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O milagroso causo da cloroquina

Procura-se palavras que, banhadas na aspereza dos últimos acontecimentos,


consigam erguer-se de força capaz de “movimentar montanhas”; preencher-se da
necessária rispidez para encarar o absurdo dos capítulos noticiados, diariamente, na famosa
trama, divulgada pela mídia brasileira, protagonizada pela trupe de bolsonaro - cujos
coadjuvantes (nós) sofrem sérias e reais consequências constantes. Ou, em alguns
momentos, resgatamo-as e molhamo-as nos nossos risos que são, também, indispensáveis
para se prosseguir: “o riso obriga o corpo à honestidade. Rimos sem querer, contra a
vontade. Ele nos possui e faz o corpo inteiro sacudir de honestidade, como demônio
brincalhão, Exu..”. (ALVES, 1980, p. 7). Talvez, falte, ao Brasil, os risos honestos dispostos
a abrirem os caminhos…
Ou a solução é a cloroquina?
Do outro lado dessa tela, reside um indivíduo - entre milhares - e toda a bagagem do
dia a dia que lhe é eterna companheira e que compõe a individualidade desse ser humano
no mundo. No corrido das horas, costumamos chamar esse movimento de vida. Essas
histórias particulares nem de longe teríamos propriedade para recontar. O motivo? Não
somos, nós, elxs, somos outrem: vivendo a vida de jeitos distintos, partilhando de outras
oportunidades e inseridas em contextos diversificados. E, se é desse modo, moramos
distantes dessas muitas realidades.
Então, quem nos lê, quem nos ouve, quem nos fala desses vários lados da telinha?
E quem não nos lê, não nos ouve e não nos fala por estar fora dos quatro cantos
desse painel?
E nessas palavras (re)vivem vozes. Não somente vozes de uma dupla, mas um coro
que, aqui, toma corpo com o intuito de expandir além dos muros as reivindicações dos
nossos direitos mais básicos, ultimamente, mortificados - não mais para nosso espanto - por
ações escancaradas desse atual (des)governo e/ou ainda camufladas pela agressividade do
canhão que sempre está apontado em nossa direção.

Dessa vez, nosso coro veio dizer em alto e gritante som: ​#AdiaEnem

O coronavírus tem batido à nossa porta - desde algum tempo e insistentemente -


sem fazer distinção de classe social, cor de pele, gostos e opiniões, opções sexuais e
gênero, privilégios e pobrezas... Ou esse vírus, à espreita, tem entrado, também, no grupo
daqueles que realizam divisões e julgamentos. Percebemos isso quando pensamos que, se
há um rico e um pobre contaminados pelo vírus, certamente o pobre morrerá primeiro; uma
vez que não dispõe de um sistema de saúde pública inteiramente preparado para dar conta
de tudo e de todos e, principalmente, daqueles e daquelas que não possuem outra maneira
de pagar pela própria saúde. Então, o vírus segue à espera de um vacilo ou de um espaço
para adentrar as portas dos nossos lares. No entanto, a máquina brasileira continua ativa,
tentando, mesmo aos trancos, funcionar em “perfeito vigor”. O grande mito da perpetuação
das sombras de alguns numa caverna - história antiga… - que seriam espelhos da grande
massa inabalável da população brasileira que continua “dando seus pulos” para manter a
normalidade; para que a educação e suas seleções (INJUSTAS) não deixem de acontecer
mesmo quando muitxs de nossxs estudantxs não possuem acesso aos meios virtuais de
comunicação e numa sociedade em que há escolas públicas onde as aulas onlines não são
uma realidade próxima.

Alguém já se perguntou como estão fazendo essxs estudantxs para estudar?


E é justo não fazermos distinções de nossas realidades?
Tudo depende da nossa força de vontade, coragem para lutar e vencer?
Estudar como e por onde?

Como vocês, estudantxs de escolas públicas, estão fazendo para estudar?

Nos diz uma das personagens da peça comercial elaborada pelo MEC: ​“Estude, de
qualquer lugar, de diferentes formas. Por livros, internet, com a ajuda à distância dos
professores”. E é muito fácil falar quando se olha apenas para o próprio nariz e não se tem
consciência da falta de condições de muita gente espalhada pelos ermos do grande Brasil.
Se não possuímos internet em casa, nem auxílio financeiro para arcar com as
despesas de impressões ou acessos em lan houses, como fazemos para acompanhar as
voltas desse mundão? E como saímos de casa até a lan house em meio à pandemia?
Vamos conseguir estudar todos esses conteúdos sozinhxs? E aí, por milagre, vamos passar
no Enem este ano. Porque escolhemos passar. Ironias do destino, claro. Ou o milagre da
cloroquina obviamente.

Ecoamos: ​#AdiaEnem

Dispões de razão, ministro da Educação Abraham Weintraub, quando dizes que o


covid-19 modifica a vida de todos e todas. Mas estás tu, diariamente, a ceiar na mesa de
cada casa desse nosso país imenso? a acordar de madrugada para trabalhar e conseguir o
suado dinheiro para alimentação dos filhos e das filhas e, ainda, para o pagamento das
tantas contas e impostos? Estás tu, ministro, a dar jeitos de estudar sem a presença de
um/a professor/a, de livros (por que todo mundo tem como comprar livros?) e o auxílio da
internet? Se tu e todos e todas que constituem a corja desse desgoverno estivessem
inseridos nesses muitos contextos das famílias brasileiras, talvez percebessem (só se por
milagre divino...) que é ilusão a história de que basta querer para se estudar e equiparar as
chances de passar no vestibular com quem dispõe de todas essas oportunidades.
Definitivamente, não vivemos numa meritocracia.

#AdiaEnem

O Enem não pode acontecer quando nossxs estudantxs de escolas públicas não
estão, de maneira nenhuma, habilitados, neste momento, a vivenciá-lo. E não é por falta de
vontade. É por falta de direitos garantidos mesmo. E por tantas e tantas razões difíceis de
caber numa única lista - múltiplas. E aí as universidades serão (ainda mais) lugares de
exclusão? Só atravessarão suas portas, próximo ano, aqueles e aquelas que tiverem
condições de se manterem estudando? Nós, estudantxs de escolas públicas, vamos para
onde? Retroceder? Para onde? E nós que lutemos para atrasar mais um ano das nossas
vidas, enquanto xs privilegiados avançam em nossos lugares.
É em busca dos nossos lugares de direito e justos nas universidade que ecoamos
juntos: ​#AdiaEnem. ​E que mostramos, neste post, algumas de nossas faces. Porque temos
várias e somos vários; tantos - uma multidão em movimento. A educação grita: ​#A
diaEnem.

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