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GIRA MUNDO 2017: PARA ALÉM DE UMA EXPERIÊNCIA

PEDAGÓGICA E CULTURAL.

Ivandro Batista de Queiroz, mestrando em História Cultural (UFCG); e-mail:


ivandrobqueiroz@gmail.com

Resumo- O objetivo desse artigo é analisar algumas experiências do programa Gira


Mundo em 2017, do governo do estado da Paraíba, nos aspectos pedagógicos, sociais e
culturais; tendo em vista a importância da interação social e da diferença cultural para a
melhoria das práticas pedagógicas dos professores paraibanos.
Palavras-chaves: Gira Mundo 2017, diferença cultural, práticas pedagógicas.
Abstract- The purpose of this article is to analyze some experiences of the Gira Mundo
program in 2017, of the state government of Paraíba, in the pedagogical, social and
cultural aspects; in view of the importance of social interaction and cultural difference
for the improvement of the pedagogical practices of teachers from Paraíba.
Key words: Gira Mundo 2017, cultural differences, pedagogical practices.

INTRODUÇÃO

Chegamos a Hämeenlinna (Finlândia) em meados de outubro de 2017, éramos a


segunda equipe do programa, enquanto que outro grupo menor foi para a universidade
de TAMK (empreededorismo). No dia do professor, estávamos comemorando que
nosso curso que começaria no dia seguinte. O foco da universidade de HAMK é o
treinamento de professores.Tudo era novo: clima, pessoas e cultura. Era outono na
Finlândia e por toda parte as folhas caíam e formavam um belo cenário que parecia uma
chuva de folhas, de várias cores e tons, do vermelho ao marrom. Éramos um grupo de
professores da Paraíba, em 24 pessoas, das mais diversas áreas do conhecimento e com
experiências de vida as mais diversas possíveis: professores de química, de Inglês em
sua maioria, de geografia, de história, instrutor de biodança e um professor de química e
drag queen. Toda essa diversidade humana com um rico potencial para analisar a cultura
finlandesa sob vários aspectos.

Uma grande parte do grupo permaneceu em um mesmo alojamento, enquanto


que apenas quatro colegas ficaram em um outro alojamento. Todos os dias às 8:30 da
manhã saíamos para ir caminhando até a universidade de HAMK. As aulas começavam
às 9h e seguiam até as 12h, retomando das 14 até as 17h. Nesse ritmo intenso de aulas,
no estilo lectures (palestras), pudemos perceber ainda muitas diferenças. A cada semana
um professor convidado e especialista no tema trabalhava atividades dinâmicas e
lúdicas com o grupo. Estabeleceu-se que deveriam se formar pequenos grupos de 5
integrantes ou pouco mais que isso, para realizar as atividades em conjunto.

Professores da equipe 2 do Gira Mundo 2017, nas escadas da universidade de HAMK. No primeiro
plano, segurando a bandeira da Paraíba, está a professora Marja Laurikainen.

FONTE: arquivo do autor, 2017.

Abriu-se uma plataforma do Moodle para postar atividades e interagir com a


turma sobre os temas debatidos e atividades. Percebemos, desde o início, que havia
poucas atividades escritas, e que para os professores era mais importante essa relação
dialógica . Não importava a quantidade de atividades, mas a relação estabelecida e a
direção dada ao processo de aprendizagem. Muitas das atividades propostas eram de
monitoria dos projetos e de aconselhamento.

Também tivemos muitas visitas a escolas primárias, secundárias, técnicas e


universidades, para ver de perto o funcionamento do sistema educacional finlandês.
Ainda outras atividades de cunho cultural foram muito importantes: acampamentos,
saunas, caminhada na floresta, caminhar na neve, etc. Pudemos vivenciar um pouco da
sábia cultura finlandesa, através de experiências de vida em que compartilhamos do
saber desse povo para sobreviver as adversidades de um clima rigoroso.

A universidade de HAMK é um ambiente multicultural, com muitos estudantes


estrangeiros, parcerias com universidades de outros países e centro de excelência na
formação de professores. Entramos em contato com professores do Cazaquistão, da
China, da Dinamarca e professores em formação da Finlândia, etc. Esse parece ser um
dos segredos do sistema educacional finlandês: as constantes trocas culturais e a
internacionalização. Nas universidades finlandesas é possível cursar algumas pós-
graduações em Inglês e até mesmo no ensino médio é possível intercâmbios culturais
com alunos de outros países. O treinamento profissional de educadores virou um artigo
de exportação Made in Finland, e isso deve-se ao fato do profissionalismo ser essencial
no sistema de educação finlandês. Para os finlandeses esse processo é contínuo na busca
de inovar e melhorar seu sistema de ensino.

No aspecto cultural somos bastante diferentes ( brasileiros e finlandeses) e foi


muito enriquecedor perceber essas diferenças. A primeira delas e mais marcante é a
cultura do silêncio entre os filandeses, não é que sejam taciturnos, não é essa a
definição. Mas o silêncio é um sinal de respeito e reverência. Na cultura finlandesa é um
grande desrespeito interromper a fala do outro e é comum momentos de pausas entre
uma fala e outra. Na maioria das vezes, a prática habitual do silêncio leva as pessoas a
serem mais tímidas e fechadas, o que não significa que os filandeses desprezem uma
boa conversa ou sejam muito solícitos para ajudar. Os finlandeses têm muito orgulho de
sua cultura e suas tradições; e isso é importante para um povo se afirmar enquanto
identidade coletiva.

A sauna é uma paixão nacional, feita toda semana, em que se reunem em


silêncio, homens de um lado e mulheres de outro, relaxam e usufruem de intimidade
com algumas pessoas, sem a verborragia a que estamos acostumados. Muitos
finlandeses criam cachorros e fazem atividades físicas ao ar livre, e o simples fato de
criar animais pode ser o início de uma conversação, para um povo que respeita muito o
espaço e intimidade do outro. Nas paradas de ônibus, eles mantêm uma distância segura
de uns dois metros entre as pessoas e há emoticons sobre isso. Todo esse contexto
cultural chamou-me a atenção no sentido de tentar perceber como afetava o processo
educativo e a organização do sistema de ensino finlandês.

Atrelada à apreciação do silêncio contemplativo está o passeio na natureza. Os


finlandeses gostam de caminhar na floresta e colher cogumelos. Acampar e velejar ou
simplesmente apreciar os inúmeros lagos no país é um hábito comum. Esse contato
próximo com a natureza traz inúmeros benefícios à saúde física e mental. Traz um
relaxamento pela conexão que se restabelece entre o ser humano com a natureza. A
cidade de Hamënllinna é rodeada por florestas e um grande lago no meio da cidade,
áreas de lazer ao ar livre como o Aulanko parque fazem parte do cotidiano. E o melhor
de tudo: o lazer não é encarado como “perda de tempo” como nós brasileiros pensamos,
mas sim como uma atividade lúdica, também educativa, se for organizada e direcionada
para essa finalidade. Para os finlandeses, o bem estar é o fator primordial antes de
quaisquer atividade educativa, assim o prazer e a motivação são potencializadores de
uma educação livre e criativa.

O aspecto cultural que mais admirava é a cultura da confiança. Aluguei uma


bicicleta por 25 euros, para usá-la por dois meses e ao final deveria devolver no local,
sem assinar nenhum papel e sem deixar nenhum contato. Nesse dia fomos todos numa
van com Sara Kaloinen ( funcionária da HAMK) e vários colegas, em um lugar que
consertava e vendia bicicletas (uma ONG). Para além da relação de confiança que havia
entre os donos do lugar e Sara, fiquei admirado como era dada confiança a um grupo de
desconhecidos que comprava e alugava bicicletas.Sobre esse aspecto e referindo-se à
participação dos alunos e professores nas modificações do sistema educacional
finlandês, Pasi Sahlberg ratifica que “essa confiança, como testemunhamos, cria uma
reforma que não é apenas sustentável, mas também pertence aos professores que a
implementam.”(SAHLBERG, 2010,p.23)

Para os finlandeses a educação de qualidade para todos os cidadãos é um direito


e está inserido nas políticas públicas do Estado de Bem Estar Social, portanto acreditam
que todos os alunos aprendem e isso depende apenas das ferramentas utilizadas.
Ninguém deve ser deixado para trás. Os professores tem total autonomia para escolher
suas ferramentas de trabalho e não existem as exaustivas provas internas e externas nas
escolas para verificar a aprendizagem, o que torna a aprendizagem prazerosa e leve.

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

O currículo finlandês é flexível e os alunos do ensino médio podem escolher


seus caminhos formativos, parecido com o que o Brasil tenta aprovar na nova BNCC.
Mas a grande diferença é que esse currículo é baseado em competências, quais sejam :
aprendendo (teórico), fazendo (prático) e sendo (regulação social e cultural). O
professor tem total autonomia para escolher os temas e como abordá-los para conseguir
alcançar as competências. A professora Irma Kunari nos provocava: Como posso ser um
bom ouvinte dos meus alunos? Na Finlândia a relação de confiança entre professor e
aluno é a base para uma relação de trocas de aprendizagem. Assim, o processo
educativo parte das necessidades e conhecimento prévio dos alunos; e o currículo
flexível baseia-se nas competências a serem atingidas.

Outros métodos muito usados no sistema educacional finlandês é o PBL


( project based learning = aprendizagem baseada em projetos) ou aprendizagem baseada
em problemas. Ambos têm diferenças sutis, mas partem do mesmo princípio da dúvida
ou problema proposto pelos alunos, tem em comum a interdisciplinaridade e a
autonomia da pesquisa pelos alunos. A autonomia deve ser dada progressivamente,
conforme o grau de dificuldade e a capacidade de resolução dos alunos. Esse processo
educativo é holístico e propõe uma avaliação mais do ponto de vista das atitudes e ações
propostas pelos alunos, diante dos problemas de aprendizagem. Uma grande
preocupação pedagógica é como demonstrar as habilidades de que o aluno atingiu
aquela competência ?

O resultado deve ser apresentado pelo aluno da melhor forma possível para ele :
vídeo ou conteúdos digitais em blogs, apresentações ou demonstration day, textos
escritos e apresentações de seminários aos colegas, avaliação coletiva, em pares ou
autoavaliação, etc. O melhor método depende do contexto e da necessidade, mas o
processo educativo deve ser bem pensado e orientado pelo professor que passa a ter um
papel de mediador das trocas de experiências e criar os ambientes educativos. Lembro-
me das palavras do querido professor Brian Joyce que sempre dizia : Baby steps! (Pasos
de bebê). Ele chamava a atenção para usarmos conceitos muito básicos no início de
qualquer aula e só depois aprofundarmos o conceito. O que lembra também um outro
método usado pelos finlandeses e destacado pelo professor Jouni Inquevist o chamado
scarfolding (andaimes), que consiste numa alegoria para os processos de construção do
conhecimento partindo de bases sólidas para conhecimentos mais profundos.
Chegou o final de outubro e a neve veio em grande quantidade. Andar nas ruas
torna-se difícil e até arriscado cair, ainda mais andar de bicicleta. As temperaturas eram
negativas e a mais baixa foi -8 graus com sensação de -10 graus. Outra vez os
finlandeses nos ensinaram na prática como lidar com as adversidades do clima : usar
uma roupa de lã por baixo e fazer a sobreposição com roupas de algodão, nos ensinava
Seija Mahlamäki Kultanen, decana da HAMK. Os jantares na casa de Seija e de Marja
foram oportunidades para degustar as comidas típicas finlandesas e aprender sobre a
cultura também.

Com o inverno vem a escuridão e os finlandeses costumam enxer suas casas com
velas e luminárias para compensar a falta de luz. Nos escritórios, as professoras
colocavam uma luminária grande de led a 40 centímetros do rosto para simular a luz
solar e obter uma boa noite de sono. Alguns costumes nos pareciam estranhos como
esse, mas fazia sentido, afora o de colocar pimenta até na pizza, mas a comida
finlandesa é muito fitness e contém pouquíssima carne vermelha e muita salada. Porque
se você quer saber quem é um povo, veja a comida dele!

Voltando para o aspecto pedagógico vimos nas aulas de Marja Laurikainen que
o empreendedorismo faz parte do currículo finlandês há cerca de dezessete anos, em
todos os níveis do sistema de ensino finlandês. Está presente com destaque nas escolas
de ensino médio e nas escolas vocacionais, incentivando aspectos como autonomia,
proatividade, criatividade, companheirismo, inovação e oportunidade. No meu ponto de
vista, pelo que ouvi, o empreendedorismo finlandês se assemelha muito a uma educação
solidária do ponto de vista econômico, pois trata-se de criar nos alunos a sensibilidade
para perceber oportunidades nos contextos produtivos de suas comunidades. Isso difere
muito de um empreendedorismo voltado para o capitalismo selvagem que visa o lucro e
a competitividade acima de tudo. Muito pelo contrário, os finlandeses visam à
integração social e aproveitamento de todas as forças produtivas através da educação.

Aliado ao empreendedorismo Marja faz uso também dos e-porfólios. Os e-


portfólios são plataformas digitais como blogs, sites de vídeos, redes socias ou mídias
que armazenam conteúdos produzidos pelos alunos em um processo contínuo de
aprendizagem. Esses e-portfólios tanto servem para avaliar a evolução no processo
educacional (banco de atividades), mas também como elementos para selecionar e
recrutar futuros profissionais. Em um projeto, com diversos países da Europa, a
professora Marja tem uma plataforma com os resultados de diversos países, pois em
cada país o e-portfólio adquire funções distintas. Esse trabalho aponta para outra
tendência futura da educação: a digitalização das atividades.

Nas aulas com o sábio professor Bryan Joyce aprendemos muito. Ele um
professor inglês que trabalhou na Universidade de Cambridge e agora como professor
convidado da HAMK, tendo trabalhado com projetos educacionais em diversos países,
assessorando o governo do Kazaquistão no projeto Bolashak. Conheceu o Brasil e
elogiava o sistema das escolas técnicas federais. Em sua experiência com o mundo
empresarial ele trazia alguns conceitos muito úteis para a educação: um método de
resolução de conflitos em quatro etapas.

As etapas eram progressivas e consistiam em: 1- forming (formando) ou


identificando os grupos e conflitos de personalidade; 2 - storming (tempestade)
percebendo as zonas de conflito entre os grupos; 3- norming ( normas) construindo as
normas de convivência e por último 4- performing (realizando) resultado final do
trabalho. Esse processo pode ser aplicado em quaisquer organizações que envolvam
uma convivência social muito próxima, desde fábricas até escolas, requerendo apenas a
perspicácia para entender o ambiente.

Mister Bryan também destacou o uso do CLIL ( Content and Language


Integrated Learning) que é o método interdisciplinar para utilizar diversas línguas, em
diversos temas na aprendizagem dos alunos. O uso de uma língua diferente da língua
materna impulsionaria habilidades de comunicação, memória, motivação, liderança e
confiança no processo de aprendizagem, criando novas conexões neurais. A Finlândia
tem o sueco como segunda língua e boa parte da população fala o Inglês fluente, até
mesmo para obter oportunidades de trabalho fora do país. Nas visitas que fizemos às
escolas finlandesas vimos salas de aulas exclusivas para idiomas, com destaque para o
Inglês, Francês, Alemão e Espanhol. Além disso, o uso do Inglês e de outros idiomas
pelos finlandeses prepara o país para a internacionalização e a formação de cidadãos
globais.

Em suas aulas Brian também analisou a influência da pobreza, desigualdade


social e violência no sistema educacional brasileiro. Observamos que a pesada carga de
trabalho dos professores e o autoritarismo do sistem também influem negativamente.
Existem diferenças sociais profundas entre Brasil e Finlândia: o Brasil tem mais de 200
milhões de habitantes, com diferenças regionais culturais e segue sendo um dos países
com maior desigualdade social e concentração de renda do mundo. Temos um IDH
médio, mas com grandes diferenças entre as regiões. A Finlândia tem pouco mais de 5
milhões de habitantes, com a maioria da população de classe média ou em boas
condições sociais, com um governo de bem estar social que provê aos cidadãos os bens
mais essenciais, conhecido pela igualdade social e paridade nas relações de gênero.

Nos dias 23 e 24 de outubro de 2017 participamos do Innovation Camp


(Acampamento de Inovação), no qual tivemos uma vivência da cultura finlandesa,
aliada a muitas experiências pedagógicas e culturais. O lugar era uma pequeno hotel
fazenda nas redondezas da cidade em que estávamos, feita de madeira e muito
aconchegante, com vários espaços para reuniões de pequenos grupos, à beira de um lago
e com pequenos córregos de água em volta. Era um hotel fazenda com sauna. Um lugar
ideal para mostar a cultura finlandesa e seus hábitos. Na questão da pontualidade os
finlandeses são mais que britânicos. São gentis e prestativos, e por falarem pouco talvez
gostassem tanto da presença dos brasileiros.

No Acampamento da Inovação aprendemos sobre a cultura, a história e os


hábitos dos finlandeses. Vimos um vídeo com a sinfonia “Finlândia” de Sibelius,
compositor clássico que nasceu em Hämeenlinna, ilustrada por animais que enfrentam
as adversidades da natureza. Os finlandeses tinham orgulho em destacar sua cultura tais
como Nokia, Linux, Angry Birds, o casal de arquitetos e designers Alvar e Aino Aalto,
os emoticons próprios da Finlândia, etc. Até mesmo objetos simples do cotidiano como
o armário de drenagem de pratos, foi objeto de estudo e faz parte de todas as casas
finlandesas. Na minha opinião todo o mobiliário finlandês era muito simples mas
funcional e o design seguia esse mesmo objetivo da funcionalidade. Um dia questionei a
professora Essi Ryymin: por que o mobiliário de nossas escolas no Brasil não é assim
como o de vocês funcional ? A resposta dela foi incisiva: - Não adianta mudar os
móveis se a mentalidade for a mesma!

Ouvimos também sobre a história da Finlândia. Um país jovem que tornou-se


independente da Rússia em 1917, como consequência do final da Primeira Guerra
Mundial. Mas que embora jovem, passou por mudanças profundas nos últimos 50 anos.
Nas décadas de 50 e 60 o país era ainda muito atrasado e com poucas estradas. O ponto
de virada veio na década de 70 quando os finlandeses resolveram investir e concentrar
todos os esforços na educação. A partir da década de 90 veio o “boom” da educação
finandesa, e desde então a Finlândia ocupou os primeiros lugares na avaliações do
PISA(Programa Internacional de Avaliação de Alunos), tendo se tornado referência na
inovação educacional e feito disso um produto de exportação. É compreensível que os
finlandeses tendo poucos recursos naturais, um inverno rigoroso por vários meses do
ano, encontraram na educação uma saída, pois profissionalizaram a formação de
professores dando cursos para outros países e preparam seus alunos para trabalhar em
outras partes do mundo.

A que se deve o sucesso finlandês ? Até hoje os EUA com inveja quer saber!
Não é uma resposta simples, mas vamos tentar identificar alguns pontos importantes.
Primeiro a noção de bem estar social ( Well Fare State) é muito forte, como nos outros
países nórdicos, isso insere a educação como um instrumento de transformação social
por excelência! O bem estar das pessoas está acima de tudo, sendo muito valorizado nos
processos educativos. Na Finlândia todas as mães recebem uma caixa com os itens de
cuidado do bebê, dada pelo governo. Desde muito cedo o cidadão aprende que todas as
pessoas devem ser bem cuidadas.

Outros fatores relevantes para o bom desempenho são: valorização social do


papel do professor, a não existência de testes nacionais e valorização do bem estar dos
alunos. O professor tem prestígio na sociedade finlandesa e deve ter nível de mestrado
para atuar, sendo uma das profissões mais disputadas. Os professores tem autonomia
para criar suas estratégias educativas. Não existem testes nacionais unificados para
“medir” a qualidade do sistema educacional , mas essa qualidade é atestada pelas
autoridades locais que verificam a qualidade das escolas em suas comunidades. A
responsabilidade pela qualidade da educação é compartilhada, entre professores,
gestores e autoridades públicas.

Nesse ponto os finlandeses têm um esforço enorme para manter um mesmo


padrão de qualidade nas escolas da Lapônia até as escolas de Helsinque. Nas escolas as
aulas são de 45 minustos, sempre com intervalos de 15 minutos para relaxar. As salas de
aula parecem com ambientes de casa. Nas escolas a primeira lição é tirar os sapatos e
relaxar, antes de mais nada. As refeiçoes são cuidadosamente preparadas, café da manhã
e almoço, são nutritivas e um importante momento de socialização. Ou seja, o segredo
finladês está inscrito no que diziam nossos professores “Menos é mais!”. Enquanto o
mundo inteiro luta para implantar um ensino cheio de conteúdos, que parece uma
fábrica capitalista de alta produção em série, os finlandeses usam de uma mensagem
simples para dizer que é essencial formar um ser humano ético e com virtudes.

Lembro-me que visitamos o Lyseon Koulu de Hamëenlinna (escola de ensino


médio) e formos recepcionados por uma banda de estudantes tocando rock. Depois da
recepção calorosa vimos a sala de apresentação, um pequeno teatro muito bonito. Em
seguida subimos para a sala de artes, onde os alunos montaram apresentações de seus
projetos. Um aluno começou tocando piano e houve diversas apresentações sobre como
eles faziam projetos de empreendedorismo na escola. Mas o que me chamou mais a
atenção foi o lema da escola inscrito no alto da sala: Omnia Vincit Labor Improbus.
Porque um lema resume um ideal de vida. E realmente a frase diz muito: “O trabalho
persistente vence tudo”. Compreendi nesse dia que o trabalho, as oficinas de
marcenaria, os trabalhos manuais nas escolas tinham o papel de educar através do
trabalho.

No Acampamento da Inovação a professora Essi utilizou conosco o chamado


learning café method ( método café de aprendizagem) com os trend cards ( cartões de
tendência). Esse método consiste numa metodologia dialógica de trocas de experiências
com os participantes todos sentados em um grande mesa, e com igual tempo para falar
sobre o tema posto em debate. Deve-se incluir nessa mesa imagens significativas
relacionadas aos temas estudados, que provoquem questionamentos. Falamos sobre as
tendências para educação no futuro a partir de imagens de animais nos cartões. Os
cartões são um importante recursos visual para trazer à memória imagens e ao mesmo
tempo organizar o tempo de fala e manter o foco no assunto em questão.

Fizemos as discussões em pequenos grupos e depois compartilhamos. Um dos


assuntos em destaque foi o uso da tecnologia na aprendizagem dos alunos. O que
observei em todas as visitas nas escolas finlandesas foi que embora a tecnologia seja
importante, não deve se sobrepor ao aspecto pedagógico, porque às vezes estratégias
muito simples são mais eficientes que os recursos tecnológicos.

De volta a Hämeelinna, no dia seguinte fizemos uma visita técina ao Sheet Metal
Center, dentro do campus da HAMK. Nosso grupo conversou com a engenheira
pesquisadora Tina e ela nos explicava que eles estavam construindo um protótipo de
casa, além de investigar como a luz e o clima do ambiente afetam a resistência dos
materiais. É compreensível que diante de um clima adverso eles tenha que desenvolver
bons materiais para construção, mas também que sejam resolutivos e integrados
socialmente. Com outros colegas vimos que os finlandeses, antes de construir uma obra,
passam cerca de 2 anos planejando e debatendo.

Na cultura deles a organização é essencial, pois poupa tempo e energia. Na


universidade de HAMK existem parcerias com universidades de vários países do
mundo, entre estas a FEEVALE do Brasil, e também com empresas. Vimos que a
burocracia da universidade é bastante reduzida e os saberes técnicos e científicos são
aproveitados na sociedade, realizando inúmeras parcerias e consultorias para empresas.
Assim a universidade de HAMK recebe reitores/ diretores de escolas da China,
professoras do Cazaquistão, forma professores da rede dos IF´s brasileiros (VET –
professores para o futuro), professores da República Dominicana, etc. Esse ambiente
multicultural enriquece ainda mais a aprendizagem na universidade. O Gira Mundo
surgiu a partir dos integrantes do IFPB que passaram a coordenar o programa na
Paraíba, tendo eles participado do VET (formação em educação técnica), na
universidade de HAMK.

No dia primeiro de novembro, em meio ao inverno pesado, tivemos a grata


surpresa de vistar a Escola Vocacional Tavastia. Chamou-nos a atenção as pinturas nos
carros e nos pequenos aviões, realizadas por alunos em equipes bem organizadas.
Subimos para uma reunião em uma sala que parecia uma sala de aula. O projeto foi
apresentado por Jari Vallkinen e ele disse que a escola fazia parte da Guild School
Project, que seguia uma política clara: aprender fazendo, modo colaborativo, anti-
bullying, tentar dar um feedback positivo e empoderar os estudantes.

Criar um ambiente seguro e livre, em que possam exercer a criatividade dentro


de regras funcionais. Nas palavras de Jari “ a escola é nossa própria companhia”. No
meu diário escrevi que a escola parecia uma colméia, em que todos sabem sua função,
mas que a hierarquia não é pesada. Na escola eles trabalham em pequenos grupos de 3 a
5 estudantes, orientados por um professor. Existe uma diferenciação visual na oficina
entre as pessoas da escola: os líderes vestem macacão branco, os soldados vestem cinza
( a maior parte dos alunos) e os professores vestem laranja. Nos casos de conflito entre
alunos existe uma proposta clara: conversar nos primeiro e segundo caso e na terceira
vez há uma realocação da função.

Em outro ponto da cidade, em bairro próximo ao nosso alojamento, fomos


caminhando até a escola Myllymäki, escola de ensino fundamental. Era uma escola
pequena, com 10 classes, 200 alunos e três construções, com um grande pátio para
recreação. Fomos recebidos pela professora de idiomas e os alunos que foram instruídos
para serem nossos condutores. Fomos apresentados a todos os professores na cantina e
após o lanche dividimo-nos em pequenos grupos, cada um guiado por pequenos alunos
que sabiam falar Inglês.

Os ambientes pareciam alegres e vivos, cheios de trabalhos com arte por todos
os lados, não faltando as bandeiras finlandesas com o azul e branco tradicional – já que
naquele ano comemoravam cem anos de independência. Nessa escola o ponto alto é o
programa anti-bullyng chamado VERSO, que em finlandês significa broto. O programa
consiste em preparar os alunos para mediarem a conciliação de conflitos dos alunos,
sem a interferência dos professores ou adultos, chamando-os apenas quando encontram
dificuldades. As ações do VERSO são documentadas em arquivo e ao final os alunos
que participaram da seção assinam um termo de compromisso. Na Finlândia existem
também outros programas de anti-bullying e o tema é tratado com muito cuidado pelos
professores.

Para os finlandeses o ambiente deve ser preparado para ser propício à


criatividade e aprendizagem, seja ajudando a relaxar ou estimulando na medida certa.
Muitas vezes vi salas de aula parecendo salas de estar das casas, com sofás e plantas.
Apesar de ser muito diferente, achava legal! O chamado learning environment
(ambiente de aprendizagem) é levado muito a sério. Nas escolas vimos muitas salas de
música, amplas quadras poliesportivas, teatros e muitas obras de teatro, mostrando a
criatividade dos alunos e o prazer de estar no lugar. No geral o mobiliário escolar é
parecido, mas algumas diferenças são importantes: nas escolas primárias as carteiras
têm como função guardar o material escolar. O aspecto cultural de manter o silêncio e
resguardar a intimidade reflete no mobiliário: por isso constroem espaços reservados,
próprio para o estudo, como que cabines de estudo.

Para os finlandeses as aulas não são apenas do tipo lectures (palestras), mas
consideram mais importante a orientação e o aconselhamento das atividades, ou seja, os
professores devem monitorar as atividades para aprimorar o processo educativo. E vai
muito além disso: existem professores em cada escola responsáveis por aconselhar e
fazer orientação vocacional com os alunos. A nossa professora Irma Kunari resumiu
quando disse “orientação é mais importante que palestras”. Até mesmo porque a
orientação e o aconselhamento podem fazer parte do processo avaliativo e corrigir
possíveis distorções no processo educativo.

Outra tendência do sistema de educação finlandês é a individuaização, no


sentido de atender às necessidades particulares. Alguns professores podem fazer planos
de educação individualizados, mas que ainda assim interagem com os outros colegas.
No ensino médio os alunos podem escolher seus percursos educativos, construindo seus
currículos e temas de estudo. Nesse contexto, as necessidades especiais dos alunos são
levadas em conta nesses palnos de estudos e cerca de 50% dos alunos finlandeses têm
necessidades especiais, segundo disse o professor Simo Uusinoka. Para os finlandeses
“necessidades especiais” é um conceito amplo e pode incluir transtorno de déficit de
atenção TDAH, por exemplo.

Nas aulas da universidade de HAMK os professores chamavam a atenção para o


crescente processo de digitalização do ensino. Cada vez mais utilizaremos menos papel
e as atividades passam a ser digitais e interativas. O uso das tecnologias é crescente e
inclui aplicativos educacionais, digitalização de documentos, jogos, utilização de
inteligência artificial, mídias digitais e redes sociais. Nos dias atuais é crescente o
armazenamento de arquivos digitais na internet, a exemplo do google drive e class
room. São muitos arquivos armazenados e essa sobrecarga de informações pode afetar
além de favorecer a educação provocar resultados negativos como aumento da
ansiedade e perda de memória.
Entre os diversos temas das aulas em HAMK, alguns temas se aproximavam dos
estudos de Psicologia, o que é essencial para a educação, pois lida com a convivência e
relações humanas. O professor Vesa Parkkonen apresentou-nos a teoria cognitiva
comportamental do psiquiatra norte-americano Aaron Beck, que propõe a superação de
traumas através do autoconhecimento, e analisa pensamentos, sentimentos e o
comportamento, considerando como as distorções cognitivas atrapalham o processo de
aprendizagem. Os estudos de Beck concluem que as percepções podem afetar a
aprendizagem e que erros cognitivos podem afetar negativamente, ou seja, na medida
que o indivíduo aprende alargam-se os horizontes e passa a ver o problema em uma
perspectiva mais abrangente.

É uma tendência mundial inserir nos currículos a educação das emoções e


conceitos como inteligência emocional (Daniel Goleman) são cada vez mais estudados
pela importância na interção social. A professora Irma Kunari é especialista no estudo
da resiliência e a influência dessa capacidade no processo educativo, foi a tese de
doutorado dela. Nas aulas ela usou um conceito amplo: “Resiliência é uma combinação
de atitude positiva, otimismo, a habilidade de regular as emoções e a habilidade de ver
as falhas como uma forma de feedback útil”. Esse fator da resiliência na educação nos
faz lembrar que as falhas e a persistência podem ser educativas, conforme o conceito
acima nos sugere. Mais uma vez os finlandeses mostram a preocupação com que todos
aprendam; e que cada um pode, ao seu modo, colaborar para a aprendizagem
colaborativa.

A educação é um processo relacional, de autoconhecimento e aperfeiçoamento


da convivência social, e por isso os finlandeses estão preocupados em conseguir atingir
as habilidades para o século XXI, propostas pela UNESCO. Essas habilidades
socioemocionais (soft skills) preparam os alunos para lidar com suas emoções,em
melhorar as relações interpessoais e os problemas do mundo atual, preparando-os para a
integração social de empatia e para uma formação de cidadania global.

CONCLUSÃO
Vimos através das vivências do programa Gira Mundo 2017, do estado da
Paraíba, diversas metodologias de inovação do sistema de ensino da Finlândia. Primeiro
destacar que a adoção de quaisquer metodologias cabem ao professor e aos problemas
do contexto de aprendizagem. Antes de mais nada, devemos considerar o processo
educativo como uma relação de interação permeada por elementos culturais. Diante de
uma cultura diferente pudemos avaliar pontos positivos e negativos na cultura brasileira,
e elementos que podem ser acrescentados e adaptados a nossa realidade.

A experiência foi bastante transformadora e pudemos dizer, a maioria dos


professores do grupo: a minha prática docente não será mais a mesma! As aulas, mais as
visitas e a imersão cultural trouxeram elementos novos para entender a lógica de
funcionamento da cultura finlandesa, na medida em que pudemos vivenciá-la. Levamos
conosco os princípios aprendidos com os finlandeses do silêncio como demonstração de
respeito, da confiança como elo de integração social, do respeito à privacidade dos
indivíduos e de como esses fatores culturais podem ser inseridos como temas do
currículo. Seria possível ensinar virtudes?

Para o Brasil e a Paraíba desejamos colaborar com um sistema de educação de


qualidade, inovador e criativo, que possa ajudar a transformar as desigualdades sociais e
para que a educação seja sinônimo de oportunidades de melhoria de vida. Com a
Finlândia, devemos aprender lições importantes: criar centros de formação de
professores, dar uma importância social ao trabalho do professor e autonomia ao
trabalho docente. Também, assim como a Finlândia, pensar a melhoria do sistema
educacional como uma estratégia de transformação social, em que todos os atores se
apropriam do sistema, como sendo seu sistema de educação, para a democracia social.
Sisu!

REFERÊNCIAS
CORADO, C., JOYCE, B., LAURIKAINEN, M. and RYYMIN, E. (eds.) Gira Mundo
Finlândia – Professional Development Certificate Programme -Paraíba, Cohort 1
in Häme University of Applied Sciences (HAMK), Finland 2017.
DAMITO, Damione. Podcasts para formação de professores. Disponível em
https://papodeeducador.com.br/. Acesso em 20 de maio de 2020.
HANSON, Rick. O cérebro de Buda: neurociência prática para a felicidade.
1.ed.São Paulo: Alaúde Editora, 2012.
LAURIKAINEN, MARJA. Projeto EPP de e-portfólios na Europa. Disponível em:
https://unlimited.hamk.fi/ammatillinen-osaaminen-ja-opetus/supporting-students-
eportfolio-process-in-higher-education/#.XsJ8X_9KjIU. Acesso em 11 de maio de
2020.
MAIDA, Carl A. Project- Based Learning: a critical pedagogy for the twenty-first
century. Policy Futures Education, vol. 9, number 6, Los Angeles, USA, 2011.
SAHLBERG, Pasi. Finnish Lessons 2.0 – What can the world learn from
educational change in Finland. Teachers College- Columbia University, 2010.

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