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PROPOSTA
Orientação Científica
Professor Doutor José Aguiar
Professor Doutor José Luís Crespo
Título 5
Tema de estudo 5
Introdução 5
1. Objetivos 7/8
2. Questões de trabalho 9
3. Estado do Conhecimento
3.2. Conceitos-Chave 14
3.2.2. Bairro 17
4. Metodologia 21/22
5. Calendarização 23
7. Bibliografia 27/28
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Título LISBOA E O VALE DE CHELAS
Tema de estudo Reabilitação do Património Industrial através do ‘Bairro’ e da Desfragmentação
Espacial e Social do Vale
INTRODUÇÃO
O tema proposto pretende abordar o conceito de bairro enquanto centro para a promoção da
consolidação espacial e social do Vale de Chelas, não excluindo o passado industrial que tão fortemente
marcou este território.
O interesse por este tema surge pela invocável dúvida que sempre se sente em relação a esta zona e
às origens da sua marginalidade espacial e social na cidade de Lisboa. A proximidade pessoal a este
território e a abordagem do mesmo no âmbito da unidade curricular de Laboratório de Projeto VI vieram
desencadear outro tipo de questões mais formais de nível arquitetónico, ecológico, social e urbano, às
quais a presente proposta pretende responder.
Situado no lado oriental da cidade de Lisboa, o Vale de Chelas é atualmente uma zona física e
socialmente fragmentada e negligenciada, consequência das sucessivas ocupações e apropriações do
seu território. Território demasiado esquecido, onde, após décadas de desindustrialização e de
encolhimento urbano, restam as estruturas de fábricas que se transformaram num símbolo de um
passado industrial outrora fulgurante, constituindo assim parte do conhecido cemitério das fábricas.
Neste sentido, a presente proposta surge de forma a reabilitar esta zona da cidade através da
revitalização, regeneração e requalificação dos espaços (na sua maioria) inativos da antiga Fábrica da
Tinturaria Portugália e de vilas e pátios operários conexos a esta.
Assim, no desenvolvimento do Projeto Final de Mestrado, ter-se-á como questão de partida: que efeito
pode ter a reconversão do património industrial na criação de uma nova centralidade que auxilie na
desfragmentação física e social do Vale de Chelas?
CONCEITOS-CHAVE
BAIRRO, CENTRALIDADE, PATRIMÓNIO INDUSTRIAL, REABILITAÇÃO, VAZIO URBANO
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1. OBJETIVOS
Assim, no Projeto Final de Mestrado que aqui se propõe desenvolver, pretende-se atingir os
seguintes objetivos:
a) Investigação
Um dos objetivos propostos é a avaliação das características territoriais e a caracterização da
população local da área de análise e intervenção. Como complemento surge a análise das relações (ou
falta delas) da mesma população com o passado industrial do Vale, de forma a perceber qual a memória
ainda presente dos usos das antigas estruturas fabris, assim como das necessidades ao nível dos
equipamentos e dos espaços públicos, do ponto de vista desta população, para a integração e
revitalização desta zona da cidade de Lisboa.
b) Intervenção
Um dos objetivos primários da intervenção a projetar no Vale de Chelas passará pela
revitalização da zona jusante à antiga Fábrica da Tinturaria Portugália, criando assim um dinamismo
económico e social num território que se apresenta atualmente como um vazio urbano na cidade.
No mesmo sentido, uma das intenções da presente proposta será a devida integração de
espaços já ali existentes, contando não apenas com as ruínas da fábrica, mas também com o antigo
balneário municipal e com o Centro de Acolhimento do Beato, que alberga cerca de 271 pessoas com
vidas associadas à pobreza, à toxicodependência e outros, e que ocupa atualmente uma parte das
antigas instalações fabris.
Um dos aspetos a desenvolver, considerado como um objetivo fundamental na presente
proposta, será o aumento da população mais jovem na zona, acreditando-se que será um auxílio na
integração da população local, não apenas na zona oriental, mas também na cidade em si. Este aspeto
baseia-se nos últimos dados recolhidos do INE, em 2011, referentes à freguesia do Beato, onde a
população mais jovem (entre os 0 e os 24 anos) representa apenas 21% da população local,
comparativamente aos 26% referentes à população local acima dos 65 anos.
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b.1) Intervenção – o equipamento
A proposta projetual prevê assim a reconversão das antigas instalações fabris da Tinturaria
Portugália e a inclusão de outras estruturas a projetar na sua envolvente próxima. A reconversão
passará pela transformação das instalações num novo equipamento, tendo como objetivo promover
não só a revitalização já enunciada como novas formas de uso dos espaços públicos, interiores e
exteriores.
A opção da reconversão da antiga fábrica num novo equipamento público deve-se ao facto de
este tipo de tipologia arquitetónica gerar oportunidades pouco comuns de convivência de diferentes
grupos etários e sociais; a somar ao facto de permitir um diferenciado número de atividades que podem
auxiliar na integração da população local, que é atualmente algo marginalizada pela sociedade lisboeta.
A implantação central da fábrica na área sul do Vale de Chelas foi decisiva para a opção de
reconversão desta antiga estrutura industrial, uma vez que permite uma conexão entre outros pontos
de interesse do vale, tais como o antigo Convento de S. Félix e Sto. Adrião de Chelas (mais a norte), a
antiga Fábrica da Samaritana (mais a Sul), as vilas e pátios operários que ainda persistem nesta zona
de Lisboa (a título de exemplo, a Vila Amélia/Emília, a Vila Dias, e a Vila Flamiano), e ainda o antigo
Convento da Madre de Deus e toda a frente ribeirinha oriental, caracterizada pelo seu passado
industrial.
Figura 1 – Monografia da Tinturaria Portugália (século XX). Figura 2 – Foto da Tinturaria Portugália (1960’s). Fonte: http://aps-
Fonte: http://lh3.googleusercontent.com/- ruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/2009/05/rua-gualdim-pais-v.html
lc2QXD0Qrmc/VTiLs0NnoCI/AAAAAAABhXs/_H6wiAxnA2U/s16 (consultado a 5/11/2017)
00-h/Tinturaria-Portuglia.16.jpg (consultado a 5/11/2017)
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2. QUESTÕES DE TRABALHO
A questão enunciada inicialmente – que efeito pode ter a reconversão do património industrial
na criação de uma nova centralidade que auxilie na desfragmentação física e social do Vale de Chelas
– conduziu a outras questões que serão desenvolvidas neste Projeto Final de Mestrado, tais como:
I) Património Industrial
e. Qual a diferença entre Património e Ruína? Qual o momento em que o Património deixa de ser
Ruína?
g. Porque não está (e poderia estar) a Tinturaria classificada como Património Municipal/Nacional?
b. Como pode ser o bairro gerador de uma nova centralidade e qual o seu contexto?
d. Qual a leitura de um espaço industrial? Que efeitos afetam, direta e indiretamente, essa leitura
espacial?
f. Como podem ser usadas as estruturas da antiga Fábrica da Tinturaria Portugália e a ainda
habitada vila operária Amélia/Emília na criação de uma centralidade como é o bairro?
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3. ESTADO DO CONHECIMENTO
O Vale de Chelas é uma área da zona oriental da cidade de Lisboa ligada à ocupação árabe
fora da Cerca Moura, e, mais tarde, à ocupação de várias ordens religiosas, que acabaram por formar
uma rede qualificada de quintas de recreio e palácios na área. Com a extinção das ordens religiosas
em 1834, deu-se o crescimento da Lisboa ribeirinha oriental, com as quintas a serem convertidas em
fábricas, armazéns, vilas e pátios, e com o desenvolver das atividades portuárias e da crescente
circulação de pessoas e mercadorias.
Juntamente com a construção e abertura da Estação Ferroviária de Santa Apolónia (1856),
assim como a construção à posteriori da linha de circunvalação sobre o Vale de Chelas, o fenómeno
intensificou-se, contribuindo não apenas para a mudança da paisagem da Lisboa oriental, como para
o aceleramento do crescimento industrial da cidade (FOLGADO & CUSTÓDIO, 1999).
O Vale de Chelas representa assim a origem da industrialização da zona oriental da cidade de
Lisboa, uma vez que foi ali também que se instalaram as primeiras unidades de estamparia de algodão,
ainda no século XVIII (CUSTÓDIO, 1994)
Como refere Custódio (1994), na maior parte das vezes as estamparias não sobreviviam muitos
anos, e, se a este facto juntarmos a indústria da tinturaria, que surgiu anexada à da estamparia por
afinidade, pode não ser estranho por isso que pouca informação haja sobre a antiga Fábrica da
Tinturaria Portugália.
Através da análise cartográfica das plantas de Filipe Folque (1856/58), Câmara Municipal de
Lisboa (1871) e Silva Pinto (1911), é possível afirmar que a estrutura da antiga fábrica, que foi sendo
alterada através de acrescentos ao longo do tempo, remonta pelo menos ao século XIX, sendo possível
observar que, já nessa altura, a fábrica instalada no Vale de Chelas estava implantada junto a linhas e
poços de água, matéria-prima para as indústrias da estamparia e tinturaria.
Figura 3, 4 e 5 – Plantas
Cartográficas de Lisboa. Da
esquerda para a direita: Filipe
Folque (1856/58), CML (1871) e
Silva Pinto (1911). Fonte: Lisboa
Interativa - http://lxi.cm-
lisboa.pt/lxi/ (consultado a
02/01/2018)
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A fábrica da Tinturaria Portugália manteve-se aberta até, pelo menos, ao último quartel do
século XX.
O século XX veio, portanto, reverter o fenómeno da industrialização na cidade de Lisboa, dando
lugar à desindustrialização, com as fábricas a transformarem-se num símbolo de um passado industrial
fulgurante e, consequentemente, em espaços devolutos por falta de reestruturação urbana. Desta
forma, o que antes era uma paisagem rural transformou-se num cemitério de chaminés industriais, onde
apenas impera a sua memória.
Situado na zona oriental da cidade de Lisboa, junto ao rio Tejo e entre os antigos
Convento da Madre Deus e Convento de São Francisco, o Vale de Chelas prolonga-se até ao
Convento de São Félix e Santo Adrião (atual Arquivo Geral do Exército). Apresenta-se hoje
como sempre o foi: uma área de baixa altitude, cercada por duas colinas, onde percorre (pelo
solo) a ribeira de Chelas, que desagua no rio Tejo.
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3.1.2.3. Caracterização Social
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3.2. Conceitos-Chave
No século XVIII, a Revolução Industrial marcou o início de um fenómeno histórico que veio
marcar o mundo, deixando como vestígios objetos materiais que apresentam atualmente um importante
valor universal que deve ser estudado e conservado.
Como Choay (2017) nos faz questão de lembrar, estes vestígios industriais possuem não só um
valor afetivo de memória para aqueles para quem estes eram o território e o horizonte e que procuram
não ser deles desapossados, como representam também um valor documental sobre uma fase da
civilização industrial.
Assim, na Carta de Nizhny Tagil (TICCIH, 2003) estes vestígios ficaram definidos sob o desígnio
de Património Industrial:
‘(…) O património industrial compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico,
tecnológico, social, arquitectónico ou científico. Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas,
fábricas, minas e locais de processamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros de produção,
transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as suas estruturas e infra-estruturas, assim
como os locais onde se desenvolveram actividades sociais relacionadas com a indústria, tais como
habitações, locais de culto ou de educação. (…)’
Tal como em muitas capitais europeias, também Lisboa ficou marcada por estes vestígios
industriais.
Ao longo da história da cidade existiu sempre uma divisão social e territorial entre as zonas
ocidental e oriental. A instalação simétrica das primeiras indústrias, no século XIX, nos vales de
Alcântara e Chelas, aproveitando a morfologia destes territórios, assim como a energia hidráulica
proporcionada pelas águas das ribeiras existentes, e a instalação dos primeiros caminhos de ferro, veio
assinalar ainda mais este facto, uma vez que a tendência de crescimento para ocidente provocou uma
desvalorização do território oriental, sendo por essa razão que é no Vale de Chelas e na sua envolvência
que encontramos em maior número e concentração estes vestígios industriais.
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Estes vestígios industriais são, atualmente e na sua maioria, objetos de um passado fulgurante
e vistos como um património com uma grande carga histórica, social e técnica que nos toca de perto
(FERREIRA DE ALMEIDA, 1993), devido ao forte impacto que têm na paisagem das cidades, da
memória distante que invocam, da herança que representam. São objetos que nos fazem ver e tocar o
que as gerações anteriores viram e tocaram. Como Ruskin (CHOAY, 2017) metaforizou, os edifícios do
passado falam connosco, fazem-nos escutar vozes que nos envolvem num diálogo.
Leniaud (FERREIRA DE ALMEIDA, 1993) reforçou esta posição, quando definiu património
como um conjunto de bens que uma geração sente que deve transmitir às seguintes porque pensa que
esses bens são um talismã que permite à sociedade compreender o tempo nas três dimensões. Mais
uma vez, a questão do património como herança que permite a perceção real da passagem do tempo
pelas cidades.
Voltando ao Vale de Chelas, muitos destes vestígios industriais que ali ainda permanecem, como
as antigas fábricas da Samaritana e da Tinturaria Portugália, apresentam-se hoje, para muitos, como
ruínas de um passado ligado à indústria. No entanto, é necessário compreender que ruína e património
(industrial), embora na sua génese remontem à ideia de memória, têm definições semelhantes, mas
não iguais.
Serrão (2014) aponta-nos o que muitos pensam – as ruínas, com o acúmulo do tempo de
abandono, deixam de ser recuperáveis e passam a ser “não-lugares sem memórias”, desnecessárias
e sem sentido, com a sua destruição como condenação inevitável. As causas para o seu arruinamento
estão associadas a várias circunstâncias, como a mudança de uso, as pressões urbanísticas e outros
fatores que agravam as condições destes imóveis e levam à sua degradação ou, em último caso, à sua
demolição. Serrão afirma mesmo que o conceito de ruína assume uma linhagem pesada e culposa,
uma vez que nada se fez para evitar a desonra e a indignidade a que a degradação destes imóveis
chega.
No entanto, não podemos atribuir a conotação de ruína às antigas fábricas que ainda
permanecem no Vale de Chelas, porque, e tal como nos diz Brandi (2006: 40), ruína é ‘tudo aquilo que
é testemunho da história humana, mas com aspeto bastante diverso e quase irreconhecível em relação
àquele que se revestia antes’. Ora, quando observamos os edifícios das antigas fábricas mencionadas,
não só o casco, como a sua implantação, podemos ainda ter uma ideia do seu uso primordial.
Assim, estas fábricas permanecem sob o desígnio de património industrial não apenas por ainda
ser possível identificar o seu uso e tipologia, mas porque, tal como mencionado anteriormente e mais
uma vez referido por Ruskin (CHOAY, 2017), a arquitetura é o único meio que dispomos para conservar
vivo um laço com um passado ao qual devemos a nossa identidade e que é constitutivo do nosso ser,
laço esse definido essencialmente pelas gerações humanas que nos precederam.
Estando esta diferenciação estabelecida, é necessário agora perceber o que fazer com estes
vestígios industriais, que usos podem ter e que valores sociais podem adquirir ou ocultar perante o
território em estudo.
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Tal como Moreira (2014) afirma, atualmente procuram-se outros modos de intervenção no
património industrial que considerem a materialidade e a história industrial. A reutilização de edifícios
industriais tem acompanhado a importância do património industrial como uma solução de preservação
destes vestígios materiais.
Quando se opta por reutilizar um antigo edifício industrial, como o são as já referidas Fábrica da
Samaritana e Fábrica da Tinturaria Portugália, é fundamental ter em conta que estes edifícios atuam
como edifícios palimpsesto. Tal como refere Szylar (2013), um edifício palimpsesto é uma obra com
uma longa história, que sobrepõe construções de diferentes épocas, permitindo apenas ter ‘um
conhecimento sempre incompleto e com o qual lidamos através de ruturas, inserções, fissuras e
revestimentos’ (p. 48).
Assim, qualquer que seja o uso dado na reutilização destes antigos espaços industriais, deverá
ter-se sempre em conta a conjugação do passado, presente e potencial futuro destas estruturas
industriais que revelam nos seus espaços e estruturas histórias que coexistem e que, como
palimpsestos, se renovam, mas nunca se apagam.
Segundo a Carta de Nizhny Tagil (TICCIH, 2003), o património industrial oculta um valor social
como parte do registo de vida das pessoas, por essa razão não podemos estranhar quando estes
vestígios são reconvertidos com usos que ajudam na regeneração de um território em declínio. É
necessário entender que estes vestígios do passado industrial pertencem a uma memória passada, a
uma memória coletiva e são símbolo de um tempo de progresso, de fluidez de vida e de não-estagnação
– fatores que marcam atualmente muitos destes territórios industriais, onde se inclui o Vale de Chelas.
Desta forma, a reutilização destes vestígios industriais tem como grandes vantagens não apenas
o conservar da memória e da identidade sociocultural das comunidades locais e respetivas zonas
urbanas onde se inserem (CORDEIRO, 2013), como permite atuar como um centro para a regeneração
urbana de territórios em declínio, como o é o Vale de Chelas. Além disso, trata-se de uma solução
económica e sustentável, uma vez que os elementos estruturais (aqueles que representam um maior
investimento numa construção de raiz) já estão construídos e, na sua maioria, apresentam-se ainda em
bom estado.
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3.2.2. Bairro
Sem pessoas, os espaços não são espaços. Ou melhor, são lugares obsoletos e terras de
ninguém, vazios. Assim, é necessário criar condições para que o Vale de Chelas não veja a sua situação
social piorar, delimitando ainda mais a sua marginalidade. Por essa razão é tão importante a criação de
espaços que fixem novos grupos sociais e integrem os ainda residentes desta zona. O bairro pode ser
a solução.
Lefebvre (FERREIRA, 2012: 49) define imprecisamente bairro como ‘o ponto de contacto entre
o espaço geométrico e o espaço social, o ponto de passagem de um a outro (…) é uma forma de
organização do espaço e do tempo de uma cidade’. O bairro caracteriza-se assim como a antítese da
desagregação social, à escala do quotidiano, onde existe a possibilidade de reconhecimento, da
pertença e do fortalecimento de vínculos (CRESPO, 2012).
A cidade de Lisboa é disso exemplo. Composta por diversos bairros ao longo de toda a sua
extensão, uns mais tradicionais e antigos que outros, a cidade lisboeta é conhecida em Portugal como
a cidade dos bairros, onde perduram as tradições bairristas e os vínculos sociais. O bairro em Lisboa é
o centro da vida social dos seus residentes. E por muito semelhantes que possam aparentar ser, como
Crespo afirma, cada bairro é único, tem a sua história, a sua ocupação urbana, e o seu conteúdo
socioeconómico e cultural; tem a sua identificação, a sua identidade e as suas características próprias.
O bairro apresenta-se assim como uma solução estruturante da fragmentação espacial do
território em estudo, porque irá permitir a sua regeneração e revitalização ao nível das rotinas
quotidianas, com a criação de espaços que envolvem fatores não só sociais como culturais,
económicos e arquitetónicos (lembremos a presença forte do património industrial), que irão permitir à
comunidade local não apenas o despertar da sua identidade, como a sua reintegração no espaço social
e territorial da cidade de Lisboa.
Segundo Solà-Morales (2002), vazios urbanos são “lugares aparentemente olvidados donde
parece predominar la memoria del pasado sobre el presente. Son lugares obsoletos en los que sólo
ciertos valores residuales parecen mantenerse a pesar de su completa desafección de la actividad de
la ciudad. Son, en definitiva, lugares externos, extraños, que quedan fuera de los circuitos, de las
estructuras productivas. Desde un punto de vista económico, áreas industriales, estaciones de
ferrocarril, puertos, zonas residenciales inseguras, lugares contaminados, se han convertido en áreas
de las que puede decirse que la ciudad ya no se encuentra allí”.
Na base da ideia do arquiteto e filósofo está o termo francês terrain vague, que, segundo ele,
se trata de uma porção de terra expectável e potencialmente aproveitável, onde a ausência de uso, de
atividade, remete para uma promessa, para um espaço do possível, com uma conotação de liberdade
e vagabundagem, porque se tratam de lugares indefinidos e incertos. Como causas para a conversão
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de uma determinada zona em terrain vague, Fialovà (BORDE, 2002) defende que são sempre
consequência da sua história.
O Vale de Chelas pode ser assim caracterizado como um território expectante, aparentemente
esquecido, de limites imprecisos, e conotado como estranho, marginal, ao sistema urbano da cidade
de Lisboa. De facto, tal como se apresenta hoje em dia, o Vale é consequência de um passado de
sucessivas ocupações (rurais, conventuais e industriais) e de vários processos de urbe e
suburbanização instantânea, descontínua, pouco heterogénea e criativa.
O Vale de Chelas, tal como tantos outros vazios urbanos, apresenta ainda uma remanescência
de paisagem, seja pela sua morfologia, pelas suas características bio e ecológicas, seja pelos vestígios
industriais que ali ainda permanecem. Por essa razão, quando olhamos para este tipo de vazios, temos
de entender que a sua transformação em oportunidade(s) pode ter potencialidades positivas, mas
também efeitos perversos, caso estas mesmas potencialidades não sejam orientadas pelas autoridades
como elementos estratégicos para a reestruturação do território urbano (PORTAS, 2000).
Assim, quando olhamos para o Vale de Chelas temos de entender que se trata de um território
que representa uma interrupção no tecido da cidade, onde qualquer intervenção que para aqui seja
pensada não pode limitar-se apenas ao cumprimento de um programa de edifício, mas primeiramente
à criação experimental de um modelo urbano. É neste sentido que vemos muitas vezes os vazios
urbanos referenciados como oportunidades, uma vez que normalmente já se encontram perto de
infraestruturas e acessos (como o são, no caso do Vale, a 2ª circular de Lisboa, o aeroporto e o
metropolitano – a norte; a Avenida Infante Dom Henriques, a linha de comboio de Santa Apolónia e o
Porto de Lisboa – a sul).
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No entanto, é necessário refletir sobre o impacto das mudanças neste vazio urbano que é o
Vale de Chelas, tendo em conta tudo o que foi referido anteriormente acerca da preservação da
memória coletiva. Fialovà refere que a conexão entre história, memória e identidade está impregnada
de uma certa resistência à mudança (BORDE, 2012), contudo tal não é o caso do Vale de Chelas onde,
apesar da presença dos vestígios industriais, a memória do passado industrial apenas permanece
representada pelos edifícios das antigas fábricas e vilas e pátios operários, uma vez que a população
local atualmente já pouco ou nada se identifica com este passado, seja por não terem tido contato
direto com a mesma, seja porque quando ali se instalaram já nada restava das indústrias.
Desta forma, será necessário que haja um diálogo de reflexão entre as potencialidades que
oferece este tipo de vazio urbano, a importância de manter o que permanece do passado industrial que
caracterizou este território, e ainda a relação da população com este território e com este passado pelo
qual não nutrem qualquer valor para além daquele que a sociedade tenta impor.
Para uma melhor abordagem do tema em estudo, pretende-se analisar seis casos de referência,
nacionais e internacionais, que auxiliem no desenvolvimento de um programa projetual que cumpra
todos os seus objetivos primários e de foro social e urbano.
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4. METODOLOGIA
Esta metodologia estará dividida em duas grandes partes – uma parte teórica, de análise e
investigação; e uma parte prática, de aplicação de conceitos e temáticas abordados na parte teórica,
com fundamento na respetiva análise e investigação realizada – que contribuirão para a criação e
desenvolvimento projetual de um programa de duas tipologias diferentes – um equipamento coletivo e
um conjunto habitacional, que contribuam não só para um melhoramento do bem-estar social e da
qualidade de vida da população da área de estudo, como também para um melhoramento da estrutura
urbana da cidade de Lisboa.
O trabalho será assim estruturado em duas partes com cinco momentos distintos, mas
interdependentes e relacionados entre si.
PARTE TEÓRICA
A primeira fase de investigação irá consistir na definição mais concreta da estrutura do território
em estudo. Para tal, recorrer-se-á à recolha e análise de cartografia e outros documentos históricos; à
análise de planos de estudos e outros planos, municipais e nacionais, desenvolvidos para a área de
estudo; e ainda à investigação e análise de casos de estudo de relevância nacional e internacional, com
base em recolha e análise crítica de textos, imagens e documentários.
A terceira fase de investigação será uma análise e reflexão crítica aos resultados obtidos nas
fases anteriores de investigação, de forma a validar as hipóteses e questões de trabalho geradas no
início do trabalho. Esta terceira fase tem como objetivo principal gerar uma melhor compreensão do
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tema e do problema em análise, fundamental para a definição de um programa a desenvolver na parte
prática do Projeto/Trabalho Final de Mestrado.
Para tal, será necessário consultar e analisar bibliografia de referência, para além de realizar
observações exploratórias que permitam a formulação de uma pergunta de investigação mais definida
e de respetivas hipóteses de trabalho.
PARTE PRÁTICA
Com base na informação obtida através da investigação, a quinta fase irá consistir na definição
de uma estratégia geral urbana a projetar, que interligue e relacione diferentes pontos do território à
área em estudo. Nesta fase será também desenvolvido o programa e tipologia projetual a adotar,
nomeadamente a definição de um equipamento coletivo e de um conjunto habitacional, que respondam
às necessidades observadas nas fases anteriores de investigação. Paralelamente, será definido o local
concreto de intervenção e implantação do programa desenvolvido.
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5. CALENDARIZAÇÃO
2017 2018
TAREFAS MÊS OUT NOV DEZ JAN FEV MAR ABR. MAIO JUN JUL
Reunião de Orientação
FASE 1 E 2
FASE 3 E 4
FASE 5 E 6
23
24
6. ESTRUTURA DO PROJETO DE FINAL DE MESTRADO
Resumo
Abstract
Índice Geral
Índice de Figuras
Introdução
Tema e Problemática
Objetivos
Delimitação da Área em estudo
Metodologia e Técnicas de Abordagem
Organização Estrutural do Trabalho
Conclusão
Bibliografia
Anexos
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26
7. BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA
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