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O trabalho no período Imperial Brasileiro tem como principal motor o trabalho

compulsório, onde a mão-de-obra negra escrava foi o pilar principal das diversas formas de
comércio existentes neste período. A escravidão negra estava presente em todos os setores da
economia imperial, em alguns mais e outros menos, mas é inegável a importância deste tipo
de trabalho para a economia brasileira. Entretanto, o trabalho livre também se fazia presente e
se relacionava com o trabalho escravo de várias maneiras, principalmente no meio urbano. Os
trabalhadores livres pobres também sustentavam a economia imperial, pois como era uma
economia basicamente voltada para o mercado externo, eles davam suporte para a
manutenção de um mercado interno, com a venda de seus excedentes.

O trabalho compulsório tem o seu primórdio no inicio da colonização brasileira, com a


escravização dos nativos da terra. No entanto, ele se torna um comércio quando começa o
tráfico de almas da região do atlântico. O tráfico negreiro atlântico ajudou a economia
brasileira desde o seu período colonial. Entre os séculos XVI e XIX, 40% dos africanos que
vieram para as Américas desembarcaram no Brasil (FLORENTINO, 1997, pp. 23). Entender
como funcionava essa verdadeira empresa, é entender como a lógica do trabalho compulsório
se relacionava com a sociedade colonial.

Na primeira parte do trabalho de Manolo Florentino Em costas Negras – Uma história


do tráfico de escravos entra a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII E XIX), ele analisa
como o tráfico negreiro foi o sustentáculo da manutenção da mão-de-obra escrava tanto na
colônia como no período imperial brasileiro. Essa sustentabilidade era necessária, pois o
‘desgaste’ dessa mão-de-obra era muito grande e a sua reprodução interna não conseguia
suprir a necessidade do meio de produção onde era mais empregada, a agricultura. As
plantations absorviam boa parte do quantitativo de escravos que desembarcavam nos portos
do Rio de Janeiro, local que Florentino analisa durante o seu trabalho. Ele nos mostra que os
323 engenhos existentes no ano de 1770 detinham 11 mil escravos. Sendo que em 1778 os
engenhos com mais de 41 escravos eram equivalentes a 55% do total, ou seja, segundo
Florentino, as grandes propriedades exportadoras se sobrepunham as pequenas e médias
propriedades rurais.

E estes números só faziam crescer, onde em um período a produção do açúcar chegou


a ter um crescimento de 253% em 7 anos. E com esse crescimento a necessidade de mão-de-
obra crescia, consequentemente o tráfico aumentava, pois o objetivo de Florentino é mostrar
que tanto os escravos, como toda a sociedade e a economia dependiam do tráfico negreiro
para se sustentar e manter as suas hierarquias.

No período oitocentista brasileiro, o trabalho escravo adquiriu feições mais complexas


no que tange aos mais diferenciados modos de sua aplicação, ou seja, em conformidade com a
dinamização da economia e tentativas modernizadoras com a chegada da Família Real ao
Brasil, em 1808, diversas formas de utilização do trabalho escravo surgem e se consolidam
tanto nas cidades (em processo de crescimento, sobretudo as capitais), como no campo, com a
atividade cafeeira, sobretudo.

Estas ocupações que se atribuíam aos escravos, notadamente, neste caso, os que
viviam em cidades, conferiam-lhes certo grau de autonomia em relação aos seus senhores,
pois, dado o distanciamento físico que lhes exigiam estas atividades (tigres, vendedores de
mercadorias diversas, carroceiros, barqueiros, dentre outros), o escravo obteria relativa
autonomia de mobilidade, de ir e vir, desde que realizando seu ofício.

No que diz respeito aos escravos rurais, essa autonomia na mobilidade também é
percebida, pois alguns trabalhavam onde a mobilidade física é constante, como os madeireiros
e os tropeiros, o que nos leva a crer que a autonomia se percebia tanto nas cidades quanto no
campo, embora fossem nas cidades, como o Rio de Janeiro, que esta autonomia era mais
percebida e praticada (FERREIRA, 2005. pp 234 ).

A questão da autonomia escrava é evidenciada no trabalho de Roberto Guedes Ferreira


Autonomia escrava e (des)governo senhorial na cidade do Rio de Janeiro na primeira metade
do século XIX, que se definia, em grande parte, pelo próprio trabalho cativo, ou seja, pelo tipo
de ocupação que o trabalhador teria, se este lhe atribuía mobilidade e distanciamento em
relação ao seu senhor ou não (idem, pp 234-235). No entanto, os limites dessa autonomia
eram claros na medida em que a polícia do Rio de Janeiro era, em considerável medida,
acionada por escravos contra seus senhores, em queixas de maus tratos, sobretudo. Freire
também atribui a intervenção do Estado (a polícia, notadamente) nos conflitos entre
proprietários e cativos como um mecanismo de controle e ordem. Essa intervenção era
realizada na medida em que o trato pessoal senhor x escravo extrapolava os limites da ordem
estabelecida, embora pondere o autor que essa intervenção não preponderava nesta cidade, e
sim a esfera das relações pessoais senhor x escravo, pois, se referindo à interferência do
Estado nesta questão, afirma que “isto só ocorria quando os senhores não conseguiam
governar seus escravos” (idem, pp. 255).
Os homens pobres livres, por sua vez, foram em muitas ocasiões esquecidos pela
historiografia brasileira. Desta forma sua contribuição para o funcionamento interno e suas
lutas cotidianas não foram levados em conta até a segunda metade do século XX. Maria
Odila, em seu trabalho Sociabilidade sem história: votantes pobres no império, 1824 – 1881
retrata justamente o descaso dos historiadores com os trabalhadores pobres livres no império.
Ela remonta que uma historiografia elitista pós-escravista, com interesses ideológicos sobre
uma identidade nacional, “esqueceria” de tais atores sociais por “uma missão de controle
social, disciplinador civilizador das imensas desigualdades sociais herdadas da sociedade
escravista” (Maria Odila, 1985. p. 57), mesmo Caio Prado Jr em uma perspectiva voltada ao
marxismo achava que tais homens pobres livres “estavam fora do sistema produtivo
dominante” e somente entrariam em tal sistema a posteriori; somente em 1950/60 é que se
daria uma maior visibilidade para a questão dos homens livres pobres, no que a autora aponta
para a questão da crescente urbanização que faria tais intelectuais entrar em contato com essa
população mais empobrecida.

Maria Odila no trabalho citado ainda tem uma abordagem bem dicotômica da relação
entre os trabalhadores livres e seus contratadores, uma relação “inevitavelmente subalterna”,
segundo ela. No sentido mais econômico ela nos diz que os trabalhadores livres pobres
atuavam em um âmbito mais regional em contraposição ao trabalho escravo que atuavam nas
“grandes produções” exportadoras isso tanto na economia cafeeira do Centro-Sul, quanto no
Nordeste com a produção açucareira. Uma questão interessante que Odila ressalta é a
constante migração dessa mão de obra. O motivo seria pela grande dificuldade de obtenção de
terras, sendo esta dificuldade atribuída a crescente concentração de terras que vinha se
desenvolvendo no período, esses posseiros expropriados são denominados de “roças volantes”
por Odila; haviam também trabalhadores temporários que faziam atividades como: trabalhar
em roça alheia, em derrubada de mata, “capinagem”, trabalhos em obras públicas, entre
outros. Ela ressalta que também haverá uma política de recrutamento compulsório, contra os
“vadios”, sendo que esta política, quando intensificada, diminuirá a mão de obra livre
disponível e fará com que muitas das pessoas que necessitavam do trabalho livre,
principalmente no setor agrícola, contestem sobre tal política.

Uma das partes mais interessantes sobre a atividade produtiva e econômica dos
homens pobres livres seria a do comércio local; primeiramente ela fala que “em várias
localidades e pequenas vilas da província, o comércio local contribuía, apesar de sua pobreza,
com mais 60% das rendas municipais” (Maria Odila, 1985. p. 65), nesse ponto podemos
perceber a questão dos impostos aplicados a essa camada de trabalhadores. Ainda sobre esse
pequeno comércio de excedentes, a autora nos fala que teria uma importância impar, já que,
segundo ela, a grande exportação, ou seja, as grandes produções da monocultura, “agravava a
desorganização estrutural do setor de subsistência”. As ideias dualistas entre “monocultura x
subsistência”, viriam, mais tarde, a ser tema das críticas de historiadores como Manolo
Florentino, que observará um mercado interno mais ativo. Quanto à ideia de “uma classe
trabalhadora subalterna”, Hebe Matos problematizará melhor essa questão.

Em seu trabalho Das cores do Silêncio; os significados da liberdade no Sudeste


escravista no Brasil século XIX, mais especificamente os capítulos Um Homem Móvel e
Laços de Família, Matos faz um levantamento de dados (552 testemunhas livres) onde a
autora até confirma a ideia de constante mobilidade citada por Odila, quando diz que dos
dados pesquisados “63% viviam e trabalhavam fora das regiões em que nasceram” (Matos.
p.41), no entanto analisa que tais trabalhadores tinham suas estratégias de sobrevivência e seu
destino não estavam totalmente a mercê de uma condição subalterna, como antes se pensava.
Uma das questões que podemos observar sobre o trabalho livre pobre é, que apesar de uma
boa quantidade ter um caráter móvel, havia aqueles que tentavam se enraizar, principalmente
na terra, e que estes trabalhadores, com tendências menos nômades eram, em grande maioria,
casados, o que foge da homogeneidade analítica sobre os trabalhadores livres pobres.

Uma questão interessante levantada por Hebe Matos é a relação entre trabalhadores
livres e cativos, sobre isso ela nos fala que “a proximidade destes homens livres com
escravos, mesmos de grandes fazendas, muitas vezes trabalhando lado a lado, exercia um
duplo papel na socialização da forma como era apreendida esta vivência específica da
liberdade. Reforçava, por um lado, seu sentido eventual e transitório para os homens livres
como forma de afirmação de sua diferença do mundo dos cativos. Por outro lado, para os
escravos, apresentava-se como alternativa de figa ou alforria, especialmente quando não
possuíam laços familiares ou de patronagem mais sólidos, no cativeiro, o que a generalização
do tráfico interno tornava cada vez mais comum” (MATOS. p. 44). Nesse sentido podemos
analisar que havia uma diferenciação social do “mundo escravo” em relação ao mundo do
“homem livre pobre”. A autora nos fala que, se de um lado o trabalhador livre apresentava
como estratégia a sua constante mobilidade, até mesmo para confirmar seu espaço de
autonomia, os escravos tentavam obter, dentro das grandes fazendas em que estavam
inseridos, um espaço próprio como uma casa e uma roça.
O diferencial de Matos é a sua análise dos laços familiares e das relações de
solidariedades. Ela faz uma análise sobre esses dois conceitos em Freyre e Oliveira Viana, em
que o primeiro via a “família” no modelo patriarcal e o segundo via tais relações de forma
vertical, começando pelo chefe de família, indo para os filhos e genros e chegando aos
trabalhadores livres e escravos. Hebe Matos demonstra ao longo do texto que a família
nuclear não era somente encontrada entre os livres, mas também entre os escravos, e até
mesmo se constata a presença da família “matrifocal” mais atuante. Sobre a as relações de
solidariedade, ela analisa que também eram realizadas de forma “horizontal”, quando, por
exemplo, o caso de d. Maria, sobre o caso de assassinato do alferes Jerônimo Soares, em que
podemos encontrar laços verticais, no entanto, ela nos fala que “a solidez dos laços
horizontais que estabeleciam tornava seus deveres de fidelidade para com sua protetora uma
questão de princípio e de sobrevivência coletiva” (MATOS. p.66).

Podemos perceber que o trabalho no século XIX não tem uma tônica tão simplista
como era evidenciado pela historiografia mais antiga. Através de novos trabalhos que
analisam tanto o trabalho compulsório como o trabalho livre, é perceptível uma complexidade
das relações tanto verticais como as relações horizontais dentro da sociedade imperial. Livres
pobres, escravos, senhores de escravos e contratantes mantinham diversas relações tanto
familiares quanto de solidariedade, que nos permite analisar de forma mais complexa a
conjuntura da sociedade imperial, deixando de lado uma visão somente vertical dessas
relações.

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