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A ATEMPORALIDADE DE MARCEL DUCHAMP

POR CAROLINE DO AMARAL

As rupturas provocadas por Marcel Duchamp na arte de seu tempo influenciam


o universo artístico até hoje. Foi um artista contestador que valorizava mais a ideia que
permeava a obra do que sua beleza estética, parte da concepção de que o público não é
um mero contemplador mas um receptor ativo que participa da significação da obra de
arte e confrontou o circuito artístico com seus ready-mades questionando o que é arte,
quem a classifica como arte e quem valida esta classificação. Duchamp entrou para a
História da Arte, como afirmou que poucos fariam. A validação do tempo e da
influência que seu trabalho exerce na posteridade em oposição à lógica de mercado, que
valoriza o vendível imediato. Seu trabalho entra para a história porque seu valor
continua sendo percebido e comprovado, as questões que levantou continuam em pauta,
daí sua atemporalidade.

Honestamente, conheço pouco sobre o mercado de arte, mas exponho aqui o


pouco que eu entendo e as associações que fiz a partir do estudo de Duchamp.

Escolhi Marcel Duchamp para fazer este trabalho porque me identifico com
muitas questões de sua trajetória. Como já disse no trabalho sobre Duchamp e Giotto, os
questionamentos que ele levanta, principalmente sobre o mercado de arte, tem muito a
ver com o que eu entendo por arte e o que eu gosto em arte, me ajudou a entender
melhor o meu juízo de gosto, e deste modo fortalecer os motivos pelos quais eu estudo
arte.
A ATEMPORALIDADE DE MARCEL DUCHAMP

O QUE É ARTE?

Uma das questões mais significativas para mim das tantas que Duchamp
levantou é o questionamento sobre o que é arte. E mais significativo ainda é a falta de
respostas para esta pergunta. Não existir uma resposta fechada amplia as possibilidades
artísticas, tanto de criação quanto de interpretação.

Para Duchamp a arte não se dá pelo belo, questão tão amplamente estudada na
Filosofia, porque o belo está sujeito ao juízo de gosto que é invariavelmente subjetivo.
A arte é a ideia. “Do Renascimento até Picasso as transformações artísticas se deram no
interior de uma linguagem pictórica, de uma concepção histórica da forma e do objeto
artístico” (OSÓRIO, Luiz Camillo). Marcel Duchamp fez um tipo de arte que não se
enquadrava nessas categorias: os ready mades. Abriu assim o caminho para a
exploração dos diversos materiais na arte, característica importante da Arte
Contemporânea.

A arte que ele defendia se opunha à arte retiniana, que seria uma arte agradável
aos olhos. Uma arte de contemplação. Duchamp pretende uma arte mental, que
confronte o público, force-o a pensar e refletir sobre a questão da arte enquanto
linguagem. A reflexão era o objetivo da obra e depois dele, a arte nunca mais deixou de
trabalhar com conceitos.
Quando Duchamp coloca objetos de fabricação industrial numa exposição, ele
está questionando o sistema que afirma saber distinguir a arte da não-arte. Quando ele
faz uma arte que confronta o público em oposição à arte retiniana, ele está
questionando o valor artístico de obras que só serviriam para decoração. Quando ele
afirma que a pintura está morta, é um movimento de repensar insistentemente a obra de
arte e seus meios. Ele faz com que o mundo da arte desconsidere seus conceitos rígidos
e aceite, aos poucos, estas formas de arte que fogem ao que era comum. A ação de
Duchamp como artista é de escovar a contrapelo****

Hoje continuamos sem definir o que é arte. A busca incessante pelas novas
formas de fazer arte parece ter esgotado possibilidades e aparenta ter virado uma
repetição de fórmulas. Acredito que o estímulo de Duchamp foi no sentido da arte não
se acomodar, estar sempre se reinventando. As reivindicações de Duchamp ainda são
aplicáveis.

ARTE E MERCADO

Se o ser ou não ser arte saiu de pauta, em seu lugar parece ter entrado a questão
do entendível. A ditadura do belo substituída pela ditadura do entendível. A
consequência é uma arte para especialistas. Esta arte é para que? Para quem? É uma arte
que atingiria a posteridade? Duchamp percebeu as questões comerciais da arte e as
expôs. O que faz com que consideremos um objeto arte hoje? Não pode ser porque a
galeria de arte quer vender mais obras. Há de haver outros critérios, quais são eles?

Quando Duchamp coloca o ready-made em exposição ele o coloca dentro do que


Jacques Leenhardt chama de vitrine. A vitrine é o que separa a obra do receptor, é o que
lhe confere o aspecto de sagrado, de inquestionável. No caso, é o que garante a venda.
Mas que não garante o estatuto de arte. O mercado mudou seus termos mas continua
agindo da mesma forma que Duchamp criticou, continua controlando o que entra ou não
para o circuito de acordo com a lógica de venda. Artistas como Damien Hirst, Romero
Britto e Beatriz Milhazes assumem abertamente sua postura mercadológica, mas suas
obras parecem uma eterna repetição de si mesmos.

No entanto "compreender a remuneração da atividade artística dentro de uma


necessária emancipação moral frente às engrenagens da máquina do capital"
(LAGNADO, Lisette) é essencial para a discussão. Como produzir uma arte
significativa e ao mesmo tempo estar dentro do mercado?

Uma ação Duchampiana se faz necessária na arte de hoje para confrontar a banalização
da experiência estética. Provavelmente esta sensação que tenho se dá pela forma como a
história é contada, como se em algum momento a arte tivesse sido linear e como se
intervenções como as de Duchamp tivessem um impacto significativo imediato.

Até onde entendo, o mercado de arte dá o valor imediato, o valor da atualidade. O


tempo passa, os historiadores se afastam do momento histórico e assim conseguem ter
uma visão mais clara e distanciada sobre o que foi significativo em determinados
períodos. Este processo está sujeito à ideologia, evidentemente.

Dentro dessa lógica as ações Duchampianas serão sempre necessárias, para estimular e
provocar o fazer e o entender artístico, e porque contribuem no processo de validação da
relevância social de um artista, obra ou movimento para que ele figure na História da
Arte. Por isso afirmo novamente a atemporalidade de Marcel Duchamp.

BIBLIOGRAFIA

JANSON, Horst Waldemar. História Geral da Arte – O Mundo Moderno. 1º edição


brasileira. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1993.

CHILVERS, Ian. et al. Arte: artistas, obras, detalhes, temas: 1960 em diante. São
Paulo: Publifolha, 2012.

LEENHARDT, Jacques. Rumos da Crítica. 2º edição. São Paulo: Editora Senac, 2007.

KATO, Gisele. O homem que reinventou a arte. Revista Bravo! São Paulo, volume
131, Julho de 2008.
FILIPOVIC, Elena. Marcel Duchamp: uma obra que não é de arte. Disponível em <
http://mam.org.br/exposicao/marcel-duchamp-uma-obra-que-nao-e-uma-obra-de-arte/
>. Acesso em: 1 de Junho de 2014.

VINÍCIUS, Paulo. Duchamp: O reinventor da arte. Disponível em <


http://teatrofigurinoecena.blogspot.com.br/2008/11/duchamp-o-reiventor-da-arte.html
>. Acesso em: 1 de Junho de 2014.

LAGNADO, Lisette. Mercado de arte contemporânea. Disponível em: <


http://www.centrocultural.sp.gov.br/revista_dart/pdfs/dart12%20mercado%20de
%20arte%20contemporanea.pdf >. Acesso em: 7 de Junho de 2014.

ÀVILA, Roberta. A influência de Marcel Duchamp na Arte Contemporânea.


Disponível em < http://notrombone.wordpress.com/2007/07/01/a-influencia-de-marcel-
duchamp-na-arte-contemporanea/ >. Acesso em: 9 de Junho de 2014.

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