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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CENTRO DE ARTES - CEART

ARTES PLÁSTICAS

NOARA LOPES QUINTANA GARCEZ PIMENTEL

COLETIVO LAAVA: percursos teóricos e desdobramentos práticos


no ano 2009.

FLORIANÓPOLIS

2010
NOARA LOPES QUINTANA GARCEZ PIMENTEL

COLETIVO LAAVA: percursos teóricos e desdobramentos práticos


no ano 2009.

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Artes
Plásticas como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel.
Orientador: Prof.Dr. José Luiz Kinceler

FLORIANÓPOLIS

2010
NOARA LOPES QUINTANA GARCEZ PIMENTEL

COLETIVO LAAVA: percursos teóricos e desdobramentos práticos


no ano 2009.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Artes Plásticas como


requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel.

Banca Examinadora

Orientador : _________________________________________________
(Prof.Dr. José Luiz Kinceler)
UDESC

Membro : _______________________________________________
(Prof.Ms. João Calligaris Neto)
UDESC

Membro : ________________________________________________

(Profa. Drnda Adriana Maria dos Santos)


UDESC

FLORIANÓPOLIS, 08 /12/ 2010


Dedicado à família.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que fazem parte deste trabalho, aos participantes do Coletivo
LAAVA: Zé, Francis, Helton, Léo, Lucas, Marina, Dogi, Ruth, Palilo, Filipe, Kássio,
Aires, Calligaris, Seu Gentil, Wiltão, Deco, Beto, Ryana, Allan e aos que constituem
este fluxo.

A Adélia e ao Jorginho (Jorge Luiz Miguel) por toda a força e incentivo para a
realização deste trabalho.

Ao professor Kinceler, além da orientação, pelas oportunidades e descontinuidades


que influenciaram minha formação.

Aos professores, aos amigos e colegas, pelos bons encontros que tivemos durante o
curso.

Ao Lui, a Marina Börk, ao Giorgio Filomeno (Dogi) e ao Ricardo Mari, pela amizade e
parcerias.

A minha família pela compreensão e carinho, Jalda, Márcia, Mayná, Joana e Vó


Daniza.
…sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Fernando Pessoa.
RESUMO

Este trabalho apresenta a complexidade das experiências do Coletivo Laava durante


o ano de 2009, seus entornos teóricos e desdobramentos práticos. Objetiva abordar
o Coletivo a partir da perspectiva da prática da arte relacional. Para tanto, discute os
conceitos de arte relacional, arte pública de novo gênero, práticas colaborativas e
rizoma, sendo os principais autores abordados Paloma Blanco, Nicolas Bourriaud,
Reinaldo Laddaga e Gilles Deleuze; como proposta metodológica relata a trajetória
inicial e as práticas desenvolvidas a partir do textos produzidos por participantes do
grupo, como também realiza conversas com participantes para refletir conjuntamente
acerca da experiência do Coletivo. Os relatos das experiências permitiram perceber
as tramas entre os fios que interpenetram teoria-prática, como por exemplo na vídeo
animação “Assombrações da ilha” na qual procura pela dissolução da autoria por
meio de processos colaborativos; na vivencia com Seu Gentil do Orocongo, a
disseminação do saber no convívio como elaboração coletiva de sentido e referente
potencializador de atividades, uma “ecologia cultural”, no Laboratório Aberto de
Animação e Vídeo Arte, o convívio e a experimentação de linguagens, na Plataforma
de Desejos evidencia a simultaneidade, a continuidade e descontinuidade das ações
e, principalmente, a articulação do grupo, que permite o compartilhamento de
processos de subjetivação; ação Balde no Shopping, a descontinuidade no espaço
público; ação varal cultural, a intervenção no espaço público e prática relacional e,
por último, a ação 24h destaca a simultaneidade e troca de saberes. As atividades,
articuladas de maneira complexa, desenvolvidas no Coletivo LAAVA possibilitaram a
experiência da diversidade dos dispositivos potencializadores das práticas relacionais
que permitiram a experiência da Arte Relacional em sua forma complexa.

Palavras-chaves: Arte Relacional. Coletivo LAAVA. Práticas Colaborativas.


Experiência.
SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO……………………………………………...............………………….…8
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA............................................................................. 9
2.1..ARTE RELACIONAL............................................................................................10
2.2. CONTEXTO ARTÍSTICO - ARTE PÚBLICA DE NOVO GÊNERO:
CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS.....................,.................................................16
2.3. PRÁTICAS COLABORATIVAS - COLETIVIDADE: UMA LEITURA
A PARTIR DA ESTÉTICA EMERGÊNCIA...........................................................22
2.4. RIZOMA, REDES, DISPOSITIVOS......................................................................27

3. COLETIVO LAAVA...........…………………..........….…………………………………30

3.1. RELATADO NOS ESCRITOS PRODUZIDOS.....................................................30


3.1.1 Percurso …………………………………………………………………………..…...30
3.1.1.1. Assombrações da Ilha....................................................................................33

3.1.1.2. À procura Seu Gentil : Você conhece o “Seu Gentil do Orocongo”?.............35

3.1.1.3. Oficina de Orocongo .....................................................................................38

3.1.1.4. Plataforma de Desejos ..................................................................................43

3.1.1.5. Algumas atividades da Plataforma de Desejos..............................................44

3.2. O QUE RELATAM OS INTEGRANTES SOBRE AS EXPERIÊNCIAS

NO LAAVA...........................................................................................................55

CONSIDERAÇÕES FINAIS…………………….................….………………………...…58

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ……...........…….................………………………62

APÊNDICE …………………………………...………………………………………………66
8

1. INTRODUÇÃO

O coletivo do ponto de vista conceitual se refere ao que pertence, ao que


abrange muitas coisas ou pessoas, exprime o conjunto de muitos indivíduos da
mesma espécie, abrange a totalidade dos seres de uma coleção, por exemplo:
exército, multidão, povo; indica número incerto de seres que constituem uma
coleção: rebanho, multidão. 1 Nesta direção o coletivo vivido e experienciado no
sentido artístico pode ser aproximado a noção de dispositivo analisado por Deleuze
(1990), como um produtor de subjetividades.

Conhecer este processo, ou seja, produção de subjetividades a partir de


vivencias artísticas compartilhadas coletivamente, se fez como experiência enquanto
aluna e bolsista do projeto de extensão: "VIDEAR - Laboratório Aberto de Animação
e Vídeo Arte - LAAVA" no ano de 2009. Este possibilitou a formação de um coletivo
cujo objetivo é proporcionar a prática da arte relacional em sua forma complexa.
Este trabalho de conclusão de curso pretende, portanto, apresentar a experiência
vivida enquanto bolsista, ainda que brevemente, de parte da história da formação do
Coletivo LAAVA como uma das integrantes. Para tanto, serão utilizados
documentos: artigos, relatórios, fotos e vídeos. Serão utilizadas ainda conversas
com alguns participantes com os quais tentou-se rememorar aspectos vividos pelos
mesmos. É importante destacar que a pesquisadora fez parte deste processo e sua
produção é implicada.

Questões como: o que dizer do LAAVA, o que foi toda a intensidade que
vivemos enquanto grupo, em que momentos a prática se aproximou da nossa
pretensão? O que pretendíamos? Que linha seguíamos? Estas questões
acompanharam todo percurso deste trabalho. No entanto não se pretende respondê-
las em sua totalidade, mas abordá-las.

Desse modo, no primeiro capítulo serão apresentaremos alguns conceitos


que subsidiaram a pesquisa. Dentre eles, arte relacional, arte pública de novo

1
Retirado de http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php
9

gênero, processos colaborativos e rizoma. No segundo apresentaremos o Coletivo


LAAVA: parte de sua história e ações, por meio de textos produzidos pelo grupo, e
impressões acerca dele através de conversas com seus integrantes .

Por último, realizaremos nas considerações finais uma costura entre os


conceitos estudados e as experiências vivenciadas. Convidamos a compartilhar
conosco os resultados deste trabalho.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Este capítulo pretende desenvolver os principais conceitos utilizados na


compreensão do objeto de estudo deste trabalho: arte relacional, arte pública de
novo gênero, práticas colaborativas e rizoma. O modo de apresentá-los segue uma
estrutura que tem como finalidade torná-los mais facilmente compreendido. No
entanto, gostaríamos de ressaltar que são conceitos que se imbricam entre si,
mostrando sua complexidade. O mesmo podemos afirmar em relação a
indissociabilidade entre teoria e prática. A seguir, abordaremos aspectos que
circundam o Coletivo LAAVA enquanto um coletivo de arte cujo trabalho se vincula
por inter-relações (BOURRIAUD, 2009), funcionando como interstício entre
subjetividades 2, trabalhando colaborativamente, portanto, agindo no próprio
contexto, modificando assim a realidade imediata. Baseia-se conseqüentemente
numa prática que valoriza o processo do trabalho quando este envolve o outro em

2
Subjetividade: é um conceito que denota o espaço íntimo do indivíduo (mundo interno) com o qual
ele se relaciona com o mundo social (mundo externo). Esta relação resulta tanto em marcas
singulares na formação do indivíduo quanto na construção de crenças e valores compartilhados na
dimensão cultural, isto constitui a experiência histórica e coletiva dos grupos. Através da nossa
subjetividade construímos um espaço relacional, ou seja, nos relacionamos com o "outro". Retirado
do site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Subjetividade.
10

sua própria contextualidade. Esta manifestação artística pode ser entendida no


âmbito da arte pública, mais precisamente no trânsito entre a arte pública de novo
gênero e práticas que se situam a partir de uma estética relacional.

2.1..ARTE RELACIONAL

Arte relacional : é uma arte que toma como horizonte


teórico a esfera das relações humanas e seu contexto
social mais do que a afirmação de um espaço simbólico
autônomo e privado. (BOURRIAUD, 2009 p.19).

A Arte Relacional é uma prática artística que sé dá na relação com o outro,


através de trabalhos ou propostas que geram maneiras de reinventar os tipos de
relação com espaços e indivíduos. Nesta o artista propõe uma nova relação com a
situação, ou seja, ocorre por meio de aproximação que envolve a subjetividade e a
reflexão dos participantes para as questões do próprio contexto.

Podemos afirmar ainda que a Arte Relacional pode ser o conjunto de práticas
artísticas cuja intenção está, menos na produção de objetos para espaço privado, e
mais preocupado na esfera das relações humanas. Destas práticas resultam
propostas que desenvolvem noções interativas, conviviais e relacionais. Como
afirma Bourriaud (2009, p.21): uma forma de arte cujo substrato é dado pela inter-
subjetividade e tem como tema central o estar-juntos, o "encontro" (..) elaboração
coletiva de sentido.

A noção de arte relacional surge com a obra de Bourriaud “Estética


Relacional”, lançada na França em 1998 e no Brasil no ano de 2009. Nele o autor
analisa a mudança nas manifestações artísticas dos anos 1990 que não puderam
ser compreendidas devido a insistência da crítica em analisá-las por meio de um
paradigma moderno.
11

Segundo Bourriaud (2009), o projeto cultural das práticas artísticas


contemporâneas são prolongamentos de uma parte da modernidade. A
modernidade política, advinda da filosofia das Luzes (século XVIII), se firmava na
vontade de emancipar os indivíduos e os povos através do progresso das técnicas e
das liberdades, com a diminuição da ignorância e a melhoria das condições de
trabalho, e permitir a instauração de uma sociedade melhor. O autor lembra que
existem várias versões de modernidade. O século XX assistiu ao choque de três
visões de mundo: uma concepção racionalista-modernista derivada do século XVIII,
uma filosofia da espontaneidade e, outra de uma filosofia da libertação pelo
irracional (dadaísmo, surrealismo, situacionismo), sendo que as duas últimas se
opunham as forças autoritárias ou utilitárias que pretendiam moldar as relações
humanas e submeter o indivíduos.

O autor prossegue, afirmando que o projeto de modernidade ou modernidade


política, ao invés de conduzir a pretendida emancipação, o progresso das técnicas e
da razão, permitiu, através de uma racionalização geral do processo de produção, a
exploração de países do hemisfério sul e a substituição do trabalho humano por
máquinas, como também o uso de técnicas de sujeição cada vez mais sofisticadas.

As vanguardas do século XX inseridas em uma das linhas deste projeto


modernista (que desejava transformar a cultura, as mentalidades e as condições de
vida no individual e no social), anterior as vanguardas, se distinguem em diversos
aspectos. Um deles, se refere a explicação de que a modernidade, apesar de conter
ideologias totalitárias, não se pode reduzir a uma teleologia racionalista nem a um
messianismo político, havia, por outro lado, a vontade de melhorar as condições de
vida e de trabalho. Os movimentos da vanguarda, pode-se dizer, que foram
desenvolvidos em meio a ideologia do racionalismo moderno. No entanto seus
pressupostos filosófico, culturais e sociais são totalmente diversos. Para Bourriaud
(2009) a arte de hoje prossegue com as motivações da vanguarda, no rumo indicado
pelos filósofos das Luzes e pelos dadaístas, propondo modelos perceptivos,
experimentais, críticos e participativos. No entanto, segue o autor, há uma
dificuldade da opinião pública em reconhecer a legitimidade ou interesse dessa
experimentações enquanto arte. Logo, afirma Bourriaud (2009, p.17), a
12

modernidade não morreu, o que morre é sua versão idealista e teleológica 3. A arte
para as vanguardas devia preparar ou anunciar um mundo futuro, a arte hoje
pretende apresentar modelos de universos possíveis.

A pretensão do artista não seria mais a de repetir paradigmas estéticos


modernos. Sua tarefa seria, para Bourriaud citando Lyotard (2009, p.18) "gerar uma
série de pequenas modificações num espaço herdado pela modernidade e
abandonar uma reconstrução do espaço habitado pela humanidade" e assim
"aprender a habitar melhor o mundo". Neste sentido, "as obras procuram construir
modos de existência ou modelos de ação dentro da realidade existente". O autor
ainda afirma que a obra contemporânea se apresenta como uma duração a ser
experimentada, uma abertura para a discussão.

Quanto a esta duração a ser experimentada é importante destacar as noções:


a de tempo, espaço e interstício, a partir do pensamento de Bourriaud. Nessa
medida, tempo está relacionado ao tempo urbano, criado nos diferentes tempos
próprios do capital, tempo este vivido nas relações do cotidiano promovidos pelas
múltiplas proximidades oferecidas pela cidade, os quais apenas permitem encontros
fortuitos propulsores de vínculos mercantis.

Neste sentido, o exemplo é a vida agitada estreitada por compromissos,


gerando a noção de estarmos "sempre correndo". A cidade oferece muitas
possibilidades entre tantas opções e o ritmo apressado se criam aproximações,
encontros.

Como estudante, nosso tempo se divide entre o tempo ocupado de uma aula
e outra, no tempo de deslocamento, nos trajetos diários da casa à universidade. É
também nestes espaços que me proponho a estar e encontrar, conhecidos, colegas,
amigos, professores, dentro da universidade, nas aulas, no trânsito, ou no intervalo
para o café, ou no bar depois da aula, ou na abertura de uma exposição. Embora
esses espaços e tempos sejam definidos pelo consumo, também são permeados
pela possibilidade de estabelecer vínculos em um cotidiano massificado sob formas
de atuação baseado em normas convencionadas.

3
Teleologia: na filosofia o estudo dos fins, ou seja, da finalidade, propósitos ou objetivos. Pode ser
entendida como o estudo referido aos objetivos que os homens estabelecem em suas ações. No
sentido filosófico refere-se ao estudo das finalidades do universo , neste sentido liga-se a teologia.
13

Em relação a noção de espaço Bourriaud (2009) situa-se a partir do


pensamento de Michael de Certeau. Este sociólogo nos indica que o consumidor
não está passivo frente a uma sociedade consumista que impõe pela mídia formas
de ser e atuar num cotidiano cada vez mais massificado e homogêneo. O cotidiano
pode ser reinventado por meio de formas de atuação que alterem as normas
convencionadas dos lugares. Para Certeau (2003) o lugar tem, carrega e impõem
significados de uma determinada ordem. Criamos espaço quando praticamos estes
lugares, segundo novas relações. Bourriaud utiliza esta noção e a aplica em seu
lugar de trabalho, a instituição arte. Passa a apostar por uma certa forma de arte,
arte que ele anuncia como relacional. O lugar da instituição arte, com suas normas
e convenções, é desconstruído em múltiplas relações. De lugares contemplativos a
participativos, de propostas passivas a interativas.

Podemos considerar um exemplo dessa passagem a proposta "24h


4
Foucault" de Thomas Hirschhorn, ocorrida no "Palais de Tokyo", em Paris, no ano
de 2004, exemplifica tanto a forma de arte relacional como prática do lugar
instituição arte. Por ocasião do vigésimo aniversário de morte de Michael Foucault, o
artista suíço conhecido como construtor de "monumentos" - um deles sobre Deleuze
em Avignon, 2001, e outro sobre Georges Bataille para a Documenta de Kassel,
2002 - propõe aos visitantes uma imersão de 24 horas "na mente do filósofo" 5.

Esta imersão se deu por meio da participação que envolvia os visitantes na


proposta teórica do filósofo, ou seja, uma ampla instalação - escultura habitável -
que reunia um volume imenso de documentos, objetos e imagens que permitia uma
exposição, ao mesmo tempo que proliferante 6, um festival filosófico e um gigante
happening. "24h Foucault" se apresentou como um colóquio internacional, reunindo
escritores e filósofos em torno da obra de Michael Foucault com apresentações de
hora em hora.

4
Vídeo sobre a exposição http://www.dailymotion.com/video/x6xjfp_24h-foucault_shortfilms
5
WISSEL, Christian Von. 24h Foucault: Exposición proliferante, festival filosófico y happening de
Thomas Hirschhorn, Palais de Tokyo, nuit blanche en París, 2-3 de octubre de 2004. México, D.F.:
Anales del Instituto de investigaciones Estéticas. Número 84, 2004. Disponível em
<http://www.analesiie.unam.mx/pdf/84_173-176.pdf> Acesso em: 02 nov. 2010.
6
http://www.palaisdetokyo.com/fr/presse/artistes/hirschhorn/comphirschhorn.htm
14

Várias características denotam o inusitado deste evento: a inexistência de


regras e a liberdade dos participantes que, a principio, gerou uma certa confusão e
uma insegurança. Assim afirma Wissel (2004):

Desde el umbral de la puerta, la exposición 24 h. Foucault rompió


con todo: la estética de los objetos de arte “en proceso” y “de
improviso” acabó con los estándares del arte como un objeto
terminado, la museografía con las normas de comportamiento en un
museo (…). La mayor inseguridad fue provocada por la absoluta
libertad del visitante interesado en Foucault.

As regras que foram subversivas e fascinantes apareceram quando se


percebeu que o que estava exposto não eram somente os objetos, artigos, vídeos e
recordações de Michael Foucault, e sim as ações múltiplas e espontâneas dos
visitantes geradas a partir da oferta de espaços e atividades proporcionados pela
escultura habitável de Hirschhorn. Como vemos nas imagens abaixo:

HIRSCHHORN, Thomas. 24h Foucault, Palais de Tokyo, Paris, 2004


Sala de Conferências.

7
Imagem retirada de http://www.kultur-online.net/?q=node/4576
15

HIRSCHHORN, Thomas. 24h Foucault, Palais de Tokyo, Paris, 2004.


Imagem de parte da instalação.

A proposta de Hirschhorn "24hs Foucault" cria um espaço e tempo ampliados,


um tempo aberto, ou seja, um tempo experienciado diferente da ordem do cotidiano.
A liberdade dos participantes nesta "escultura habitável" torna o espaço da
instituição um espaço praticado. As relações entre os visitantes, a obra e a
instituição arte são reinventados. A imersão em Foucault, nas 24hs que seguiram,
promoveu o convívio construído e gerou situações de troca nas discussões que o
tema provocava. Sobre a situação descreve Wissel (2004):

Quem define o que pensar de Foucault? A atmosfera estava


carregada de discursos e debates, de gargalhadas e expressões de
incredulidade. O público, enquanto investigava e aprendia, bebia e
desfrutava de Foucault, entrava na filosofia: no processo de
construção da verdade da expressão, tal como cada sociedade
constrói seu próprio regime de verdades, sua política. (tradução
nossa) 9

8
Imagem retirada de http://hinterlandprojectsreadingroom.wordpress.com/2008/11/09/artistic-acivism-
antagonistic-spaces/getresource
9
¿Quién define qué pensar de Foucault? La atmósfera estaba cargada de discursos y disputas, de
carcajadas y expresiones de incredulidad. El público, mientras investigaba y aprendía, tomaba y
disfrutaba de Foucault, entraba en la filosofía: en el proceso de construcción de la verdad de la
16

A última consideração é a noção de interstício que Bourriaud utiliza a partir


Karl Marx. Esta designa uma comunidade de troca, sendo que a noção de interstício,
de acordo com este, escapa dos círculos do capital, ou seja, cria espaços livres, com
ritmo contrário ao das durações que ordena a vida cotidiana, "obras que funcionam
como interstícios, como espaços-tempos regidos por uma ordem que vai além das
regras vigentes para a gestão dos públicos." (BOURRIAUD, 2009, p.80).

O que elas produzem são espaços-tempos relacionais, experiências inter-


humanas (trocas inter-subjetivas) que tentam se libertar das restrições ideológicas
da comunicação de massa; de certa maneira, os espaços criados nestes lugares
elaboram sociabilidades alternativas, modelos críticos, momentos de convívio
construído.

Podemos considerar assim que a arte contemporânea, segundo este autor,


desenvolve um processo que problematiza as relações dentro do contexto da
sociedade do espetáculo, em especial aqueles vinculados a instituição arte. Mas, o
que acontece quando o artista passa a atuar fora dos lugares institucionalizados da
arte, museu e galerias. Como espaços criativos são produzidos em outros lugares
mais além dos institucionais. Nessa medida, a arte pública de novo gênero pode
auxiliar nessa discussão.

2.2. CONTEXTO ARTÍSTICO - ARTE PÚBLICA DE NOVO GÊNERO:


CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

Acerca do tema Arte Pública, Blanco (2001) analisa um conjunto de práticas


que envolvem os desenvolvimentos da arte pública, da arte política e crítica, e
também práticas que se aproximam do ativismo e da ação direta. A autora centra de

exposición, tal como cada sociedad construye su propio régimen de verdades, su “política general de
la verdad”
17

início sua análise no contexto histórico artístico político estadunidense, uma vez que
foi dali que a noção de Arte Pública de Novo Gênero se desenvolve com mais
clareza. Inicialmente identifica e propõe duas possíveis linhas genealógicas neste
campo de atuação.

A primeira linha refere-se a trabalhos de arte pública nos quais, a princípio,


eram fortemente relacionados a espacialidade (características físicas do local) e, em
seguida, tramados a contextualidade (relações sociais que permeiam a localidade), e
esta, a medida em que se desenvolveu, se torna mais complexa e multidimensional.
Esta linha encontra-se historicamente no minimalismo, numa compreensão
expandida da espacialidade, compondo o âmbito das vanguardas "frias"
preocupadas pelos componentes formais da obra.

A segunda linha proposta por Blanco remete a uma história da arte crítica,
oriunda de práticas mais "quentes", ou seja, relacionada com a arte política dos anos
60, num legado conceitual continuado pelo papel importante da performance e
pelas práticas feministas dos anos 70, alcançando uma multiplicidade de práticas
artísticas nos anos 80 e 90, que ajudaram a compor a esfera pública de oposição.

Importante ressaltar que a autora ao abordar a primeira linha destaca as


questões ligadas a espacialidade, ou seja, emerge numa mudança da idéia de arte
pública, no tipo de obra artística destinada ao espaço público até então comumente
entendidos como monumentos de glorificação histórica, no qual Judith Baca apud
Blanco (2006, p.24) nomeia de "cannon in the park" 10 .

A partir deste momento este tipo de obra - canhão no parque - cede lugar a
um outro tipo de obra encontrada dentro dos museus e galerias. Dentre as razões
desta mudança de representações está a revitalização de espaços públicos em
decorrência do contexto das cidades dessa época, que procuram re-significar o
espaço urbano por meio da arte. Esta mudança acontece nos anos 60 quando as
áreas urbanas passam a ser vistas como um novo espaço em potencial para tornar a
arte mais pública.

Para Krauss (1985), o monumento apresenta uma lógica que está presente
nas representações da arte pública e esta aponta modos do artista ampliar sua

10
Tradução: canhão no parque.
18

prática, não sendo importante apenas o material ou a técnica, mas sim a lógica
cultural que se insere naquele procedimento.

Parece que a lógica da escultura é inseparável da lógica do


monumento. Em virtude desta lógica, uma escultura é uma
representação comemorativa. Se assenta em um lugar concreto e
fala em língua simbólica acerca do significado e uso deste lugar.
(KRAUSS, 1985, p.63)

Do ponto de vista histórico, Blanco (2001) descreve que em finais dos anos
60 o governo americano, e diferentes países europeus, criam fundações e
programas de financiamento para a arte pública, de modo autogestionadas e
incentivam a formação de um stablishment artístico, envolvendo artistas, críticos e
administradores.

Já nos anos 70 começa a surgir certas diferenças entre a noção tida até então
de arte pública - uma escultura num espaço público - e a arte nos espaços públicos -
interessada nas conotações do local e do espaço a ser ocupado pela obra. Há
também uma abertura do conceito de "espacialidade", apostando em propostas que
integravam a arte ao local, incluindo earthworks, ambiental e novos materiais. De
acordo com Blanco (2001) esta arte nos espaços públicos cujas propostas
consideravam as qualidades físicas e visuais do lugar foi chamada de site-specific.
No desenvolvimento desta prática aspectos históricos, ecológicos e sociais foram
abordados, articulando obras de arte com certas pretensões sociais e políticas. No
entanto, de modo metafórico (por representações) e formalista, ainda não estabelece
um envolvimento com público.

Um exemplo de importante site-specific a ser destacado é a instalação da


obra de Richard Serra, Tilted Arc, cuja proposta gerou uma série de debates sobre o
conflito 11 da colocação desta obra e sua relação com o público. Isso leva o NEA a
levar em consideração as questões vinculadas ao público. A imagem a seguir
retrata a obra em sua dimensão no espaço público:

11
A escultura dividia a praça e impedia a passagem dos transeuntes.
19

SERRA, Richard. Tilted Arc, 1989, Nova Iork.

Sobre esta Serra apud Kwon (1997) afirma:

Como eu apontei, Tilted Arc foi concebido desde o início como uma
escultura site-specific e não pretendia ser “site-adjusted” ou...
“relocada”. Trabalhos site-specific lidam com componentes
ambientais de certos lugares. A escala, tamanho e localização dos
trabalhos site-specific são determinados pela topografia do lugar,
seja esse urbano ou paisagem ou arquitetônico. Os trabalhos
tornam-se parte do lugar reestruturam a organização do mesmo tanto
conceitualmente como perceptualmente. (1997, p.3)

Nos anos 80, no panorama artístico dos EUA, o NEA (National Endowment
Arts/Fundação National para as Artes) percebia a necessidade de estabelecer uma
maior integração da comunicação da comunidade aos projetos. As indicações do
20

NEA incorporaram atividades educativas, a fim de educar, preparar e dialogar com a


comunidade.

Ao analisar a progressão desta arte que saiu do museu para ocupar o espaço
público e, a partir disto, tomando a dimensão do site-specific, se percebeu
emergência da noção colaborativa que envolvia este tipo de arte.

Neste sentido, sobre a percepção da importância do diálogo com a


comunidade, bem como a emergência da noção de colaboração, Nina Felshin apud
Blanco (2001, p.29) afirmava que as discussões sobre o que chamou de novo
gênero de arte pública incluía a noção de comunidade ou público como parte do
lugar, e o artista público, aquele cujo trabalho fosse sensível aos assuntos,
necessidades e interesses comunitários.

Blanco afirma que nos anos 80, no entanto, havia ainda pouca reflexão
teórica acerca destas práticas artísticas comprometida socialmente. Neste sentido o
programa City Sites: Artists and Urban Strategies (Lugares na Cidade: Artistas e
Estratégias Urbanas) em 1989, contribuiu acerca da construção deste novo conceito
de Novo Gênero da Arte Pública quando reuniu artistas como: Allan Kaprow, Judith
Baca, Susanne Lancy, dentre outros, cujas obras se vinculavam a comunidades
particulares através de assuntos específicos, abordando a problemática social, como
sindicatos de trabalhadores, albergue para moradores de rua, escola básica.

Em paralelos às conferências usuais do programa os próprios artistas


realizavam atividades como programas para idosos, performances com mulheres,
trabalhos colaborativos junto a estudantes, desenvolvendo processos de
colaboração e diálogo. O City Sites permitiu a reflexão acerca do novo gênero de
arte pública, ou seja: socialmente comprometida e consciente ao modo empregado,
e à necessidade de desenvolver uma pedagogia artística, e de vincular o trabalho a
comunidades especificas. No mesmo ano organizou-se o simpósio Mapping the
Terrain: New Genre Public Art (Mapeando o Território: Novo Gênero de Arte
Pública), no qual visava o desenvolvimento de uma linguagem crítica para avaliar
este tipo de obra, vinculada a aspirações sociopolíticas e estéticas.

A arte pública de novo gênero em relação a maneira anterior de arte pública,


o site-specific, segundo Felshin apud Blanco (2001), se poderia afirmar como uma
noção expandida de site, do lugar, partindo do desejo de contextualização no
21

sentido mais amplo, influenciado pelos diversos setores da arte e também da cultura.
A nova orientação do conceito de lugar, segundo Lippard apud Blanco (2001)
entenderia o lugar como localização social com conteúdo humano.

Em resumo, percebe-se três momentos para a arte pública nos anos


sessenta: num primeiro momento, uma arte pública baseada na idéia de uma
escultura em espaço público, no segundo momento, uma arte no espaço público
chamada de site-specific e, na progressão desta, uma arte do lugar, que considera
contextualidade, interesses sociais e políticos, também denominada como arte
pública de novo gênero.

Retomando a classificação sugerida, a última linha apontada por Blanco se


amplia a uma arte no interesse público ou seja, uma arte que considera práticas
formadoras de uma esfera pública de oposição, que logo envolvem práticas que
buscam destacar e fomentar discussões e debates a partir de contextos sociais e
políticos, explorando conceitos como o público e o espaço pelo viés político. Neste
caso esta interação política-social é mais relevante que a presença física nos ditos
espaços. A prática artística assume diferentes modos de se fazer arte pública,
segundo Lancy apud Blanco (2001): artista como experimentador, informador,
analista e ativista. Por outro lado, reconhece o público como parte integral da
estrutura da obra. No caso em que o artista vai se defrontar com o contexto social
mais formal, tipo ativista, já se preocupava em trazer questões da vida, mais afetiva
e próxima de interesses sociais.

Outra maneira para auxiliar nesta compreensão é a proposta de Kwon (1997),


em "Um lugar após o outro", numa perspectiva de desconstrução do significado do
site-specific dos anos 60 e 70, como no site-fenomenológico proposto por Robert
Smithson, site este crítico-institucional em que o artista critica a postura "apática" da
instituição como um espaço puro sem perceber suas determinações econômicas e
políticas, não sendo autônoma tanto quanto se pensava na modernidade. Kwon
destaca que o artista é solicitado por museus e prefeituras para criar situações
artísticas, e que ele pode estar sendo usado por estas instituições, conduzindo-o a
entrar na sociedade do espetáculo, a mesma que criticava anteriormente. Desse
modo é forçado então a refletir sobre os lugares que transita, e seu caráter de
pertencimento, e perceber que a arte relacional pode dar conta deste pertencimento.
22

Sem desconsiderar a importância que as outras formas de site tiveram na sua


época, enquanto história é relevante pensar como a arte se reinventa nas questões
da atualidade. Neste sentido, a autora ressalta que:

As práticas site-oriented de hoje herdam a tarefa de demarcar a


especificidade relacional que pode suportar a tensão dos pólos
distantes e das experiências espaciais descritas por Bhabha, isso
quer dizer endereçar-se às diferenças das adjacências e distâncias
entre uma coisa, uma pessoa, um lugar, um pensamento, um
fragmento ao lado do outro, mais do que evocar equivalências via
uma coisa após a outra. Somente essas práticas culturais que tem
essa sensibilidade relacional podem tornar encontros locais em
compromissos de longa duração e transformar intimidades
passageiras em marcas sociais permanentes e irremovíveis - para
que a seqüência de lugares que habitamos durante a nossa vida não
se torne generalizada em uma serialização indiferenciada, um lugar
após o outro. (KWON, 1997, p.19)

Podemos afirmar a relevância da compreensão da arte pública enquanto


contextualidade a partir de relações que inserem a participação do público no
processo criativo. Nesse sentido, se faz necessário uma complementação destas
práticas. É o que faremos a seguir.

2.3. PRÁTICAS COLABORATIVAS - COLETIVIDADE: UMA LEITURA A PARTIR DA


ESTÉTICA EMERGÊNCIA

As práticas artísticas inseridas na esfera pública na qual envolvem processos


colaborativos, são experiências a serem compreendidas. Laddaga (2006) aponta
que o presente das artes passa por uma fase de mudança na cultura dela mesma,
na qual a arte se propõe como um lugar para a exploração de insuficiências e
potencialidades da vida comum, numa sociedade reificada. Nesta configuração, que
começou a esboçar-se no final dos anos 1990, surge um número crescente de
23

projetos que implicavam em formas de colaboração entre artistas e não artistas


durante longos períodos, articulando processos que geravam modificações no
contexto local onde se inseriam. Ficções, fabulações e imagens eram produzidas de
modo que reforçavam as modificações desta contextualidade. Eram também
pensados dispositivos de publicação ou exibição para mostrar os materiais
produzidos em coletividade a fim de torná-los visíveis para a coletividade aberta, ou
seja, aos potenciais espectadores. Um número crescente de artistas, escritores
pareciam ter menos interesse em construir obras do que participar na formação
destas ecologias culturais.

Laddaga (2006) defende que a cultura das artes no presente momento passa
por um período de transição, comparável a transição ocorrida entre os séculos XVIII
e XIX, na emergência da modernidade estética, na qual o paradigma da prática
artística se materializava por meio de livros, quadros; vinculava-se à espaços
públicos clássicos e cuja relação com o espectador se dava de maneira isolada, ou
seja, a receptividade da obra ocorria de forma retraída e silenciosa.

Este tipo de relação refletia a cultura geral desse período da modernidade no


qual Foucault apud Laddaga (2006) nomeia de disciplinaria, uma modernidade
capitalista industrial e o Estado nacional.

O autor aponta que a transição na cultura das artes agora também vincula-se
às mudanças no quadro geral da sociedade. A crise da estrutura e da organização
moderna culminará no impasse pós-moderno. Na direção de uma reação a este tal
impasse, por volta dos anos 1990, se esboça uma reorientação das artes. Artistas
de diversas áreas passam a desenhar projetos que mobilizavam estratégias
complexas, diferente do paradigma da prática artística moderna, não mais de
maneira isolada. No curso desta mudança um número crescente de artistas reagem
ao esgotamento do paradigma moderno. Neste sentido, a reorientação das artes
envolve projetos colaborativos que, segundo Grant H. Kester (2006), pedem outro
tipo de leitura:

(...) projetos colaborativos e coletivos são consideravelmente


diversos da prática artística convencional baseada em objetos. O
engajamento do participante é realizado pela imersão e participação
em um processo, mais do que na contemplação visual (leitura ou
24

decodificação de um objeto ou imagem). A teoria da arte existente é


orientada primordialmente para a análise de objetos e imagens
individuais (…) Esse paradigma é apropriado para a maioria do
trabalho baseado na imagem ou no objeto, mas torna-se menos útil
quando falamos de práticas colaborativas que enfatizam o processo
e a experiência da própria interação coletiva.

De acordo com Laddaga (2006) estes tipos de projetos são irreconhecíveis


desde a perspectiva das disciplinas - não são nem produções visuais, nem musicais,
nem literatura -, no entanto, questionam a produção de representação de imagens e
as formas de cidadania, através processos coletivos e colaborativos; exploram
formas experimentais de socialização por meio de uma rede de relações e fluxos
vinculados à produção de ficções, imagens e relações sociais.
Desse modo, como aponta Wasem (2008), os processos estão mais
interessados em agenciamentos, em negociações e na construção de “modos de
vida social artificial". Quanto a este último, a artificialidade não quer dizer que não se
realize na interação de pessoas reais - está relacionada ao caráter improvável de
realização frente aos saberes comuns. Neste sentido, Laddaga apud Wasem (2008,
p. 3)

De tais processos, são desdobradas comunidades experimentais


onde o que importa é não só a maneira como se organizam os
saberes e dados, mas a capacidade destes de improvisar e lidar com
o imprevisível. As formas de como proceder possuem uma extrema
importância em tais processos, pois além de fundar as bases das
relações com o meio externo onde são desenvolvidas, estabelecem
internamente as dinâmicas entre os agentes envolvidos e acabam
formando propostas diferenciadas de organização e ação destes
grupos.

Entre os projetos apresentados por Laddaga está o projeto Park Fiction 12.
Realizado em Hamburgo numa associação de artistas, arquitetos e vizinhos
(moradores), que consistia numa oposição ao um projeto do governo local de
conceder um terreno público à iniciativa privada. O grupo (Park Fiction ) então,
contra o projeto, inicia uma série de ações de protesto cuja demanda em troca pedia
a construção de um parque, este projetado colaborativamente por meio de

12
www.parkfiction.org
25

processos complexos de conversação facilitados por eventos de música e arte. 13 O


projetos desenvolveu uma forma divertida de planejamento participativo mediado
pelos artistas Christoph Schaefer e Cathy Skene.

O ponto de partida ocorre 1987 com a formação de um grupo moradores em


resistência ao projeto do governo local de desapropriação de moradias de
Hafenstrasse para conceder o terreno à iniciativa privada. Este grupo cria uma
cooperativa constituída por uma rede de vizinhos. Adicionado a esse episódio,
posteriormente, em 1993 no bairro de St. Pauli, outro plano do governo pretendia
iniciar construções em um dos poucos espaços do bairro que se abria para a baía, e
para tal previa a retirada do edifício do Pudel Club, lugar da cena de Rock local e
freqüentado por artistas. 14
O protesto reativou a comunidade de Hafenstrasse, articulou uma aliança de
vizinhos e ocupantes, a igreja, o centro comunitário, a comunidade de músicos Pudel
Club e a diretora da escola 15. O protesto reuniu assim uma série de indivíduos que,
a partir de então, pedem para o local a construção de um parque.

16

Park Fiction, bairro de St Pauli, Hamburgo.

13
LADDAGA, 2006, p. 13.
14
Ibid, p. 82.
15
Ibid, p.83.
16
www.parkfiction.org
26

Em 1995 se mudaram para o bairro de St Pauli os artistas Christoph


Schaefer e Cathy Skenes, que se uniram a esta aliança. Ambos haviam participado
de uma cena artística juntamente com Dan Graham, Thomas Schütte, Gordon Matta-
Clark, que havia debatido na década de 1980 a questão dos espaços públicos, os
quais, muitas vezes, tomavam a forma de desenhos de parques. Raramente estes
eram articulados de maneira direta a questões políticas. Esta questão interessava
particularmente aos dois artistas que, em 1995, incorporaram o protesto do bairro
de St. Pauli e propuseram a realização de ações vinculadas ao nome Park Ficcion 17.
Uma destas ações se chamou "produção coletiva de desejos".
Esta idéia partia do pensamento de Deleuze e Guattari apud Laddaga (2006)
"pensar este processo não como algo que ocorre no encontro entre pessoas, mas o
que ocorre entre uma singularidade desterritorializada e um fora informal" (tradução
nossa). Nessa medida, a produção coletiva de desejos realizou-se através de
encontros informais, oficinas de desenhos, eventos. A preocupação não era
somente em produzir desejos coletivos mas a de vincular uma possível realização.
Disto se organizou um processo de planejamento coletivo que era o centro do
projeto. Este foi apresentado ao governo local e a execução estaria a encargo da
própria aliança de St. Pauli.

Para tanto foram organizados eventos, o primeiro se realizou em 1995, se


chamou "Park Fiction 3 1/2, parques e políticas" que incluía uma serie de palestras
sobre a história de parques, informações sobre parques alternativos, acompanhadas
de imagens e discussões sobre moda, natureza e desenho. Em seguida se realizou
o "Park Fiction 4 - um dia os desejos sairão de casa e ocuparam a rua", após as
conferências e apresentações se organizou uma exposição, esta tinha como local de
exposição as casas e as vitrines das lojas em torno ao lugar do parque e exibiam
trabalhos de vizinhos e artistas. O desenho do parque surge em meios as oficinas,
que é vinculado a um folheto, a imagem se torna símbolo. Se torna a primeira
articulação entre o projeto e o mundo da burocracia.

Neste planejamento urbano participativo, como descreve Wasem (2008,


p.97), outras atividades foram agenciadas e necessitaram de uma dedicação tanto
para se envolver com a diversidade de grupos implicados quanto para negociar com

17
LADDAGA, 2006, p. 83.
27

os poderes públicos, sem perder sua dimensão criativa e lúdica, “como um jogo
imaginativo”

O projeto toma visualidade por uma série de exposições, e culminam na


participação junto a Documenta de Kassel em 2002, antes mesmo do inicio da
construção do parque. Nesta exposição desenvolve um conceito de exibição do
processo lúdico e colaborativo.

Documenta 11 em Kassel, 2002 - Exposição do processo do


Park Fiction.

2.4. RIZOMA, REDES, DISPOSITIVOS

18
... o LAAVA é essa força motriz ..essa força que começa as coisas.

O pensamento rizomático, observa Jacques (2007), apresentando o conceito


de Deleuze e Guattari, é o pensamento da multiplicidade, diferenciado do

18
Trecho retirado de conversa com Francis Pedemonte participante do Laava em 24 setembro de
2010.
28

pensamento binário. O rizoma não apresenta uma forma, um modelo. Deste modo o
processo tem maior importância que a imagem formal. O rizoma é o próprio
movimento, crescimento - o ímpeto. Ou seja, o pensamento rizomático é processo,
movimento e multiplicidade.

O rizoma constitui uma rede, não há uma hierarquia ou ordem. No entanto, o


rizoma se difere de outros tipos de rede, pois é assimétrico e heterogêneo, visto que
estabelece conexões por acaso, na desordem. Os pontos não são fixos, se
deslocam formando linhas, linhas estas de fuga ou desterritorialização. Neste
sentido, a "desterritorialização é sempre seguida de uma reterritorialização que, por
sua vez, se desterritorializará, e esses processos, independentes não cessam"
(JACQUES, 2007 p.137).

Segundo Deleuze e Guattari (1995, p 32) o rizoma "não é feito de unidades,


mas de dimensões, ou antes de direções movediças. Ele não tem começo nem fim,
mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda". Constitui multiplicidades
lineares a n dimensões (...).

Neste sentido o Coletivo LAAVA se assemelha ao pensamento rizomático.


Cresce por dentro admitindo múltilplas interações não lineares entre seus
participantes momentâneos. Sua formação ao longo de sua breve história está
sempre se alterando em função do desejo de quem participa, não é um grupo
fechado e exclusivo. Ao longo do tempo outros integrantes aparecem e
desaparecem sem nenhum tipo de prejuízo a maneira como se estrutura. O que está
em jogo são as experiências de arte na construção de formas de reinventar o
cotidiano de modo coletivo, aberto ao afeto e à produção de subjetividade. Nesta
condição o Coletivo se situa no fluxo entre uma ecologia cultural em determinados
momentos, e uma zona autônoma temporária aberta sempre a renovação.

Laddaga (2006) ao apontar outros tipos de projetos artísticos colaborativos


analisados por ele, como o Park Fiction, entende que formam rizomas ou redes,
conjuntos abertos cujos componentes se tecem entre si de maneira como se tece
uma rede. Uma forma artística aberta ao diálogo direto na construção de uma esfera
pública colaborativa - a atuação do artista como um mediador de intensidades e
desejos coletivos, o público participante assumindo o ato criativo compartilhado, sua
materialidade acontecendo na realidade e alterando algum estado de coisas, ou
29

situação a qual se propõem a alterar. Com estes exemplos o rizoma se torna visível
e fácil de ser entendido como um processo .

Estes conjuntos de qualquer ponto que se observe, aparecem como


extensões vagas, cujos contornos não parecem visíveis ou fixáveis porque não se
instalam num mundo de bordas rígidas: há diversas comunicações que os ligam ao
lugar em que se encontram. Não há, no caso destes projetos, intenção de uma
demarcação, mas o contrário, há intenção de multiplicar o espaço para as
mediações entre o projeto e seus entornos, ampliando a zona de indiscernibilidade
que se estende em torno deles. Se trata de produzir efeitos no lugar onde
acontecem, nos espaços locais com os quais se conectam através de uma
multiplicidade de transições.

Neste sentido, na trajetória do Coletivo LAAVA se percebe que este adota o


processo rizomático, a abordagem múltipla e colaborativa. Esta, constituindo uma
articulação que se vê evidente no processo que se chamou de plataforma de
desejos e também está presente no processo do Coletivo Laava como um todo. A
singularidade de cada participante conduz o andamento das atividades, bem como
as atividades se relacionam a outras que, por sua vez, geram novas atividades. Por
vezes se perdem e/ou, em outro momento, se retomam. Exemplos deste processo
ocorrem quando da confecção de Instrumentos de Percussão em madeira no ano
de 2010, da relação com as Tocatas entre 2008 à 2010, do curso de Orocongo com
seu Gentil em 2009, dos trabalhos em marcenaria, como também das oficinas de
Instrumentos de Cerâmica em 2008 e 2009, a proposta de Varal Cultural de Helton,
das interações acontecidas durante o “Assombrações da Ilha”

Pensando o Coletivo LAAVA enquanto aglutinador de subjetividades, isto é,


reunindo um grupo de pessoas ao mesmo tempo que se mantém aberto, nota-se
que este apresenta uma estrutura - tanto no coletivo como um todo quanto em cada
atividade por ele proposta - que se assemelha ao conceito de dispositivo trazido por
Deleuze (1990) quando este analisa Foucault. O dispositivo, de acordo com
Deleuze, é um conjunto multilinear, isto é, um emaranhado de linhas. Estas:

são de natureza diferente. Estas linhas não cercam ou delimitam


sistemas homogêneos por sua própria conta, mas seguem direções,
30

traçam processos sempre em desequilíbrio, tais linhas ora se


afastam ora se aproximam umas das outras" (DELEUZE, 1990).

Os dispositivos são produtores de subjetividades, no entanto as produções


de subjetividades escapam dos poderes e dos saberes de um dispositivo para se
reinvestirem nos poderes e saberes de um outro dispositivo, sob outras formas ainda
por nascer.

O autor afirma que os dispositivos são "máquina de fazer ver" e "máquina de


fazer falar". A maneira de compreender um dispositivo é por meio de uma
cartografia, isto é, desenredar as linhas de um dispositivo é, em cada caso, traçar
um mapa, uma cartografia, percorrer terras desconhecidas, é o que Foucault chama
de "trabalho sobre o terreno".

Nesse sentido o autor destaca os nuances de um dispositivo se apresentar,


ou seja, linhas de anunciação, de forças, de poder e de saber. Podemos pensar
que dispositivos disponibilizam imagens no cotidiano das pessoas, e essas imagens
produzem subjetividades sem que elas se apercebam disto.

3. COLETIVO LAAVA

3.1. RELATADO NOS ESCRITOS PRODUZIDOS

3.1.1 Percurso

Escolher um percurso a ser trilhado é uma tarefa que exclui,


necessariamente, outras possibilidades de fala, tendo em vista que a história do
Coletivo LAAVA é construída por várias pessoas e, para cada uma delas emerge
uma visão. Um trabalho escrito confere a parcialidade do olhar de quem escreve. A
31

história que se apresenta, a seguir, busca nos textos, produzidos no LAAVA; na


memória presente neles reconta parte das experiências vividas pelos participantes.
A imagem 19, a seguir é uma síntese e indica a complexidade deste processo.

A formação germinal 20 do grupo LAAVA derivou dos participantes das


Tocatas (Tocata Visual Aberta), proposta esta que partiu do projeto Vinho Saber,

19
A direção das setas mais espessas indica uma certa seqüência temporal enquanto as demais
ligações são tentativas de expressão do rizoma e sua complexidade. Os balões circulares indicam
atividades concretizadas. Já os em forma de nuvem sugerem parte de processos que possibilitaram
desdobramentos. As cores indicam as atividades que serão descritas neste trabalho.
32

Arte Relacional em sua forma Complexa no ano de 2008, coordenado pelo


professor José Luiz Kinceler. Quanto a este tipo de proposta artística, Kinceler, J.
(2009) afirma:

Uma proposta de arte relacional complexa não está preocupada em


criar qualquer tipo de objeto artístico que represente, ou seja, que
esteja no lugar de qualquer referente, ou que seja específica por si
mesma, obras objetos onde o fluxo de sentido se esgota no exercício
de uma breve contemplação reflexiva. Em sua forma complexa a
estrutura da proposta provoca descontinuidades a partir de situações
reais na qual a ordem simbólica tem a possibilidade de ser
questionada a encontrar outros modos de habitar melhor este
mundo.

De acordo com Kinceler e Pedemonte (2008) a Tocata Aberta propunha "um


estreitamento entre a música e as pessoas (…) disponibilizando instrumentos
musicais instalados em um espaço incomum", ou seja, gerando descontinuidade nos
lugares onde a proposta ocorria, enquanto promovia encontros e convívio. Os
eventos eram gravados e a internet utilizada como meio de disseminar a idéia da
"música livre".

A “Tocata Visual Aberta” ocorre sob a forma de eventos, cujo propósito está
em articular encontros musicais, disponibilizando instrumentos ao público, este
conhecedor ou não de música. A música neste caso é o condutor da ação, as
tocatas podem ser entendidas como dispositivos relacionais enquanto promovem
inter-relações neste espaço de convívio. A ação causa descontinuidades tanto no
contexto que se insere, por sua forma aberta de concerto em espaços públicos,
quanto ao participante tomado por numa postura de experimentador.

Cumpre também ressaltar que o Coletivo LAAVA teve como uma de suas
raízes o projeto de extensão: VIDEAR. A origem do Laboratório Aberto de Animação
e Vídeo Arte (LAAVA), de acordo com Lucas Kinceler e Leonardo Lima (2010) - no

20
Dentre alguns participantes: Filippi Deluca Morais da Silveira, Francis Pedemonte, Francisco,
Helton Patrício Matias, José Luiz Kinceler, Leonardo Lima, Lucas Kinceler, Pamela Araújo, Rafael
Yanes Bernardes.
33

artigo Contaminação e convívio: Seu gentil do Orocongo e o Coletivo Laava, uma


trajetória única - , partiu da oportunidade surgida em 2008 de realizar um vídeo
sobre o artista catarinense Franklin Cascaes21, em comemoração ao seu centenário,
para a semana Franklin Cascaes ocorrida no CEFET/SC.

Optamos pela apresentação de alguns momentos experienciados no LAAVA


para contar parte de seu percurso. Nesses se evidenciam intenções que estiveram
entremeadas na maior parte do processo do LAAVA.

3.1.1.1. Assombrações da Ilha

O projeto do vídeo se configurou numa vídeo-animação, sob o título de


Assombrações da Ilha 22, baseados nos desenhos e gravuras do artista tema do
evento. Cada participante elaborou um vídeo de aproximadamente um minuto,
utilizando diversos recursos de animação, dos meios digitais à confecção de
bonecos. Durante a realização do processo percebeu-se que os envolvidos não
estavam instrumentalizados de maneira igual quanto aos softwares específicos de
edição e animação. No entanto, havia o interesse de que todos participassem num
mesmo nível no processo criativo. Deste modo organizaram-se workshops,
promovidos e agenciados entre os próprios participantes, que ocorreram em paralelo
ao desenvolvimento do projeto (Lucas Kinceler e Leonardo Lima, 2010). A produção
de uma vídeo-animação era um dispositivo relacional que gerou situações de
convívio e contaminação. Neste sentido, é importante destacar que o processo

21
Franklin Casacaes artista catarinense dedicou-se ao estudo da cultura açoriana na Ilha de Santa
Catarina e região abordando aspectos folclóricos, culturais, promovendo as lendas e as superstições.
22
Dados obtidos a partir dos relatórios de autoria de Leonardo Lima "VIDEAR - LABORATÓRIO
ABERTO DE ANIMAÇÃO E VIDEOARTE: ENUNCIAÇÕES DE UMA AUTONOMIA COLETIVA" e de
Leonardo Lima e Lucas Kinceler "CONTAMINAÇÃO E CONVIVÍO: SEU GENTIL DO OROCONGO E
O COLETIVO LAAVA, UMA TRAGETÓRIA ÚNICA"
34

criativo consistia numa animação colaborativa, ou seja, o próprio ato criativo


compartilhado e colaborativo conduzia para a diluição da autoria.

A etapa seguinte, a conclusão das vídeos-animações, se realizou por uma


projeção em movimento, partindo de dentro de uma "Kombi" pela cidade,
"'assombrando a Ilha" (Lucas Kinceler e Leonardo Lima (2010). As animações
percorreram lugares específicos, projetadas nas paredes do Museu Escola, no
Palácio Cruz e Souza sobre "guard rail" da ponte Colombo Sales e, por último, nas
pedras e no mar de Itaguaçú, lugar onde vivia o artista.

A motivação da experiência do Assombrações da Ilha demonstrou a


possibilidade do Laboratório Aberto de Animação e Vídeo Arte -LAAVA, enquanto
projeto de extensão, complementado pelo nome Projeto Videar. O projeto dentro da
concepção de práticas relacionais, colaborativas, conviviais, articulou um laboratório
aberto, ou seja, um modelo includente distinto de um grupo fechado e exclusivo.
Deste modo, se faz aberto para qualquer interessado em participar, adotando
diversas formações de acordo com o período, se constituindo como um meio ou um
fluxo conduzido em função do desejos dos participantes. Nesse sentido, o
Laboratório dirigido por interesses múltiplos permitia situações simultâneas, algo
que refletia nas atividades propostas como por exemplo Tocatas, Cine Paredão,
Curso de Linux. A esta simultaneidade se estendeu, a seguir, as demais atividades.

A nova etapa do Laboratório Aberto de Animação e Vídeo Arte, mais


conhecido como LAAVA, gerou a necessidade da escolha de um tema, a. A partir
de sugestões surge a palavra “Orocongo" - instrumento raro de origem africana; em
seguida o nome de “Seu Gentil”, vinculou-se ao Orocongo. Na escolha estava
agregada a necessidade de se trabalhar com o referente em si.

“Seu Gentil 23 do Orocongo" era o último conhecedor, instrumentista e


produtor deste instrumento, e residia na própria Florianópolis, onde o grupo
funcionava. A escolha do tema partia do desejo de compartilhar e disseminar seu
saber tão genuíno, um conhecimento que estava em via de extinção.

23
Músico conhecido como Seu Gentil do Orocongo, Gentil Camilo do Nascimento (1945-2009), era
morador do Monte Serrat em Florianópolis/SC, tocava e construía o raro instrumento musical
Orocongo cuja origem era africana. Este o acompanhou praticamente durante toda sua vida. Seu
Gentil era o único no Brasil que detinha o saber deste instrumento.
35

Em março de 2009, as investigações ainda sobre o Orocongo encaminharam


à figura do Seu Gentil do Orocongo. Havia a vontade de se produzir uma vídeo-
animação sobre ele. Para tanto, era necessário encontrá-lo. Inicialmente as
informações eram poucas, obtidas através de amigos e conhecidos. Em certo
momento surge uma dica importante: o músico se apresentava aos sábados pela
manhã próximo ao Mercado Público no centro da cidade de Florianópolis. Esta era a
oportunidade de conhecê-lo.

3.1.1.2. À procura Seu Gentil : Você conhece o “Seu Gentil do Orocongo”?

Num sábado de abril de 2009, um grupo se organizou para uma saída a


procura do Seu Gentil. Contando com aproximadamente seis participantes e
algumas câmeras, o grupo percorreu o centro da cidade perguntando: “Você
conhece o Seu Gentil do Orocongo?” Dentre os abordados estavam um grupo de
turistas argentinos que visitavam a catedral, senhores sentados na Praça XV de
Novembro e a própria Figueira, os donos de bares do mercado público, um camelô,
a "estátua viva", a estátua do Palácio Cruz e Souza. A pergunta provocava
estranhamento e descontinuidades ao mesmo tempo que reinventava relações com
outro e com o espaço.

Deste modo, a ação se transforma numa experiência lúdica e num processo


criativo que toca o real, ou seja, esta experiência cuja característica é a de
estranhamento e de descontinuidade gera, simultaneamente, um envolvimento com
Seu Gentil mesmo sem conhecê-lo e este se insere no imaginário do grupo, se
tornando um referente.

Esta busca inicial resultou na descoberta de que Seu Gentil não se fazia
presente na praça havia algum tempo, e esta sua ausência se devia ao fato de o
mesmo estar doente. No entanto, um dos integrantes encontra Seu Adão, conhecido
mestre de capoeira, o qual informou que Seu Gentil residia no morro Monte Serrat e
indicou o local. Esta saída ao centro gerou um material em vídeo chamado “À
procura do Seu Gentil”. As imagens a seguir fazem parte deste vídeo:
36

Still do Vídeo “À procura de seu Gentil” - Francis perguntando à "estátua viva"

Still do Vídeo “A procura de seu Gentil” - Kinceler perguntando ao vendedor


ambulante.
37

Para encontrar no Monte Serrat a localização da residência e estabelecer um


contato com seu Gentil, eu e o Lui Barbosa subimos - com certo estranhamento, por
estar num local desconhecido e carregado por uma significação de "perigo" - o
Monte Serrat, também conhecido como Morro da Caixa. Apesar do estranhamento
inicial fomos perguntando se as pessoas que encontrávamos na rua conheciam Seu
Gentil e se sabiam a localização de sua casa. Estas duas informações possibilitaram
a chegada na residência do músico, que se encontrava no alto.

Neste primeiro contato Seu Gentil nos atendeu de forma simpática e


acolhedora. Conversamos sobre o Orocongo e nos apresentamos como parte de um
grupo de projeto de extensão da UDESC interessado no seu conhecimento e sua
relação com o instrumento. Em outro momento, um grupo (Aline Volkmer, Leonardo
Lima, Lucas Kinceler e Rafael Yanes Bernardes (Palilo) o visitou a fim de conversar
sobre sua relação com o instrumento e propôr que ministrasse para o grupo do
Projeto VIDEAR um Curso de Confecção de Orocongo. Nessa oportunidade, Seu
Gentil contou sua história de vida e sua relação com o instrumento. Afirmou que aos
doze anos teve seu primeiro contato com o Orocongo, e que seu vizinho era filho de
uma família proveniente de Cabo-Verde, que lhe ensinou a construir e tocar o
instrumento que o acompanhou por toda sua vida. Quando jovem tocava nas festas
populares da ilha, como na Folia-de-Reis e no Boi de Mamão. Seu Gentil também
comenta que sonhava em disseminar seu saber aos jovens e se mostrava orgulhoso
em ter o orocongo como seu companheiro e parceiro. Assim afirma seu Gentil
segundo Lucas Kinceler e Leonardo Lima (2010):

Falar no orocongo pra mim é falar um pouco da minha vida, porque


praticamente ele nasceu comigo. [...] Acho que orocongo aqui foi só
com essa família,depois teve outra família aí que pegaram com eles.
Mas também não existe mais, pelo menos nesse mundo nosso [...].

Após as conversas com Seu Gentil houve o reconhecimento do


compartilhamento dos desejos. Por um lado, o grupo percebe que a escolha do
tema implicava na consciência de que se tratava de algo genuíno e carente de
visibilidade. O envolvimento com a história de Seu Gentil, sua relação com o
38

Orocongo e a cultura local, confirmou cada vez mais a importância do tema. Por
outro lado, Seu Gentil sonhava em disseminar seu conhecimento, um valor
enquanto patrimônio cultural.

3.1.1.3. Oficina de Orocongo

A oficina possibilitou uma experiência significativa no convívio com o Seu


Gentil, além de apreender a fazer o orocongo e tocá-lo, - conviver com - se
configurou enquanto uma experiência de troca e disseminação de saberes,
potencializando a emergência de continuidade deste saber.

Seu Gentil compartilha seu conhecimento, contando suas experiências com o


instrumento, com as festas populares da cidade, e também a sensibilidade no modo
de "ensinar" a tocá-lo e as composições de músicas regionais. Os participantes que
acompanharam o processo puderam experimentar a confecção do instrumento bem
como a maneira de tocar. Esta experiência é única e se torna um acontecimento.
Estas oficinas ocorreram de Maio a Julho de 2009 e as aulas de confecção do
instrumento aconteceram na oficina da marcenaria do Centro de Artes da UDESC,
onde eram cortadas e lixadas as cabaças para a caixa de ressonância do Orocongo,
bem como as madeiras para o braço. Lá também era esticado o couro e feitos os
devidos furos para saída do som. Com os instrumentos construídos, num segundo
momento do curso, Seu Gentil tocava Orocongo e nos mostrava como fazê-lo.
39

Oficina de Confecção de Orocongo - Cabaça oca e lixada,


preparação da caixa de ressonância do instrumento.

Oficina de Confecção de Orocongo - Couro esticado e fixado


por taxinhas.
40

Oficina de Confecção de Orocongo - Ajuste para o encaixe do braço do instrumento


a caixa de ressonância.

Oficina de Confecção de Orocongo - Seu Gentil explicando a Jacira sobre a


afinação da corda.
41

Oficina de Confecção de Orocongo - Seu Gentil ensinando a postura para segurar e tocar o
instrumento.

Compartilhando saberes. Aires da Fé - técnico da marcenaria - a lado do Seu Gentil do Orocongo.


Instrumento produzido por Aires, com os equipamentos da marcenaria, nas mãos do Seu Gentil e o
produzido por Seu Gentil nas mãos de Aires.
42

Oficina de Orocongo - Seu Gentil ensinando como tocar o Orocongo ao repassar as músicas
folclóricas da Ilha. Na imagem da esquerda para direita estão: Seu Gentil, Prof. Kinceler, Kássio
Paiva e Leonardo Lima.

Evidenciando a multiplicidade e simultaneidade das ações do grupo podemos


exemplificar que o tema potencializou propostas artísticas estruturadas a partir de
um referente comum, ou seja, Seu Gentil do Orocongo e a disseminação do saber.
Neste sentido, as estratégias em torno Seu Gentil faz dele o referente
potencializador de um projeto colaborativo, que forma uma “ecologia cultural”.

Uma das propostas consistia na produção de um documentário experimental


sobre o artista, cujo processo criativo se assemelhava ao produzido anteriormente
na vídeo-animação Assombrações da Ilha. O roteiro partiu da idéia individual de
cada participante, a qual chamamos de desejo, e este seria realizado coletivamente,
de maneira a que um realizasse o desejo do outro. Esta articulação se chamou
Plataforma de Desejos.
43

2.1.4. Plataforma de Desejos

A Plataforma de desejos surgiu, como apontado anteriormente, da


vontade de se produzir o documentário experimental, e este, como sabemos,
surge a partir do Orocongo, Seu Gentil e suas histórias. Neste sentido, a
plataforma se configurou enquanto articulação de desejos e subjetividades que,
ao mesmo tempo, nasciam de forma singular, na medida em que eram
compartilhadas e se convertiam em coletivas. O esquema do início deste capítulo
apresenta este processo criativo e busca dar visibilidade a forma complexa de
desta prática colaborativa.

O processo da produção do vídeo, este distinto dos padrões


convencionais, intencionava tramar os desejos dos participantes envolvidos com
o tema e seus possíveis desdobramentos. Deste modo, a plataforma de desejos
era uma proposta artística relacional, na qual cada participante colaboraria para a
realização do desejo do outro. Neste sentido, esta articulação do grupo permitia
despertar desejos comuns e, assim, contaminar o outro.

Surgiram os mais diversos desejos: tocar Orocongo em Machu Picchu,


construir um Orocongo em stop-motion 24, fazer uma performance de um grupo
vestido de Seu Gentil para tocar em vários pontos do Centro em um Sábado,
caminhar pela Beira-mar formando uma orquestra de Orocongos, tocar Orocongo
em Aparecida do Norte, criar um vídeo da história do contato do Seu Gentil com a
família de Cabo Verde, fazer o storyboard 25 do documentário nas paredes do
prédio do Bloco de Artes Visuais na UDESC. Neste último as paredes foram
pintadas de branco e alguns dos desenhos receberam a colaboração das aulas do
Curso de Linux, que ocorriam paralelamente.

24
Stop-motion (movimento parado) consiste numa técnica de animação na qual o animador trabalha
fotografando objetos, fotograma por fotograma, ou seja, quadro a quadro. Entre um fotograma e outro
altera-se levemente a posição dos objetos. A seqüência das imagens causa a sensação de
movimento.
25
Storyboard consiste num roteiro desenhado - semelhante a uma história em quadrinhos - que
auxilia na visualização da seqüência de planos de um filme, vídeo, animação.
44

A Plataforma de Desejos era baseada na proposta de "colaborar na


realização do desejo do outro", Neste sentido, potencializa a produção de
"subjetividades compartilhadas"

Para aproximar a possibilidade da realização dos desejos foram criadas


estratégias. Uma delas arrecadou fundos para as despesas do vídeo e das
situações para ele imaginadas. As estratégias geravam outras situações de
convívio e descontinuidades, como por exemplo, a venda de cafés e de bolos no
intervalo das aulas, promovendo encontros diários; a venda do “Choripan Vírus”
(pão com lingüiça) que se deslocava de Kombi até festas universitárias; o almoço
relacional “Enquanto Rirkrit Tiravanija não vem”, e a inscrição de projetos
culturais. Esses momentos foram importantes em termos de experiência relacional
e criação de espaços de convívio humano e de trocas intersubjetivas.
A partir deste momento a plataforma de desejos amplia a história do
LAAVA e seus diferentes caminhos. Apresentamos, a seguir, alguns deles, em
razão da impossibilidade em retratar o processo complexo em sua totalidade,
praticado em todos as ações do grupo, inclusive em seu registro.

2.1.4.1 Algumas atividades da Plataforma de Desejos:

O "Varal Cultural - ocupação de praças" foi uma atividade desenvolvida no


dia 23 Maio de 2009. Este encontro partiu de uma proposição de Helton, participante
do grupo que, no momento, estava em sua pesquisa de TCC, no qual esta proposta
estava incluída . O Varal Cultural surge como proposta durante o curso acerca da
Arte Pública, ocorrido na UDESC no ano de 2006 - ministrado por professores da
Faculdade de Belas Artes da Universidade do País Vasco, instituição espanhola. No
entanto, o Varal não pôde ser realizado naquela época. Por meio da Plataforma de
Desejos a proposta é retomada e realizada em "colaboração ao desejo do outro".

Helton durante muitos anos, enquanto estudava na UDESC, morou em sua


Kombi, ano 1961, na qual mantém uma relação afetiva importante, fato que relata no
seu trabalho de conclusão de curso como "residência itinerante". Dentre as
45

dificuldades de tal moradia, estava a de secar roupas. Certa vez, comentou que as
roupas eram lavadas aos finais de semana no antigo Prédio de Artes do CEART,
porém a dificuldade de secá-las permanecia.

Esses episódios foram pungentes e se tornaram presentes por ocasião do


curso de arte pública, que propunha por meio da intervenção no espaço urbano
revelar a representação íntima do participante a respeito de sua relação com cidade,
de modo a tramar a relação arte e vida. Assim "o varal surgiu no curso com os
espanhóis como forma de exteriorizar o problema" 26. Sobre a maneira como
imaginou a proposta Helton Matias (2009) descreve em seu TCC intitulado Diário de
Bordo - Navegando Descontinuidades :

A primeira intervenção seria num espaço público localizado no


caminho entre o posto de combustível em que morava e a
universidade. Num espaço privilegiado pela localização, grande
circulação e variações de altitude. Um espaço público, que naquele
momento não tinha nenhuma obra de urbanização. Num desnível
que facilitaria a instalação do projeto. Nele estenderia um longo varal,
que num ponto era fixado numa barra de ferro cilíndrica (similar ao
utilizados em barracas de camping). A outra ponta seria fixada no
pára-choque da Kombi. Depois de estendidas as roupas, ao
movimentar a Kombi, o varal seria esticado. Enquanto a roupa
secava, convidaria crianças, estudantes, artistas e a comunidade
para interagir. Soltar pipa, jogar futebol, vôlei, fazer arte, malabares,
música, dança, teatro, etc. Um ritual cultural, artístico e comunitário
(…) que poderia ser itinerante e estender para outros espaços
públicos. Sair com as roupas molhadas, materiais e pessoas, e
escolher um local de forma aleatória para o próximo ritual. (…) essa
proposta evoluiu para o “varal cultural”, realizada no último sábado
(23 de maio deste ano). Com a participação dos integrantes do
LAAVA, passamos o dia convivendo juntos. Tocata, comida, bebida,
esportes e diversas manifestações artísticas.

O local do evento, a Praça do Parque São Jorge, foi escolhida por seu
declive, que facilitaria estender a corda e, principalmente, por criar um diálogo com
o percurso que Helton percorria no passado, entre a universidade e o posto de
combustível, onde morava na sua Kombi. As imagens a seguir retratam a realização
do Varal Cultural:

26
Trecho de comentário sobre o Varal Cultural escrito por Helton, via email em 07nov.2010
46

Varal Cultural - Helton preparando a corda, ao fundo a Kombi, outro


elemento do trabalho.

Varal Cultural - A corda ao ser esticada para a instalação o varal.

A Kombi esteve presente tanto neste evento quanto em outros com o


Coletivo LAAVA e, para Helton se tornou um dispositivo relacional no Varal Cultural.
O veículo era o referente do trabalho e, por isso, se constitui como o próprio signo e
não sua representação, um diálogo à sua condição anterior de moradia. A proposta
47

Varal Cultural permitiu a realização da ação ao transportar os instrumentos e


participantes até a praça, sendo parte do processo.

O Varal Cultural criou um encontro cultural na praça, gerando um convívio


construído por meio de atividades artísticas simultâneas - desenhos, modelagens,
música, gravuras, fotografia - nas quais a atuação dos participantes se fez em
ações múltiplas e espontâneas. Podemos observar a seguir a simultaneidades nas
ações dos participantes (fonte MATIAS, 2009 p.39-51):

Ruth Steyer e Helton Matias, xilogravuras.

Lucas Kinceler, André Ventura (Deco) e Rafaela Pasa, desenhos.


48

Detalhe: xilogravura de Ruth e modelagem de Noara.

A proposta ativou o lugar e as relações entre os participantes. A


subjetividade de Helton, expressa por suas referências com o lugar e o simbólico
dos elementos deste trabalho - a Kombi, o varal, a praça, materiais artísticos -, é
compartilhada entre os participantes, como vemos nas imagem anteriores. Neste
sentido, há uma troca inter-subjetiva por meio de uma prática relacional, cujo
dispositivo para tal relação é a proposta. Sobre esta prática artística, Bourriaud
(2009, p.21) afirma ser "uma forma de arte cujo substrato é dado pela inter-
subjetividade e tem como tema central o estar-juntos, o 'encontro' (..) elaboração
coletiva de sentido.", e não necessariamente os objetos obtidos.

O Coletivo LAAVA no Varal Cultural.


49

Conseqüentemente, a proposta do Varal Cultural reinventa a relação com


este lugar, cria um espaço, isto é, uma prática artística relacional visto que intervém
no espaço público de maneira crítica, envolvendo subjetividades. Desse modo, a
praça passa a ser um lugar praticado na medida em que a proposta institui uma
nova relação com o lugar, ou seja, uma ocupação cultural. Em síntese as reflexões
de Helton a seguir demonstram a riqueza da experiência para autor:

O Varal Cultural, passa a ser um fio condutor que permeia entre os


que acreditam nessa forma de fazer arte, que necessite do outro, nos
ensinando a viver juntos e melhor. A minha necessidade neste
momento, passa a ser espacial, cultural e artística. Um espaço
itinerante de convívio, a serem experimentados, degustados e
vividos. São nossos atracadouros culturais, que nos permitem criar
novas possibilidades de ocupação dos espaços públicos que estão a
nossa volta. Criando assim, novos caminhos, veículos e formas de
atuar junto à sociedade e o meio em que vivemos. Estamos todos
livres, mas, presos a esse fio condutor de idéias e possibilidades que
a arte colaborativa nos proporciona. (MATÍAS, 2009, p.41)

Uma outra intervenção em espaços públicos foi uma performance coletiva,


cujo título é "Baldes no Shopping", ocorrida em 11 de outubro de 2009 - véspera do
dia das crianças-, com a intenção de causar estranhamento dentro de um shopping.
A ação foi pensada para o lugar, este amplamente vigiado e composto de regras.
As inquietações que motivaram a ação apontavam para questões dos modelos e
convenções de comportamento mediados pelo consumo. Na mesma direção
daquela apontada por Bourriaud (2006) "A comunicação cria trajetos que encurtam
distâncias, de maneira rápida e eficiente, e oferece espaços de lazer, mas por outro
lado ameaça impor modelo de socialidade adotados pela sociedade estabelecidos
através da mídia e mediados pelo consumo". Nesse sentido, vivenciou-se
descontinuidades com relação as regras deste lugar, dentre elas a proibição de
funcionários de circular com baldes, antes da 22:30h; a proibição de grupos com
mais três pessoas; a proibição de fotografar.
50

Descontinuidades no Shopping.

Esta ação foi proposta por outro integrante do grupo, Giorgio Filomeno (Dogi)
e a preparação do áudio contou com a colaboração de Francis e Max. A
performance coletiva constituía em passear no Shopping com baldes nas mãos
enquanto instruções eram recebidas através do fone de ouvido que informava em
áudio frases como: percorrer um trajeto, trocar de balde com outros supostamente
desconhecidos, que também carregavam-no, largar o balde em frente a vitrine,
circular envolta do balde. Todas objetivam causar estranhamento ao esperado de
um comportamento convencionado ao lugar. A imagem apresentadas registram
parte do grupo sendo fotografado - sem autorização do estabelecimento, como mais
um modo de romper criticamente com as regras estabelecidas.
A ação contou com cerca de 20 participantes, metade realizavam a
performance com os baldes, e outra metade a performance de registros
clandestinos.
51

Baldes no Shopping - Preparação antes da ação. Giorgio


repassando as instruções.

Primeira parte: a compra dos Baldes.


52

Os participantes sob a instrução do itinerário.

Nesta imagem a instrução de largar o balde enquanto se


admira uma vitrine.
53

Outra atividade colaborativa, envolvendo o Coletivo Laava, ocorreu em 28 de


Novembro de 2009, e ficou conhecido como o Encontro 24hs,
24HDENOSMESMOS ou ainda oDiapelaNoite. Este evento-proposta inspirado no
trabalho "24h Foulcault" de Thomas Hirschhorn em realização ao III Encontro do
Grupo de Pesquisa Arte e Vida no Limite da Representação, previa, inicialmente, 24
horas de oficinas e proposições artísticas. Durante este período a cada hora seriam
iniciadas atividades.
Os participantes poderiam propor estas atividades e diferentemente de um
tema único como foi Foucault no trabalho de Hirschhon, a temática partia do saber,
da subjetividade do participante, implicando em uma troca de saberes e relações
inter-subjetivas. Assim sobre a proposta o release do mestrado afirmava: "os
processos artísticos propostos pelos participantes são e serão práticas abertas de
envolvimento e convívio, a serem potencializadas pela troca coletiva de opiniões,
atitudes e ações".
O evento envolveu cerca de 40 participantes e reuniu oficinas e propostas de
características diversas como: Telefone sem fio em vídeo de Lucas Sielski Kinceler,
Molde do rosto com Alginato de José Luiz Kinceler e Noara Quintana, Compra-se
problemas de Jociele Lampert, Geodésica de Kassio Paiva e Allan Heringer
Carneiro, Mini FM e as micro distâncias, Claudia Washington, Todos por um fio,
Nicole Lima, Palavra fora do papel, Ryana Gabech de Oliveira, Produção de Áudio,
Francis Pedemonte, Plantando vasos, Isabela Sielski, Prática de edição de vídeo,
Leonardo Lima da Silva, Modelando Idéias, Gilberto Dal Grande (Beto), Atropelados:
toy art em cerámica, Paulo Renato Viegas Damé, entre outras.
É importante destacar que este evento potencializou a troca de saberes e de
experiências neste convívio construído por meio das oficinas e propostas. Dessa
maneira, a relação entre as subjetividades participante-propositor dialogavam. Neste
sentido, o tema exposto em cada atividade revelava a subjetividade e o saber do
propositor.
Outro ponto que merece destaque está na simultaneidade, na multiplicidade
das ações e na liberdade dos participantes. Neste sentido se aproxima da proposta
de "24h de Foucault" de Thomas Hirschhorn. O Encontro 24h contribui na criação de
um espaço e tempo ampliados, ou seja, um tempo experienciado na imersão das
24hs que seguiram e gerou situações de troca de conhecimentos.
54

Giorgio Filomeno participante da proposta Compra-se Problemas


de Jociele Lampert.

Montagem da Geodésica, proposta por Kássio Paiva e Allan


Heringer, envolvendo os participantes do Encontro 24hs
55

Oficina Molde em Alginato.

3.2 O QUE RELATAM OS INTEGRANTES SOBRE AS EXPERIÊNCIAS NO LAAVA

A pesquisa optou também por coletar depoimentos27 com alguns dos


integrantes. Essas conversas, inicialmente, foram informais e ocorreram entre os
meses de Agosto e Setembro de 2010. A seguir decidiu-se contar com o auxílio de
um gravador para melhor registro das informações.

As primeiras impressões obtidas em conversas sobre o Coletivo Laava (nos


meses de Agosto e Setembro de 2010), oscilaram entre momentos de desilusão, de
um sonho que não deu certo, da dedicação perdida, da frustração, prevendo até
mesmo seu fim. Essas afirmações, em parte, podem estar relacionadas ao fato de
que neste momento, a ausência do professor Kinceler, somada a perda de espaço
físico institucional, contribuiu para esse sentimento em relação ao coletivo, sendo
considerado, espirituosamente por alguns, um mito. Outros momentos dessa
oscilação apontaram para uma visão sobre o Coletivo LAAVA em uma nova etapa,

27
No apêndice se encontra o depoimento da autora.
56

um coletivo articulado em pequenos grupos, chamados de células que se organizam


em pequenos grupos. Essas impressões diferem daquela inicialmente adotada pelo
Coletivo LAAVA na qual as atividades reuniam grande parte dos integrantes. Nessa
medida a contradição inerente ao processo sempre acompanhou este coletivo.

Parte da história do Coletivo LAAVA é contada por Francis como: " O LAAVA
me parece que foi como dar o nome a um fluxo que já existia.. mas a gente pegou e
deu um nome.... que era a vontade do pessoal de trabalhar juntos... " Nessa mesma
direção outra participante, Ruth, afirma: "... casou a idéia da vontade da trabalhar
junto com alguma coisa relacionada a vídeo".

Estar junto parece também o que vemos quando se considera o LAAVA


como algo coletivo, acrescido da noção da perda da autoria do artista. Assim fala
uma das participantes:

.. quando se fala em coletivo é isso.. se institui que tem um grupo


que a fim de se relacionar em função da arte. Isso muda a
intenção… a intenção que dá o tom da arte. (…) se estes quatro que
estamos aqui conversando somos o coletivo isso vira uma grande
célula. A idéia é essa: perder a autoria da coisa.. matar o autor..
perder esse nome que leva a assinatura da coisa.. Uma coisa muito
legal que sempre achei no LAAVA é isso … todos trabalhos nenhum
tem uma autoria exatamente … (Marina)

A noção de célula parece recorrente nas conversas sobre as impressões do


Coletivo LAAVA: "se estes quatro que estamos aqui conversando somos o coletivo
isso vira uma grande célula". (Marina) E " .. eu penso .. existe essa bolha essa célula
tanto para mim quanto para o coletivo, a gente pode criar essas esferas". (Ruth)

Ruth considera a noção de coletivo e a riqueza de estar nele, se perceber


enquanto um produtor de sentido na relação que se estabelece com arte relacional
".. acho enriquecedor trabalhar num espaço onde eu posso trabalhar com o coletivo..
para o coletivo.. quanto para mim.. quanto mais existe essa a troca.. "

A questão da subjetividade parece estar presente na conversa com Ruth que


afirma: "nessas convivências eu posso romper esses padrões que a gente cria e a
partir do padrão do outro, eu posso analisar o meu .. é sempre esse rebatimento.. é
57

o espelho". Essas afirmações parecem indicar um dispositivo, no caso artístico, que


busca escapar dos padrões da sociedade atual, tentando encontrar outras maneiras
de subjetividade que ainda estão por vir. Na mesma direção que afirma Deleuze
sobre o dispositivo como produtor de subjetividades..

O caráter de potencializador do coletivo é ressaltado por outro participante:

É potência, devir... Mas se for pensar mais profundamente sem


pegar um conceito emprestado para conceituar, para tentar situar,
acho que é um.. ela representa uma idéia de reunir os diferentes
numa convergente, de alguma forma. E aí que é o interesse, que
tem.. da potência que pode se manifestar. (João)

Esse caráter potencializador parece, aparentemente, ser desestabilizado


quando refletimos sobre a produção de vídeos, no entanto, o resultado materializado
em um vídeo produzido soa menos importante do que o processo de sua
elaboração. Sobre os vídeos Francis afirma:

O fato, este que é o fato e é por isso que não conseguimos terminar
os vídeos, porque o que importava não eram os vídeos.. o que
importava mesmo era o que a gente estava convivendo, o que estava
acontecendo, esta inserção na realidade de fora.

Francis faz considerações sobre os vídeos e a diferença entre informação e a


experiência:

(...) tem informação pra caramba nesses vídeos, mas a gente não
tem o que tirar deles (...), a gente tirou quando viveu aquilo. Por isso
que é um material que não tem mais o que tirar (...). qualquer
representação que a gente fizer daquilo vai ser meio vazia. Outra
pessoa só vai poder sentir algo similar de tudo o que aconteceu se
estiver presente na ação, no acontecimento. E por isso... assim... que
o LAAVA seja mais um dispositivo de começar coisas e de realizar e
eventos, eventos no sentido de acontecimentos, de ações e
descontinuidades e tudo mais . (...) não se consegue dizer porque foi
um experiência (Francis)

A reinvenção, enquanto ímpeto presente no processo de configuração do


rizoma, está presente na fala de Ruth:
58

Por isso acho engraçado neste coletivo é que ele andou em vários
começos, partiu de vários começos, foi criando vários começos com
outras propostas. Ganhou um leque, porque os antigos começos
pareciam na mesma linha, ao mesmo tempo que existia uma
variação de desejos e propostas, e isso foi abrindo ramificando. O
fantástico é que isso mexe com muita coisa, o simbólico disto aí..
nossa.. E a própria convivência também .

Presente também nas reflexões de Ruth são as noções de experiência


coletiva, compartilhar desejos e construção coletiva de sentido, destacando o
caráter processual das relações que se dá maneira gradual, convergindo para a
noção de ecologia cultural apresentada por Laddaga (2006). Deixamos Ruth falar:

(...)para mim essas possibilidades de experiências em coletivo,


estar junto, comprar uma idéia do outro e praticar e disto gerar mais
diversos outros sentidos era uma dimensão que eu não tinha
tomado ainda. A própria construção do sujeito no coletivo e eu
acredito muito nisso. E acredito que o Laava exista ainda e ele está
caminhando agora para outro lado, acho que um processo, um tipo
de construção demorado porque é a partir de relações, então as
coisas tem muitas nuances e minúcias que não dá para atropelar.

Considerando que as experiências aqui relatadas a partir das conversas, dos


textos lidos e registros dos participantes, nos encaminharam para uma
compreensão, ainda que breve sobre a complexidade dos fenômenos estudados, a
profundidade dos conceitos, que na prática, foram vivenciados pelos integrantes do
Coletivo de forma intensa, momentânea, que escapa à escrita.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É chegado o momento de realizar cartografias das linhas traçadas neste


processo de experiências pessoais, acadêmicas e enquanto bolsista de extensão.
Estas linhas são mais que segmentos de pontos lineares, se constituíram em um
59

processo complexo e, usando a metáfora da fita de moébius, podemos afirmar que


mesmo que esta sofra um corte paralelo e contínuo, não há cisão entre o dentro e
fora. Nesta perspectiva, serão construídas as considerações a seguir.

As considerações teórico/práticas nos levaram a compreensão da práxis e


esta tendo como eixo axial a experiência, desde a concepção de Bourriaud no
contexto da Arte Relacional, ou seja, as relações de troca dão sustentação a
experiência artística. Nesse sentido, o de diluir os limites entre espectador-artista,
estabelecendo relações intersubjetivas dialógicas e horizontais. Conhecer este
processo, ou seja, produção de subjetividades a partir de vivências artísticas
compartilhadas coletivamente, ou seja, práticas colaborativas, se fez importante
enquanto experiência no projeto de extensão: "VIDEAR - Laboratório Aberto de
Animação e Vídeo Arte - LAAVA" e conseqüentemente dentro do Coletivo LAAVA.
Contar parte de sua história se constituiu como um relembrar, um repensar e um
experienciar de outro modo as situações, através da reflexão.

Os documentos analisados: artigos, relatórios, fotos e vídeos bem como as


conversas com alguns participantes possibilitaram uma imersão no universo vivido, a
riqueza das relações estabelecidas e o aprendizado nas experiências foram maiores
do que este trabalho pode expressar. Sabemos que as experiências vividas são
dificilmente narráveis e escapam ao escrito.

Quanto a parte apresentada na fundamentação teórica, esta se apresenta


como um contexto para embasar e situar a prática relacional. Neste caso, é
analisada através de pontos da convergência e do encontro na arte pública do novo
gênero, arte relacional, as práticas colaborativas e articulação por rizomas. Essa
retomada, desde o cenário da modernidade, se torna importante, na medida em que
se apresenta como a forma de arte que abordamos neste trabalho - arte relacional -,
visto que a mesma nasce mediante ao esgotamento dos paradigmas modernos.

Quanto a arte pública de novo gênero podemos considerar que esta se


destaca pelo papel que o outro - o público - assume, ou seja, o outro como parte do
trabalho artístico, e ainda, por ser pública, este também se constitui enquanto
contexto.

O processo rizomático, na trajetória do Coletivo LAAVA, se percebe enquanto


uma abordagem múltipla e colaborativa, ou seja, se constitui em uma articulação em
60

que cada participante conduz o andamento das atividades, sendo estas relacionadas
umas às outras que, por sua vez, geram novas atividades. Por vezes se perdem
e/ou, em outro momento, se retomam. Exemplos deste processo ocorrem quando da
confecção de Instrumentos de Percussão em madeira no ano de 2010, da relação
com as Tocatas entre 2008 e 2010, do curso de Orocongo com seu Gentil em 2009,
dos trabalhos em marcenaria, como também das oficinas de Instrumentos de
Cerâmica em 2008 e 2009, a proposta de Varal Cultural de Helton, das tocatas
abertas, das interações acontecidas durante o “Assombrações da Ilha”,

A aglutinação de subjetividades, no sentido de reunir um grupo de pessoas


e, ao mesmo tempo se manter aberto, assemelha-se ao conceito de dispositivo
trazido por Deleuze (1990) quando este analisa Foucault. Devemos considerar, no
entanto, que as produções de subjetividades escapam dos poderes e dos saberes
de um dispositivo para se reinvestirem nos poderes e saberes de um outro
dispositivo, sob outras formas ainda por vir.

Desse modo, no seu fazer se constituiu através do convívio com o outro,


diluindo o princípio de autoria neste fazer colaborativo, gerando situações para um
ato criativo compartilhado. A ecologia cultural que se formou a partir de Seu Gentil
são propostas artísticas estruturadas a partir de referente comum com a
disseminação do saber. Ações, analisadas neste trabalho, provocaram
estranhamento e descontinuidades ao mesmo tempo que reinventaram relações
com outro e com o espaço, transformando num criativo processo que busca no real
modificar a realidade do próprio contexto; são encontros, no sentido proposto por
Bourriaud, para a troca de experiências e saberes; são projetos individuais e
interesses coletivos complexos de serem ajustados entre si, mas que culminam com
a produção de subjetividade coletiva.

Analisando o Coletivo Laava, podemos considerar que o grupo atua no


contexto e se aproxima da arte do lugar. Neste sentido, considera a sua própria
contextualidade, a instituição universidade e os mundo de vida, ou seja, cria pontes
entre a produção acadêmica enquanto instituição arte com os modos de vida fora
desta, como o caso do Seu Gentil do Orocongo. Neste, contamina a instituição arte
com as práticas colaborativas.
61

Podemos considerar o Coletivo LAAVA como dispositivo, e sua importância


por ser um processo aberto e, assim, pretender a não cristalização de
subjetividades, reificando-as, isto é, processo que deve ser sempre retomado e
reinventado. Podemos considerar ainda, nessa medida, que as histórias aqui
relatadas cumprem com essa intencionalidade, qual seja, a de ser um prática
artística que se dá na relação com o outro, reinventando relações com o espaço e o
indivíduo, por meio de aproximações intersubjetivas.

A lógica de um cotidiano pode ser rompida em suas noções de espacialidade


e temporalidade no momento em que são expandidas durante, por exemplo, nas
ações do tipo 24hs. Nessa experiência a temporalidade e a espacialidade rompem
com o fixado, a mesmice do cotidiano e são experienciadas atividades
intersubjetivas por meio de propostas e oficinas. Uma imersão em um universo que
cria novas relações com o tempo e espaço, na mesma perspectiva de Certeau,
intensificando as relações de aproximação e de experiência da liberdade.

É importante destacar que este pretendido processo aberto possibilita que


não se crie modelos fechados e, assim, a heterogeneidade possa contribuir para
constante reinvenção. O Laava não apresenta formação fixa, nem pensamento fixo.
Esta particularidade se diferencia dos demais. Se coloca como uma proposta
de não repetir paradigmas estéticos característicos da modernidade, e sim explorar
maneiras alternativas de sociabilidade na mesma perspectiva apontada por
Laddaga, formando ecologias culturais, processos culturais colaborativos que
envolvem pessoas de diferentes áreas e interesses por meio de ficções
compartilhadas, formando uma comunidade alternativa com algo comum, o viés
artístico. Seu Gentil do Orocongo pode ser considerado referente dessas
afirmações.

Por sua vez, o Coletivo se pretendeu complexo e dinâmico, isto é, um


contraponto a produção de subjetividades individualista e uma forma de resistência
ao pensamento que leva ao consumismo, ao isolamento em territórios, procurando
maneiras de possibilitar subjetividades coletivas. Devemos considerar ainda que o
coletivo se pretendeu estar em movimento, em trânsito, ser dinâmico, e seu fluxo
ser contínuo, estando sempre se reinventando. Uma dificuldade dessa experiência
pode ser não entender esta fluidez, e assim, as pessoas poderem se frustrar, em
razão de as expectativas serem, por vezes, idealizadas.
62

Um desafio é pensar o Coletivo no momento do "agora" , sem pensá-lo nem


no passado, nem no futuro. No entanto, pensar suas reinvenções é torná-lo presente
em qualquer momento. Para cada participante o LAAVA foi diferente, isso permitiu
que ele não se tornasse um grupo fechado, com manifestos a serem seguidos.
Desse modo, se torna uma partícula que se desloca e vai fazendo novas conexões,
novas tramas, sendo isto o que o caracteriza como um rizoma. Este processo pode
auxiliar no convívio com o outro e com as diferenças.

O Coletivo LAAVA, na sua forma de atuação mutante, em constante devir,


era, é, ou será, talvez, como afirma Francis "um dispositivo de começar coisas e de
realizar eventos, eventos no sentido de acontecimentos, de ações e
descontinuidades e tudo mais" e, como Ruth "um processo, um tipo de construção
demorada porque é a partir de relações... então, as coisas tem muitas nuances e
minúcias que não dá para atropelar " e, ainda, de acordo com os conceitos
praticados e apresentados neste trabalho: a prática relacional, uma ecologia
cultural, um rizoma.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Acesso em: 02 nov. 2010.
66

APÊNDICE

Depoimento sobre o Laava

A experiência dentro do Coletivo Laava faz com que minha visão sobre ele
seja de maneira íntima e também à beira do indizível, que por mais que eu me
proponha a dizer ainda seria pouco. Me parece cabível então dizer o que senti
durante o processo de estar no Coletivo Laava. Me sentia como se estivesse num
avião caindo em parafuso, sem que isso fosse ruim, a sensação era de adrenalina,
de fazer parte daquele presente, tomando a noção da própria realidade. Uma
profusão de troca de conhecimentos, quereres e fazeres, uma vertigem que me
fazia sentir parte do contexto a minha volta desde as relações micro sociais até
relações em escalas maiores.

Me refiro aqui quanto a micro-relações ao envolvimento com o espaço da


universidade e com colegas, tornando mais vivas estas relações, antes presas ao
tempo de aula, e também pela formação do grupo que propiciou o pensar com o
outro. A relação com o espaço físico da universidade tornando-se um espaço de
encontro, um espaço habitado, por meio de situações desenvolvidas pelo coletivo
LAAVA como o Almoço , as oficinas , as reuniões, as Tocatas, o Cine Paredão, as
gravações de vídeos, as sessões de edição.

Em seguida ampliando o campo de conhecimento, a subjetividade, através


das atividades vinculadas ao Seu Gentil e deparar com outra realidade da cidade,
visitá-lo no morro, sua história de vida nos conduzindo a um retrato de Brasil e seu
vínculo com cultura popular. Influência que nos levou redigir projetos nos situando
numa esfera de relações com sociedade. Tais projetos formulamos para a Fundação
Catarinense de Cultura, dentre eles o Itinerarte 26+29 abrangendo 57 cidades do
território catarinense ambos propondo oficinas de arte, nos encaminhando desse
modo em negociações políticas para viabilizá-los. Permitindo visualizar um
panorama das políticas culturais do estado e também do país.

O Coletivo LAAVA percorria um percurso entre as esferas macro e micro


criando um caminho de relações que pensava o eu, o outro, a vontade, o grupo, a
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arte, o curso , a universidade, a cidade, a política, o estado, o país, me permitindo


visualizar tudo isto interligado e conduzido por contaminações.

A intensidade do processo, a intensidade de tantas vontades, o desejo de


trabalhar juntos, fazia o tempo ser pouco neste campo que se criou, pleno e rico de
idéias, oposto a comum apatia dos corredores.

Noara, Agosto de 2010.

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