Caleidoscopio – Episodio 2 – Seiri

Norma – Oi pessoal, tudo bom? Estou aqui de volta, cenário diferente! Essa aqui é minha capsula
do tempo. Guardo todas as minhas memórias. As físicas no caso. Vou ser sincera com vocês. Por um
fio eu excluo esse canal. Quase não volto, mas decidi retornar. Porque eu sempre aborto coisas
novas em minha vida. Esse medo que eu tenho. Minha terapeuta me diz que eu estou me
autossabotando. Eu digo a ela que não é isso. É só mudança de interesse mesmo. Mas é mentira.
Porque a gente mente pra terapeuta. Vocês mentem também ou sou só eu. A gente paga pra mentir.
Rosângela se você tiver me assistindo agora, me desculpe, mas eu minto pra você. Se bem que eu te
pago. Mas mesmo assim, não mintam pra terapeuta de vocês. Se ela lhe disser que você está se
autossabotando acredite, ela te conhece melhor do que você. Isso me assusta um pouco, e talvez por
isso eu minta pra ela. Vai saber. E por isso eu voltei, pra mostrar pra ela que eu não estava me
autossabotando, apesar de que eu estava, (caindo a ficha) e com isso ela me induziu a não parar com
o canal e não me autossabotar. (espantada) Rosângela, você me manipulou! Que absurdo!
Obrigado! Vocês já agradeceram a terapeuta de vocês hoje? Pois deviam! Bem, agora que eu
descobri que eu fui manipulada minha a autodescoberta perdeu um pouco de graça, mas não faz
mal. Eu tô aqui na minha cápsula do tempo pra uma reciclagem. Essa semana, eu tava num curso no
meu trabalho. Eu esqueci de falar no primeiro vídeo, eu sou bibliotecária. Eu coordeno a biblioteca
municipal, e essa semana deram um curso de organização e aperfeiçoamento. Era uma coisa
oriental, eles chamam de diagrama 5s, Que são Seiri, Seiton, Seiso, Seiketsu e Shitsuke. São
palavras em japonês, eu acho que a pronuncia não tá muito certa. Mas que querem dizer
classificação, ordem, limpeza, padronização e disciplina. Eu fiquei pensando, já que eu quero
aperfeiçoar a norma que existe em mim, porque não experimentar o diagrama 5s? O primeiro passo
foi o Seiri, que é classificação mas que significa a utilização. É classificar as coisas úteis e inúteis, e
só ficar com o que lhe é útil. Então eu vim aqui pra me livrar de algumas coisas. É um passo muito
dificil pra mim. Eu nunca me livrei de nada. Guardo aqui todas as coisas. Não todas. Todas desde
que eu moro sozinha e as que eu consegui guardar da casa dos meus pais. Rosangela me falou que
talvez fosse um exercício interessante. Que eu começasse aos poucos. É como eu gosto de pensar:
É um pequeno passo para a humanidade, mas um grande passo para norma. Cada qual com suas
unidades de medidas. Uma folha é pouco para nós, mas imenso para uma formiga, não podemos nos
medir com uma régua universal. Então convido vocês a realizarem o seiri de vocês também. Com o
passo que suas pernas permitem, que já será muito. Eu vou começar com essa caixa. Deixa eu ver o
que tem aqui. Eu comecei por essa caixa porque ela guarda algumas coisas recentes, de poucos
anos. Eu sei que vocês devem estar se perguntando, “porque ela não pegou uma mais antiga?”, eu
também cheguei a me perguntar isso, mas objetos mais antigos tem uma nostalgia diferente. Os
recentes ainda não tiveram tempo de ocupar um lugar afetivo em nossas memorias. As lembranças
antigas são sempre mais distorcidas. O passado é sempre mais belo, acho que é pelo fato de que é
intocável. O passado recente, dá um aspecto de presente, então lembramos do que poderiamos ter
feito de diferente. O passado-presente não nos permite ver o que nos tornamos por causa deles. Já o
passado-passado nos possibilita essa analise distanciada. É como se o passado-presente estivesse
germinando enquanto estamos saboreando os frutos do passado-passado. O passado-presente é
responsavel pelo nosso futuro, enquanto o passado-passado é responsavel pelo nosso presente. Meu
deus! Se eu me livrar agora das coisas do passado-presente eu jamais darei a chance deles ocuparem
um lugar afetivo na minha memoria. Mas tambem é dificil me livrar de algo do passado-passado
porque quanto mais eu guardo, mais eles são importantes. E agora? Eu não devia ter feito esse
video, se eu tivesse vindo aqui e me livrado das coisas sem me preocupar em explicar pra vocês eu
não teria esse problema com o passado-passado e o passado-presente. Mas eu tenho uma missão e
vou cumpri-la. (abre a caixa) Um lapis velho, um caneta, (testa) que não escreve mais, um … o que
é isso (abre e lê) meu diário de… 5 anos atrás… caramba… como eu vou jogar fora a caneta ou
lápis… foi com eles que eu escrevi minha historia! Minha historia, minha identidade, quem eu era,
estão nessas páginas! Como eu me desfaço disso? Meu deus… vou tirar na sorte… unidunetê
salamê minguê um sorvete colorido o escolhido foi… isso não vai funcionar… tem mais nada na
caixa não? Pera, tem aqui, um... espelhinho? Gente, meu espelhinho… (se olha no espelho) tô toda
descabelada, meu deus! Ninguém me avisa! Eu adorava esse espelho… (faz poses com o
espelhinho) é norma… o que eu faço com você… o que a norma de 5 anos atrás faria? A Norma de
5 anos atrás apenas limparia as caixas e arrumaria no mesmo lugar, pois tudo está calculado para
caber o máximo de coisas no menor espaço possível… é o que eu queria poder fazer, mas não tem
mais sentido pra mim… A Norma de 5 anos atrás já se foi… Mas me olhando agora… acho que tem
um pouco dessa Norma que está em algum lugar de mim… e eu não preciso do diário pra manter
um pouco dela em mim… sabe, eu acho que esse sempre foi o meu medo… perder quem eu tinha
sido quando as coisas se fossem, mas não… (se olha no espelhinho) quem eu sou não depende delas
aqui, depende de quem elas fizeram de mim… eu não preciso delas pra ser quem eu sou… não
preciso ler meu diário de cinco anos atrás pra lembrar quem eu era… quem eu era não existe mais…
quer saber (fecha o diário)… (guarda tudo na caixa) um pequeno passo para humanidade, (joga a
caixa no lixo) um grande passo para norma… todas essas coisas são as sementes de quem eu sou…
elas sempre estarão em mim e em minha memória… vamos lá? Sigam dai, que eu sigo daqui… até
o próximo vídeo, vou seguir libertando meu passado.