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05/09/2020 Keith Swanwick fala sobre o ensino de música nas escolas

Keith Swanwick fala sobre o


ensino de música nas escolas
Para o especialista inglês, é fundamental unir atividades de execução,
apreciação e criação para que os alunos se desenvolvam
artisticamente

POR:
Ana Gonzaga
01 de Janeiro | 2010

A história é conhecida: em agosto de 2008, o presidente Lula


sancionou uma lei que torna obrigatório o ensino de Música na
Educação Básica. Por enquanto, o que se sabe é que as redes têm até
2012 para se adaptar às exigências da norma. Sobre quase todo o
resto, porém, paira uma atmosfera de indefinição. Haverá uma
disciplina específica ou integrada ao currículo de Arte? A aula será
teórica ou incluirá um componente prático? O professor polivalente
poderá ensiná-la? Qual a formação mais adequada? Uma excelente
fonte para refletir sobre essas dúvidas é a obra do inglês Keith
Swanwick. Professor emérito do Instituto de Educação da
Universidade de Londres e formado pela Royal Academy of Music,
KEITH SWANWICK "Os interesses
o mais aclamado conservatório musical da Grã-Bretanha, ele criou
musicais dos estudantes são variados. O
professor precisa dominar um leque de teorias sobre o desenvolvimento musical de crianças e adolescentes e
atividades para atender a essas investigou diferentes maneiras de ensinar o conteúdo. "Os interesses
demandas." musicais dos alunos são muito variados: alguns gostam de ouvir,
Foto: Marina Piedade
outros querem compor ou ainda cantar e tocar. O professor precisa
dominar um leque de atividades para atender a essas demandas",
defende. Swanwick já esteve no Brasil 15 vezes, a mais recente delas em novembro do ano passado, a
convite da Associação Amigos do Projeto Guri, em São Paulo, para uma palestra sobre Educação
musical. Após o evento, ele conversou com NOVA ESCOLA.

Em linhas gerais, o que é preciso para ensinar bem Música ?


KEITH SWANWICK O essencial é respeitar o estágio em que cada aluno se encontra. Tendo isso em mente,
é preciso seguir três princípios. Primeiro, preocupar-se com a capacidade da criança de entender o que
é proposto. Depois, observar o que ela traz de sua realidade, as coisas com que também pode
contribuir. Por fim, tornar o ensino fluente, como se fosse uma conversa entre estudantes e professor.
Isso se faz muito mais demonstrando os sons do que com o uso de notações musicais.

Como um aluno aprende Música?


SWANWICK Procurei responder a essa questão por meio de uma pesquisa com estudantes de Música
ingleses com idades entre 3 e 14 anos. Aprendi que o desenvolvimento musical de cada indivíduo se
dá numa sequência, dependendo das oportunidades de interação com os elementos da música, do
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05/09/2020 Keith Swanwick fala sobre o ensino de música nas escolas

ambiente musical que o cerca e de sua Educação. Com base nessas variáveis, posso dizer que o
aprendizado musical guarda relação com a faixa etária. Cada uma corresponderia a um estágio de
desenvolvimento.

Quais as características de cada um desses estágios?


SWANWICK O primeiro vai até mais ou menos os 4 anos. Sua marca principal são experimentações, com
as crianças batendo coisas e explorando as possibilidades de produção de sons de cada instrumento.
No segundo estágio, que vai dos 5 aos 9 anos, essa manipulação já funciona como uma forma de
manifestação do pensamento, dando origem às primeiras composições, muito parecidas com as que os
pequenos conhecem de tanto cantar, tocar e escutar. As criações se tornam mais variadas e
supreendentes a partir dos 10 anos, num movimento que chamo de especulativo. Em seguida, já no
início da adolescência, as variações passam a respeitar os padrões de algum estilo específico, muitas
vezes o pop ou o rock, "idiomas" em que é possível estabelecer conexões com outros jovens. Por fim,
a partir dos 15 anos, é possível desenvolver um quarto estágio, que engloba os outros três, em que a
música representa um valor importantíssimo para a vida do adolescente, marcado mais por uma
relação emocional individual e menos por modismos passageiros ou algum tipo de consenso social.

Que aspectos devem ser considerados no ensino de música nas escolas?


SWANWICK O fundamental é que os conteúdos sejam trabalhados de maneira integrada. Nos anos 1970,
resumi essa ideia na expressão inglesa clasp. Além de ser uma sigla, um dos sentidos dessa palavra em
português é "agregar". Proponho que há três atividades principais na música, que são compor (a letra
C, de composition ), ouvir música (A, deaudition ) e tocar (P, de performance ). Essas três atividades,
que formam o CAP, devem ser entremeadas pelo estudo da história da música (L, de literature
studies ) e pela aquisição de habilidades (S, de skill aquisition ). (No Brasil, esse processo ficou
conhecido como TECLA: T de técnica, E de execução, C de composição, L de literatura e A de
apreciação.)

Qual a vantagem de trabalhar nessa perspectiva?


SWANWICK Um ponto forte é considerar que todas essas coisas são importantes e que devem ser
desenvolvidas em equilíbrio. A ideia do clasp também pode ser útil para o professor perceber se está
gastando muito tempo, digamos, no L, descrevendo fatos históricos e desenhando instrumentos, por
exemplo. Dar muito enfoque à história da música é uma forma simplificadora de achar que se está
ensinando Música. Acontece que a história não é música - ela é sobre música. O mesmo excesso pode
ocorrer com docentes que atuam na classe o tempo todo como intérpretes ou outros que apenas
colocam CDs para a apreciação.

É apropriado trabalhar com músicas que as crianças já conheçam?


SWANWICK Sim, até para considerar o que cada criança traz de base. Mas o professor não pode se limitar
ao repertório já conhecido. É preciso ampliá-lo. Para ficar em um exemplo típico do Brasil, posso dizer
que é correto ensinar samba, mas é essencial explorar os diferentes tipos de samba e ir além desse
ritmo, trazendo novas referências.

Existem ritmos mais apropriados para cada uma das faixas etárias?
SWANWICK Não. A variação de ritmos é importante para favorecer o desenvolvimento da turma.
Também não diria que exista uma sequência mais adequada, do tipo "primeiro música clássica e depois
popular". É claro que pode ser inadequado submeter a criança pequena ao rock pesado, por exemplo,
porque ela não vai se identificar com esse tipo de som. Mas é interessante apresentar a ela alguns tipos
de percussão. Na outra ponta, talvez os mais velhos não queiram se aproximar de canções de ninar
porque elas não fazem mais parte de seu universo. De qualquer forma, um bom conselho é evitar
rotular os estilos musicais, pois esse tipo de estereótipo pode afastar. Se eu digo para um adolescente
para ouvir apenas Beethoven (1770-1827) quando seu interesse é o rock, ele não vai dar a devida

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atenção e pode pensar: "Isso não serve para mim". Por isso, não falo de antemão para os alunos que
eles vão ouvir uma música de determinado tipo. É preciso contextualizar a criação de modo que o
estilo seja apenas um dos dados sobre a música.

É verdade que os adolescentes são menos interessados em educação musical do que as crianças?
SWANWICK Adolescentes são outro mundo. (risos) Eles gostam de música de modo geral, mas
normalmente não estão interessados em ouvir a música como ela é apresentada nas escolas. O
professor tem de chegar a um acordo sobre o que trabalhar. É inevitável negociar. Se o docente tiver
uma posição muito rígida, com nível de tolerância baixo, não vai funcionar.

Criar uma lei que torne compulsório o ensino de Música é uma boa ideia?
SWANWICK Acredito que é uma boa iniciativa porque oferece às diferentes classes sociais oportunidades
iguais de aprender. Nem todas as crianças têm a chance de frequentar um curso de música pago por
seus pais em uma instituição privada. Possibilitar esse acesso nas escolas públicas é muito bom. Mas é
preciso ficar atento ao conteúdo dessas aulas. Toda criança gosta de música. É natural do ser humano.
Mas uma aula de música mal dada pode estragar tudo. Se ela for distante demais da realidade do aluno
ou excessivamente teórica, por exemplo, o estudante pode ficar resistente ao ensino de Música e piorar
a situação.

Qual sua avaliação sobre a Educação musical no Brasil?


SWANWICK Acho que vocês têm alguns problemas. Durante minha viagem, pensei bastante na seguinte
questão: onde estão os professores que vão atender à demanda criada pela nova lei? Certamente há
muitos profissionais ensinando música de qualidade, mas em geral eles estão em escolas de Música e
não na rede de ensino. É preciso conceber formas de atrair essas pessoas para a escola ou melhorar a
formação dos que já atuam. Talvez seja necessário um tempo para que se formem docentes prontos
para cumprir a norma do governo.

Muitos professores de Arte, disciplina que hoje engloba o ensino de música, reclamam que a área não é
reconhecida no Brasil. Qual sua opinião?
SWANWICK Eu entendo que muitas vezes o ensino se torna tão penoso que fica fácil esquecer o valor da
música. Eu diria que cada professor também pode atuar para recuperar esse entusiasmo,
independentemente de o reconhecimento existir ou não. Uma das maneiras é experimentar a música
por si mesmo. Fiz um trabalho para uma organização do Reino Unido que queria avaliar a qualidade
de seus professores de música. Eu dei vários cursos para esses docentes e, um dia, um deles me disse:
"Eu estava desmotivado e suas aulas me despertaram. Eu até voltei a tocar piano". Imagine só: ele era
professor e tinha parado de tocar seu instrumento! Além de tocar, o professor deve ouvir boa música -
enfim, ficar em contato com a área de uma forma prazerosa fora da sala de aula.

Na sua opinião, professores de Música precisam ser músicos?


SWANWICK Evidentemente, não precisam ser pianistas de concerto. (risos) Mas é fundamental saber
tocar um instrumento porque isso é muito útil na sala de aula. Ajuda a exemplificar e a responder as
dúvidas, entre outras coisas. Além disso, é preciso entender muito bem do assunto, ter conhecimentos
de História da Música, saber relacionar diferentes momentos históricos e estilos e construir uma visão
crítica sobre o tema.

Há uma idade mínima para a criança começar a aprender a tocar um instrumento?


SWANWICK É difícil determinar essa faixa etária, pois costuma haver uma grande variação individual.
Muitas crianças não escrevem nem leem com 3 anos, mas já têm alguns conhecimentos de gramática -
eventualmente, podem usar o passado, o presente e o futuro em frases, por exemplo. Num paralelo
com a música, elas não são capazes de escrever notas musicais, mas podem tocar para se expressar.
Costumo dizer que a idade boa para começar a aprender é quando a criança demonstra interesse.
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05/09/2020 Keith Swanwick fala sobre o ensino de música nas escolas

Muitas vezes, o principal objetivo das aulas de Música é preparar as crianças para apresentações em
datas comemorativas. Isso é ruim?
SWANWICK Você não pode impedir os pais de querer ver os filhos no palco em uma festa. A tentação de
mostrar a criança é muito grande não apenas na música como também nos esportes e em recitais de
poesias, por exemplo. Entretanto, é preciso fugir da armadilha de reduzir o ensino de Música a essas
atividades. Também não se pode cair na ideia de que o objetivo escolar é formar músicos ou apenas
fazer com que as crianças gostem um pouco mais de música.

Qual deve ser o cerne do trabalho?


SWANWICK As aulas devem colaborar para que jovens e crianças compreendam a música como algo
significativo na vida de pessoas e grupos, uma forma de interpretação do mundo e de expressão de
valores, um espelho que reflete sistemas e redes culturais e que, ao mesmo tempo, funciona como uma
janela para novas possibilidades de atuação na vida.

Quer saber mais?

BIBLIOGRAFIA
Ensinando Música Musicalmente, Keith Swanwick, 128 págs., Ed. Moderna, tel. 0800-17-2002, 36 reais
Music, Mind and Education, Keith Swanwick, 192 págs., Ed. Routledge (em inglês, sem edição no Brasil), 45,95 dólares

https://novaescola.org.br/conteudo/1017/keith-swanwick-fala-sobre-o-ensino-de-musica-nas-escolas 4/4

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