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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA


CURSO “VÍCIOS E COMPULSÕES
DO DIA A DIA”
COM PROFESSOR BRUNO LAMOGLIA
#3
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AULA 03 - SINOPSE

As consequências dos vícios comportamentais e químicos são ex-

ploradas a fim de que encontremos caminhos para abandoná-los.

Os perigos representados pelo uso da internet, das redes sociais

e do videogame também são abordados para que a consciência


sobre esses potenciais problemas traga maior responsabilidade

sobre sua utilização.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Ao final desta aula, espera-se que você saiba: os sete pecados

capitais e sua relação com os vícios; como os vícios aparecem

representados na mitologia; as fases do consumo do álcool;


os efeitos da cafeína; o que são drogas pró-cognitivas e qual o

debate em torno de seu uso; o que é a procrastinação e como

evitá-la; os benefícios e malefícios da internet e do videogame;

as consequências da pornografia; as fases do comportamento

viciado.

BONS ESTUDOS!
INTRODUÇÃO

Nesta aula, vamos estabelecer uma comparação das mitologias com

os vícios, bem como uma ligação entre estes e os sete pecados capitais. É

importante lembrar que a palavra “vício” está sendo usada para se referir

não somente aos viciados dependentes, mas também àqueles elementos

ligados à compulsão, à impulsividade e aos defeitos.

2. OS SETE PECADOS E O VÍCIO

Apesar de ser o cruzamento entre o mundo da psicologia e um

mundo pautado na esfera da religiosidade, os sete pecados são de enorme

importância para nós, porque, quando expressamos um vício, este acaba

tendo uma força dominante sobre esses sete pecados. Em última análise,

podemos perceber que todos os vícios se expressam através desses sete

pecados. Embora todos os conheçam, é válido fazer um breve comentário

sobre cada um deles.

2.1. GULA

O primeiro pecado é a gula. A gula tem uma conotação principal-

mente oral, é uma vontade excessiva do corpo e um descontrole sobre

os desejos do próprio estômago, do próprio apetite. Embora o vício no

tabaco e no alcoolismo envolvam outros efeitos além da gula, são uma

amplificação desta, porque você os utiliza através da boca.

A gula é o primeiro dos pecados porque é importante na nossa cul-

tura. Ela aufere até nossa simbologia da culinária. Cada cultura possui uma

vertente dentro da gula, a qual varia de acordo com os alimentos que são

consumidos, como esses alimentos são preparados, como se pessoas se

comportam perante eles e à mesa. Estes aspectos dão um tom único a cada

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sociedade. A gula ainda apresenta um fundamento nos prazeres instin-

tivos e físicos, pois se trata de algo vinculado à nossa sobrevivência. Se

não comemos, morremos. Portanto, comer gera o prazer necessário para

que nos mantenhamos vivos. Isso não é restrito aos seres humanos. Até

uma placa bacteriana que não tem substrato, não se reproduz. Assim, sua

população fica limitada e tende à extinção.

Como a gula é parte da sobrevivência, você terá um prazer ao se ali-

mentar. No entanto, sabemos que o prazer é dicotômico e ambivalente. Se

houver um excesso desses prazeres, configura-se um descontrole, que é

uma característica do vício. Isso acontece por diversos motivos. Um deles é

biológico, pois, quando comemos, acontece uma distensão gástrica e a pro-

dução de certos hormônios que causam saciedade. Essa distensão gástrica

é responsável por enviar um sinal neuronal para o cérebro avisando-o que

está satisfeita. Em certos indivíduos, essa função pode estar quase com-

pletamente diminuída, ou seja, estar mais devagar. Consequentemente, a

pessoa consegue se alimentar por mais tempo e, como o estômago é um

órgão extremamente elástico, há uma necessidade maior, um apetite mais

voraz. O apetite mais voraz e a maior tolerância fazem com que o indivíduo

seja mais guloso. Sabemos que é muito fácil nos mantermos escravos

desses prazeres.

Há um santo cujo nome não me recordo que lavava os alimentos e

retirava seu tempero para não ter um prazer tão físico quanto o da comida,

pois acreditava que isso o desvirtuaria do seu caminho. Claro que estamos

falando de um homem santo, alguém que estava almejando o caminho de

espiritualização, mas é interessante que vejamos isso.

2.2. LUXÚRIA

Ainda nos prazeres físicos, temos a luxúria. A luxúria é um pecado

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que apresenta conotação sexual e que está presente tanto no homem

quanto na mulher. Por ser pautado pela testosterona, o homem busca

sexo de uma forma mais agressiva que a mulher. Por outro lado, a mulher

sempre se utilizou do poder da sensualidade e da sedução, o qual apre-

senta certos componentes que vêm sendo ampliados na nossa cultura,

através das redes sociais. Assim, é como se presenteássemos ou bonificás-

semos uma pessoa que está tendendo mais à luxúria. Portanto, a luxúria é

extremamente presente na nossa sociedade e a cultura brasileira mexe nos

nossos instintos, no nosso cerne.

Sabemos que um pecado ou defeito acaba conduzindo a outros, pois

estão sempre ligados. Muitas vezes, o pecado da gula, de realizar a ingestão

de grandes quantidades de bebida alcoólica, leva à luxúria e à ira. Isso pauta

a história da humanidade e é retratado em casos mitológicos e bíblicos.

Outro ponto importante é que os pecados e os vícios ligados a um

prazer excessivo da carne apresentam um cunho um pouco mais leve do

que os pecados vinculados à mente. Explico melhor. Como esses pecados

da carne têm uma expressão ligada à nossa sobrevivência, teríamos um

pouco mais de liberdade para senti-los. Nós não queremos ser controlados

por eles, pois também podem se tornar um vício poderoso, no entanto, con-

seguimos claramente vinculá-los com nossa sobrevivência.

2.3. PREGUIÇA

A preguiça é um pecado sobre o qual é sensacional discorrer, porque

estabelece toda uma ligação com as expressões sociais, históricas, políticas,

psicológicas, médicas. A preguiça é vista algumas vezes com bons olhos,

pois uma pessoa que está descansando excessivamente, teoricamente,

também estaria recuperando suas forças físicas, como é comum a todos os

mamíferos. Todos os mamíferos dormem excessivamente, algo que chega

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a beirar metade do dia ou mais.

Conseguimos ligar a preguiça até com a esfera política. Se você é

uma pessoa dominada pela preguiça, é natural que queira se unir a outras

pessoas que façam por você o que deve ser feito. Quando você se exime de

responsabilidade e de sua proatividade na sociedade, é natural que queira

que outros trabalhem por você. Então, acaba tendendo para outro braço da

política.

A própria preguiça tem, de fato, uma parte fisiológica de que

necessitamos. Não é possível ficar sem o descanso, sem o sono. A falta

deste é incompatível com a vida. Essa descoberta aconteceu durante a

Primeira Guerra Mundial, em casos de tortura. Soldados desprovidos de

sono começavam com um quadro de ansiedade, passavam para psicose e

logo morriam.

Quando alguém é preguiçoso, vemos um tipo de abstração da

vida, uma desconexão com a vontade, com os desejos e, muitas vezes,

uma isenção completa da responsabilidade. Além disso, a preguiça pode

ser vista não só do ponto de vista físico, mas também da evolução espir-

itual. Existe até um nome específico para isso: ascídia. A ascídia é uma

preguiça espiritual.

É possível que a preguiça tenha uma ação positiva, que agora até

está em voga, o chamado ócio criativo. O ócio criativo acontece quando a

pessoa deixa de cumprir seus afazeres e deveres para ter maior acesso à cri-

atividade. Isso pode vir a ser verdade. Há algumas pessoas que necessitam

de mais descanso.

Contudo, descansar não se trata somente de dormir. Muitas vezes, a

pessoa deseja não fazer nada ou, pior ainda, se deixar levar por atividades

de baixíssimo gasto energético, como assistir à televisão, para não ter que

realizar qualquer tipo de esforço, seja mental, seja físico.

Assim como os outros vícios, o preguiçoso extremo acaba se tor-

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nando um escravo. Trata-se de um escravo por comodidade, porque tem

preguiça até para tentar sair da caverna. Ele simplesmente tem preguiça de

abrir os olhos. Por mais que apresente um elemento biológico e necessário,

a preguiça acaba se tornando uma dificuldade na vida do ser humano que

deseja progredir.

Até esse momento, abordamos os vícios vinculados ao físico. Agora,

passaremos àqueles vinculado ao pensamento.

2.4. IRA

O primeiro vício relacionado às emoções de que iremos tratar é

a ira, a raiva. Sem a menor sombra de dúvida, a raiva é uma das reações

mais perigosas possíveis. Uma pessoa dotada de força, com raiva, pode

causar um estrago muito grande. Na nossa sociedade, há diversas histórias

que abordam esse assunto, justamente porque a ira está presente e é de

extremo perigo.

Além de ser uma emoção elementar na psique humana, a ira

também é uma das emoções mais incisivas possíveis. Ela não causa sof-

rimento apenas para aquele que a carrega. Diferentemente da preguiça,

tem o poder de se alastrar e provocar danos a outros.

2.5. SOBERBA

Basicamente, a soberba é a arrogância, o amor ou o apego que

uma pessoa sente por sua própria excelência. Trata-se de alguém que

entra em um estado de contemplação de si mesmo, que é desprovido de

um olhar para o próximo e que é extremamente apegado à sua imagem

ou ao que acredita ser a própria imagem. Por vezes, o sujeito em questão

acredita ou quer acreditar que é maior e mais importante do que real-

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mente é. Assim, acaba entrando em uma ilusão, afasta-se da realidade,

da verdade. Esse é um grande problema, um dos mais difíceis de com-

bater.

Esse problema está presente com uma frequência absurda no

mundo acadêmico e intelectual. Mesmo quando já sabem muito e muito

mais do que a maioria, são pessoas que ainda estão presas na soberba, na

arrogância, no ego inflado, presas em se verem além do que realmente são.

2.6. AVAREZA

A avareza, além do desejo de riqueza e da vontade de ter bens,

principalmente monetários e financeiros, também abarca o medo da

perda do que se tem. Este último, o medo da perda, é um ponto que ten-

demos a esquecer. A pessoa avarenta, de uma certa forma, também se

torna uma escrava, pois alguém que tem como amo principal a riqueza vai

moldar sua vida para isso.

Um dos vícios mais comuns, secundário, oriundo da avareza é o

vício do trabalho. Muitas pessoas viciadas em trabalho, na verdade, não

está ali pelo trabalho, mas sim pela riqueza, pelo acúmulo e pelo medo de

perder aquele recurso.

2.7. INVEJA

A inveja é uma admiração que apresenta um componente destru-

tivo. O invejoso apresenta um desejo de destruição, de diminuição, de nive-

lamento por baixo do invejado.

2.8. OS SETE PECADOS E SUAS CORRELAÇÕES

Esses sete pecados são degradantes e levam à destruição social,

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moral e do próprio indivíduo podendo, em alguns casos, atingir até mesmo

terceiros.

Podemos estabelecer uma correlação entre esses sete pecados bas-

tante interessante.

A preguiça é uma diminuição do amor ao desejo. A pessoa que sofre

de preguiça mal consegue ver o outro. Então, trata-se de uma diminuição

dessa força de olhar, de amar, de sentir, de se conectar.

A soberba, a inveja e a raiva são a desvirtuação do amor, são uma

ideia estapafúrdia. São uma ideia torta sobre o que é o amor, essa conexão,

esse apego.

A avareza, a gula e a luxúria, por sua vez, são o aumento, o excesso

desses prazeres, desses vícios ligados à carne.

Portanto, um é menos, outro é mais e outros são desvirtuados, é um

amor pervertido, torto. Conseguimos dividir esses sete pecados.

2.9. O CAMINHO DO MEIO

Ao abordamos vícios e virtudes como opostos, acho interes-

sante recorrer à história de Dionísio, que é o Deus da diversão, do vinho,

da espontaneidade. Dionísio é o filho de Zeus com uma mortal. Quando

Dionísio nasce, Hera, mulher de Zeus, fica com muita raiva, pois ele é fruto

de uma traição. Nessa mitologia, criam-se os dois opostos, o que nos possi-

bilita compreender exatamente como a psicologia percebe a ambivalência

do prazer e das virtudes.

Na narrativa, Hera assume uma postura de castração e repressão

do Dionísio. Este, o queridinho de Zeus, é todo alegre, feliz, espontâneo,

descompromissado, cheio de vitalidade e energia. Para psicanálise e para

Nietzsche, lá no inconsciente, é preciso fazer uma escolha, pois o mundo de

Hera, ressentido, amargo, significa a perseguição e a castração do mundo

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espontâneo e alegre de Dionísio.

Um outro ponto é que a vontade de potência aparece muito ligada

ao mundo de Dionísio, ao mundo do prazer, da expressão humana em si,

como se os elementos espirituais não fossem humanos também. Então, há

um apego excessivo.

É evidente que o ideal é conseguirmos equilibrar esses dois

mundo. Você não quer matar a sua alegria. Existe a necessidade do prazer

na vida humana, para não se tornar só uma vida amarga. O que com-

batemos é a dependência dos prazeres, é a dependência e o governo

desses prazeres, a liderança deles por completo. Quando esses prazeres

dominam, é como se você dasse aos cavalos platônicos dos sentimentos e

das emoções todo governo da sua vida. Ou seja, você é uma pessoa incon-

sciente, desgovernada, que não é dona de si mesma.

Existe, é claro, o caminho do meio, pois é perturbador e nocivo estar

em um dos dois lados de forma totalitária. Conhecemos pessoas assim.

Há pessoas invejosas, ressentidas e que tem um olhar amargo perante o

mundo. Essas seriam iguais a Hera, a qual olha para o mundo e pensa: “Fui

traída e o fruto dessa traição é aquele ser alegre, que está curtindo para car-

amba a vida”. Todos nós temos um pouco de inveja desse ser. Nós olhamos

para ele e nos questionamos: “Por que eu não sou tão alegre? Por que não

tem tanta justiça no mundo como eu gostaria? Por que eu também não

posso gozar?”. E por gozar nos referimos tanto ao organismo físico quanto

ao gozar da vida em si. Nesta situação, em nosso inconsciente, decidimos

sepultar a força dionisíaca e permanecer sempre ressentidos.

Dionísio, por outro lado, tem uma dificuldade muito grande de

assumir responsabilidades, de cumprir com o dever. Ele pouco consegue

ver o senso de nação, o senso de sociedade. Ele apresenta dificuldades para

se sacrificar, para permanecer, para ser uma pessoa estável, para cumprir

com os deveres sociais. Então, Dionísio também sofre com certas dificul-

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dades. Nietzsche falava muito sobre os dançarinos da vida, que seria uma

esfera dionisíaca, seria a inveja de uma pessoa que tem a leveza em si. Esses

dois mundos precisam ser equilibrados.

2.10. A MITOLOGIA E OS SETE PECADOS

Acho interessante que ilustremos a presença dos demais pecados

capitais na mitologia. A ira, por exemplo, está presente: no conto do Mino-

tauro, que é o arquétipo masculino ligado aos instintos da raiva e aos

instintos animalescos principalmente; na personagem Medusa, que é o

arquétipo tanto da raiva quanto da inveja; na ira de Zeus; na ira de Hera.

A luxúria está ilustrada principalmente em Afrodite, através de toda

sua sedução, que é praticamente constante na vida dela.

Além disso, um dos primeiros e mais importantes casos de inveja que

temos se encontra na personagem Seth da mitologia egípcia. Seth nutre

uma inveja absurda de Osíris, seu irmão, e visa constantemente à batalha,

a ponto de ser necessário que Ísis, o arquétipo feminino do Deus egípcio,

tenho um filho, Hórus para que os três unidos - Osíris, Ísis e Hórus - possam

restabelecer os pedacinhos picotados pelo Seth, o maligno. Há também o

caso de Loki, o irmão bastardo de Thor, que tem uma inveja da força e da

beleza deste. Hera pode ser igualmente enquadrada como ilustração da

inveja, pois tem inveja principalmente da beleza da sensualidade de outras

deusas e até dos filhos não legítimos. Outro exemplo é a clássica história

da Bíblia sobre Caim e Abel, a qual vale a pena comentarmos. Caim e Abel

começam a realizar sacrifícios para Deus. Os sacrifícios de Abel sempre

eram superiores, pois este se sacrificava de uma forma mais expressiva, mais

equilibrada, melhor. Caim, invés de olhar para si, reconhecer sua fraqueza

e decidir, a partir disso, sacrificar-se mais, melhorar seu trabalho, uma ideia

propícia a uma mente equilibrada e correta, decide matar o irmão num ato

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de inveja bastante expressivo.

No caso da avareza, temos Freia, que era muito ligada aos bens mate-

riais. Precisamos tomar um certo cuidado, porque o melhor conto sobre

avareza é o de Midas. Midas ajuda Sileno, Deus da embriaguez, um amigo

de Dionísio e, em troca de seu sábio auxílio, resolve pedir a este o poder de

transformar absolutamente tudo em ouro, no que é atendido. Entretanto,

em determinado momento, Midas percebe que não pode comer porque, ao

tocar nos alimentos, estes viram ouro. Por fim, Midas acaba transformando

sua própria filha em ouro. Diante disso, implora a Dionísio que lhe retire

essa capacidade. Ou seja, Midas aprende a grande lição de que o ouro ou as

riquezas materiais, em última instância, não importam.

Embora todos conheçam essa história, não a levamos para prática. É

comum passarmos a vida inteira buscando a riqueza material.

É interessante mencionar que o ouro apresenta mais de uma sim-

bologia e uma delas não tem qualquer relação com a riqueza, mas sim

com a pureza do ser. O ouro é um elemento puro. Os alquímicos falavam

em transformar o chumbo em ouro, o que corresponderia a transformar

um homem impuro em um homem puro. Temos que tomar um pouco de

cuidado, pois os mitos de Freia podem levar para esse lado da pureza, da

beleza, da elevação, que seria representada pelo ouro.

O anel de Nibelungo1 também está ligado na extrema ideia de que

os anões, ou seja, seres diminuídos, homens diminuídos, homens que são

menores, são extremamente avarentos. Também vemos isso no Tolkien em

“Senhor dos Anéis”. Há a ideia de que os anões têm uma propensão maior

para a avareza, ou seja, o acúmulo e o medo da perda. Eles não conseguem

se libertar disto e acabam servindo a um amo que não é dos mais impor-

tantes. Estes últimos seriam os valores humanos expressos.

Na preguiça, podemos falar em Hipnos, Arguia, Poseidon, Loki. Como

mencionamos, na nossa sociedade, há uma certa dificuldade para ver as


1  Povo da mitologia nórdica.

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virtudes da preguiça. Eu acho isso um pouco complicado. Temos que poder

combatê-la, mas também devemos nos atentar ao quanto a preguiça pode

estar no meio do caminho para a própria evolução.

Na gula, podemos pensar no Dionísio, que estava sempre ligado

a orgias alimentícias e aos prazeres ligados à luxúria. Também podemos

pensar em Cérbero, que é o cão de três cabeças de Hades que guarda o

submundo. Como Cérbero é um ser instintivo, bastava dar um alimento

suculento para ele.

Quando se trata de soberba ou arrogância, podemos pensar no

Aquiles ou no Siegfried, da mitologia nórdica. Ambos por vezes se ligam à

ideia de glória, ou seja, a uma alimentação do próprio ego acima mesmo

dos bons atos, acima mesmo das virtudes.

3. VÍCIOS QUÍMICOS

Antes de adentrarmos os vícios, gostaria de abordar rapidamente os

vícios químicos mais comuns.

3.1. ÁLCOOL

O álcool é uma droga legalizada, comum e que apresenta múltiplos

efeitos e nós podemos pensar em como afeta a nossa sociedade. Em muitas

sociedades europeias, o álcool é mais comum do que no Brasil, porque

há uma repressão social muito grande própria dos europeus. Assim, eles

recorrem ao álcool pois percebem neste uma possibilidade para diminuir

sua timidez.

Uma das grandes forças do álcool é libertar o ser humano das

amarras do próprio freio. Então, usa-se o álcool para aliviar o dever que

temos de nos refrear. Isso faz com que a pessoa se torne, em determinado

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momento, um pouco menos tímida, menos retraída. Com isso, poderia vir a

fazer coisas que ela mesma, no seu pleno raciocínio, não faria.

Além disso, é interessante saber que o álcool apresenta fases. No

início, observa-se um pequeno aumento da atividade cerebral por conta

dos receptores GABA do cérebro. A pessoa está numa fase que chamamos

de macaco, pois fica bobona, piadista, fazendo várias macaquices. Logo em

seguida, há a fase do leão, uma fase em que a pessoa está meio brava e que

começa a despontar mais para a ira. Muitas vezes, entra-se em um estado

de labilidade emocional e há uma oscilação entre o choro e a raiva. A última

fase é a fase do porco, em que a pessoa desmaia e está despreocupada em

relação à sua própria aparência. A pessoa pode inclusive sofrer quedas. Por

isso vemos alcoólatras com dentes quebrados.

O efeito para o corpo é altamente nocivo, principalmente no longo

prazo. O fígado, por métodos de cicatrização, acaba se tornando cirrótico.

Há também toda degradação da pessoa não poder mais exercer as funções

sociais que lhe cabem. Ela passa mais tempo buscando os efeitos do álcool

e, muito provavelmente, vai sofrer o fenômeno da tolerância. Outro ponto

é que a pessoa pode vir a adotar um comportamento de risco, entrando

em brigas ou se colocando em situações em que pode contrair doenças

sexualmente transmissíveis.

3.2. CAFEÍNA

Outra droga extremamente aceita e que está presente na nossa

cultura é a cafeína. O café é uma droga que fomenta a produtividade. Do

ponto de vista dos vícios e virtudes, é uma droga interessante, porque

afasta as pessoas do pecado da preguiça. Ou seja, é uma busca exógena

que constitui uma tentativa de sair da preguiça para poder produzir. Claro

que existem pessoas que dependem dela.

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A cafeína aumenta as frequências cerebral, cardíaca e respiratória.

Por isso, pode causar inquietação, nervosismo e ansiedades. Muitas pessoas

chegam ao consultório se queixando de um quadro intenso de ansiedade

e acabamos descobrimos que, na verdade, trata-se do efeito do uso da

cafeína. Quimicamente, ela aumenta o AMP cíclico dentro da célula, que é

uma forma de criar energia celular. Então, de fato aumenta momentanea-

mente a energia para, depois, entrar em uma fase de recuperação.

3.3. AS DROGAS PRÓ-COGNITIVAS

Há pessoas que não sentem mais o efeito da cafeína, bem como

que buscam os efeitos mais expressivos dela e acabam migrando para

outras drogas que provocam efeitos mais intensos. É o caso, por exemplo,

de pessoas que recorrem às drogas pró-cognitivas. Embora sejam legais,

seu uso constitui um grande debate ético. Vemos hoje um surto no uso do

metilfenidato, uma droga pró-cognitiva usada para transtorno de déficit de

atenção, que aumenta toda sensação de sentido e faz novas assimilações no

cérebro. Esse medicamento é usado principalmente em crianças que não

apresentam uma atenção plena, que não tem toda a sua cognição ligada à

atenção e à concentração. Existem pessoas que realmente precisam utilizar

essa droga.

Contudo, com o surgimento da psiquiatria cosmética, pessoas que

não teriam necessidade alguma de consumi-la perceberam que ganham

valor na sociedade a partir do seu uso. O metilfenidato é amplamente usado

por vestibulandos e por aqueles que almejam obter aprovação em con-

cursos públicos. Essas drogas aumentam temporariamente alguns pontos

no QI e podem provocar dependência. Na verdade, quase sempre o fazem.

Então, é algo que precisamos debater com um pouco mais de

atenção pelo simples fato de que não sabemos o quanto isso pode vir a

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mudar o rumo da humanidade. Como falamos na segunda aula, trata-se

de determinar o quanto poderíamos deliberadamente usar atributos e fer-

ramentas externos para facilitar nosso trabalho e o quanto isso vai mudar a

nossa estrutura psíquica no longo prazo.

Dentre essas drogas, há uma outra classe psiquiátrica, que são os

benzodiazepínicos. A benzodiazepina tem o efeito exatamente oposto ao

da cafeína, ou seja, é uma droga que acalma, que apresenta um efeito

ansiolítico. Os benzodiazepínicos englobam todas as drogas terminadas em

“pan”. Antigamente, esses medicamentos eram muito recomendados pelos

psiquiatras, mas pararam de ser amplamente receitados quando estudos

apontaram que seu uso crônico podia aumentar a chance de demência.

Os benzodiazepínicos também causam um déficit cognitivo

importante. Seu consumo diminui a ansiedade, mas também deixa a

pessoa menos atenta, menos inteligente, reduz sua capacidade de fazer

associações dos seus dados internos. Assim, a pessoa não consegue uti-

lizar muito bem os seus conhecimentos.

Dependendo da dose necessária, essa medicação ainda é utilizada

no início dos quadros de depressão, de ansiedade, de agitação. No entanto,

o ideal é que não permaneça muito tempo no tratamento. Há um vício

principalmente da época mais antiga da psiquiatria que foi deliberado, é

algo que acontece com bastante frequência.

Antes de passar aos comportamentos, quero compartilhar uma

história interessante. Eu lembro de um paciente que tive há muito tempo,

na época em que era acadêmico. Esse paciente apareceu no consultório

com diversas patologias e no resultado dos seus exames constava a

incidência de muita lesão hepática, indicada pela presença de uma enzima

que aparece no sangue depois de um consumo intenso de álcool. Ao ser

questionado se fazia uso constante de álcool, ele negou. Eu não conseguia

entender o que estava acontecendo, não havia como. Até que esse paciente

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explicou que não bebia, mas trabalhava numa roda de religião em que fazia

incorporações. Ele incorporava o santo. Então, ele não bebia, mas o santo

que incorporava fazia bastante uso de álcool e cigarro.

Isso para dizer que precisamos ficar atentos porque, muitas vezes,

existe uma outra forma de você utilizar a droga em si. Conseguimos criar

mecanismos dos mais estranhos e notórios possíveis.

4. OS COMPORTAMENTOS

Sobre os vícios nos comportamentos, mantemos a mesma com-

preensão: o comportamento vicioso é uma busca do prazer, é a adap-

tação a um problema primário e constitui uma fuga sistemática da

realidade.

4.1. PROCRASTINAÇÃO

Dentre os comportamentos que vamos abordar, podemos começar

por um que está completamente em foco: o vício em procrastinar. Quem

aqui pode dizer que não procrastina de tempos em tempos? Um elemento

que considero interessante para pensarmos sobre a procrastinação é

o fato de, primeiro, ser pautada no vício da preguiça e, segundo, do ser

errante ter um vício naquela pequena sensação de prazer que vai ter no

rush, quando chegar a hora do evento.

Vemos que a procrastinação é um enfraquecimento da própria von-

tade que temos do cotidiano. Isso quer dizer que se a pessoa tivesse mantido

uma pequena vontade todos os dias, não precisaria esperar a urgência do

fato explodir para poder efetuá-lo. Portanto, além da preguiça, o procrasti-

nador tem esse outro pequeno vício no rush, nessa sensação de iminência,

de emergência que apresenta uma certa dopamina.

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Essas pessoas precisam funcionar através de um fator que é interno,

mas é alheio à sua própria vontade. Os procrastinadores são desprovidos

da vontade diária e do foco. Foco e vontade estão muito ligados. Se

sabemos o que é realmente importante e conseguimos lembrar disso

conscientemente, teoricamente, a procrastinação tende a diminuir.

Quando sabemos nossa função social, os nossos deveres, conseguimos

mantê-los de uma forma mais pautada.

4.2. INTERNET E AS REDES SOCIAIS

Vamos ao vício da internet. Para começar, precisamos pensar que a

internet é uma nova realidade que está presente nas nossas vidas e ponto

final, não é algo que dá sinais de qualquer tipo de retorno (a não ser que

aconteça uma ataque de terceira guerra mundial ou algo do gênero).

A internet é uma rede que conecta quem quiser e quem tiver um

mínimo de condição. Nela, está disposto o conhecimento humano mais

vasto que já experimentamos. Não há nada parecido no mundo. Temos, na

palma da nossa mão, por um acesso praticamente gratuito, muitas vezes,

gratuito, com um custo mínimo, todo conhecimento da humanidade. Isso

dá o que pensar. Você tem acesso à comunicação e à informação à máxima

velocidade.

Quando pensamos sobre isso, temos a noção de que estamos num

mundo que é tão complexo quanto o nosso. E, assim como nós temos a

possibilidade de desvirtuar nosso mundo, é evidente que também há a

possibilidade de desvirtuar na internet. Como muitos que lá estão produz-

indo conteúdo estão mais preocupados com sua própria ganância, avareza

e necessidade econômica, saberão manipular o centro de recompensa do

prazer para manter a população presa no entretenimento, como sempre

fizeram e como sempre vão fazer. Fora mesmo da internet, sempre tivemos

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isso, e cabe a nós a decisão de abrirmos os olhos e mantermos a consciência.

Ao abordarmos as redes sociais, a trama fica ainda mais complexa.

O instagram tem sido tema central e constante de debates em congressos

psiquiátricos, pelo fato de, aparentemente, estar prejudicando o bem-estar

do ser humano, principalmente do jovem que ainda é mais suscetível. Como

vimos, os jovens ainda não têm o córtex pré-frontal totalmente formado,

algo que acontece entre os 21 e 24 anos.

Neste momento, o que acontece dentro da internet? Há pessoas,

mas não são pessoas reais. Você pode ter um benefício máximo na internet,

como conseguir um parceiro ou uma parceira, conseguir trabalho, fonte de

renda, informações valiosíssimas. Para isso, no entanto, vai precisar do seu

mínimo conhecimento a fim de conseguir selecionar e filtrar esses con-

teúdos, esses canais e para se edificar. Você tem que continuamente se

perguntar: “Isso me edifica ou isso me destrói, me corrompe?”.

Um dos problemas das redes sociais é que nunca uma relação

virtual poderá ser comparada a uma relação real. O fato de estarmos

juntos pessoalmente gera uma repressão do nosso olhar perante o outro.

Eu não posso fazer o que bem entender. Dependendo do que eu fizer, o

outro vai me dar um soco na cara ou algo do gênero. Não podemos, por

exemplo, olhar uma mulher bonita e pular em cima dela. Não tem como.

Isso é uma repressão natural da sua vontade.

Quando está junto a outras pessoas, você olha para si e pensa: “Puxa

vida, eu preciso tomar cuidado com os meus trejeitos, com a minha comuni-

cação verbal, com o que falo, com o meu timbre de voz, com quais palavras

vou usar” e, se não tiver noção do que vai acontecer, é melhor ficar quieto.

Nas redes sociais, isso não existe, você não tem nenhuma repressão.

Com isso, simplesmente dá espaço para vozes e para explosões emocionais.

Isso é de um extremo perigo para a humanidade como um todo, porque

faz com que as pessoas entrem em um estado de hipotonia social. A

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
pessoa não está desenvolvendo as suas complexas habilidades sociais.

Além disso, existem redes sociais ligadas a relacionamentos que

foram feitas para estimular o seu cérebro ao vício. Essas redes aumentam

todas aquelas descargas dopaminérgicas do prazer. Com isso, as pessoas

se comportam tal como diante de um caça-níquel. Por estarem ali, ficam

totalmente limitadas àqueles estímulos, sem que isso construa nelas um ser

que necessite de resistência, que necessite de esforço para poder chegar a

algum aprendizado.

Os artigos que vou deixar para vocês apontam nitidamente

para uma perda cognitiva das pessoas que estão expostas às redes

sociais e à internet durante um longo prazo. Perda cognitiva é perda da

inteligência humana, perda da atenção, perda do foco, principalmente

quando estamos falando sobre crianças. Essas pessoas desenvolvem certos

complexos, vamos dizer assim, certas redes psíquicas e, assim como os

soldados de guerra experimentam as dores do membro fantasma, quando

ficam com celular no bolso, sentem o toque fantasma. Eu não sei se alguém

aqui já passou por isso, de sentir ou ouvir o celular tocar. Isso é um fenômeno

psíquico muito interessante. Houve uma elevação da sensibilidade e da

percepção para o último nível. Isso significa que a pessoa está criando

cenários como se estivesse exposta a um perigo, como se fosse ilusões

- ilusões auditivas, ilusões sensitivas, táteis -. Dentro desse contexto, eleva

aquela sensação. É evidente que isso provoca um aumento dos hormô-

nios de estresse, como o cortisol, por exemplo, e faz com que a pessoa

tenha todo um desequilíbrio do eixo hipotálamo-hipófise e adrenal.

Além disso, mesmo quando passa somente dez, vinte minutos sem a

conexão da internet, tem a sensação de estar perdendo algo. Isso até foi evi-

denciado como uma síndrome. A sensação de: “Estou perdendo algo. Será

que está acontecendo algo que eu não faço parte? Uma live, uma notícia?

Será que eu recebi algum like, será que eu recebi alguma mensagem?”. Isso

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
entra em um estado de paranoia.

Um outro problema é a existência dos mais diversos filtros que

tornam as redes sociais algo afastado da realidade. A pessoa começa

a querer criar realidades para ter um estímulo muito etéreo, como um

segundo de atenção, uma curtida, uma mensagem. Pior, isso pode conduzir

a um narcisismo de “sou apaixonado por mim mesmo”, “sou apaixonado

pelo meu corpo” ou ainda, “sou apaixonado pelos meus caracteres sexuais

secundários”. Este último está acontecendo amplamente. Assim, entra-se

num processo de luxúria no qual a pessoa objetiva ganhar poder perante

as outras. Isso pode ser observado, principalmente nas redes sociais mais

recentes, na hiper-sexualização de meninas bastante jovens. Obviamente,

isso não leva a lugar algum e não leva essas meninas a um estado de fel-

icidade. Muito pelo contrário, vemos aumentar os casos de ansiedade, de

angústia, de suicídio e de doença mental.

4.3. VIDEOGAMES

Seguindo a mesma linha, temos os videogames. Da mesma forma

que a internet, o videogame também apresenta um lado positivo. Algumas

pesquisas apontaram que o uso do videogame produz um ganho de certas

habilidades cognitivas. A pessoa pode aumentar um pouco sua capacidade

de resolver os problemas e de ficar um pouco mais atenta.

No geral, entretanto, o videogame afasta o ser humano da própria

realidade dele, simplesmente por ser um hiper-estímulo feito para que

as pessoas tenham injeções dopaminérgicas do prazer o tempo inteiro.

Quando você erra no jogo, por outro lado, você acaba prejudicado, pois tem

um estímulo negativo.

Para os pais que estão educando, para quem tem vício ou é jogador

abusivo, é interessante colocar o filtro de “Eu consigo parar se eu quiser? Eu

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
consigo limitar minhas horas de jogo? Isso traz algum tipo de edificação?

Eu tenho controle sobre ele ou ele tem controle sobre minha vida?”.

Hoje, os videogames não são mais como eram nos anos 1990. Atual-

mente, os videogames são praticamente mais fascinantes do que a própria

vida. Isso é um gerador de neuroses. Sabemos que todo mundo que se

afasta da realidade acaba buscando um novo ambiente e, se o ambiente

já for todo desenhado para que seus prazeres e suas sensações sejam mais

fortes do que a vida real, é notório, é plausível e até uma inclinação natural

que você busque estar nesse ambiente.

4.4. SEXO E MASTURBAÇÃO

Vamos conversar um pouco sobre sexo e masturbação, atendo-nos

mais ao primeiro. Quando vinculamos sexo, masturbação e pornografia

compomos um cenário bem complexo. Primeiro, pois existe uma má

administração das emoções, uma necessidade de impulsos mais carnais. O

sexo propriamente dito apresenta riscos como DSTs e gravidez indesejada.

Em alguns casos, isso pode acontecer em ambientes de alta periculosidade

em que há o uso abusivo de drogas. Há o elemento da impulsividade, que

é distinto da compulsividade. Nos comportamentos impulsivos, a pessoa

busca aquele prazer, perde o controle, mas se mantém um tempo satisfeita

até que se dê conta do que fez.

É comum escutarmos que o sexo é o maior prazer, principalmente

quando se faz referência aos homens. Conseguimos desmantelar tal teoria

facilmente quando vemos que há pessoas que fazem sexo todos os dias

e não são felizes, bem como há aqueles que não fazem sexo e estão em

sofrimento. Observa-se que não há uma ligação própria da felicidade com

o sexo. Essa é uma ideia infame e não podemos tê-la como uma certeza

absoluta. Aqui, vamos deixar de fora as parafilias, que são deturpações da

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
ideia do prazer, e a pedofilia, que não pode ser enquadrada nos vícios.

Há pessoas que têm uma autoestima tão baixa a ponto de terem

uma ideia negativa sobre si mesmas, por vezes até fora da realidade, e de

sentirem um não-pertencimento. Essas pessoas acabam buscando na

sensualidade um tipo de validação e aceitação da sociedade, no elemento

oposto.

4.5. PORNOGRAFIA

A pornografia é um assunto que se encontra em um estado pan-

dêmico e sobre o qual não paramos para pensar. No mundo inteiro, pratica-

mente 100% dos homens já teve algum tipo de relação com a pornografia.

No entanto, houve alterações significativas nesta em relação aos anos 1980,

1990. Nesta época, o acesso à pornografia era raro e difícil, era preciso se

expor ao ridículo de comprá-la nas bancas de jornal. Hoje, podemos con-

sumi-la fácil e rapidamente através de sites gratuitos, que podem ser aces-

sados de diferentes eletroeletrônicos.

Além disso, este é um mercado que se expandiu a ponto de alcançar

proporções bilionárias. É claro que se trata de um mercado preparado para

manter e explorar o lado instintivo do ser humano. O ser humano de tempos

antigos jamais viu o que hoje assistimos em um vídeo de pornografia. As

tribos, as pequenas sociedades, apresentavam os atributos femininos de

uma forma muito mais contida do que hoje. A natureza era muito mais

proeminente nesses cenários. Não havia silicone, plástica, pintura de cabelo

ou algo do gênero. Existia somente as roupas-padrão daquele período,

algo sobre o qual é interessante pensarmos antropologicamente. Os seres

humanos sempre se cobriram e uma das razões para isso era o possível

descontrole oriundo dos instintos.

Na pornografia, também há um excesso de estímulos. A pessoa entra

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
em uma fantasia, porque aquilo está longe da realidade. Há um afastamento

do cenário real em que o homem precisa lidar com uma mulher e com todas

as dificuldades inerentes a essa relação. Na realidade, há as dificuldades

da disposição sexual, da ereção, das dores de cabeça, da menstruação, da

gravidez. Na pornografia, absolutamente nada disso existe. É sempre um

cenário perfeito, editado, cortado em que ninguém erra. Isso faz com

que, principalmente o jovem, olhe para o sexo de uma forma que não é

pautada na realidade. Ele está vendo uma cena editada. Com isso, passa

a se relacionar com o sexo oposto de uma forma completamente des-

virtuada. Além de esperar mais do sexo oposto, pasmem, espera muito

mais de si mesmo. Assim, coloca-se em um estado de pressão em que, é

evidente, jamais vai conseguir fazer o mesmo que está presente em uma

cena editada. Não só por causa da edição, mas também porque muitos

desses atores estão sobre o efeito de drogas, portanto, não é algo natural.

Em alguns casos, trata-se até de próteses. Tudo ali é artificial para montar

um cenário de hiperestimulação do prazer.

Outro aspecto relevante na definição de dependência é o fenômeno

da tolerância em que se experimenta uma progressiva diminuição dos

efeitos diante da mesma quantidade de estímulo. Por isso, a pessoa começa

assistindo a cenas de homens e mulheres e termina vendo um bode transar

com um anão dentro de um estádio de beisebol. Esse é um processo sem

fim em que a pessoa sempre estará buscando novidades.

Um elemento profundo do consumo pornográfico é o fato de

existir uma culpa por estar olhando um ato íntimo. O ato sexual envolve

uma intimidade absurda entre duas almas que, teoricamente, uniram-se

para fazer uma vida. Sabemos que há o prazer sexual e não há problema

algum nisso. No entanto, o desenho biológico foi feito para desenvolver

uma vida. Isso desperta um certo respeito profundo no ser humano que faz

emergir uma culpa quando assiste à pornografia. Assim, a pessoa sente

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
culpa por estar espiando, por ser uma intrusa, por não ser bem-vinda e,

pior, saber que está sozinha nessa. Ela não está promovendo seu lado

de desenvolvimento pessoal, nem se aproximando do sexo oposto, algo

que precisamos fazer.

Tanto as mulheres quanto os homens precisam se aproximar do

mundo masculino e feminino, respectivamente, em determinada época.

É o anima e o animus de que falava Jung, ou seja, a incorporação do sexo

oposto para alcançar uma completude maior do nosso centro psíquico. Se

isso não efeito, a pessoa acaba sendo avessa ao sexo oposto, dado as proemi-

nentes diferenças existentes. O homem que não incorpora o lado feminino

se torna bruto - seria a figura do minotauro -, não consegue contemplar a

ideia do feminino e não consegue também, evidentemente, relacionar-se

com o feminino. A não-participação neste prazer também gera uma frus-

tração muito grande.

A circunstância é a seguinte: a pessoa está frustrada, culpada, sobre

grande pressão diante de um momento em que não há falhas e que só a

satisfaz pontualmente, tal como um cachorro com uma almofada. A pessoa

não experimenta gasto de energia nem mental, nem psíquica, nem física,

para atingir o objetivo da cópula ou da transa. Não houve qualquer tipo de

gasto, a pessoa simplesmente fez aquilo prontamente. Isso provoca uma

diminuição nos níveis de testosterona e de libido.

Quando alguém do casal é viciado em pornografia, é comum a queixa

da diminuição da libido, principalmente masculina. Por quê? Porque a libido

masculino é muito oriunda dos fatores visuais, principalmente da beleza e

dos símbolos que consegue identificar, como a proporção cintura-quadril,

cabelo, seios. A hiper-estimulação presente na pornografia faz com que

esse homem diminua a percepção da sua percepção e até das mulheres

em geral. Ninguém é bom o suficiente para conseguir que obtenha aquele

prazer.

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
O mais perigoso da pornografia é que é insidiosa, não a percebemos,

é algo que está na nossa cultura, é bem aceito, fácil, rápido, barato. A por-

nografia, entretanto, afasta da realidade, torna o ser mais fraco, sem

potência de ação no mundo, sem desejo. Ele não consegue se relacionar

com o sexo oposto.

Também é um mercado que gera grandes desvirtuações no caminho

da pessoa, nos atores e na própria indústria, que é regada às drogas e ao

mercado estético e cirúrgico. Tudo isso afasta a pessoa da realidade e do

esforço de que precisa para ver o corpo de uma forma menos objetificada

e mais atenta para as subjetividades de cada ser do sexo oposto. A por-

nografia é um dano generalizado na alma desse homem.

O gozo também apresenta uma função. Muitas pessoas falam “Minha

vida já é muito estressante, não me tire mais isso”. Claro que podemos olhar

para isso como um elemento de alívio. No entanto, esse alívio tem um gasto

energético. Os hindus comentam muito sobre a energia vital que se perde

ali. Isso faz com que o homem se afaste dos caminhos que estava mais

propenso a fazer. Quando um homem tem abundância de ejaculação e de

orgasmo sem ser com uma mulher, ou seja, fora de um sexo real, em algo

similar a um treino, uma falsidade, também tem menos desejo na vida, tem

menos capacidade e tolerância de sofrer, tem menos capacidade de resistir

às dores oriundas da vida, algo essencial se queremos construir.

Essa pornografia faz um by pass na presença castradora do outro,

como mencionamos antes. Assim como as redes sociais, a pornografia

não força a pessoa a lidar com elementos de repressão constantes no

olhar do outro e faz com que esse ser se torne viciado, adicto nela. Por-

tanto, é de um perigo enorme e é de um enfraquecimento enorme.

Esse debate vai além quando pensamos nas psicologias das massas

e no quanto a sociedade perdeu como um todo através da pornografia.

Talvez a pornografia só perca para o álcool como um tipo de anestésico

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
para a vida. Sabemos que, com uma boa reflexão, todo sofrimento nos eleva.

Neste caso, seria exatamente o oposto. A pornografia é uma inebriação da

alma humana, da psique humana. Ou seja, há um enfraquecimento da

evolução humana.

4.6. AS FASES DO COMPORTAMENTO VICIOSO

Dentre as fases presentes nesses comportamentos e nas drogas, a

primeira é a da fissura. A fissura é um desejo extremo do estômago,

da víscera daquele ser humano. Esse desejo extremo se configura como

uma das primeiras fases dentro do comportamento. É bom salientar que

não estamos falando sobre pensamentos, porque se trata de uma compen-

sação mais complexa.

A segunda fase é a ritualização. Há elementos que acontecem em

rituais. Por exemplo: primeiro, a pessoa sofre uma frustração no trabalho.

Logo em seguida, frustrada, tenta entrar em contato com uma ex-namorada,

ou, ainda, acende um cigarro. Esse cigarro já se tornou um ritual que produz

uma alteração na consciência. Enquanto fuma, abre uma cerveja ou toma

um copo de uísque. Já embriagado, vai a um ponto de venda de drogas. Ou

seja, a frustração inicial leva a outros comportamentos rituais.

Com a pornografia, é a mesma coisa. Ante uma frustração, a pessoa

vê na pornografia uma forma reiterada de alívio. Assim, entrega-se a três,

quatro horas ao seu consumo.

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
Depois de um tempo, experimenta o gozo ou o alívio do sofrimento.

A terceira fase, portanto, é a fase da gratificação, em que a pessoa obtém

aquele pequeno prazer que diminui a dor da sua existência. Contudo, não

demora muito para que entre na fase do desespero, ao perceber que foi

fraca novamente, que agiu de forma desvirtuada. Em algum nível, todos

os viciados têm essa fase do desespero, pois olham para si mesmos e per-

cebem o quanto são incapazes, impotentes. Isso dói em todos os viciados.

Pós-ato, o viciado experimenta uma prostração através do desespero.

Ele se sente para baixo, sem vontade, sem alegria de viver.

Existe até uma síndrome pouco conhecida chamada síndrome do

super-homem. Essa síndrome é uma anomalia genética em que, em vez de

ser XY, o homem é XYY. Trata-se de homens muito entregues aos instintos,

muito violentos e muito sexualizados, a ponto de não conseguirem ou de

terem dificuldade para reprimir seus desejos. Esses homens estão nas

cadeias. Nos Estados Unidos, através de um estudo, descobriu-se que uma

grande gama da população prisional é de super-homens. Na fissura, na rit-

ualização, esses homens acabam estuprando uma mulher. Logo depois do

gozo, ao voltarem a si, sentem ojeriza, nojo. O asco e o desespero são tão

grandes que acaba muitas vezes assassinando a mulher. Por isso vemos

o estupro seguido de morte. É o desespero referente à fase do vício que

acontece com veemência nessas pessoas.

Comentamos questões mais tênues e, agora, estamos abordando

casos mais extremos. Isso é fundamental para que possamos perceber o

quanto esse caminho é o da degradação social e humana. Essas fases são

diminutas em alguém que é viciado em internet, no entanto, em outros

casos, como esse do super-homem, estão ligadas a um comportamento

violento, sexual, que apresenta um risco para a sociedade como um todo.

Para encerrar esta aula, quero destacar que todos esses vícios estão

ligados. Há comportamentos de pressão ligados à sua própria imagem,

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
à sua autoestima. Também conseguimos observar comportamentos

sociais mais complexos. Eu tinha um paciente muito jovem, por exemplo,

que consumia drogas pró-cognitivas legalizadas junto com tadalafil, para

aumentar sua desenvoltura social, e com álcool, para diminuir sua timidez.

Percebemos que um vício leva a outro causando a tragédia, a insuficiência

e o desequilíbrio daquele ser. Isso pode ser combatido de forma individual.

Primeiramente, é preciso estar consciente, é preciso jogar luz sobre esses

rituais de que falamos.

5. PERGUNTAS

1) Queria que tu explicasse um pouco mais como funciona a con-

exão entre os vícios. Tu deu o exemplo de um homem que fuma um

cigarro e tem vontade de abrir uma cerveja. Isso se dá muito mais pelo

ambiente psicológico, uma questão de hábito, de memória muscular,

talvez, de fumar um cigarro e abrir uma cerveja, ou algo mais químico

dentro do cérebro?

O vício é uma tendência natural e está na existência humana. Os

nossos defeitos, as nossas fragilidades são uma tendência natural. Um

homem sábio, portanto, conta com a sua existência. Aquilo fica em um

equilíbrio muito frágil e tênue da mente. Quando sabe que precisa se conter

em determinados momentos, a pessoa ataca justamente os feios. É o caso

do álcool, por exemplo. Eu sei que quando bebo, tornou-me outra pessoa e

essa outra pessoa faz coisas. Eu mesmo, não faço, mas a pessoa que bebe,

essa sim, faz coisas. Um vício acaba levando ao outro. A luxúria leva ao uso

de drogas que leva a um comportamento de ira. Então, às vezes, um defeito

funciona como porta de entrada.

A gula, o ato de ingerir muita bebida alcoólica, poderia estar ligada,

em última instância, a uma fragilidade de desenvoltura social. Nesse caso,

na verdade, o problema está mais no social do que na própria gula em si,

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no entanto, ocasiona outros vícios em cascata. Claro que, dentro do cérebro,

nesse momento, estão ocorrendo reações químicas, mas trata-se de um

debate ético delicado. Acho que até o mencionamos na primeira aula. Não

podemos simplesmente entregar as rédeas da nossa vida a meras reações

químicas, até porque sabemos uma mente bem preparada, uma boa ter-

apia, um bom cenário externo, conseguem fazer até alterações na nossa

expressão genética, quiçá, nessa questão da neuroquímica, que é total-

mente volátil. Então, há certo domínio sobre essas emoções.

É muito triste ver um neurocientista dizendo que não amamos

ninguém, que apenas temos descargas expressivas de ocitocina, como

se fôssemos iguais a um tatu. Pelo amor de Deus, não tem como. Então

eu não controlo nada? E por que estamos aqui nesse jogo da vida? Não

tem porquê. Por isso, tenho certa resistência para acreditar nas inclinações

neuroquímicas como primazia total do controle mental. No entanto, elas

existem e sabemos que podemos manipulá-las com substâncias. Muitas

vezes, o caso é tão grave que essa química não pode ser totalmente alterada

por aquela mente. Como aquilo ali é, em último caso, uma sentença, é

interessante que aquele paciente tenha os dois tipos de tratamento, tanto

psicológico quanto psiquiátrico, ou seja, com uma medicação que possa vir

a dar um primeiro empurrão ou até mesmo solidificar as estruturas mais

saudáveis, para que possa agir com as estruturas psicológicas que muitas

vezes são tão arraigadas nele que não consegue nem discernir. É muito

complicado que faça isso sozinho.

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