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COELHO, Mauro Cezar.

Do Sertão para o Mar – um estudo sobre a experiência portuguesa


na América, a partir da colônia: o caso do Diretório dos Índios (1751 – 1798). São Paulo.
2005.

Esta resenha irá falar sobre a tese de doutoramento do Prof. Mauro Cezar Coelho, “Do
Sertão para o Mar – um estudo sobre a experiência portuguesa na América, a partir da
colônia: o caso do Diretório dos Índios (1751 – 1798)”, que confronta a historiografia que fala
sobre as Reformas Pombalinas, pelo menos no que rege as políticas indigenistas, como
resultado das experiências de Sebastião José de Carvalho e Melo como diplomata. A tese
defende que estas políticas foram reflexos não só das iniciativas da Metrópole, mas também
dos conflitos e “... das concessões que a administração pombalina teve de fazer diante das
manifestações contrárias...” (p.92)

No seu primeiro capitulo, a tese trata sobre a visão do imaginário que foi construído
em cima do índio desde o final do séc. XIX até meados da década de 30 do século passado, e
como esta visão se apresentou na construção historiográfica que tratava das questões
indígenas. Na tese, este tema é tratado para dar suporte ao entendimento acerca da
historiografia que tratava do índio e de como essa escrita relegou os indígenas a meros
coadjuvantes na história colonial brasileira. O autor faz um grande passeio por vários autores,
desde o séc. XIX até aos mais contemporâneos, para tratar da evolução do papel que foi dado
ao índio, pois de herói a serviço do branco até ser visto como tendo a sua própria maneira de
ver a colonização e o trato que eles davam a ela, eles tiveram sua história contada de vários
ângulos. O que mais chama atenção no capitulo é a variabilidade de trabalhos, usando
inclusive trabalhos de historiadores estrangeiros, que foram usados para tratar do tema e
culminar no trato que foi dado pela historiografia brasileira ao tema do Diretório dos Índios.

No segundo capitulo, a tese começa a destrinchar os conflitos que estavam armados na


colônia antes e durante a chegada de Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Fala dos
primeiros anos após a assinatura do Tratado de Madri e da política pombalina que tratava da
região do Vale Amazônico, da consolidação das fronteiras que o tratado dava conta e de qual
era o papel que a administração colonial havia dado para o índio neste processo de ocupação
do território. As colônias do Norte tinham uma grande importância para a Metrópole, tanto
para a consolidação das fronteiras como também para dar um novo fôlego à economia
portuguesa que estava em crise após a perda de várias colônias.
Políticas econômicas para o Vale Amazônico já eram há muito tempo reivindicadas,
tanto por colonos como pelos missionários. Assim o autor explica como as Instruções Régias,
Públicas e Secretas para Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Capitão general do Estado
do Grão-Pará e Maranhão foram instrumentos de regulação e tentativa de colocar ordem nas
relações com os índios e garantir-lhes a liberdade. E regia também sobre a introdução de
escravos africanos, para eliminar a escravidão indígena sem prejuízo aos colonos, e colocava
os missionários como apoiadores nas políticas de povoamento do território e da presença do
Estado. Entretanto, Mendonça Furtado viu nos missionários um grande empecilho para a
consolidação do poder da Coroa no Vale. A força que eles haviam conquistado com o poder
sobre os índios os tornou, segundo Mendonça Furtado, soberbos, mesquinhos e que não
tinham respeito à autoridade da Coroa.

Assim, este capitulo nos mostra as tensões que Mendonça Furtado teve que enfrentar,
tendo até mesmo a sua autoridade confrontada e desrespeitada. É visível que Mendonça
Furtado pretendia desde o começo retirar o poder dos missionários sobre os índios, pois ele
via que isso estava atrasando e impedindo o desenvolvimento do Vale e do poder da coroa,
que naquele contexto de demarcação de fronteira entre as coroas ibéricas, não poderia estar
enfraquecido.

No 3° capitulo, é tratada a relação da administração metropolitana com os colonos e


como estes não se submeteram as vontades e imposições da Metrópole. Trata-se de um
capitulo em que é mostrado o jogo de poder e força que estava armado na administração de
Mendonça Furtado, tendo em vista, que alguns colonos, que eram vistos como inimigos
tornavam-se aliados, porém se as devidas concessões fossem feitas a eles. Todo o processo
anterior a promulgação da lei do Diretório dos Índios está bem retratado neste capitulo, sendo
assim importantíssimo para a compreensão e defesa do ponto principal da tese: o Diretório
dos Índios como uma lei colonial, que foi gerada através de concessões e conflitos armados na
colônia.

É perceptível que a maior preocupação dos colonos seria a falta de mão-de-obra


indígena com a Lei de Liberdade dos índios, e para eles isto, sim, seria a ruína da colônia.
Percebendo essas preocupações e com receio de insurreições por parte dos colonos, D. Miguel
de Bulhões e Mendonça de Furtado não tinham alternativa a não ser, adaptar às leis
metropolitanas para a conjuntura da colônia. Assim, nem a Metrópole implementava a sua
política de modo completo e nem os colonos tinham as suas reivindicações todas atendidas.
No 4° capitulo, o tema desenvolvido é a relação entre Índios e a Administração
Metropolitana. Aqui podemos entender quais foram as ações da Metrópole para inserir o índio
na sociedade colonial como um ser civilizado. Entretanto a noção de civilizado vista pela
Metrópole não se baseava mais na que era vista pelos missionários, já que a religião tinha
maior importância. A Língua Portuguesa havia tomado esse papel.

Podemos também inserir a noção de trabalho como um ponto importante, pois a visão
agora era que o trabalho é enobrecedor em detrimento à noção do que era indigno. E a
agricultura fora posta como o pilar de sustentação desta noção, pois era vista também como
um instrumento pedagógico de inserção do indígena na civilização. Outra questão de inserção
dá-se também pela legitimação dos casamentos interétnicos.

O que devemos analisar de certo no decorrer do capitulo, é que muitas das políticas
indigenistas eram benquistas por parte dos índios, que tinham a sua própria maneira de ver e
aproveitar essas políticas para si. Tinham certa autonomia para decidir com quem fazer as
suas relações políticas e como tirar proveito, como liberdade para plantar, defesa contra
inimigos. Alguns conseguiam ter uma mobilidade social. O capitulo deixa bem claro como era
a visão dos indígenas e como eles não estavam à mercê completa das decisões da Metrópole.

O quinto e último capitulo da tese, trata das transgressões ocorridas no decorrer da


vigência do Diretório dos Índios. Explica como essas subversões da lei foram mais um dos
reflexos dos conflitos existentes acerca da posse da mão-de-obra indígena, mostra como essa
posse foi tomada das mãos dos missionários, e estava prevista nas Instruções Régias,
passando para as mãos da administração metropolitana. Assim, os colonos transgrediam por
não se sentirem satisfeitos pela quantidade de mão-de-obra disponível e os indígenas também
transgrediam, pois não estavam satisfeitos com as posturas dos diretores. Todo esse processo
mostra bem como a prática da lei estava à mercê das lutas e conflitos já antes estabelecidos e
que o Diretório, ao invés de contorná-los, veio, na verdade, para redimensionar esses
conflitos.

Sendo assim, podemos concluir que a tese defende, em oposição a boa parte da
historiografia que trata do assunto, a lei do Diretório dos Índios como uma lei colonial, não
por ser uma lei construída na colônia, mas, sim, por ter sido uma lei construída através dos
conflitos que estavam armados nela. Por isso, ao analisarmos as transgressões da lei, não
podemos tomar como ponto de vista o da Metrópole, mas sim devemos olhar que essas
transgressões também foram frutos destes mesmos conflitos.
Não podemos também perder de vista como a tese dá uma grande importância ao
papel indígena em todo esse processo. Não sendo visto como uma mera vitima das ações
metropolitanas ou como somente um resistente a elas, mas sim, também, como um agente
histórico importantíssimo, que mantinha as suas relações políticas, os seus jogos e seus
interesses bem definidos e os protegiam e agiam de acordo com eles.

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