ao Direito na regulação da vida
social; e, 3) Relativamente aos ideais através dele prosseguidos e às técnicas e métodos por ele
adoptados. Essas diferenças retiram todo o interesse à agregação na mesma cultura jurídica de
sistemas jurídicos tão díspares.
Pode, no entanto, tomar-se a noção de tradição jurídica (e de cultura jurídica) numa
acepção diversa, maxime como uma forma típica de conceber o Direito, historicamente
encarnada em certo ou certos sistemas jurídicos. Sempre que seja partilhada por diferentes
sistemas jurídicos, uma tradição ou cultura jurídica, assim entendida, corresponderá a uma família
jurídica. Assim, não há antinomia entre os modelos de análises supracitados.
O Direito Romano
Compreende-se por Direito Romano o conjunto de normal e dos princípios jurídicos que
vigoraram em Roma e nos territórios sob sua administração desde a sua fundação, séc. VIII a.C.,
até, pelo menos, à queda do Império, ocorrida no séc. V no Ocidente, e no séc. XV a Oriente.
Os Direitos Germânicos
Durante a Alta Idade Média, no território do antigo Império Romano do Ocidente,
formaram-se vários reinos de origem germânica. No mesmo espaço, coexistiram populações que
continuavam a regular-se pelo Direito Romano com outras que aplicavam preferencialmente
costumes germânicos.
O termo “germânico” constitui um indicador desta comum, mas remota, influência dos
direitos germânicos da Idade Média.
O Cristianismo
O Cristianismo ganha preponderância pelo facto de nele repousar a génese do Personalismo
Jurídico, que constitui uma das características fundamentais dos Direitos integrados nesta família.
A dignidade da pessoa humana foi expressamente reconhecida por vários sistemas jurídicos
integrados na família romano-germânica como próprio fundamento do Direito.
Desse princípio fluem múltiplas normas que integram estes sistemas jurídicos. Tal o caso,
das que reconhecem personalidade jurídica a todas as pessoas humanas e das que consagram os
direitos de personalidade (direitos à vida, integridade física e moral, identidade pessoal, etc.).
O princípio da Igualdade, noção com raiz cristã, que o Direito romano desconhecia.
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predominância do Direito Romano justinianeu;
- o pays des costumes, a norte, onde a principal fonte de Direito continuou a ser formada por
costumes de origem germânica, que sobre compilações a partir do séc. XV.
Na Alemanha, a recepção deu-se mais tarde (sec. XV), mas foi mais extensa e intensa. Os
principais factores que contribuíram para tal foram: (1) Ausência de um poder central, com a
consequente pulverização política e jurídico-normativa; (2) A ideia de que a vigência do Direito
Romano se justificava pela pretensa continuidade do Império Romano no Sacro Império Romano-
Germânico. Por isso, se escreve que, na Alemanha, a recepção se faz ratione Imperri (em razão do
Império) e que, nos outros países, foi determinada imperio ratione (por força da razão).
A codificação
O movimento codificatório (compilação sistemática, sintética e científica de normas legais)
foi a fórmula encontrada para assegurar a concentração e divulgação da lei e o instrumento
preferido para lhe conferir primazia entre as fontes de Direito.
Em França, foram promulgados os códigos: Civil (1803); de Processo Civil (1807); do
Comércio (1807); Penal (1811); de Instrução Criminal (1811).
Em Portugal, foram aprovados sucessivamente os códigos: Comercial (1833),
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Administrativo (1836), Penal (1852), Civil (1867) e de Processo Criminal (1895).
Na Alemanha, surgiram os códigos: Penal (1871), de Processo Civil (1877), de Processo
Penal (1877), Civil (1896) e Comercial (1897).
FONTES DE DIREITO
Elenco e Hierarquia
É pacífico que a lei tem o primado entre as fontes de Direito, tanto pela sua importância
como pela prevalência hierárquica. A opinião ainda dominante em Portugal e em França vai mesmo
no sentido de que a lei é fonte exclusiva de criação de Direito. Os juristas alemães, pelo contrário,
aceitam geralmente que eficácia equivalente conferida ao costume.
A controvérsia sobre o valor da jurisprudência e da doutrina desenrola-se em termos
próximo nos três sistemas jurídicos, com tendência para a sua qualificação como fontes mediatas.
A Lei
Em qualquer dos sistemas jurídicos, há uma Constituição escrita, colocada no topo da
hierarquia das fontes de Direito: Constituição da República Federal da Alemanha de 1949 (alterada
pelo Tratado de Unificação de 1990), Constituição francesa de 1958 e Constituição portuguesa de
1976.
Todas elas incluem:
1. As regras fundamentais sobre a organização do poder político, baseado numa concepção de
democracia representativa;
2. Um elenco de Direitos Fundamentais (que na CRF aparece por remissão para a
Declaração dos Direitos do Homem).
As principais diferenças consistem:
1. Na estrutura unitária dos Estados português e francês em contraposição com a
estrutural federal da RFA, onde existem as Constituições do Länder.
2. No modelo semipresidencial adoptado pelas Constituições francesa e portuguesa em
comparação com a maior incidência parlamentar da CRFA;
3. Na caracterização da RFA e de Portugal como Estados de Direito social em
comparação com o pendor clássico e liberal da CRF.
A Jurisprudência
O valor da jurisprudência como fonte de Direito é, nestes três países, matéria de discussão e
de opiniões divididas. As principais orientações são as seguintes:
1. A jurisprudência não é fonte imediata de Direito.
2. Quando uniforme, a jurisprudência constitui precedente meramente persuasivo, mas, em
certas matérias, pode ser considerada como fonte de Direito, na medida em que interpreta,
desenvolve ou completa normas legais;
3. A jurisprudência constante tem o valor de costume jurisprudencial.
A Doutrina
A doutrina constitui um elemento central de todos os sistemas jurídicos romano-germânicos.
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Apesar de ser considerada apenas como fonte mediata de Direito, a doutrina desempenha um
relevante papel na construção e compreensão dos sistemas jurídicos, nas reformas legislativas e
tampem no modo de aplicação do Direito.
Afinidades entre a doutrina alemã e portuguesa: as obras mais marcantes têm origem
universitária;
Diferenças entre a doutrina alemã e portuguesa: A quantidade e densidade de obras
doutrinárias, na Alemanha, é superior a Portugal; A doutrina alemã constitui um edifício mais
fechado sobre si mesmo, bastante cerrada a direitos estrangeiros e ao Direito comparado. Coisa que,
em Portugal, não se verifica tanto; Na Alemanha, a doutrina atenta bastante à jurisprudência. Em
Portugal, a doutrina influencia, sobretudo, o modo de decidir dos tribunais.
Em França: A produção doutrinária é bastante elevada; Denota-se criatividade e apurada
construção teórica de algumas obras; Proliferam textos de índole prática; O discurso centra-se na
exegese da lei e no comentário casuístico da jurisprudência; São escassas as referências a Direitos
estrangeiros.
Interpretação da lei
A metodologia de interpretação da lei é resultado de construção doutrinária. Os cânones de
interpretação da lei se mantêm imutáveis desde a formulação que Savigny fixou em obra no séc.
XIX.
O método é pluralista, sendo relevantes os seguintes factores:
A “letra da lei”, a que se refere o elemento literal ou gramatical;
O “espírito da lei” ou elemento lógico, por sua vez se divide nos elementos histórico, teleológico
e sistemático.
Integração da lei
Em qualquer dos Direitos em análise, a aplicação analógica é o meio privilegiado de
integração de lacuna da lei. Pouco pacífica é admissibilidade de invocação de princípios gerais de
Direito.
No Direito português, prevê-se ainda aplicação de uma norma hipotética criada “dentro do
espírito do sistema” legislativo (art. 10.º/3 do CCP). No Direito alemão, o costume é também
admitido como forma de preenchimento de lacunas.
Princípios de Direito
Os princípios de Direito devem ser considerados como expressão normativa das grandes
linhas de orientação do ordenamento jurídico e dos valores nele imperantes. A referência a
princípios é hoje uma constante na actividade dos tribunais portugueses, alemães e, apesar do culto
da lei escrita, nos franceses.
Nem todos os princípios jurídicos são, decerto, imediatamente aplicáveis aos casos
concretos: alguns carecem de uma concretização na lei ou na jurisprudência.
Não se pode deixar de reconhecer que os princípios sejam modo de formação e revelação do
Direito.
DIREITO INGLÊS
Evolução
Período anglo-saxónico (séc. V d.C. - 1066)
As ilhas britânicas foram colónia romana até ao princípio do séc. V d.C. O Direito Romano
foi erradicado pelas sucessivas invasões de anglos, saxões e dinamarqueses. A principal fonte de
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direito voltou a ser o costume e, a partir da conversão ao cristianismo, finais do séc. VI, também o
direito eclesiástico se aplicava a algumas situações jurídicas. A descentralização do poder política, a
escassez de leis escritas e a predominância do direito consuetudinário impediram que neste período
existisse um Direito comum a toda a Inglaterra.
Organização judiciária
A estrutura dos tribunais ingleses desenha-se, não em pirâmide, mas em T invertido: a base é
preenchida por um elevado número de “tribunais inferiores” (os county courts e os magistrates’
courts), e, na haste, por tribunais superiores, ordenados em três escalões hierárquicos com uma
única sede em Londres e com jurisdição em todo o território.
Os tribunais superiores subdividem-se em:
1. House of Lords (tribunal Appeal Commitee, composto por 11 Lordes), que tem natureza de
última instância de recurso das decisões de todos os tribunais;
2. Judicial Commitee of Privy Council, composto pelos mesmo membros do Appeal Commitee, e
que emite pareceres não vinculativos em relação a decisões dos tribunais das Ilhas do Canal, da
Ilha de Man, das subsistentes colónias inglesas e de alguns países independentes que
pertenceram à Commonwealth (e.g, Nova Zelândia, Singapura e Gâmbia);
3. Supreme Court, que compreende o Court of Appeal (constituído pela Civil Division e pela
Criminal Division), o High Court of Justice (analisa questões de 1.ª instância que não sejam
competência dos tribunais inferiores e questões de recurso de algumas questões; constituído pela
Chancery Division, Família Division e Queen’s Bench Division) e o Crown Court (competência
criminal, julgando em 1.ª instância os crimes mais graves e, em recurso, questões menos graves.
Fontes de Direito
Na família common law é comum separem-se as fontes em “principais” e “subsidiárias”.
Sendo que as principais são a lei (statute, statutory ou legislation) e a jurisprudência (case
law), e as subsidiárias o costume (custom) e a doutrina (doctrine, books of authority).
Actualmente, a distinção entre equity e common law continua a ser critério de divisão no
Direito inglês, um pouco como o Direito Público vs Direito Privado na família romano-germânica.
O princípio de compatibilização das dois sistemas está assegura pelo princípio, segundo o
qual, a equity complementa e aperfeiçoa o common law; e, pela possibilidade de aplicação, pelos
tribunais no mesmo caso, de regras dos dois sistemas.
A jurisprudência
A dita case law, unwritten law, é, em Inglaterra, o modo “normal” de produção e revelação
de regras jurídicas (principal fonte de Direito).
Vigora, por efeito, o princípio do precedente vinculativo, ou stare decisis, segundo o qual
todos os tribunais se encontram obrigados a seguir as decisões proferidas, noutros casos com
os mesmos factos relevantes, pelos tribunais situados acima deles hierarquicamente, estando os
próprios tribunais de recurso, exceptuando a Câmara dos Lordes, vinculados às suas decisões
anteriores.
O valor do stare decisis é diferente do que aquele que lhe é conferido nos sistemas
romano-germânicos, por dois motivos: (1) No Commo Law inglês, o precedente tem autoridade per
si, mesmo que o tribunal, perante o qual é invocado, possa aduzir uma razão válida para não o
aplicar no caso sub judice. Nos Direitos continentais, se o precedente pode ser criticado e, por
conseguinte, afastado se demonstrado que enferma de erro; (2) Nos Direitos continentais, a
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autoridade do precedente judicial assenta na repetição dos julgados, sendo insusceptível de operar
como facto normativo uma única decisão sobre uma questão contestada.
Isto acontece, essencialmente, por três motivos: (i) a necessidade de certeza da
jurisprudência, agudamente sentida na Inglaterra, em virtude de, os tribunais ingleses, não operarem
com o respaldo de códigos, como aqueles em que se apoiam os tribunais dos sistemas romano-
germânicos; (ii) O carácter altamente centralizado da organização judiciária inglesa, que favorece a
formação e a efectiva observância de precedentes vinculativos; (iii) A diferente posição dos juízes
ingleses, que gozam, pelas razões atrás apontadas, de um autoridade pessoal de que os seus
homólogos continentais, em geral, não desfrutam.
O stare decisis não significa, todavia, que os juízes, ao julgarem um caso, estejam
vinculados a tudo o que se declarou numa sentença anterior sobre um caso igual ou semelhante. Nas
sentenças inglesas há que distinguir quatro elementos:
1. Os factos provados;
2. A ratio decidendi, ou seja, a razão de decidir. Argumento(s) jurídico(s) formulado(s) pelo
tribunal, que foram determinantes para a resolução em certo sentido do caso sub judice;
3. Os obter dicta. Quais proposições jurídicas aduzidas pelo tribunal, que não hajam sido
decisivas para o julgamento do caso; e,
4. A decisão propriamente dita.
Só as rationes decidendi constituem precedentes vinculativos e têm, por isso, de ser
observadas em casos posteriores. Os obter dicta não obrigam para o futuro.
A vinculação a um precedente depende, ainda, deste emanar do próprio tribunal que o emite
ou de um tribunal hierarquicamente superior.
As sentenças inglesas são constituídas por um conjunto de pareceres individuais (speeches
ou opinions), formulados em separado por cada um dos juízes. A decisão do caso corresponde ao
sentido maioritário desses pareceres. O sistema favorece a emissão e a publicação de votos de
vencido. As sentenças tende a ser bastante extensas e minuciosas, ao que não será estranha a
circunstância de estas declarações amiúde constituírem fontes de Direito novo.
Parece irrecusável que os juízes ingleses criam novas regras, mesmo quando se limitam a
aplicar a novas categorias de situações as que estavam enunciadas em precedentes anteriores.
Mesmo nos leading cases (i.e., precedentes que modificam o Direito anterior) observa-se a
tendência dos tribunais para fundamentarem as novas soluções em casos julgados anteriormente.
Em suma, o precedente é constitutivo porque a regra nele formulada ainda não fora explicitado;
mas, é declarativo sempre que essa regra esteja apenas formulada de forma implícita.
Qual o fundamento da força vinculativa do precedente?
1. Salvaguardar dois valores: segurança jurídica e liberdade individual. A fim de que cada
pessoa possa prever quais os efeitos das suas condutas e organizar a sua vida em
conformidade com essa previsão, os casos iguais têm de ser decididos de modo igual. O
precedente vinculativo é um meio de tutelar a confiança e uma condição do exercício da
autonomia privada;
2. Maior adequação do Direito às necessidades sociais, proporcionada pela jurisprudência: o
Direito desenvolve-se à medida que os problemas postos pela convivência em sociedade
efectivamente o requerem e tendo sempre presentes as consequências da aplicação das novas
regras às situações concretas da vida;
3. A selecção dos juízes, segundo critérios de mérito de entre juristas altamente qualificados e
experientes, torna exequível a criação de Direito através de precedente.
Não obstante, o sistema inglês apresenta alguns inconvenientes. Entre eles sobressai o
risco do próprio stare decisis impedir o desenvolvimento do Direito.
A Lei
Tradicionalmente, a lei (statute law ou written law) não tem em Inglaterra a mesma
relevância que possui nos sistemas romano-germânicos.
Nos últimos anos, a lei vem assumindo importância crescente, principalmente em virtude da
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integração do Reino Unido na União Europeia. As leis mais importantes são os acts of Parliament.
As codificações ligam-se à necessidade de um Direito comum a todo o território de dado país, ora,
na Inglaterra, o Direito comum formou-se relativamente cedo, por acção dos tribunais reais. Tão-
pouco de encontra na Inglaterra uma Constituição como aquela que é considerada pelos países
continentais. A Constituição britânica é antes um agregado de regras constantes de diversas fontes,
algumas delas escritas (Magna Carta de 1215, Petição de Direito de 1628, a lei de Habeas Corpus
de 1679, a Declaração de Direitos de 1689 e o Acto de Estabelecimento de 1701), outras não. No
conceito de lei incluem-se os regulamentos administrativos (delegated ou subordinate legislation).
A técnica legislativa também é diferente. Não se privilegiam a abstracção nem os conceitos
gerais, mas os preceitos legais minuciosos, extensos e até prolixos.
Em caso de conflito entre a lei e a jurisprudência prevalece, não obstante, a lei. Uma
sentença não pode revogar um preceito constante num Acto f Parlieament; mas este pode modificar
um precedente.
Não há, por outro lado, controlo da constitucionalidade das leis pelos tribunais: o princípio
da soberania do Parlamento, consagrado pela Revolução Gloriosa, é levado às últimas
consequências, tendo, este órgão, o «direito de fazer ou desfazer qualquer lei»; além de que «não é
reconhecido pelo Direito inglês a qualquer pessoa […] o direito de revogar ou anular as leis do
Parlamento». A censura sobre as leis do Parlamento exerce-se, assim, no momento da sua eleição.
O Costume
O Common Law baseia-se largamente nos costumes locais, que já vigoravam à data da
ocupação normanda. A fim de ser aplicado pelos tribunais ingleses, o costume tem de obedecer a
quatro requisitos:
1. Ter vigorado ininterruptamente durante largo período de tempo;
2. Ser aceite como obrigatório pelos seus destinatários;
3. Ser compatível com outros costumes;
4. Ser razoável.
Doutrina
A doutrina não é tida como fonte de Direito em Inglaterra; nas suas sentenças, os tribunais
raramente citam obras doutrinais, pelo menos de autores contemporâneos; são antes as obras
doutrinárias que se baseiam nas decisões jurisprudenciais a fim de exporem o Direito vigente.
Método Jurídico
DIREITO NORTE-AMERICANO
Formação
Características gerais
Federalismo
Os EUA compreendem 50 Estados, agregados num União, e um Distrito Federal. Cada
Estado tem uma organização política análoga à federação: poder legislativo pertence a uma
assembleia bicameral; poder executivo cabe a um Governo eleito; o poder judiciário aos tribunais
estaduais. Na repartição entre os Estados e a federação observa-se o princípio de que todos os
poderes que não hajam sido transferidos pela Constituição para órgãos federais se mantêm na
titularidade dos órgãos estaduais. No entanto, o Direito federal prima sobre o Direito estadual.
Fontes de Direito
Elenco
Nas primárias, incluem-se: a lei (statutory law), os tratados (treaties) e a jurisprudência
(case law). Nas secundárias, sobressaem: a doutrina e os restatements of the law.
Hierarquia
Três princípios orientam a hierarquia das fontes de Direito nos EUA:
1. A lei prevalece sobre a jurisprudência. Se a tradição inglesa da Common Law colocava a
lei como completamento da case law, o sistema americano deslocou, recentemente, o
sistema de gravidade em muitas matérias para a lei, sendo a principal fonte de renovação do
Direito vigente.
2. O Direito federal prima sobre o Direito estadual. Até recentemente acontecia o inverso.
3. Os tratados celebrados têm o mesmo valor que as leis federais. Em caso de conflito entre
lei e tratado prevalece o instrumento mais recente.
Codificações
Ao contrário do Common Law inglês, existem nos EUA codificações de Direito vigente, de
diversos tipos:
As de estilo romano-germânico (como o Código Civil da Luisiana);
As que sistematizam as regras de Common Law (como o Código Civil da Califórnia);
O United States Code e o Code Federal Regulations, que não são verdadeiros códigos, mas
sim compilações de leis e regulamentos aprovados pelo Congresso federal e por agências
independentes, respectivamente;
Os códigos-modelo ou model/uniform codes, emanados de diferentes instituições. Tais
instituições, que representam todos os Estados, pretendem a preparação e publicação de
textos (leis-modelo ou leis uniformes) que possam servir de base para a uniformização dos
Direitos estaduais em certas áreas, não são Direito federal, nem sequer textos legislativos
propriamente ditos. O código mais importante é o Uniform Commercial Code de 1951,
elabora pela American Bar Associacion, que foi adoptado pelos 50 Estados.
O espírito que inspira as codificações americanas não é diverso do que preside às
codificações europeias. As normas das primeiras são menos genéricas e abstractas do que as das
segundas. Não pretendem renovar o Direito vigente, mas sim compilar e sistematizar as regras
estabelecidas por via jurisprudencial. O papel das codificações é também diferente: se na Europa se
parte dos princípios para a determinação da norma aplicável ao caso, nos EUA principia-se a busca
da regra aplicável indagando a existência de decisões que tenham por objectos factos semelhantes
aos da situação sub judice.
A interpretação da lei
O método tradicional de interpretação baseia-se nas regras do Direito inglês. A evolução a
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favor de uma maior flexibilidade e consideração de elementos teleológicos e sistemáticos é mais
nítida na interpretação constitucional. Noutras leis, as constrições da literalidade são
tendencialmente menos sentidas na interpretação de leis federais e mais fortes na das leis estaduais.
Isto deve-se, acima de tudo, à preponderância do cause law.
Qualquer que seja a lei interpretada, dois princípios evidencia a diferença de processos em
comparação com os usados pelos juristas romano-germânicos:
1. A atitude stare decisis abrange o sentido relevante das normas legais tanto como o das
normas de criação jurisprudencial;
2. Os tribunais não se pronunciam sobre a inconstitucionalidade de norma contida numa lei
sem que ela tenha sido aplicada, portanto interpretada, por um tribunal.
Jurisprudência
Tal como em Inglaterra, vigora nos EUA o princípio do stare decisis. Por força dele a regra
de Direito aplicada por um tribunal deve observa-se subsequentemente em casos análogos,
constituindo precedente vinculativo para os tribunais inferiores. A favor do stare decisis depõem 3
argumentos:
5. O postulado de Justiça ao qual a situações iguais é devido tratamento igual;
6. A previsibilidade de Direito resultante de 1.;
7. A eficiência do sistema judiciário, por os tribunais não terem de julgar de novo questões de
Direito já decididas.
Dentro do federalismo americano como se articula o princípio? Os tribunais estaduais estão
vinculados aos precedentes dos tribunais hierarquicamente superiores do próprio Estado e aos
precedentes contidos em decisões dos tribunais federais. Por seu turno, os tribunais federais estão
vinculados aos precedentes contidos em decisões dos tribunais federais de hierarquia superior, bem
como às decisões dos tribunais do Estado cujo Direito devam aplicar no caso concreto. Os tribunais
superiores observam os seus próprios precedentes.
Admite-se a revogação (overrulling) dos precedentes. Actualmente, apesar de mais
frequente que em Inglaterra, nos EUA, o overrulling não é muito frequente, visto que o afastamento
de um precedente pode fazer-se por distinguishing.
A multiplicidade de jurisdições e a centralidade da Constituição contribuem para que nos
EUA a concepção quanto ao stare decisis seja menos rígida que a inglesa.
O que vale como precedente é somente a regra de Direito que serviu de base à decisão – the
holding of the case (corresponde ao ratio decidendi inglês). A ela se contrapõem os dicta, que não
têm força vinculativa.
A aplicação de um precedente a um caso novo depende de um juízo de analogia: aplicar-se-
á a esse caso a regra de Direito formulada a propósito de outro, que o antecedeu, quando se
verifique que há entre os casos uma semelhança tal que se justifique decidi-los por apela o mesmo
critério.
Os precedentes estabelecidos pela jurisprudência de determinado Estado apenas valem em
casos submetidos ao Direito local. Mas a jurisprudência de certos Estados, como os de Nova Iorque
e da Califórnia, tendem a possuir especial valor persuasivo na decisão de casos submetidos a
tribunais de outros Estados. Havendo, nos EUA, dois tipos de precedentes: o obrigatório e o
persuasivo.
Quanto ao estilo das sentenças, não se encontram opiniões individuais de todos os juízes,
mas antes um texto imputado ao tribunal. As citações de autores são mais frequentes nas sentenças
americanas.
As colectâneas de jurisprudência (law reporters) são quase todas privadas, sobressaindo a
do National Reporter System, que tem um sistema próprio de classificação de sentenças. Este
compreende cinco categorias de colectâneas: os United States Reports (decisões do Supremo
Tribunal federal); o Federal Reporter (decisões de tribunais de apelação federais); o Federal
Supplement (decisões de tribunais federais de primeira instância); os Atlantic, Notheastern,
Northwestern, Pacific, Southeastern, South e Southwestern Reporters (que compilam decisões dos
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tribunais estaduais de recurso); o California Reporter e o New York Reporter (decisões dos tribunais
dos Estados da Califórnia e de Nova Iorque).
A Doutrina
A doutrina tem mais influência nos EUA do que em Inglaterra. Foi em parte a doutrina que
deu unidade ao sistema: os tratados e manuais universitários norte-amercanos não versam sobre o
Direito de certo Estado em particular, antes procuram os expor os princípios comuns aos vários
Estados ou as diversas tendências observadas na jurisprudência e na legislação estaduais. A doutrina
não é tida como fonte primária de Direito. Muitos dos trabalhos mais inovadores acham-se
publicados nas revistas das Escolas de Direito, sob a forma de artigos.
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