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ISBN 978-85-7846-455-4

FRACASSO ESCOLAR: QUAIS AS IDEIAS DE ESTUDANTES DO ENSINO


FUNDAMENTAL I SOBRE O TEMA

Mariana Moreno Macarini


marianammacarini@gmail.com.br
Francismara Neves de Oliveira
francis.uel@gmail.com.br
Universidade Estadual de Londrina
Eixo 2: Educação, diversidade e direitos humanos.

Resumo
O presente artigo objetivou investigar o que pensam crianças estudantes do Ensino
Fundamental I sobre o fracasso escolar. Participaram da pesquisa 6 estudantes de
uma escola municipal de Londrina-PR, sendo 2 pertencentes ao 1º ano, 2 do 3º ano
e 2 do 5º ano. O método utilizado se enquadra em uma perspectiva qualitativa de
pesquisa na modalidade de estudo descritivo e o instrumento para coleta de dados
foi a entrevista semi-estruturada. A literatura especializada alerta para o fato de que
o fracasso escolar é, recorrentemente, atribuído aos sujeitos e às suas famílias, ou
seja, reduzindo o fenômeno multicausal a única dimensão. Os resultados da
pesquisa demonstraram que os alunos atribuem o sucesso ou fracasso escolar,
primeiro, ao esforço pessoal do aluno e segundo às condição do aluno de adaptação
aos padrões de comportamentos impostos pelos adultos, sendo isso condição
suficiente para tal. Há necessidade de ampliação de estudos visando compreender
melhor o fenômeno em sua complexidade e desenvolver trabalhos de intervenção
que promovam mudança de concepção.

Palavras-chave: Educação, Concepção de Alunos, Fracasso Escolar.

Introdução
O fracasso escolar é um assunto que vem sendo estudado há
muitos anos, o tema não perde sua relevância, pois a escolarização no Brasil é
historicamente marcada por índices altos de evasão, repetência e também marcado
por uma população excluída do processo de escolarização. Ferraro (2004) discute a
questão do fracasso escolar relatando a existência tanto daqueles que estão
privados do acesso à escola quanto os que estão na escola, mas não tem nela
condições de permanência. A maior parte dessa população faz parte das camadas
mais pobres da sociedade, sendo então necessário partir da ideia de que a escola
está inserida em uma sociedade excludente e desigual.

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Este artigo apresenta uma discussão da literatura especializada
sobre o tema, de forma a compreender como o fracasso escolar foi explicado e
entendido ao longo dos anos no Brasil. E também como podemos quebrar com
ideias que se perpetuam preconceituosas, simplistas e excludentes sobre a não
aprendizagem. Para isso, trazemos Patto (1996), Ferraro (2004) e Lahire (2004).
Os estudos indicados pela literatura especializada nos propõe
compreender qual o entendimento sobre o insucesso escolar possuem as crianças
envolvidas no processo de escolarização. O que elas pensam sobre o aluno que não
aprende e o que elas acreditam que sejam as causas dessa não aprendizagem.
Pretendemos com essa pesquisa então, dar voz a essas crianças e analisar suas
significações a respeito do fracasso escolar tendo como fundamentação teórica as
compreensões de fracasso escolar da literatura especializada apresentada neste
trabalho.

Objetivos
Investigar o que pensam crianças estudantes do Ensino
Fundamental I sobre o fracasso escolar.
Compreender qual o entendimento que as crianças em processo de
escolarização tem de insucesso escolar.
Analisar significações dos alunos a respeito do fracasso escolar
tendo como fundamentação teórica as compreensões de fracasso escolar da
literatura especializada apresentada neste trabalho.

Metodologia
O método utilizado se enquadra em uma perspectiva qualitativa de
pesquisa na modalidade de estudo descritivo. O instrumento utilizado para a coleta
de dados foi a entrevista semi-estruturada e objetivou conhecer as representações
das crianças sobre o insucesso escolar.
Participantes: 6 crianças estudantes do Ensino Fundamental I de
uma escola municipal de Londrina-PR. Sendo 2 do 1º ano, 2 do 3º ano e 2 do 5º
ano. Totalizando 3 meninas e 3 meninos.

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Materiais: roteiro semi-estruturado de entrevista. A coleta dos dados
ocorreu por meio de entrevistas gravadas em áudio e transcritas para análise,
respeitando-se as determinações éticas de pesquisa.

Referencial teórico
O insucesso escolar é tema de estudo há muitos anos no Brasil,
devido a índices de evasão e repetências se repetirem ano a ano, principalmente,
nas camadas mais pobres do país. A autora Patto (1996) em seu livro “A produção
do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia” expõe como, ao longo da
escolarização brasileira, esse processo foi sendo explicado e justificado por parte
das literaturas especializadas do século XX.
O início do século foi marcado, conforme a autora, pelo
entendimento de que o aprender ou não aprender está localizado no aluno, ou seja,
as crianças eram entendidas como detentoras de potencialidades distintas. Essa
compreensão é influenciada pela Psicologia Experimental, que ganha força na
época e com ela fortalece-se a psicometria e a higiene mental, que em linhas gerais,
significa a medição da inteligência por meio de testes.
O insucesso escolar passa a ser medido por meio de diagnósticos e
haviam programas de psicologia no intuito de previni-lo. Esse modo de entender o
processo de aprendizagem e não aprendizagem propunha a identificação dos mais
capazes e sua promoção. A divisão da sociedade acontecia devido diferenças e
aptidões de cada um. Vale ressaltar aqui a influencia do contexto político da época
movidos por ideais liberais de liberdades individuais.
No início do século houve também as diferenças colocadas sobre a
questão racial, conforme Patto (1996), fundamentada em teorias racistas de base
evolucionistas do século XIX, e legitimada pela medicina da época, justificavam a
inferioridade da população negra, indígena e mestiça.
Ao longo do século XX, começam aparecer estudos que passam a
investigar as influencias do meio no desenvolvimento dos indivíduos. O fracasso
escolar passa a ser justificado pela estrutura familiar e o ambiente que os indivíduos
vivem. Ideias então de que o aluno não aprende devido sua família ser pobre e
desestruturada.

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Em resumo, Patto (1996), sintetiza o período educacional do inicio
do século XX como sendo formado em “fogo cruzado de preconceitos e estereótipos
sociais, cientificamente validados, e do ideal liberal de igualdade de oportunidades
que se geraram ideias que interferiram nos rumos da política, da pesquisa e das
práticas educacionais.” (PATTO, 1996, p. 85).
A segunda metade do século é marcada por explicações voltada em
questões sociais e culturais. Entra em cena estudos da Carência Cultural, ou seja,
explicações voltadas ao ambiente familiar e as condições de acesso cultural dos
indivíduos, como determinantes do desempenho escolar. Essa perspectiva, ainda
mantinha no aluno e em sua família as causas do sucesso ou insucesso escolar. À
escola, nesse entendimento, caberia adequar-se a esse aluno.
Esse período é marcado também pelas teorias Crítico-
reprodutivistas. Estas iniciam uma discussão a respeito da dominação cultural que
escolas e outras instituições exercem no meio social. Porém, esse dominação era
entendida simplesmente como uma diferença cultural entre classes. A classe dos
mais pobres era vista como uma subcultura que precisava ser aculturada pela
cultura dominante.
Nesse sentido, Patto (1996, p.115) expõe:

O objetivo não era, portanto, garantir às classes subalternas a


apropriação do saber escolar enquanto instrumento de luta na
transformação radical da sociedade, mas acenar para o pobre com a
possibilidade de melhoria de suas condições de através de uma
melhora de nível social e econômico, estruturalmente impossível
para a maioria.

O final do século XX é marcado por pesquisas que iniciam uma


discussão para os fatores intra-escolares como produtor do fracasso escolar. Porém
ainda, segundo a autora, não a superação da atribuição aos alunos e seu ambiente
familiar às causas da não aprendizagem e das evasões escolares.
Nas palavras da autora:

[...] à medida que as pesquisas vão desvendando mais criticamente


aspectos da estrutura e do funcionamento do sistema escolar, ao
invés da tendência de atribuir à clientela as causas do fracasso
escolar ter sido superada, ela foi apenas acrescida de considerações
sobre a má qualidade do ensino que se oferece a essas crianças.

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Nesse sentido, a pesquisa recente sobre o fracasso escolar repete,
com algumas exceções, o discurso fraturado que predominou no
período em que vigoraram as ideias escolanovistas, quando não
repete a tentativa de colagem deste discurso afirmando que a escola
que aí está é inadequada à clientela carente. (PATTO, 1996, p. 120).

As questões psicológicas e as capacidades individuais constituíram


o foco para explicar as dificuldades de aprendizagem, influenciadas pela teoria da
carência cultural na qual os sujeitos são vistos como sem cultura, provindos de
ambiente familiares desestruturados e por isto não capazes de aprender.
As ideias em geral dessas pesquisas, são de que primeiro as
dificuldades das crianças são devido as condições que a criança vive. Segundo o
professor tem em mente um aluno idealizado, de classe media, não adequando-se
assim a clientela que recebe em sala de aula. E terceiro porque os professores,
faltando-lhes conhecimento e sensibilidade a respeito das classes mais populares,
acabam por discriminar seus alunos.
Patto (1996, p. 125) faz o seguinte questionamento:

Cabe perguntar se muitos dos equívocos dos professores a respeito


da clientela não resultam do contato com textos que, a título de
formá-los ou de sanar suas deficiências de formação, podem estar
confundindo-os ainda mais. Sua alegada ‘falta de sensibilidade’, por
sua vez, pode também ser intensificada pela confirmação científica
de seus preconceitos de classe.

A falta de criticidade, a falta de uma compreensão de totalidade que


envolve as relações entre escola e pobreza, aluno pobre e a escola, professor e
aluno, acaba se perpetuando nos pensamentos sobre o fracasso escolar. Patto
(1996), nesse sentido, questiona a falta de compreensão da sociedade capitalista,
que vive das relações de exploração entre as classes sociais. Estes aspectos, se
não levados em conta, acabam responsabilizando o próprio pobre e sua suposta
cultura marginalizada, por seu fracasso escolar.
Para complementar essa ideia, Patto (1996, p. 127) expõe:

Por isso, uma discussão metodológica, ampla e profunda, configura-


se como a tarefa urgente na área da pesquisa em ciências humanas,
tendo em vista a superação de “verdades” e de simplificações que
podem estar continuamente atuando contra os interesses das
classes a que se referem.

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Pesquisas mais atuais a respeito do tema, vem levando em conta,
como ponto de partida, a sociedade excludente da qual a escola faz parte. Ferraro
(2004), diferencia em seu estudo a exclusão que acontece na escola da exclusão da
escola de forma a ampliar a discussão sistema educacional e suas formas de
exclusão, pois para o autor há tanto os que estão privados do acesso à escola como
os que estão na escola, porém não tem condições de acesso e permanência de
forma igual aos demais no processo de escolarização.
O autor apresenta então, questões como o trabalho infantil, a
desigualdade racial e a desigualdade de gênero como sendo populações que sofrem
uma exclusão da sociedade e que ao ingressarem na escola passam pela exclusão
também no seu interior. Carregando fracassos ao longo de sua trajetória de
escolarização.
Sobre o trabalho infantil, por exemplo, o autor apresenta um estudo
realizado em uma escola da zona rural do Rio Grande do Sul, no qual mais da
metade das crianças eram trabalhadoras e mais de trinta por cento dessas crianças
apresentavam grande defasagem na relação série/idade. A criança trabalhadora,
menor de 10 anos, é realidade em meios populares, coisa que, conforme o autor,
não é evidenciado em estatísticas oficiais, por isso o estudo apresentado tem como
conclusão a necessidade da escola pensar caminhos educacionais que incluam e
possibilitem a permanência das crianças trabalhadoras nela, porque elas existem e
estão constituindo sua vida escolar com sucessivos fracassos. (FERRARO, 2004).
Sobre a questão de raça, Ferraro (2004) apresenta algumas
pesquisas que demonstram como a população negra carrega em sua história
sucessivas experiências de insucesso, seja na escola, como também no mercado de
trabalho. A pesquisa de Pinto (1992) aponta que “invariavelmente, em assunto de
ocupação, emprego, renda, alfabetização e anos de estudo, os negros estão sempre
em situação desvantajosa em relação aos brancos”. (apud FERRARO, 2004, p. 60).
Pinto (1992) relata o atraso escolar na vida do negro, que se
estende da pré-escola à todos os outros níveis de ensino. A taxa de analfabetismo, a
média de anos de estudo e a taxa da população com ensino médio completo se
diferencia muito entre negros e brancos.
Como conclusão de sua análise, o autor apresenta que para além da
inclusão das crianças e adolescentes na escola:

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A solução do problema da exclusão escolar passa necessariamente
pela transformação da escola, isto é, pela superação da lógica de
exclusão que rege seu funcionamento em relação à escolarização
das classes populares, do aluno trabalhador, do negro e de outros
grupos ou categorias de discriminados. (FERRARO, 2004, p. 63-64).

Essa transformação precisa, conforme o autor, decorrer de estudos


que envolvem critérios de avaliação e classificação dos alunos existentes em
âmbitos nacionais, estaduais e municipais, assim como o processo pelo qual o
indivíduo passa a ser produtor do insucesso escolar.
Outro estudo que vem quebrar com a lógica do fracasso escolar
como provindo da criança e do seu ambiente familiar é os estudos de Lahire (2004).
O autor faz uma discussão sobre a linguagem da escola e a linguagem usual dos
sujeitos inseridos nela. Conforme o autor há um distanciamento que faz com que as
práticas escolares careçam de sentido para a criança que aprende. E adverte sobre
a necessidade de reestabelecimento da relação da criança com a linguagem
escolar. Porém, chama atenção para o cuidado que precisa-se ter em não interpretar
esse distanciamento como simplesmente oriundo da falta de cultura dessa criança,
pois esse tipo de compreensão não permite vislumbrar os condicionantes sociais por
traz do bom aluno e do mal aluno.
Nas palavras do autor:

[...] dar ênfase ao fato de que a escola peça para os alunos que
adotem determinada atitude diante da linguagem e que os melhores
ou piores resultados escolares dependam da desigual capacidade,
socialmente estabelecida, desses alunos para se orientar
adequadamente em relação à linguagem, não permite pronunciar-se
de nenhuma maneira sobre os condicionantes sociais que levam os
alunos a ser “bons estudantes” em maior ou menos grau. (LAHIRE,
2004, p. 72).

Além disso, o autor explica que “a presença objetiva de um capital


cultural familiar só tem sentido se esse capital se encontra rodeado de condições
que tornem possível ‘transmiti-lo’”. (LAHIRE, 2004, p. 72).
Então, sintetiza que o patrimônio cultural familiar só faz sentido para
a criança se transformado em conhecimento com atribuição de valor. E que famílias
que mesmo tendo uma escassez cultural e material conseguem dar apoio aos filhos

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sobre as questões escolares. Escutam, valorizam e atribuem sentido aos fatos
escolares trazidos pelas crianças. Nas palavras do autor:

[...] percebe-se que as famílias escassamente dotadas de capital


escolar ou desprovidas do mesmo por completo (o caso de pais
analfabetos) podem, no entanto, e muito bem, por meio do diálogo
ou da redistribuição de papéis domésticos, atribuir um posto
simbólico, dentro das conversas familiares, ou posto efetivo ao
“escolar” ou à “criança letrada” no seio da estrutura familiar.
(LAHIRE, 2004, p. 73).
Compreende-se assim, a complexidade do fato e fica explicito que
enfrentar de forma isolada o fracasso escolar não tornam as ações eficazes. Neste
sentido, Lahire (2004), expõe que:

Dessa perspectiva, ao contrário do que se poderia pensar, as


políticas econômicas e sociais de luta contra determinadas formas de
“exclusão”, e principalmente contra o desemprego de longa duração,
são de igual importância que as “reformas” ou “apoios” estritamente
escolares. Tudo o que acontece dentro das paredes do colégio não
pode ficar reduzido a motivos de âmbito escolar. Por exemplo, a luta
contra o desemprego é uma forma indireta de luta contra o “fracasso
escolar”, já que a desestabilização e a instauração de insegurança
no núcleo familiar, produto de uma situação de desemprego de longa
duração, são incompatíveis com as expectativas de futuro e com o
mínimo de dedicação que se exige das crianças no plano escolar.
(LAHIRE, 2004, p. 74).

Ao estudarmos o insucesso escolar, suas justificativas e causas


atribuídas historicamente, podemos perceber que muitas dessas explicações ainda
podem influenciar o âmbito escolar nos dias atuais. Somados as dados de realidade
que indicam que o analfabetismo, a baixa escolaridade e evasão escolar, estão
diretamente relacionados com camadas mais pobres da população. Ainda
predomina o pensamento de que a criança pobre é desnutrida, carente de afeto,
apresenta família desestruturada e é, biológica e psicologicamente incapaz de
aprender. Ou ainda, que a criança pobre não tem cultura, e por isso não consegue
acompanhar o ritmo escolar. Estas explicações se voltam ao sujeito de classe baixa
para explicar “nele” o “seu” fracasso na escola.

Discussão dos Resultados

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O presente estudo faz parte de um projeto maior denominado: “A
construção de mecanismos do desenvolvimento cognitivo e o conhecimento social:
ideias sobre as greves, formação de possíveis, processos de abstração reflexionante
e generalização”, do qual participo como bolsista de Iniciação Científica. A coleta de
dados aconteceu de forma individual com cada participante, após uma conversa de
apresentação e ambientação, realizou-se roteiro previamente estruturado de
perguntas. Os participantes foram identificados como: E1, E2, E3, E4, E5, E6, e as
perguntas versaram sobre a ideia que as crianças possuíam sobre sucesso e
fracasso; sucesso e fracasso na escola; bom aluno e aluno ruim; boas notas e notas
ruins.
Para análise dos dados separamos as respostas em duas categorias, a
primeira diz respeito às ideias de sucesso e fracasso, e sucesso e fracasso na
escola. A segunda refere-se às de ideias sobre ser um bom aluno ou um aluno ruim.
As ideias de sucesso apresentaram um cunho fortemente influenciado
por questões midiáticas, o sucesso na compreensão da grande maioria das crianças
está ligado a fama, é algo raro. Como podemos ver nos exemplos:

Sucesso?... moda, desfilar. (E1, 6 anos).

Sucesso é... é uma pessoa que ouviu falar e fez sucesso, dai vai
espalhando pra todo mundo e isso é sucesso. (E4, 8 ano e 10
meses).

É uma pessoa muito famosa. E... é ela é uma pessoa famosa que
pode ser atriz, cantor, modelo, várias coisas. (E5, 10 anos e 3
meses).

Os exemplos demonstram o apelo midiático que as crianças


recebem atualmente e a valorização que elas dão por quem está protagonizando
esses meios de comunicação. Conforme Oliveira (2011), a mídia exerce um poder
sobre a população no sentido de formar valores simbólicos, de forma a atingir um
papel no dia a dia das pessoas, como também nas suas vidas sociais.
Sobre o sucesso e fracasso na escola obtivemos dos tipos de
respostas, a primeira ligada novamente a fama, a fazer algo raro e ser popular na
escola. E a segunda ligada ao esforço do aluno, ao seu comportamento moral.

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Na escola? É uma pessoa que faz sucesso na escola... que ela tipo
popular... dai a pessoa... eu falo que eu fiz alguma coisa dai uma
pessoa não conseguiu dai isso é popular. (E4, 8 anos e 10 meses).

É... quando tira nota alta ou quando tipo... é popular. É mais ou


menos isso eu acho. (E6, 10 anos e 2 meses).

Que se comporta... que faz atividade quietinha, sem conversar... e


que... e que faz atividade tudinho certo. (E2, 6 anos).

Na escola? Menino estudioso, ser legal. Hmmm.. sucesso na


escola? Se comportar na escola, é... obedecer as professoras, é só
isso que eu conheço. (E3, 8 anos e 8 meses).

O sucesso na escola fica sob responsabilidade do aluno, seja pelo


seu esforço e obediência, seja pela sua habilidade ou competência em fazer algo
diferente dos demais.
Ao serem questionados sobre o que é ser um bom aluno e um aluno
ruim as ideias apresentadas são ligadas a questões morais, de comportamento
esperado no ambiente escolar, de obediência e de esforço pessoal. Conforme
podemos ver nos exemplos.

Que presta atenção na aula, estuda, não conversa muito e que


respeita os outros. (E6, 10 anos e 2 meses).

Ser um bom aluno? Essa eu sei... ser um bom aluno é se


comportar... fazer todas as atividades que a professora manda... e...
e a professora deixa a gente tomar lanche, mas só na hora de tomar
lanche... a gente tem hora pra tudo, tem hora de brincar na quadra, e
tem a hora de brincar no parquinho com a Educação Física. (E2, 6
anos).

Ah isso ai é fácil. Desobedece a professora, que... trata mal os


amigos, ah fácil é .. que... tipo ele bate nos amigos, ele tipo responde
a professora. (E3, 8 anos e 8 meses).

É a pessoa que não faz tarefa, não faz os trabalhos na aula e fica
conversando quando a professora tá falando. (E5, 10 anos e 3
meses).

Nesse sentido, o aluno bom é aquele que obedece e se adapta aos


padrões de comportamentos impostos pelos adultos. Novamente volta-se a
responsabilidade ao próprio sujeito.
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Por fim questionamos às crianças por que existem pessoas que não
conseguem ir bem na escola. E as respostas mantiveram um cunho moral e de
esforço pessoal. Segue os exemplo:

Porque... ela fala demais... grita ainda...(E2, 6 anos).

Não presta atenção, desobedece.(E4,8 anos e 10 meses).

Bom ela pode ficar entretida, pode ficar mexendo no celular e


esquecer de fazer a tarefa, ela pode ficar no computador, fica
brincando e não fazer tarefa. (E5,10 anos e 3 meses).

Em geral, todas as categorias de respostas foram marcadas por


respostas voltadas ao esforço individual, ao mérito dos sujeitos. O individuo é
sozinho responsável por seu sucesso ou fracasso.
Ao retornarmos a literatura especializada sobre o fracasso escolar,
podemos ver que este foi explicado como sendo responsabilidade do sujeito e de
sua família. À este cabe então esforçar-se e dedicar-se de forma a se tornar mais
apto às exigências do mundo atual e assim obter sucesso. À escola, conforme essa
mesma literatura, caberia aculturar esse sujeito.
Aproximamos aqui o conteúdo apresentado pelas crianças com o
que historicamente, foi apresentado como causa dos fracassos escolares. Podemos
então perceber o quanto essas ideias ainda perpassam as escolas, as salas de
aulas, o quanto a escola, reprodutora de desigualdades, ainda ensina,
predominantemente, a obediência e o silencio como sinônimos de bons alunos.
Nada se ouve sobre respeito, cooperação, reflexão, etc.
Porém, devemos também compreender que além de todo um aporte
ideológico, vindo muitas vezes de literaturas especializas que voltam a
responsabilidade aos próprios sujeitos por seus fracassos, as ações políticas do
Estado brasileiro, as políticas públicas, principalmente, as educacionais estão
falhando em suas funções na garantia de direitos. Ações compensatórias como, por
exemplo, bolsa-família, bolsa-escola, políticas de apoio ao ensino noturno, merenda
escolar, entre outras, não alcançam o objetivo almejado. E assim, conforme Cury
(2005), falham na tentativa de promover ascensão social e de garantir o acesso e
permanência da população à educação pública, gratuita e de qualidade.

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Referências

CURY, C. R. J. Políticas inclusivas e compensatórias na educação básica.


Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 124, p. 11-32, jan./abr. 2005.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cp/v35n124/a0235124.pdf>. Acesso em: 26
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FERRARO, A. R. Escolarização no Brasil na ótica da exclusão. In: MARCHESI, Á. et


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LAHIRE, B. As origens da desigualdade escolar. In: MARCHESI, Á. et al. Fracasso


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OLIVEIRA, M. R. F. A lógica do consumo na sociedade contemporânea e sua


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Maringá, Maringá, 2011.

PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e


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PINTO, R. P. Raça e educação: uma articulação incipiente. Cadernos de Pesquisa,


São Paulo, n. 80, p. 41-50, 1992.

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