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ESCOLA
Celso Rogério Klammer 1 - UP
Jaqueline Fortunato2 - UP
Rodrigo Melo3 - UP
Resumo
Partimos do pressuposto que a tecnologia traz uma nova forma de relação com o
conhecimento e de interação do indivíduo com o meio social. Sendo assim, pesquisamos o
cinema e sua função pedagógica na sociedade, que pode contribuir para a politização dos
indivíduos. Neste sentido, o presente artigo teve como objetivo investigar a importância do
cinema por meio do cineclube na escola e como problemática: qual a importância do cinema
na escola por meio do cineclube? Para tanto, com base em autores como Kenski (2007),
Benjamin (1985), Setton (2004), Freitag (1987), entre outros, abordamos o conceito de
tecnologia, e a função político-pedagógica do cinema. Enfatizamos ainda as relações deste
com o entretenimento e a indústria cultural, destacando que o cinema possui uma dimensão
político-pedagógica, que se define como uma função de nortear os indivíduos a atuarem de
forma crítica e consciente de seu papel enquanto integrantes de uma sociedade. Analisamos
também as possibilidades de uso do cinema na escola, tomando o cineclube como
possibilidade de formação de indivíduos capazes de promoverem uma democratização da
sociedade. Fundamentados na abordagem qualitativa, caracterizamos a pesquisa como estudo
de caso, utilizando como instrumento de pesquisa a entrevista semiestruturada. Em nível de
conclusão destacamos três aspectos: o primeiro é a função político pedagógica do cinema; o
segundo as possibilidades de uso do cinema na escola; e o último aspecto a importância do
uso do cinema por meio do cineclube, numa determinada escola pública de Curitiba.
1
Doutor em Educação. Professor e Coordenador do Programa de Formação Docente da Universidade Positivo.
E-mail: cklammer@up.edu.br
2
Aluna do Curso de Pedagogia da Universidade Positivo. E-mail: jakf_gab@hotmail.com
3
Aluno do Curso de Pedagogia da Universidade Positivo. E-mail: rodriguinho_19_melo@hotmail.com
ISSN 2176-1396
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Introdução
Freitag (1987, p. 56) aborda o conceito de Indústria Cultural como sendo “uma cultura
que, graças à revolução tecnológica, faz com que qualquer conteúdo artístico ou cultural entre
na lógica da produção para um mercado passando, portanto, a ser mercadoria”.
Para Adorno e Horkheimer (2014), o cinema é um sistema que não precisa mais ser
considerado como arte. Considerando a técnica como uma racionalidade de dominação e
manipulação da sociedade; e a indústria cultural como sendo uma alienação cultural por
destruir a essência da arte.
Com base nestes conceitos, a Indústria Cultural desenvolve a alienação dos indivíduos,
não permitindo a reflexão crítica, mas sim, a autoafirmação dos valores do capitalismo. Desta
forma, estabelecendo a lógica do mercado, que são difundidos.
Já na acepção de Benjamim (1985), não haveria destruição, mas sim uma
transformação da educação e da cultura, em sua forma e em seus conteúdos. Para o autor, as
condições tecnológicas modernas permitem a existência de escolas em massa, em que não
existiriam mais excluídos, pois todos são considerados consumidores dos bens culturais e
educacionais e em circulação na sociedade moderna capitalista.
Para Benjamim (1985), a indústria cultural no processo educativo possui um potencial
revolucionário, que é capaz de proporcionar o acesso à cultura e à educação cultural, ou seja,
o processo de politização do sujeito. Sendo assim, o recurso do cinema disponibiliza
contribuições imensuráveis, as quais poderiam relacionar-se positivamente com a
democratização do saber.
Com base nessas reflexões, conseguimos ver uma sociedade mais ligada com a
tecnologia e muito mais acessível, tendo uma particularidade muito maior com os recursos
que estão sendo disponibilizados no meio social.
Na visão de Kellner (2001), a mídia dominou o cotidiano dos indivíduos, transmitindo
ideologias, conceitos políticos e representações sociais que podem ser agregadas no contexto
social. Para o autor, é importante analisar como a mídia atinge a sociedade e quais efeitos ela
resulta. Esses fatos podem ajudar a sociedade a analisar seu contexto atual, identificando e
interpretando a sua atual condição.
Além do fato de que o entretenimento faz parte da construção da identidade do ser
humano em seu meio de convivência, entendemos que ele possui uma função pedagógica na
sociedade.
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Segundo Napolitano (2003), utilizar o cinema em sala de aula é um recurso que pode
contribuir para ajudar a escola a reencontrar a cultura cotidiana e elevada.
Como foi dito por Setton (2004), não é simples o trabalho com as mídias em sala de
aula, não basta apenas selecionar um filme e exibir à turma. Antes, precisa fazer um trabalho
para extrair a essência desse recurso cinematográfico e estabelecer os caminhos que se
pretende chegar com a mensagem do filme.
Contudo, a educação, com sua função de formação humana, não pode deixar de se
apropriar do contexto audiovisual que seus alunos estão vivendo. A mídia audiovisual está
presente em todos os ambientes do cotidiano da sociedade atual.
Na concepção de Alves (2010, p.11), “a vigência plena do meio audiovisual trata-se da
mais importante mudança civilizacional da espécie humana desde a invenção da escrita”.
Entre as diferentes possibilidades de trabalho com a mídia audiovisual, podemos citar
o cineclube como uma proposta significativa na educação.
Segundo as pesquisas realizadas por Alves e Macedo (2010), o cineclube teve origem
no final do século XIX, ao mesmo tempo em que surge o cinema. A princípio, ele foi
utilizado como uma ferramenta de imagens para ilustrar palestras educativas, em locais ou
associações com um público popular, que não tinha muito acesso a uma educação e cultura.
Neste contexto, os autores destacam que os princípios do cineclube estavam surgindo por
possuírem um caráter de organização política e estímulo cultural.
Em 1913, surge o primeiro cineclube documentado e organizado, estruturado com
estudos, sessões com debates e produção de filmes, fundado por militantes e simpatizantes
anarquistas, em Paris. Foi nomeado como Cinéma du Peuple (Cinema do Povo) que tinha
como objetivo divertir, instruir e emancipar. Os primeiros cineclubes no Brasil surgiram no
final dos anos de 1920, com a influência do cineclubismo europeu. Em nossa história o
Chaplin Club, do Rio de Janeiro, é considerado o primeiro cineclube do país.
Para Alves e Macedo (2010, p.9), o cineclube constitui-se em um recurso capaz de
“desenvolver um modelo próprio, democrático, cidadão, de integração entre educação formal
e informal, entre aprendizado e vivência, entre escola e comunidade”. O cineclube pode ser
utilizado como um espaço de formação de sujeitos capazes de promoverem uma
democratização radical da sociedade.
Nesta perspectiva, com a sustentação nas ideias dos autores citados anteriormente,
defendemos que o cineclube contribui para a formação de sujeitos aptos ao exercício
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Procedimentos metodológicos
Ainda com base em Lüdke e André (1986), podemos caracterizar esta pesquisa como
estudo de caso por se tratar de algo bem específico, único, singular e bem delimitado.
Para investigar a importância do cinema na escola e, particularmente um cineclube,
investigamos e detectamos a existência de um cineclube numa determinada escola pública da
cidade de Curitiba.
Entramos em contato e conseguimos entrevistar o professor idealizador e criador do
referido clube. Sendo assim, realizamos uma entrevista semiestruturada com o professor que
desenvolveu este projeto em duas instituições públicas de ensino, de nível médio, no
município de Curitiba. Além disso, consideramos pertinente entrevistar alunos participantes
do cineclube, para compreendermos a perspectiva do aluno sobre o projeto. Conversamos
com o professor a este respeito e ele nos indicou um aluno.
Na entrevista, o docente declarou que o projeto teve início em 2011, em virtude do seu
interesse pessoal pelo cinema. Não lhe agradava as práticas utilizadas com o filme em sala de
aula, relatando que estas “são um tanto frustrantes. O tempo para se trabalhar com o filme em
aula é curto, tendo que dividir os filmes em várias partes e não tem o mesmo resultado que
trabalhar com o filme na íntegra”. Neste sentido, ele pensou em uma possibilidade que
pudesse trabalhar com o cinema e sua relação com a educação escolar. A única maneira para
exibir o filme na íntegra seria o cineclube.
Questionamos o professor sobre a sua concepção a respeito do cineclube. Na sua
resposta, ele destaca a origem do cineclube na França e sua importância não só como
entretenimento, mas como potencialidade artística e assim contribuir para um projeto
educativo, conforme podemos perceber na sua fala: “O cineclube surgiu na França para
fomentar uma crítica de cinema especializada, que via no cinema não apenas entretenimento,
mas uma possível potencialidade do cinema ser arte, então o cineclube é um instrumento
muito forte de educação”.
Em seguida, perguntamos sobre o início do projeto. Ele informou que, no primeiro
ano, foram feitas exibições seguindo a rotina de apresentação, exibição e debate.
Nestas apresentações, fazia-se um breve comentário, de no máximo quinze minutos,
sobre o enredo do filme, perfil biográfico e filmográfico do diretor. Era o momento de
preparar o público para a exibição. Após a apresentação, o filme era exibido na íntegra. Para
finalizar, abria-se um debate sobre as opiniões e os pareceres de cada estudante, o que eles
haviam visto e sentido.
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Neste dia, o professor reunia os alunos em uma sala e apresentava o filme, quem
dirigiu o filme, o ano que ele passava e uma breve história do filme. Em seguida,
todos assistiam ao filme e, para finalizar, iniciava-se o debate sobre o que cada um
tinha entendido do contexto do filme.
Perguntamos ao aluno como foi à participação dele no primeiro ano em que participou
do projeto. Ele contou que fez a apresentação do filme “Clube da Luta” e que se preparou
muito sobre a história do filme e o contexto filosófico, conforme depoimento:
Estudei este filme durante um mês, antes de ter a seção, eu li vários textos sobre o
filme, sobre a direção do filme, a história em cima do filme, o contexto filosófico,
cada filósofo que encaixava nele e apresentei o filme. Nos outros anos, quem
apresentava mesmo era o professor. Ele passava e analisava alguns textos, para os
alunos, o que tinha que ler e estudar sobre o filme. Já no meio do ano eu comecei a
dar uma força para o professor, na seleção de filmes e coisas assim, ou coisas que
podia fazer o que ficava legal ou não. E no terceiro ano, eu fiz isso, dei uma força
bem grande e comecei a conversar bastante com os alunos, eu passava mais ou
menos o que dava para a gente fazer, o que ficaria legal também, já conversando
mais com eles.
Antes da exibição, o professor passava ao público uma resenha de duas a três páginas,
estabelecendo relações entre a filosofia e o cinema. Esta resenha continha conceitos
filosóficos relacionados ao filme. Não eram textos que tinham sido estudados em sala de aula,
era exclusivo do cineclube. Durante o desenvolvimento do projeto foram realizadas várias
tentativas como, indicação de leituras. Estas leituras não eram obrigatórias.
No momento da apresentação do filme existia uma heterogeneidade entre os alunos.
Alguns se aprofundavam e estudavam, enquanto alguns não haviam se apropriado do material
indicado. Mas, este fato o professor encarou como sendo um ponto positivo, por proporcionar
ao grupo um momento de troca, pois os alunos aprendiam com aqueles que haviam se
preparado. Como ele revela a fala abaixo:
Dentro do cineclube há sempre uma troca de informações, por isso ele é um fator de
educação, no sentido de multiplicar, por existir essa troca. E, neste contexto, o
professor está presente como um membro integrante, que contribui para um
aprendizado mútuo.
Quando perguntamos ao professor sobre o envolvimento dos alunos, ele nos informou
que houve uma participação. Durante o ano todo chegaram a participar das exibições mais de
oitenta alunos diferentes. Apenas um grupo formado por quatorze alunos era frequentador
assíduo. “Um fator negativo foi o fato de sempre ter alunos novos no clube, o que ocasionava
sempre a iniciação do processo, por não dar continuidade pelos mesmos integrantes”.
Sendo o cineclube um instrumento de educação, ele precisa ser um processo com um
grupo pré-estabelecido, para não haver rupturas e retomadas constantes. Na percepção do
professor a rotatividade dos discentes dificultava o desenvolvimento do projeto.
A escolha dos filmes era em torno daqueles que tinham relação com a filosofia. No
primeiro ano do projeto foram transmitidos desde os clássicos aos blockbusters. A seleção não
tinha o intuito de excluir os alunos, mas sim, incluí-los. Neste objetivo, procurou aproximar-
se da realidade e da linguagem dos alunos, que são acostumados a assistir os filmes mais
comerciais.
No segundo ano do projeto, em 2012, o professor desenvolveu o cineclube em outra
escola em conjunto com uma professora que trabalha com cinema. Esta professora
desenvolveu com os alunos um trabalho de técnicas de filmagem. Como a noção técnica de
plano e de posicionamento de câmera.
Essas aulas eram intercaladas com o cineclube. O intuito era mobilizar os alunos, se
estes mudavam o olhar com relação ao filme. E, de fato, muda o olhar, a pensar de
como o filme foi feito ou identificar, por exemplo, traços que são marcantes, dentro
da visão e da perspectiva de cada diretor, a maneira como se filma. Este
conhecimento foi muito bom para os alunos.
Na entrevista com o aluno, ele nos falou sobe as aulas de técnica de cinema, que
aconteciam intercaladas com o cineclube, realizadas pela professora. O aluno nos apontou que
aprendeu escrever roteiro. A partir destes novos conhecimentos, ele pensou em produzir junto
com os outros alunos um Curta: “eu tentei dar início, não deu certo e acabei transformando
esse projeto em particular”. Foi uma iniciativa de inteirar os alunos, do que era o cinema, a
Filosofia e como fazia cinema.
Mas, mesmo neste novo formato, a grande dificuldade enfrentada era o fato de sempre
recomeçar, tendo que retomar o objetivo do projeto, por não serem os mesmos alunos a
participarem das exibições do cineclube. O professor não soube apontar como seria se o
projeto durasse mais tempo.
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No último ano do projeto, em 2013, o professor relatou que o cineclube seguiu “com
um formato de autogestão, que os próprios alunos organizavam o cineclube, criando os
diálogos e a escolha da programação”.
O aluno nos informou que participou da organização do Cineclube, por iniciativa
própria e interesse. Ele relatou que, “como eu estava desde o começo, eu tornei aquilo como
se fosse uma coisa minha também”.
O professor destacou que no cineclube a programação era pensada entre os membros,
que nos primeiros anos o próprio professor fazia a escolha da programação. Este fato o
incomodava, estava se transformando em uma sala de aula. Mas este não era o objetivo do
cineclube.
No último ano, o professor percebeu que os alunos entenderam a essência do
cineclube, pois escolhiam filmes que tinham elementos diferenciados e que fossem causar
uma boa discussão. Relatando que: “este período foi mais um momento de observação, do que
de intervenção da minha parte”.
O aluno apontou-nos que os demais alunos participavam ativamente do projeto, mas
nem todos tinham o interesse de analisar um filme. Muitos gostavam de participar, outros
“achavam maçante”. Porém, na hora do debate todos queriam participar, queriam falar, dar a
sua opinião.
Neste sentido, o professor pode perceber que a dinâmica do cineclube é bastante
enriquecedora, quando os alunos participam ativamente, talvez este fato motive muito mais a
participação dos alunos.
Com relação ao conhecimento que o cineclube agregou aos alunos, o professor
afirmou que, durante o processo, no primeiro momento, o filme adquire um sentido para o
aluno.
Ele olha as imagens, interpreta da maneira dele, então existe a significação, que é
própria de cada indivíduo que viu o filme, o que ele pensou e as ligações que ele fez,
enfim, é o processo de significação.
Acredito que o projeto do cineclube agregou conhecimento, sendo este período uma
etapa importante na vida dos alunos que participaram do processo. Fez a diferença,
uma vez que este espaço foi encarado como um espaço de educação.
Quando você começa a associar o cinema com filosofia, tem muitos filmes que você
começa a ver de um ponto de vista completamente diferente, você acaba tentando
entender o contexto em cima daquilo. Eu tentava muito absorver o conteúdo por trás
daquela história.
Considerações finais
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: BENJAMIN,
Walter. Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1985.
DUARTE, Rosália. Cinema & educação: refletindo sobre cinema e educação. Belo
Horizonte: Autêntica, 2002.
FREITAG, Bárbara. Política educacional e indústria cultural. São Paulo. Cortez. Autores
Associados. 1987.
GRILO, João Mário. André Bazin: filme e Filosofia. Portugal: Ministério da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior: Portugal, 2010. Disponível em
http://filmphilosophy.squarespace.com/1-andr-bazin#[4], Acesso em 06/dez/2014.
KENSKI, Vani Moreira. Educação e tecnologia: o novo ritmo da informação. 8 ed. São
Paulo: Papirus, 2007.
NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003.
TEIXEIRA, Inês Assunção de Castro. Uma história sem fim: o cineclube abraça a escola. In:
ALVES, Giovanni; MACEDO, Felipe. Cineclube, cinema e educação Londrina: Práxis;
Bauru: Canal 6, 2010. p. 109 – 123.