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Parmênides: Etapa 2 1

Depois de estabelecer sua tese central, que é impossível pensar ou falar sobre
o que não existe, Parmênides dedica-se a deduzir de sua tese as seguintes
conclusões:

1. Não há vir a existir ou cessar de existir.


2. Não há alteração ou mudança.
3. Não há movimento.
4. Não há pluralidade.

Como Parmênides chegou, a partir de sua tese central, a essas conclusões


extraordinárias?

1. Geração & Destruição


Suponha que você diz que algo, x, vem a existir. Isso significa que você está
comprometido a dizer que houve um tempo em que x não existiu. Nesse caso, você
está comprometido a falar sobre o que não existe. No entanto, você não pode fazer
isso. Assim, você não pode dizer (i.e., não faz sentido dizer) que qualquer coisa
vem a existir. (Há um argumento paralelo para a impossibilidade de cessar de
existir.)

Dado que não pode haver vir a existir ou deixar de existir, importantes
consequências seguem-se. Parmênides parece ter pensado que disso resultasse que
não poderia haver diferenças entre passado, presente e futuro. Cf. 8=B8:

Jamais foi, tampouco será, uma vez que é agora, todo em conjunto,
um, contínuo...deve ou totalmente ser ou totalmente não ser.

Parmênides sem dúvida defenderia essa inferência do seguinte modo: como poderia
o presente diferir do passado ou do futuro? Uma diferença entre um momento e
outro envolveria algum estado de coisas (prévio) deixando de existir e algum
estado de coisas (novo) vindo a existir para substitui o anterior.

Ou seja: se não há geração nem destruição, então não pode haver


diferenças temporais. O mundo é exatamente o mesmo em um momento como é
em qualquer outro.

2. Mudança
Claro é que sem diferenças temporais não pode haver mudança. Pois a mudança
implica que o mundo é diferente de um momento a outro e tais diferenças
implicariam que coisas vêm a existir ou o deixar de existir.

Podemos obter alguma confirmação de que era essa a linha de pensamento de


Parmênides se olharmos para o que o seu seguidor Melisso escreveu (7=B7). Se
algo pudesse mudar ou alterar-se, o que previamente foi o caso teria de cessar de
ser o caso e o que previamente não era o caso teria que vir a ser o caso. Ou seja,

1
Traduzido de S. M. Cohen, Parmenides, Stage 2, disponível em:
http://faculty.washington.edu/smcohen/320/parm2.htm
Tradução para uso restrito às atividades da disciplina de História da Filosofia Grega.

1
se o celeiro muda de cor, ele se torna, digamos, vermelho. Em outras palavras, o
ser vermelho do celeiro vem a existir. No entanto, isso já foi descartado.

(Melisso apresenta o ponto em termos de arranjos, não de estados-de-coisas: se


uma coisa muda em qualquer aspecto, ela é “rearranjada”. Se ela é rearranjada,
um novo arranjo vem a existir. No entanto, nada pode vir a existir.)

3. Movimento
De acordo com a versão de Melisso do argumento, o movimento pode ocorrer
apenas se o móvel tem um espaço vazio para onde mover-se e o vazio é o mesmo
que nada ou não-ser. No entanto, o não-ser não pode ser. Assim, não pode haver
qualquer movimento.

Parmênides poderia, entretanto, alcançar a mesma conclusão por uma rota


diferente: o movimento é apenas um tipo de mudança (mudança de lugar) e a
mudança não pode ocorrer a menos que as diferenças temporais sejam reais. No
entanto, Parmênides rejeitou as mudanças temporais. Suponha que você se mova
de Seattle a Chicago. Isso significa que você está em Seattle num momento e em
Chicago em outro momento. Isso, contudo, é impossível, pois não há diferença
entre o modo que o mundo é num instante e o modo que ele é em algum outro.

3. Pluralidade
Aqui é mais difícil de ver o que teria sido o argumento de Parmênides. Por que não
pode haver um mundo de muitas coisas ingeradas, imutáveis e indestrutíveis? (Cf.
atomismo). Parmênides não parece dar qualquer argumento contra a pluralidade,
mas a tradição o tem considerado um monista que acredita que a realidade é uma
e que não pode haver uma pluralidade de coisas.

Vários intérpretes recentes, incluindo Barnes, opõem-se à tradição, afirmando que


Parmênides não era um monista! Cf. Pré-socráticos, p. 207. Essa é uma ideia
intrigante, mas não completamente convincente. Pois quando Zenão argumentou
contra a pluralidade, ele pensou estar defendendo Parmênides. Se Zenão estivesse
enganado acerca disso, Parmênides poderia tê-lo corrigido!

Melisso, um seguidor de Parmênides, certamente pensou a impossibilidade da


pluralidade fosse uma consequência dos argumentos de Parmênides. Assim, é
válido considerar como seria possível construir um argumento parmenidiano contra
a pluralidade. Há diversas linhas possíveis que se pode adotar. Não é claro,
entretanto, com qual dessas (se com alguma em absoluto) Parmênides teria
concordado.

a) Suponha que houvesse mais do que uma coisa. Nesse caso, teria de haver
algo separado uma do outra, pois, de outro modo, elas não seriam duas. Mas
o que separaria uma do outra? Há um espaço entre elas? Não, isso não é
possível, pois não há espaço vazio. Não há, então, nenhum espaço entre eles?
Nesse caso eles colapsam e são um, não dois.

b) Se houvesse duas coisas, digamos, Castor e Pólux, seria verdadeiro dizer


que um deles não é o outro, ou seja, que Castor não é Pólux. Nesse caso, no
entanto, estaríamos “dizendo o que não é”, o que é impossível.

[Mas de que modo isso seria um caso de falar do que não existe? Quando
dizemos que Castor não é Pólux, qual é a coisa não-existente cuja existência

2
estamos negando? Um parmenidiano devoto precisaria dizer que nós estamos
negando a existência do ser Pólux de Castor.

c) Um caminho mais plausível poderia ser assim: Parmênides pensa que o


mundo é desprovido de movimento ou mudança qualitativa. Ele
presumivelmente também sustentaria que não pode haver qualquer
diferença qualitativa; de fato, não poderia haver diferença de qualquer tipo.

Suponhamos que haja uma diferença entre a e b. Isso significa que deve
haver alguma propriedade, F, de modo que a é F e b não é F. No entanto,
quando dizemos que b não é F, estamos violando as regras de Parmênides,
pois estamos dizendo que a F-dade de b não existe.

Desse modo, o universo é desprovido de diferenças de qualquer tipo. Então,


como podem a e b ser duas coisas? Não há diferença entre eles. Não há
propriedade que a tenha e b não. Portanto a = b. E, generalizando:

Para qualquer x e para qualquer y, x = y

6. Negação e não-existência
Em qualquer interpretação, parece que Parmênides diria que qualquer negação
(qualquer asserção negativa) é uma negação da existência. E é fácil ver por que um
parmediniano sustentaria que uma negação da existência não pode ser
significativa e verdadeira. Com efeito, se fosse verdadeira, então aquilo sobre
o que ela é seria não-existente. Assim, ela não seria sobre qualquer coisa. E se
ela não é sobre qualquer coisa, não seria sequer significativa. Se não se pode falar
sobre o que não existe, então não se pode nem mesmo negar sua existência.
Desse modo, negações de existência (“asserções existenciais negativas”) são
impossíveis.

[“x não existe” não é verdadeiro, a menos que x não exista. Entretanto, se o
sujeito de uma asserção não existe, a asserção não é significativa. O problema com
os existenciais negativos é este: uma condição necessária da sua verdade é uma
condição suficiente para que ele não tenha significado.]

A melhor resposta a Parmênides aqui é apontar (como Platão fez) que nem todas
as negações são negações de existência. Quando uma pessoa diz que vacas não
voam, ela não está referindo-se a vacas voadoras, e dizendo que elas não existem.
Ela está referindo-se a vacas, e dizendo que elas não voam.

Coversamente, a asserção de que pássaros voam não deve ser analisada como algo
que faz referência ao voar dos pássaros e diz que ele existe (mesmo que pareça
inofensivo fazê-lo). O que faz referência não é a asserção como um todo, mas
apenas suas partes individuais.

“Uma asserção precisa ter força existencial”: sim, mas apenas no sentido de que
seus termos (simples) devem referir-se a coisas que existem. Isso, contudo, não
significa que as asserções elas mesmas precisam referir-se a alguma outra coisa
(um “fato”, ou um “estado de coisas”) que exista.

7. Resumo das considerações de Parmênides


a) Ele faz algumas suposições básicas sobre pensamento e existência:

3
1. x pode ser pensado se e somente se x pode existir.

2. se x não existe, então x não pode existir.

b) Dessas suposições básicas, ele deriva sua tese central:

É impossível falar ou pensar sobre o que não existe efetivamente.

c) Dessa tese central, ele deriva uma série de importantes corolários que
desafiam o senso comum:

Não há tais coisas como: geração e destruição, movimento,


mudança, diferença qualitativa, pluralidade.

d) O argumento em favor desses corolários é que qualquer um que tente afirmar


que há tal coisa como a mudança (etc.) é reduzido à simples tentativa de falar
sobre o que não existe.

8. Um resumo dos enganos de Parmênides


a) Ele pensou que o que não existe não poderia existir (possivelmente confundindo
essa ideia com o truísmo de que, necessariamente, se algo não existe, então ele
não existe).

b) Ele pensou que negações de existência são impossíveis (ou seja, não podem ser
conjuntamente significativos e verdadeiros).

c) Ele pensou que todas as negações (todos “não é”s) são negações de existência.

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