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JACQUES LACAN
LÓGICA DO FANTASMA
1966 – 1967
COLEÇÃO
O SEMINÁRIO
LIVRO 14
Estabelecimento
Isagoge e Notas
de
Luiz-Olyntho Telles da Silva
Para uso interno do
RECORTE DE PSICANÁLISE
11 de janeiro de 1967
*6*
______ ______
To’ Tu E’sti A Ç B = A È B
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INTRODUÇÃO
em causa.
desejo, que o desejo seja meu ou não meu, não tem nada a ver
com a questão.
Eu quero dizer-lhes que esta dialética do sujeito, na
medida em que nós tentamos ordená-la, de a delinear entre o
sujeito do enunciado e o sujeito da enunciação, é uma obra bem
útil e especialmente ao nível onde nós retomamos hoje a
interrogação do cogito de Descartes. É o que pode nos permitir
dar o sentido verdadeiro, a situação exata a isto que, para Freud,
se modifica e se propõe a nós sob estas duas formas que se
chamam o inconsciente, que são para nós o que se trata de
distinguir à luz desta interrogação do cogito de Descartes.
Que o cogito seja discutido, é um fato no discurso
filosófico, é o que permite a nós mesmos aí adentrar com o uso
que nós entendemos de fazê-lo servir pois que assim como esta
certa flutuação, que pode aí restar, testemunha algo onde ele
deveria se completar. Se o cogito na história da filosofia é uma
data, por quê? Trata-se de que, para dizê-lo, ele substitui à
relação patética, a relação difícil que havia feito toda a tradição
da interrogação filosófica que era somente aquela da relação do
pensar ao ser.
Vamos abri-la, não através dos comentadores mas
diretamente, isto será para vocês mais fácil, quer vocês o saibam
ou não, há boas traduções, comentários, suficientes, em inglês,
da Metafísica de Aristóteles, a de Tricot, o comentário tomista.
Vocês perceberão tudo o que se pôde acumular de
críticas ou de exegese, em torno deste texto, que aquele
escolástico nos diz que tal passagem é discutível. Quanto, para
um leitor primário, todas estas questões aparecem depois
verdadeiramente secundárias.
Nesta leitura, uma coisa lhes tocará, do registro disto que eu
chamei o patético. Quando vocês verem a todo o instante se
renovar e refletir nesta alguma coisa que parece portar o traço
do discurso formulado, desta interrogação, do que existe aí da
relação do pensamento e do ser e como vocês verão surgir tal
termo.
O ALCANCE DO CÓGITO
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percurso onde ele sustenta seu ser, já que a questão assegura ela
mesma sua própria existência.
Não se trata de se colocar como ego, fora do lugar no
qual o ser pode privilegiar(79) o pensamento. Pergunta: ego: eu
penso, como puro penso-ser, como subsistindo o ser do Eu de
um “não sou” local.
O que quer dizer: Eu não sou senão à condição de que a
questão do ser seja eludida. Eu passo do ser, eu não sou, salvo
onde necessariamente eu sou para poder dizê-lo ou, para melhor
dizer, onde eu sou, ou para poder fazer dizer ao outro, pois é
bem disto o de que se trata quando vocês a seguem de perto em
Descartes.
É nisto, que é uma conduta fecunda que tem o mesmo
perfil que o do raciocínio por recorrência que é de algum modo
isto: levar o outro por um caminho, por muito tempo, por um
caminho que é o de uma renúncia, a este ou aquele, logo a todas
as vias do saber; e num rodeio, surpreendê-lo nesta confissão,
que aí pelo menos, tendo lhe feito percorrer este caminho, é
preciso que eu seja.
Que a dimensão deste outro que é tão essencial, ao ponto
de podermos dizer que ele está no nervo do cogito, e que é ela
que constitui propriamente o limite disto que pode se definir e
se assegurar pelo melhor, como o conjunto vazio que constitui o
Eu sou, nessa referência onde Eu, enquanto Eu sou, se constitui
disto: não conter nenhum elemento.
Este quadro não passa, a não ser que o “Eu penso”, eu o
penso, quer dizer que eu argumento o cogito com o outro. “Não
sou” significa que não há elementos neste conjunto, que, sob o
termo do “Eu” existem, ego sum sive cogito mas sem que aí
tenha nada que o ocupe.
Este encontro torna claro que o “Eu penso” tenha uma
vestimenta parecida, se não é ao nível do Eu penso, que prepara
esta confissão de um conjunto vazio que se trata, é do
esvaziamento de um outro conjunto, é depois que Descartes
colocou à prova a todos estes acessos ao saber que ele fundou
este pensamento propriamente falando, da evitação do ser para
não ser ávido senão da certeza e do que resulta o que nós
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por ter por um instante a ilusão que era mesmo uma via pela
qual eu teria levado vocês a formular o que é mesmo forçado a
formular o contrário, é em si mesmo um tipo de blefe ou
escroqueria, porque isso não tem nada a ver com a questão: o
isso não é nem a primeira, nem a segunda, nem mesmo a
terceira – que se for necessário crer em Benveniste – a terceira
seria, para falar com propriedade, aquela da qual se fala –
senão...
Nós nos aproximamos um pouco mais de enunciados tais
como: “isso brilha”, “isso chove”, “isso mexe”(82), mas isto é
ainda cair no erro ao acreditar que este “isso”, seria “isso”
enquanto que ele se enuncia a si mesmo.
Ainda alguma coisa que não tem suficiente relevo, este
“ça” do qual se trata. “Isso” é o que no discurso, enquanto
estrutura lógica, é tudo o que não é Eu, quer dizer: todo o resto
da estrutura.
Quando eu digo estrutura, estrutura lógica, entendam por
isto estrutura gramatical. Não é mais que o suporte daquilo do
qual se trata na pulsão, quero dizer, no fantasma, possa se
exprimir assim em “Uma criança é batida”.
Nenhum comentário, nenhuma meta-linguagem dará
conta daquilo que se introduz no mundo com uma tal fórmula.
Nada saberia duplicá-lo, nem explicá-lo. A estrutura da frase:
“uma criança é batida” não se começa, ela se mostra. Não existe
nenhuma physis que possa dar conta de que uma criança seja
batida.
Pode haver aí na fhysis algo que necessite que ele se
martele, mas que ele seja batido, é outra coisa. E que este
fantasma seja algo de tão essencial ao funcionamento da pulsão
é alguma coisa que nos faz simplesmente lembrar que a pulsão
é, já o demonstrei diante de vocês, a propósito da pulsão
escopofílica, ou a propósito da pulsão sado-masoquista, que se
traçou, que isto é montagem gramatical, cujas inversões,
reversões, complexificações, não se ordenam de outro modo na
aplicação de diversas reversões, de negações parciais e
escolhidas, que não existe outra maneira de fazer funcionar a
relação do “Eu” enquanto que ser no mundo, do que passá-lo
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NOTAS:
76. No texto francês aparece aire, que tem em português o sentido de “ar” e de “área”.
*. "O que é O que não é".
77. Aceitando uma sugestão de Donaldo Schüler, de ora em diante utilizarei o Eu, com
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letra maiúscula, para traduzir o Je francês; o moi seguirá sendo traduzido por “eu”,
com letra minúscula.
78. No texto francês aparece levée, que tem o sentido de levantar, retirar, terminar,
suspender, suprimir, entre outros.
79. No texto francês aparece étreindre, estreitar, constranger.
80. No texto francês aparece écume.
81. Je suis ce que je suis.
82. No texto francês aparece: “ça brille”, “ça pleut”, “ça bouge”.
83. É com este título que Die Traumdeutung aparece em francês.
84. Lacan ensaia aqui uma transliteração da prótase soll Ich werden: Ich “seul doit y
verdir”.
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