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Resumo
O presente artigo objetivou investigar o que pensam crianças estudantes do Ensino
Fundamental I sobre o fracasso escolar. Participaram da pesquisa 6 estudantes de
uma escola municipal de Londrina-PR, sendo 2 pertencentes ao 1º ano, 2 do 3º ano
e 2 do 5º ano. O método utilizado se enquadra em uma perspectiva qualitativa de
pesquisa na modalidade de estudo descritivo e o instrumento para coleta de dados
foi a entrevista semi-estruturada. A literatura especializada alerta para o fato de que
o fracasso escolar é, recorrentemente, atribuído aos sujeitos e às suas famílias, ou
seja, reduzindo o fenômeno multicausal a única dimensão. Os resultados da
pesquisa demonstraram que os alunos atribuem o sucesso ou fracasso escolar,
primeiro, ao esforço pessoal do aluno e segundo às condição do aluno de adaptação
aos padrões de comportamentos impostos pelos adultos, sendo isso condição
suficiente para tal. Há necessidade de ampliação de estudos visando compreender
melhor o fenômeno em sua complexidade e desenvolver trabalhos de intervenção
que promovam mudança de concepção.
Introdução
O fracasso escolar é um assunto que vem sendo estudado há
muitos anos, o tema não perde sua relevância, pois a escolarização no Brasil é
historicamente marcada por índices altos de evasão, repetência e também marcado
por uma população excluída do processo de escolarização. Ferraro (2004) discute a
questão do fracasso escolar relatando a existência tanto daqueles que estão
privados do acesso à escola quanto os que estão na escola, mas não tem nela
condições de permanência. A maior parte dessa população faz parte das camadas
mais pobres da sociedade, sendo então necessário partir da ideia de que a escola
está inserida em uma sociedade excludente e desigual.
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Este artigo apresenta uma discussão da literatura especializada
sobre o tema, de forma a compreender como o fracasso escolar foi explicado e
entendido ao longo dos anos no Brasil. E também como podemos quebrar com
ideias que se perpetuam preconceituosas, simplistas e excludentes sobre a não
aprendizagem. Para isso, trazemos Patto (1996), Ferraro (2004) e Lahire (2004).
Os estudos indicados pela literatura especializada nos propõe
compreender qual o entendimento sobre o insucesso escolar possuem as crianças
envolvidas no processo de escolarização. O que elas pensam sobre o aluno que não
aprende e o que elas acreditam que sejam as causas dessa não aprendizagem.
Pretendemos com essa pesquisa então, dar voz a essas crianças e analisar suas
significações a respeito do fracasso escolar tendo como fundamentação teórica as
compreensões de fracasso escolar da literatura especializada apresentada neste
trabalho.
Objetivos
Investigar o que pensam crianças estudantes do Ensino
Fundamental I sobre o fracasso escolar.
Compreender qual o entendimento que as crianças em processo de
escolarização tem de insucesso escolar.
Analisar significações dos alunos a respeito do fracasso escolar
tendo como fundamentação teórica as compreensões de fracasso escolar da
literatura especializada apresentada neste trabalho.
Metodologia
O método utilizado se enquadra em uma perspectiva qualitativa de
pesquisa na modalidade de estudo descritivo. O instrumento utilizado para a coleta
de dados foi a entrevista semi-estruturada e objetivou conhecer as representações
das crianças sobre o insucesso escolar.
Participantes: 6 crianças estudantes do Ensino Fundamental I de
uma escola municipal de Londrina-PR. Sendo 2 do 1º ano, 2 do 3º ano e 2 do 5º
ano. Totalizando 3 meninas e 3 meninos.
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Materiais: roteiro semi-estruturado de entrevista. A coleta dos dados
ocorreu por meio de entrevistas gravadas em áudio e transcritas para análise,
respeitando-se as determinações éticas de pesquisa.
Referencial teórico
O insucesso escolar é tema de estudo há muitos anos no Brasil,
devido a índices de evasão e repetências se repetirem ano a ano, principalmente,
nas camadas mais pobres do país. A autora Patto (1996) em seu livro “A produção
do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia” expõe como, ao longo da
escolarização brasileira, esse processo foi sendo explicado e justificado por parte
das literaturas especializadas do século XX.
O início do século foi marcado, conforme a autora, pelo
entendimento de que o aprender ou não aprender está localizado no aluno, ou seja,
as crianças eram entendidas como detentoras de potencialidades distintas. Essa
compreensão é influenciada pela Psicologia Experimental, que ganha força na
época e com ela fortalece-se a psicometria e a higiene mental, que em linhas gerais,
significa a medição da inteligência por meio de testes.
O insucesso escolar passa a ser medido por meio de diagnósticos e
haviam programas de psicologia no intuito de previni-lo. Esse modo de entender o
processo de aprendizagem e não aprendizagem propunha a identificação dos mais
capazes e sua promoção. A divisão da sociedade acontecia devido diferenças e
aptidões de cada um. Vale ressaltar aqui a influencia do contexto político da época
movidos por ideais liberais de liberdades individuais.
No início do século houve também as diferenças colocadas sobre a
questão racial, conforme Patto (1996), fundamentada em teorias racistas de base
evolucionistas do século XIX, e legitimada pela medicina da época, justificavam a
inferioridade da população negra, indígena e mestiça.
Ao longo do século XX, começam aparecer estudos que passam a
investigar as influencias do meio no desenvolvimento dos indivíduos. O fracasso
escolar passa a ser justificado pela estrutura familiar e o ambiente que os indivíduos
vivem. Ideias então de que o aluno não aprende devido sua família ser pobre e
desestruturada.
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Em resumo, Patto (1996), sintetiza o período educacional do inicio
do século XX como sendo formado em “fogo cruzado de preconceitos e estereótipos
sociais, cientificamente validados, e do ideal liberal de igualdade de oportunidades
que se geraram ideias que interferiram nos rumos da política, da pesquisa e das
práticas educacionais.” (PATTO, 1996, p. 85).
A segunda metade do século é marcada por explicações voltada em
questões sociais e culturais. Entra em cena estudos da Carência Cultural, ou seja,
explicações voltadas ao ambiente familiar e as condições de acesso cultural dos
indivíduos, como determinantes do desempenho escolar. Essa perspectiva, ainda
mantinha no aluno e em sua família as causas do sucesso ou insucesso escolar. À
escola, nesse entendimento, caberia adequar-se a esse aluno.
Esse período é marcado também pelas teorias Crítico-
reprodutivistas. Estas iniciam uma discussão a respeito da dominação cultural que
escolas e outras instituições exercem no meio social. Porém, esse dominação era
entendida simplesmente como uma diferença cultural entre classes. A classe dos
mais pobres era vista como uma subcultura que precisava ser aculturada pela
cultura dominante.
Nesse sentido, Patto (1996, p.115) expõe:
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Nesse sentido, a pesquisa recente sobre o fracasso escolar repete,
com algumas exceções, o discurso fraturado que predominou no
período em que vigoraram as ideias escolanovistas, quando não
repete a tentativa de colagem deste discurso afirmando que a escola
que aí está é inadequada à clientela carente. (PATTO, 1996, p. 120).
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Pesquisas mais atuais a respeito do tema, vem levando em conta,
como ponto de partida, a sociedade excludente da qual a escola faz parte. Ferraro
(2004), diferencia em seu estudo a exclusão que acontece na escola da exclusão da
escola de forma a ampliar a discussão sistema educacional e suas formas de
exclusão, pois para o autor há tanto os que estão privados do acesso à escola como
os que estão na escola, porém não tem condições de acesso e permanência de
forma igual aos demais no processo de escolarização.
O autor apresenta então, questões como o trabalho infantil, a
desigualdade racial e a desigualdade de gênero como sendo populações que sofrem
uma exclusão da sociedade e que ao ingressarem na escola passam pela exclusão
também no seu interior. Carregando fracassos ao longo de sua trajetória de
escolarização.
Sobre o trabalho infantil, por exemplo, o autor apresenta um estudo
realizado em uma escola da zona rural do Rio Grande do Sul, no qual mais da
metade das crianças eram trabalhadoras e mais de trinta por cento dessas crianças
apresentavam grande defasagem na relação série/idade. A criança trabalhadora,
menor de 10 anos, é realidade em meios populares, coisa que, conforme o autor,
não é evidenciado em estatísticas oficiais, por isso o estudo apresentado tem como
conclusão a necessidade da escola pensar caminhos educacionais que incluam e
possibilitem a permanência das crianças trabalhadoras nela, porque elas existem e
estão constituindo sua vida escolar com sucessivos fracassos. (FERRARO, 2004).
Sobre a questão de raça, Ferraro (2004) apresenta algumas
pesquisas que demonstram como a população negra carrega em sua história
sucessivas experiências de insucesso, seja na escola, como também no mercado de
trabalho. A pesquisa de Pinto (1992) aponta que “invariavelmente, em assunto de
ocupação, emprego, renda, alfabetização e anos de estudo, os negros estão sempre
em situação desvantajosa em relação aos brancos”. (apud FERRARO, 2004, p. 60).
Pinto (1992) relata o atraso escolar na vida do negro, que se
estende da pré-escola à todos os outros níveis de ensino. A taxa de analfabetismo, a
média de anos de estudo e a taxa da população com ensino médio completo se
diferencia muito entre negros e brancos.
Como conclusão de sua análise, o autor apresenta que para além da
inclusão das crianças e adolescentes na escola:
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A solução do problema da exclusão escolar passa necessariamente
pela transformação da escola, isto é, pela superação da lógica de
exclusão que rege seu funcionamento em relação à escolarização
das classes populares, do aluno trabalhador, do negro e de outros
grupos ou categorias de discriminados. (FERRARO, 2004, p. 63-64).
[...] dar ênfase ao fato de que a escola peça para os alunos que
adotem determinada atitude diante da linguagem e que os melhores
ou piores resultados escolares dependam da desigual capacidade,
socialmente estabelecida, desses alunos para se orientar
adequadamente em relação à linguagem, não permite pronunciar-se
de nenhuma maneira sobre os condicionantes sociais que levam os
alunos a ser “bons estudantes” em maior ou menos grau. (LAHIRE,
2004, p. 72).
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sobre as questões escolares. Escutam, valorizam e atribuem sentido aos fatos
escolares trazidos pelas crianças. Nas palavras do autor:
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O presente estudo faz parte de um projeto maior denominado: “A
construção de mecanismos do desenvolvimento cognitivo e o conhecimento social:
ideias sobre as greves, formação de possíveis, processos de abstração reflexionante
e generalização”, do qual participo como bolsista de Iniciação Científica. A coleta de
dados aconteceu de forma individual com cada participante, após uma conversa de
apresentação e ambientação, realizou-se roteiro previamente estruturado de
perguntas. Os participantes foram identificados como: E1, E2, E3, E4, E5, E6, e as
perguntas versaram sobre a ideia que as crianças possuíam sobre sucesso e
fracasso; sucesso e fracasso na escola; bom aluno e aluno ruim; boas notas e notas
ruins.
Para análise dos dados separamos as respostas em duas categorias, a
primeira diz respeito às ideias de sucesso e fracasso, e sucesso e fracasso na
escola. A segunda refere-se às de ideias sobre ser um bom aluno ou um aluno ruim.
As ideias de sucesso apresentaram um cunho fortemente influenciado
por questões midiáticas, o sucesso na compreensão da grande maioria das crianças
está ligado a fama, é algo raro. Como podemos ver nos exemplos:
Sucesso é... é uma pessoa que ouviu falar e fez sucesso, dai vai
espalhando pra todo mundo e isso é sucesso. (E4, 8 ano e 10
meses).
É uma pessoa muito famosa. E... é ela é uma pessoa famosa que
pode ser atriz, cantor, modelo, várias coisas. (E5, 10 anos e 3
meses).
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Na escola? É uma pessoa que faz sucesso na escola... que ela tipo
popular... dai a pessoa... eu falo que eu fiz alguma coisa dai uma
pessoa não conseguiu dai isso é popular. (E4, 8 anos e 10 meses).
É a pessoa que não faz tarefa, não faz os trabalhos na aula e fica
conversando quando a professora tá falando. (E5, 10 anos e 3
meses).
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Referências
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