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compulsório, onde a mão-de-obra negra escrava foi o pilar principal das diversas formas de
comércio existentes neste período. A escravidão negra estava presente em todos os setores da
economia imperial, em alguns mais e outros menos, mas é inegável a importância deste tipo
de trabalho para a economia brasileira. Entretanto, o trabalho livre também se fazia presente e
se relacionava com o trabalho escravo de várias maneiras, principalmente no meio urbano. Os
trabalhadores livres pobres também sustentavam a economia imperial, pois como era uma
economia basicamente voltada para o mercado externo, eles davam suporte para a
manutenção de um mercado interno, com a venda de seus excedentes.
Estas ocupações que se atribuíam aos escravos, notadamente, neste caso, os que
viviam em cidades, conferiam-lhes certo grau de autonomia em relação aos seus senhores,
pois, dado o distanciamento físico que lhes exigiam estas atividades (tigres, vendedores de
mercadorias diversas, carroceiros, barqueiros, dentre outros), o escravo obteria relativa
autonomia de mobilidade, de ir e vir, desde que realizando seu ofício.
No que diz respeito aos escravos rurais, essa autonomia na mobilidade também é
percebida, pois alguns trabalhavam onde a mobilidade física é constante, como os madeireiros
e os tropeiros, o que nos leva a crer que a autonomia se percebia tanto nas cidades quanto no
campo, embora fossem nas cidades, como o Rio de Janeiro, que esta autonomia era mais
percebida e praticada (FERREIRA, 2005. pp 234 ).
Maria Odila no trabalho citado ainda tem uma abordagem bem dicotômica da relação
entre os trabalhadores livres e seus contratadores, uma relação “inevitavelmente subalterna”,
segundo ela. No sentido mais econômico ela nos diz que os trabalhadores livres pobres
atuavam em um âmbito mais regional em contraposição ao trabalho escravo que atuavam nas
“grandes produções” exportadoras isso tanto na economia cafeeira do Centro-Sul, quanto no
Nordeste com a produção açucareira. Uma questão interessante que Odila ressalta é a
constante migração dessa mão de obra. O motivo seria pela grande dificuldade de obtenção de
terras, sendo esta dificuldade atribuída a crescente concentração de terras que vinha se
desenvolvendo no período, esses posseiros expropriados são denominados de “roças volantes”
por Odila; haviam também trabalhadores temporários que faziam atividades como: trabalhar
em roça alheia, em derrubada de mata, “capinagem”, trabalhos em obras públicas, entre
outros. Ela ressalta que também haverá uma política de recrutamento compulsório, contra os
“vadios”, sendo que esta política, quando intensificada, diminuirá a mão de obra livre
disponível e fará com que muitas das pessoas que necessitavam do trabalho livre,
principalmente no setor agrícola, contestem sobre tal política.
Uma das partes mais interessantes sobre a atividade produtiva e econômica dos
homens pobres livres seria a do comércio local; primeiramente ela fala que “em várias
localidades e pequenas vilas da província, o comércio local contribuía, apesar de sua pobreza,
com mais 60% das rendas municipais” (Maria Odila, 1985. p. 65), nesse ponto podemos
perceber a questão dos impostos aplicados a essa camada de trabalhadores. Ainda sobre esse
pequeno comércio de excedentes, a autora nos fala que teria uma importância impar, já que,
segundo ela, a grande exportação, ou seja, as grandes produções da monocultura, “agravava a
desorganização estrutural do setor de subsistência”. As ideias dualistas entre “monocultura x
subsistência”, viriam, mais tarde, a ser tema das críticas de historiadores como Manolo
Florentino, que observará um mercado interno mais ativo. Quanto à ideia de “uma classe
trabalhadora subalterna”, Hebe Matos problematizará melhor essa questão.
Uma questão interessante levantada por Hebe Matos é a relação entre trabalhadores
livres e cativos, sobre isso ela nos fala que “a proximidade destes homens livres com
escravos, mesmos de grandes fazendas, muitas vezes trabalhando lado a lado, exercia um
duplo papel na socialização da forma como era apreendida esta vivência específica da
liberdade. Reforçava, por um lado, seu sentido eventual e transitório para os homens livres
como forma de afirmação de sua diferença do mundo dos cativos. Por outro lado, para os
escravos, apresentava-se como alternativa de figa ou alforria, especialmente quando não
possuíam laços familiares ou de patronagem mais sólidos, no cativeiro, o que a generalização
do tráfico interno tornava cada vez mais comum” (MATOS. p. 44). Nesse sentido podemos
analisar que havia uma diferenciação social do “mundo escravo” em relação ao mundo do
“homem livre pobre”. A autora nos fala que, se de um lado o trabalhador livre apresentava
como estratégia a sua constante mobilidade, até mesmo para confirmar seu espaço de
autonomia, os escravos tentavam obter, dentro das grandes fazendas em que estavam
inseridos, um espaço próprio como uma casa e uma roça.
O diferencial de Matos é a sua análise dos laços familiares e das relações de
solidariedades. Ela faz uma análise sobre esses dois conceitos em Freyre e Oliveira Viana, em
que o primeiro via a “família” no modelo patriarcal e o segundo via tais relações de forma
vertical, começando pelo chefe de família, indo para os filhos e genros e chegando aos
trabalhadores livres e escravos. Hebe Matos demonstra ao longo do texto que a família
nuclear não era somente encontrada entre os livres, mas também entre os escravos, e até
mesmo se constata a presença da família “matrifocal” mais atuante. Sobre a as relações de
solidariedade, ela analisa que também eram realizadas de forma “horizontal”, quando, por
exemplo, o caso de d. Maria, sobre o caso de assassinato do alferes Jerônimo Soares, em que
podemos encontrar laços verticais, no entanto, ela nos fala que “a solidez dos laços
horizontais que estabeleciam tornava seus deveres de fidelidade para com sua protetora uma
questão de princípio e de sobrevivência coletiva” (MATOS. p.66).
Podemos perceber que o trabalho no século XIX não tem uma tônica tão simplista
como era evidenciado pela historiografia mais antiga. Através de novos trabalhos que
analisam tanto o trabalho compulsório como o trabalho livre, é perceptível uma complexidade
das relações tanto verticais como as relações horizontais dentro da sociedade imperial. Livres
pobres, escravos, senhores de escravos e contratantes mantinham diversas relações tanto
familiares quanto de solidariedade, que nos permite analisar de forma mais complexa a
conjuntura da sociedade imperial, deixando de lado uma visão somente vertical dessas
relações.