Você está na página 1de 16

A IMPORTÂNCIA DO CINEMA POR MEIO DO CINECLUBE NA

ESCOLA
Celso Rogério Klammer 1 - UP
Jaqueline Fortunato2 - UP
Rodrigo Melo3 - UP

Grupo de Trabalho – Comunicação e Tecnologia


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Partimos do pressuposto que a tecnologia traz uma nova forma de relação com o
conhecimento e de interação do indivíduo com o meio social. Sendo assim, pesquisamos o
cinema e sua função pedagógica na sociedade, que pode contribuir para a politização dos
indivíduos. Neste sentido, o presente artigo teve como objetivo investigar a importância do
cinema por meio do cineclube na escola e como problemática: qual a importância do cinema
na escola por meio do cineclube? Para tanto, com base em autores como Kenski (2007),
Benjamin (1985), Setton (2004), Freitag (1987), entre outros, abordamos o conceito de
tecnologia, e a função político-pedagógica do cinema. Enfatizamos ainda as relações deste
com o entretenimento e a indústria cultural, destacando que o cinema possui uma dimensão
político-pedagógica, que se define como uma função de nortear os indivíduos a atuarem de
forma crítica e consciente de seu papel enquanto integrantes de uma sociedade. Analisamos
também as possibilidades de uso do cinema na escola, tomando o cineclube como
possibilidade de formação de indivíduos capazes de promoverem uma democratização da
sociedade. Fundamentados na abordagem qualitativa, caracterizamos a pesquisa como estudo
de caso, utilizando como instrumento de pesquisa a entrevista semiestruturada. Em nível de
conclusão destacamos três aspectos: o primeiro é a função político pedagógica do cinema; o
segundo as possibilidades de uso do cinema na escola; e o último aspecto a importância do
uso do cinema por meio do cineclube, numa determinada escola pública de Curitiba.

Palavras chave: Tecnologia. Escola. Cinema. Cineclube.

1
Doutor em Educação. Professor e Coordenador do Programa de Formação Docente da Universidade Positivo.
E-mail: cklammer@up.edu.br
2
Aluna do Curso de Pedagogia da Universidade Positivo. E-mail: jakf_gab@hotmail.com
3
Aluno do Curso de Pedagogia da Universidade Positivo. E-mail: rodriguinho_19_melo@hotmail.com

ISSN 2176-1396
7492

Introdução

Partimos do pressuposto que as tecnologias, em particular o cinema, possuem uma


dimensão política e pedagógica e podem proporcionar o acesso ao conhecimento de forma
mais significativa.
Optamos pelo uso do cinema aliado ao cineclube na escola, por se tratar de um recurso
tecnológico audiovisual que pode contribuir para resultados significativos no processo de
ensino aprendizagem.
Sendo assim, procuramos investigar: qual a importância do cinema por meio do
cineclube em uma determinada escola pública da cidade de Curitiba?
Nesse sentido, organizamos o presente artigo da seguinte forma:
Na primeira parte, com base em autores como, Kellner (2001), Benjamin (1985),
Freitag (1987) e outros, discutimos a função do cinema enquanto entretenimento e como
indústria cultural.
Na segunda parte, à luz de Setton (2004), Napolitano (2003), Alves (2010) entre
outros, discutimos o cinema em sua função político pedagógica e estratégica na sociedade e a
sua importância por meio do cineclube na escola.
A terceira parte da pesquisa trata-se dos procedimentos metodológicos. Optamos por
uma abordagem qualitativa, caracterizando-a como estudo de caso.
O instrumento utilizado para a realização da pesquisa foi entrevista semiestruturada
com um professor e um aluno participantes do projeto de cineclube.
Na conclusão, destacamos três importantes aspectos: o primeiro é a função político
pedagógica do cinema; o segundo as possibilidades de uso do cinema na escola; e o último
aspecto a importância do uso do cinema por meio do cineclube, numa determinada escola
pública de Curitiba.

O cinema e sua função político pedagógica

A sociedade contemporânea vivencia profundas transformações marcadas pelas


tecnologias da informação e da comunicação.
Segundo Kenski (2007, p.15), a tecnologia está presente na vida humana desde os
primórdios, ou seja, a tecnologia é uma invenção do ser humano, na qual o indivíduo utiliza
seus conhecimentos prévios, construídos ao longo de sua vida, e os coloca em prática. Por
7493

meio dessa prática, originam-se “equipamentos, instrumentos, recursos, produtos, processos,


ferramentas, enfim, a tecnologia”. Com ela, tem-se maior autonomia, além de conforto e
melhor qualidade de vida e com menos esforços. As tecnologias alteram o comportamento,
transformando a maneira de se pensar, agir e sentir.
Neste sentido, algumas ferramentas como computadores, tablet's, internet, dvd, e o
cinema comunicam informações que podem alterar a maneira como as pessoas veem o
mundo, assim como proporcionam meios para a construção de novos conhecimentos. Sendo
assim, compreendemos que as tecnologias trazem uma nova forma de relação com o
conhecimento e de interação do indivíduo com o meio social.
No que diz respeito ao cinema, além de muitas funções como entretenimento,
diversão, ou passatempo, com base em Kellner (2001) e Benjamin (1985), acreditamos que
ele possui uma dimensão político-pedagógica que proporciona o acesso à construção do
conhecimento de forma significativa.
De acordo com as ideias de Setton (2004), o indivíduo sempre correu em busca de
aliviar os estresses e cansaços do seu dia-a-dia. E, nessa busca, sempre inventou meios de se
distrair, relaxar, passar um tempo longe do mundo e dentro do seu mundo. Nessa busca,
surgem o rádio e a tv como formas de entretenimento, em que as pessoas chegavam em suas
casas e a família toda se reunia em frente de seus aparelhos para ouvir notícias, assistir suas
novelas e seus programas de auditório favoritos.
Para Silva (2005), o cinema, como um instrumento de mídia, não poderia estar de fora
dessa função de entretenimento. É quando as artes cinematográficas, as brincadeiras com
imagens e as diversas encenações e personagens entram em cena, o cinema torna-se algo
atraente e diferente, que faz rir e chorar, que encanta e ao mesmo tempo desencanta.
Para Fantin (2009), o entretenimento pode fazer com que a sociedade tenha uma nova
visão da realidade independente de sua classe social. A finalidade do cinema para a sociedade
é inferir e fixar o conteúdo apresentado. Tudo o que o espectador vê ele internaliza e assimila
conforme suas emoções que são apresentadas no seu cotidiano.
Analisando este contexto, não podemos deixar de destacar o conceito de Indústria
Cultural, o qual pode ser compreendido como sendo uma padronização e uma produção em
série, a industrialização da cultura. Ou seja, uma fusão da cultura e do entretenimento, que
desqualifica a reflexão crítica dos indivíduos, e a arte é neutralizada pela sua industrialização.
7494

Freitag (1987, p. 56) aborda o conceito de Indústria Cultural como sendo “uma cultura
que, graças à revolução tecnológica, faz com que qualquer conteúdo artístico ou cultural entre
na lógica da produção para um mercado passando, portanto, a ser mercadoria”.
Para Adorno e Horkheimer (2014), o cinema é um sistema que não precisa mais ser
considerado como arte. Considerando a técnica como uma racionalidade de dominação e
manipulação da sociedade; e a indústria cultural como sendo uma alienação cultural por
destruir a essência da arte.
Com base nestes conceitos, a Indústria Cultural desenvolve a alienação dos indivíduos,
não permitindo a reflexão crítica, mas sim, a autoafirmação dos valores do capitalismo. Desta
forma, estabelecendo a lógica do mercado, que são difundidos.
Já na acepção de Benjamim (1985), não haveria destruição, mas sim uma
transformação da educação e da cultura, em sua forma e em seus conteúdos. Para o autor, as
condições tecnológicas modernas permitem a existência de escolas em massa, em que não
existiriam mais excluídos, pois todos são considerados consumidores dos bens culturais e
educacionais e em circulação na sociedade moderna capitalista.
Para Benjamim (1985), a indústria cultural no processo educativo possui um potencial
revolucionário, que é capaz de proporcionar o acesso à cultura e à educação cultural, ou seja,
o processo de politização do sujeito. Sendo assim, o recurso do cinema disponibiliza
contribuições imensuráveis, as quais poderiam relacionar-se positivamente com a
democratização do saber.
Com base nessas reflexões, conseguimos ver uma sociedade mais ligada com a
tecnologia e muito mais acessível, tendo uma particularidade muito maior com os recursos
que estão sendo disponibilizados no meio social.
Na visão de Kellner (2001), a mídia dominou o cotidiano dos indivíduos, transmitindo
ideologias, conceitos políticos e representações sociais que podem ser agregadas no contexto
social. Para o autor, é importante analisar como a mídia atinge a sociedade e quais efeitos ela
resulta. Esses fatos podem ajudar a sociedade a analisar seu contexto atual, identificando e
interpretando a sua atual condição.
Além do fato de que o entretenimento faz parte da construção da identidade do ser
humano em seu meio de convivência, entendemos que ele possui uma função pedagógica na
sociedade.
7495

Compreendendo os diversos autores, podemos perceber que o cinema possui uma


função político-pedagógica, que se define como uma função de nortear os indivíduos a
atuarem de forma crítica e consciente de seu papel enquanto integrantes de uma sociedade.
Neste sentido, pode-se dizer que utilizar o cinema no processo de ensino
aprendizagem possibilita ao sujeito ter um novo olhar, de extrair valores conforme suas
possibilidades humanas e ter uma relação com o conhecimento de forma mais significativa.
Com base nos assuntos já abordados neste texto sobre o cinema e a sua função
político pedagógica, pesquisamos quais as possibilidades de uso do cinema em sala de aula e
quais os benefícios que este projeto traz para a educação.

A função política do cinema na escola

Existem várias formas de ensinarmos, inúmeros métodos e diversas ferramentas


tecnológicas.
Segundo Setton (2004), uma área da tecnologia que tem se expandido em sala de aula
é o cinema. Como uma resposta às necessidades de inovação dos recursos didáticos na
educação, o cinema entra para somar no processo ensino-aprendizagem.
Como Setton (2004) destaca, hoje há uma grande necessidade de inovar, de buscar
novos métodos de ensino que despertem a atenção e o interesse dos educandos.
Duarte (2002) enfatiza que o cinema possui um caráter extremamente educativo. A
autora aborda que se devem utilizar filmes na escola, porém de forma contextualizada. Saber
fazer a escolha do filme e estabelecer o objetivo da utilização do cinema como fonte de
construção de conhecimento é algo fundamental.
Setton (2004) ressalta que, em muitas escolas, os professores têm feito o uso de filmes
em sala de aula como recurso didático e isso tem se aplicado a várias disciplinas. Mas, esse
recurso tem sido utilizado apenas com o objetivo de passar uma mensagem, para
complementar a aula e não como uma forma analítica examinadora, exploradora do enredo.
Por ser um recurso tecnológico inovador, pedagogicamente falando, e tão rico, precisa ser
melhor explorado pelos educadores.
O cinema na escola é trabalhado para levar o aluno ao mundo da cultura e idealizar
vários aspectos da vida dele. O trabalho com o cinema faz com que o aluno consiga
compreender melhor a sociedade em que vive e aprimorar seus conhecimentos.
7496

Segundo Napolitano (2003), utilizar o cinema em sala de aula é um recurso que pode
contribuir para ajudar a escola a reencontrar a cultura cotidiana e elevada.
Como foi dito por Setton (2004), não é simples o trabalho com as mídias em sala de
aula, não basta apenas selecionar um filme e exibir à turma. Antes, precisa fazer um trabalho
para extrair a essência desse recurso cinematográfico e estabelecer os caminhos que se
pretende chegar com a mensagem do filme.
Contudo, a educação, com sua função de formação humana, não pode deixar de se
apropriar do contexto audiovisual que seus alunos estão vivendo. A mídia audiovisual está
presente em todos os ambientes do cotidiano da sociedade atual.
Na concepção de Alves (2010, p.11), “a vigência plena do meio audiovisual trata-se da
mais importante mudança civilizacional da espécie humana desde a invenção da escrita”.
Entre as diferentes possibilidades de trabalho com a mídia audiovisual, podemos citar
o cineclube como uma proposta significativa na educação.
Segundo as pesquisas realizadas por Alves e Macedo (2010), o cineclube teve origem
no final do século XIX, ao mesmo tempo em que surge o cinema. A princípio, ele foi
utilizado como uma ferramenta de imagens para ilustrar palestras educativas, em locais ou
associações com um público popular, que não tinha muito acesso a uma educação e cultura.
Neste contexto, os autores destacam que os princípios do cineclube estavam surgindo por
possuírem um caráter de organização política e estímulo cultural.
Em 1913, surge o primeiro cineclube documentado e organizado, estruturado com
estudos, sessões com debates e produção de filmes, fundado por militantes e simpatizantes
anarquistas, em Paris. Foi nomeado como Cinéma du Peuple (Cinema do Povo) que tinha
como objetivo divertir, instruir e emancipar. Os primeiros cineclubes no Brasil surgiram no
final dos anos de 1920, com a influência do cineclubismo europeu. Em nossa história o
Chaplin Club, do Rio de Janeiro, é considerado o primeiro cineclube do país.
Para Alves e Macedo (2010, p.9), o cineclube constitui-se em um recurso capaz de
“desenvolver um modelo próprio, democrático, cidadão, de integração entre educação formal
e informal, entre aprendizado e vivência, entre escola e comunidade”. O cineclube pode ser
utilizado como um espaço de formação de sujeitos capazes de promoverem uma
democratização radical da sociedade.
Nesta perspectiva, com a sustentação nas ideias dos autores citados anteriormente,
defendemos que o cineclube contribui para a formação de sujeitos aptos ao exercício
7497

reflexivo-crítico, capazes de serem questionadores e não apenas espectadores alienados da


sociedade.
O cineclube deve ser utilizado não apenas como um momento de apropriação do filme
por coletivos sociais, mas sim como um momento de ressignificação simbólica, ou seja, “uma
operação de formação de consciência crítica capaz de constituir sujeitos humanos com um
espírito questionador no sentido de desvelar as contradições objetivas da ordem do capital”
(ALVES, 2010, p.16 -17).
Assim, a escola que forma alunos cidadãos, de fato, na concepção do referido autor,
poderá contribuir para mudança da sociedade, transformando seus alunos em indivíduos
conscientes de seus direitos, tendo sua capacidade crítica ativa em relação aos acontecimentos
presenciados pela atual sociedade.
Nóvoa (2010, p. 158) afirma que a “linguagem construída pelo cinema e pelas novas
tecnologias [...] não pode permanecer no nível de uma utilização meramente instrumental”.
Neste sentido, a escola não deve apenas instrumentalizar seus alunos, mas sim proporcionar,
por meio do cinema, uma leitura crítica e o aprofundamento do conhecimento produzido pelas
leituras em sala de aula.
Na concepção de Teixeira (2010), a escola como fonte de formação humana, tem um
papel fundamental na atual sociedade: o de promover métodos para que os educandos se
apropriem de uma linguagem crítica capaz de influenciar na percepção que estes têm sobre a
realidade. Outro ponto fundamental é a aproximação da escola ao cineclubismo, como uma
fonte “libertadora” da indústria cultural e do consumo, transmitindo os valores do cinema e a
sua função como arte e criação, não apenas como entretenimento ou consumo.
O trabalho com o cinema no contexto escolar pode ser de caráter interdisciplinar,
interligando as diferentes áreas de formação dos professores da instituição e tendo como
objetivo atingir uma educação de qualidade para uma melhor compreensão da realidade.
Considerando esta abordagem, investigamos qual a importância do cinema por meio
do cineclube na escola?

Procedimentos metodológicos

Para o desenvolvimento deste estudo, optamos pela abordagem qualitativa que,


segundo Lüdke e André (1986), proporciona um contato direto e intenso do pesquisador com
o campo de pesquisa.
7498

Ainda com base em Lüdke e André (1986), podemos caracterizar esta pesquisa como
estudo de caso por se tratar de algo bem específico, único, singular e bem delimitado.
Para investigar a importância do cinema na escola e, particularmente um cineclube,
investigamos e detectamos a existência de um cineclube numa determinada escola pública da
cidade de Curitiba.
Entramos em contato e conseguimos entrevistar o professor idealizador e criador do
referido clube. Sendo assim, realizamos uma entrevista semiestruturada com o professor que
desenvolveu este projeto em duas instituições públicas de ensino, de nível médio, no
município de Curitiba. Além disso, consideramos pertinente entrevistar alunos participantes
do cineclube, para compreendermos a perspectiva do aluno sobre o projeto. Conversamos
com o professor a este respeito e ele nos indicou um aluno.
Na entrevista, o docente declarou que o projeto teve início em 2011, em virtude do seu
interesse pessoal pelo cinema. Não lhe agradava as práticas utilizadas com o filme em sala de
aula, relatando que estas “são um tanto frustrantes. O tempo para se trabalhar com o filme em
aula é curto, tendo que dividir os filmes em várias partes e não tem o mesmo resultado que
trabalhar com o filme na íntegra”. Neste sentido, ele pensou em uma possibilidade que
pudesse trabalhar com o cinema e sua relação com a educação escolar. A única maneira para
exibir o filme na íntegra seria o cineclube.
Questionamos o professor sobre a sua concepção a respeito do cineclube. Na sua
resposta, ele destaca a origem do cineclube na França e sua importância não só como
entretenimento, mas como potencialidade artística e assim contribuir para um projeto
educativo, conforme podemos perceber na sua fala: “O cineclube surgiu na França para
fomentar uma crítica de cinema especializada, que via no cinema não apenas entretenimento,
mas uma possível potencialidade do cinema ser arte, então o cineclube é um instrumento
muito forte de educação”.
Em seguida, perguntamos sobre o início do projeto. Ele informou que, no primeiro
ano, foram feitas exibições seguindo a rotina de apresentação, exibição e debate.
Nestas apresentações, fazia-se um breve comentário, de no máximo quinze minutos,
sobre o enredo do filme, perfil biográfico e filmográfico do diretor. Era o momento de
preparar o público para a exibição. Após a apresentação, o filme era exibido na íntegra. Para
finalizar, abria-se um debate sobre as opiniões e os pareceres de cada estudante, o que eles
haviam visto e sentido.
7499

Relatou, também, que:

No primeiro ano, os próprios alunos elaboravam a apresentação do filme. Existia


uma programação fechada para o ano. Em cada sessão, um determinado grupo de
alunos ficava responsável por elaborar a apresentação. Os alunos pesquisavam sobre
o diretor, o filme. Então, nesta apresentação era colocada não somente uma questão
mais filosófica, política ou social, mas também um aspecto de cinema. Houve um
envolvimento grande, por parte dos alunos.

O professor relatou ainda ter desenvolvido o cineclube no contraturno escolar e


acontecia uma vez ao mês no período noturno.
Informou ainda que seguiu a linha do teórico francês André Bazin, que foi um
renomado e influente crítico e teórico de cinema, que teve uma participação ativa no
desenvolvimento e fundação de alguns cineclubes, principalmente na França, mas também em
outros países da Europa, no início do século XX. Segundo Grilo (2010), referindo-se a Bazin,
o cinema alcançará a sua plenitude ao ser a arte do real e transmitir uma realidade visual e
espacial no cinema.
O professor organizava o cineclube em três momentos distintos: apresentação inicial
do filme, exibição e debate que consistem em características fundamentais do cineclube.
Ao entrevistarmos o aluno, questionamos como se dava cada sessão do cineclube. O
depoimento veio ao encontro do relato do professor, conforme pudemos constatar:

Neste dia, o professor reunia os alunos em uma sala e apresentava o filme, quem
dirigiu o filme, o ano que ele passava e uma breve história do filme. Em seguida,
todos assistiam ao filme e, para finalizar, iniciava-se o debate sobre o que cada um
tinha entendido do contexto do filme.

Perguntamos ao professor sobre o número de filmes exibidos. Ele afirmou que, no


primeiro ano de existência, foram exibidos oito filmes, sendo estes apresentados
mensalmente, seguindo uma programação. Enfatizou que o cineclube não era exclusivo das
disciplinas e que, “o público alvo eram os educandos do ensino médio. Porém, o cineclube era
aberto às pessoas da comunidade”.
Na escola, a ideia de desenvolver este projeto pelo professor era de utilizar o cinema
como elemento ou como fator de educação. Mas, o grande problema era: como fazer isso? A
tentativa de desenvolver este projeto na escola foi de fazer uma articulação entre a filosofia e
o cinema.
7500

Perguntamos ao aluno como foi à participação dele no primeiro ano em que participou
do projeto. Ele contou que fez a apresentação do filme “Clube da Luta” e que se preparou
muito sobre a história do filme e o contexto filosófico, conforme depoimento:

Estudei este filme durante um mês, antes de ter a seção, eu li vários textos sobre o
filme, sobre a direção do filme, a história em cima do filme, o contexto filosófico,
cada filósofo que encaixava nele e apresentei o filme. Nos outros anos, quem
apresentava mesmo era o professor. Ele passava e analisava alguns textos, para os
alunos, o que tinha que ler e estudar sobre o filme. Já no meio do ano eu comecei a
dar uma força para o professor, na seleção de filmes e coisas assim, ou coisas que
podia fazer o que ficava legal ou não. E no terceiro ano, eu fiz isso, dei uma força
bem grande e comecei a conversar bastante com os alunos, eu passava mais ou
menos o que dava para a gente fazer, o que ficaria legal também, já conversando
mais com eles.

Antes da exibição, o professor passava ao público uma resenha de duas a três páginas,
estabelecendo relações entre a filosofia e o cinema. Esta resenha continha conceitos
filosóficos relacionados ao filme. Não eram textos que tinham sido estudados em sala de aula,
era exclusivo do cineclube. Durante o desenvolvimento do projeto foram realizadas várias
tentativas como, indicação de leituras. Estas leituras não eram obrigatórias.
No momento da apresentação do filme existia uma heterogeneidade entre os alunos.
Alguns se aprofundavam e estudavam, enquanto alguns não haviam se apropriado do material
indicado. Mas, este fato o professor encarou como sendo um ponto positivo, por proporcionar
ao grupo um momento de troca, pois os alunos aprendiam com aqueles que haviam se
preparado. Como ele revela a fala abaixo:

Dentro do cineclube há sempre uma troca de informações, por isso ele é um fator de
educação, no sentido de multiplicar, por existir essa troca. E, neste contexto, o
professor está presente como um membro integrante, que contribui para um
aprendizado mútuo.

As exibições ocorriam na última sexta-feira de cada mês. Os alunos que participavam


eram os que estudavam no período matutino e vinham para a escola no período noturno para o
cineclube.
O aluno entrevistado relatou que participou umas oito vezes por ano dos encontros no
Cineclube que aconteciam uma vez no mês. Ele participou dos três anos de desenvolvimento
do projeto, mesmo quando o Cineclube mudou para outra escola, e ele não era aluno. A sua
participação se dava não apenas como membro expectador, mas também como organizador
“ajudando em várias coisas como apresentação e seleção de filmes”.
7501

Quando perguntamos ao professor sobre o envolvimento dos alunos, ele nos informou
que houve uma participação. Durante o ano todo chegaram a participar das exibições mais de
oitenta alunos diferentes. Apenas um grupo formado por quatorze alunos era frequentador
assíduo. “Um fator negativo foi o fato de sempre ter alunos novos no clube, o que ocasionava
sempre a iniciação do processo, por não dar continuidade pelos mesmos integrantes”.
Sendo o cineclube um instrumento de educação, ele precisa ser um processo com um
grupo pré-estabelecido, para não haver rupturas e retomadas constantes. Na percepção do
professor a rotatividade dos discentes dificultava o desenvolvimento do projeto.
A escolha dos filmes era em torno daqueles que tinham relação com a filosofia. No
primeiro ano do projeto foram transmitidos desde os clássicos aos blockbusters. A seleção não
tinha o intuito de excluir os alunos, mas sim, incluí-los. Neste objetivo, procurou aproximar-
se da realidade e da linguagem dos alunos, que são acostumados a assistir os filmes mais
comerciais.
No segundo ano do projeto, em 2012, o professor desenvolveu o cineclube em outra
escola em conjunto com uma professora que trabalha com cinema. Esta professora
desenvolveu com os alunos um trabalho de técnicas de filmagem. Como a noção técnica de
plano e de posicionamento de câmera.

Essas aulas eram intercaladas com o cineclube. O intuito era mobilizar os alunos, se
estes mudavam o olhar com relação ao filme. E, de fato, muda o olhar, a pensar de
como o filme foi feito ou identificar, por exemplo, traços que são marcantes, dentro
da visão e da perspectiva de cada diretor, a maneira como se filma. Este
conhecimento foi muito bom para os alunos.

Na entrevista com o aluno, ele nos falou sobe as aulas de técnica de cinema, que
aconteciam intercaladas com o cineclube, realizadas pela professora. O aluno nos apontou que
aprendeu escrever roteiro. A partir destes novos conhecimentos, ele pensou em produzir junto
com os outros alunos um Curta: “eu tentei dar início, não deu certo e acabei transformando
esse projeto em particular”. Foi uma iniciativa de inteirar os alunos, do que era o cinema, a
Filosofia e como fazia cinema.
Mas, mesmo neste novo formato, a grande dificuldade enfrentada era o fato de sempre
recomeçar, tendo que retomar o objetivo do projeto, por não serem os mesmos alunos a
participarem das exibições do cineclube. O professor não soube apontar como seria se o
projeto durasse mais tempo.
7502

No último ano do projeto, em 2013, o professor relatou que o cineclube seguiu “com
um formato de autogestão, que os próprios alunos organizavam o cineclube, criando os
diálogos e a escolha da programação”.
O aluno nos informou que participou da organização do Cineclube, por iniciativa
própria e interesse. Ele relatou que, “como eu estava desde o começo, eu tornei aquilo como
se fosse uma coisa minha também”.
O professor destacou que no cineclube a programação era pensada entre os membros,
que nos primeiros anos o próprio professor fazia a escolha da programação. Este fato o
incomodava, estava se transformando em uma sala de aula. Mas este não era o objetivo do
cineclube.
No último ano, o professor percebeu que os alunos entenderam a essência do
cineclube, pois escolhiam filmes que tinham elementos diferenciados e que fossem causar
uma boa discussão. Relatando que: “este período foi mais um momento de observação, do que
de intervenção da minha parte”.
O aluno apontou-nos que os demais alunos participavam ativamente do projeto, mas
nem todos tinham o interesse de analisar um filme. Muitos gostavam de participar, outros
“achavam maçante”. Porém, na hora do debate todos queriam participar, queriam falar, dar a
sua opinião.
Neste sentido, o professor pode perceber que a dinâmica do cineclube é bastante
enriquecedora, quando os alunos participam ativamente, talvez este fato motive muito mais a
participação dos alunos.
Com relação ao conhecimento que o cineclube agregou aos alunos, o professor
afirmou que, durante o processo, no primeiro momento, o filme adquire um sentido para o
aluno.

Ele olha as imagens, interpreta da maneira dele, então existe a significação, que é
própria de cada indivíduo que viu o filme, o que ele pensou e as ligações que ele fez,
enfim, é o processo de significação.

O aluno passa por um processo de três etapas, sendo o primeiro momento a


significação, que é o primeiro sentido que a imagem e o filme vão adquirir para ele; o
segundo momento é de apropriação; e, por último fecha, com a questão da ressignificação, no
debate acaba adquirindo novo significado.
Neste contexto, o professor nos informou que:
7503

Acredito que o projeto do cineclube agregou conhecimento, sendo este período uma
etapa importante na vida dos alunos que participaram do processo. Fez a diferença,
uma vez que este espaço foi encarado como um espaço de educação.

Com relação ao aprendizado que o aluno desenvolveu a partir da sua participação no


projeto, ele nos informou que:

Quando você começa a associar o cinema com filosofia, tem muitos filmes que você
começa a ver de um ponto de vista completamente diferente, você acaba tentando
entender o contexto em cima daquilo. Eu tentava muito absorver o conteúdo por trás
daquela história.

Depois que o aluno participou do Cineclube e começou a estudar a filosofia associada


com cinema, notou que desenvolveu um senso crítico, contestador, tendo na opinião dele um
papel muito útil para a sua vida e conhecimento sobre cinema.
Segundo o professor, o projeto encerrou-se no final de 2013, com sua saída da escola,
e por não haver uma pessoa responsável para dar continuidade. Outro motivo pelo qual o
cineclube chegou ao fim na escola foram algumas dificuldades de infraestrutura, pois, em
alguns momentos, não conseguia um espaço para o desenvolvimento da sessão e também por
não conseguir os equipamentos.
Atualmente, o professor está trabalhando em uma instituição de ensino superior, e já
iniciou o projeto do cineclube nesta instituição.

Considerações finais

Na presente pesquisa, desenvolvemos uma investigação sobre a importância do


cinema por meio do Cineclube na escola. Acreditamos que o uso do cinema na escola pode
contribuir para um ensino capaz de proporcionar uma formação de indivíduos crítico-
reflexivos.
Neste sentido, tecemos algumas considerações, acerca de três aspectos que
consideramos fundamentais nesta pesquisa.
No primeiro aspecto, compreendemos que as tecnologias e, particularmente, o cinema,
podem contribuir para uma nova abordagem do conhecimento, proporcionando uma nova
estratégia de interação dos indivíduos com a cultura e a sociedade.
Nesta perspectiva, acreditamos que o cinema possui uma função estratégica na
sociedade. Para além da sua função básica de entretenimento e diversão, possui uma função
que contribui para a politização dos indivíduos.
7504

O segundo aspecto, diz respeito às possibilidades de uso do cinema no processo ensino


aprendizagem, em específico na escola.
Por possuir uma função político pedagógica na sociedade e, particularmente na escola,
o cinema pode levar os indivíduos a uma nova visão do meio em que vivem, ou seja, uma
formação crítica e reflexiva. Esta formação possibilita um entendimento de novos
conhecimentos, valores e uma nova forma de ler, compreender e interpretar o mundo.
Neste contexto, o uso do cinema na escola desenvolve nos educandos a compreensão
da sociedade, na qual estão inseridos, e principalmente que estes se apropriem da reflexão
crítica para entender a realidade.
No terceiro aspecto levantado, abordamos a importância do uso do cinema por meio
do Cineclube numa determinada escola pública da cidade de Curitiba.
Neste sentido, foi possível perceber que o Cineclube produz um processo que se
estabelece em três momentos distintos no desenvolvimento do projeto, ou seja, a significação
que é o primeiro sentido que o aluno adquire do filme; passando para o segundo momento que
é a apropriação do contexto; e o último que é caracterizado como a ressignificação e a
transformação em um conceito novo, por meio das trocas de conhecimentos e experiências no
momento do debate.
No que diz respeito à significação, foi possível perceber o envolvimento dos alunos na
organização do cineclube e na seleção do filme, mesmo que, num primeiro momento, fossem
filmes blockbusters, comerciais.
Quanto à apropriação do contexto, foi possível detectar o estímulo aos alunos para a
pesquisa sobre o filme, seus produtores e diretores além do contexto filosófico presente no
filme.
E, finalmente, a ressignificação e a possibilidade de transformação das consciências.
Os debates possibilitavam a troca de experiências e conhecimentos, mesmo entre aqueles que
não se preparavam com antecedência. Por esta vertente, foi possível detectarmos que o
cineclube pode contribuir no desenvolvimento de indivíduos críticos, politizados,
questionadores e capazes de transformar a história.
Como limites do trabalho com o cineclube na escola, dois aspectos nos chamam
atenção: primeiro o professor ter sempre que recomeçar e retomar o objetivo do Cineclube,
por não serem os mesmos alunos a participarem das sessões; o segundo aspecto refere-se que
com a saída do professor da escola, o projeto encerrou-se.
7505

Além disso, há a possibilidade de continuidade da pesquisa para se aprofundar o


significado do cinema na vida do aluno. Tomamos como referência o aluno entrevistado, que
continuou participando do projeto, mesmo não estudando na escola. O aluno revelou também
que, a partir do projeto, tornou-se mais exigente para selecionar filmes e, em virtude disso,
pretende estudar cinema.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor. HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos


filosóficos. Disponível em: http://antivalor.vilabol.uol.com.br. Acesso em: 18/ Abr/2014.

ALVES, Giovanni; MACEDO, Felipe. Cineclube, cinema e educação. Londrina: Práxis;


Bauru: Canal 6, 2010.

ALVES, Giovanni. O cinema como experiência crítica: tarefas políticas do novo


cineclubismo no século XXI. In: ALVES, Giovanni; MACEDO, Felipe. Cineclube, cinema e
educação Londrina: Práxis; Bauru: Canal 6, 2010. p. 11- 29.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: BENJAMIN,
Walter. Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1985.

DUARTE, Rosália. Cinema & educação: refletindo sobre cinema e educação. Belo
Horizonte: Autêntica, 2002.

FANTIN, Monica. Cinema e imaginário infantil: a mediação entre o visível e o invisível.


Santa Catarina, 2009. Disponível em: http://www.seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/
viewFile/9357/5546. Acesso em: 30/nov/2014

FREITAG, Bárbara. Política educacional e indústria cultural. São Paulo. Cortez. Autores
Associados. 1987.

GRILO, João Mário. André Bazin: filme e Filosofia. Portugal: Ministério da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior: Portugal, 2010. Disponível em
http://filmphilosophy.squarespace.com/1-andr-bazin#[4], Acesso em 06/dez/2014.

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia: estudos culturais, identidade e política entre o


moderno e o pós-moderno. São Paulo. EDUSC, 2001.

KENSKI, Vani Moreira. Educação e tecnologia: o novo ritmo da informação. 8 ed. São
Paulo: Papirus, 2007.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas.


São Paulo: EPU, 1986.
7506

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003.

NÓVOA, Jorge. Régnault, Matuszewski e seus herdeiros. Leitores do cinema-história do


século XX. Visionários de uma pedagogia do “futuro”. In: ALVES, Giovanni; MACEDO,
Felipe. Cineclube, cinema e educação Londrina: Práxis; Bauru: Canal 6, 2010.

SETTON, Maria da Graça Jacintho. Cinema: instrumento reflexivo e pedagógico. In:


SETTON, Maria da Graça Jacintho (Org.). A cultura da mídia na escola: ensaios sobre
cinema e educação. São Paulo: Annablume: USP, 2004.

SILVA, Bertino. No mundo fantástico do cinema. Recife: Massangana, 2005.

TEIXEIRA, Inês Assunção de Castro. Uma história sem fim: o cineclube abraça a escola. In:
ALVES, Giovanni; MACEDO, Felipe. Cineclube, cinema e educação Londrina: Práxis;
Bauru: Canal 6, 2010. p. 109 – 123.

Você também pode gostar