Você está na página 1de 21

Considerações sobre

ética e política em John Rawls


Adelson Cheibel Simões*

Resumo: O presente texto tenta trazer à luz algumas ideias e/ou con-
ceitos a respeito dos temas, ética e política apresentados por Rawls em
seu texto intitulado Uma Teoria da Justiça, que se configura numa tese
distinta de contexto social de sua época. Na tese defendida na obra, o
autor demonstra que é possível mesmo nesta relação de desigualdade,
como se apresenta o capitalismo, resgatar alguns valores capazes de sus-
tentar uma relação justa e equitativa. Sua tese se apresenta então como
alternativa frente as teorias utilitaristas e intuicionistas anteriores a sua.

Palavras-chave: Ética. Política. Equidade. Liberdade. Justiça.

John Rawls (1921-2002), filósofo americano, foi sem sombra de dú-


vidas um dos maiores filósofos ético-político do século XX. Um esboço
de seu pensamento pode ser visualizado na obra Uma Teoria da Justiça
que busca, em seu cerne, fundamentar um conceito de justiça a partir
da relação de equidade entre indivíduos pertencentes a uma sociedade.
A sua teoria da justiça é aparentemente distinta do seu contexto so-
cial, que é nitidamente embasado numa ordem egocêntrica denominada
de capitalismo. A partir deste aspecto, o objetivo de Rawls é mostrar que

*  Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014 59


é possível, mesmo neste contexto, resgatar alguns valores primordiais
que sustentam uma relação justa e equitativa. Com isso, é possível ob-
servar que o ponto norteador do pensamento filosófico de Rawls é “ela-
borar uma teoria da justiça que seja uma alternativa para essas doutri-
nas [utilitaristas e intuicionistas] que a muito tempo dominaram a nossa
tradição filosófica” (RAWLS, 2002, p. 3). Neste ponto fica claro que a TJ
é uma crítica a outras teorias da justiça que são insatisfatórias e falhas.1
Rawls não faz distinção entre filosofia moral e filosofia política em
sua obra.2 Engloba-se, assim, apenas um contratualismo e um pluralis-
mo doutrinal (NEDEL, 2000, p. 24), aspectos que o levaria a não assu-
mir uma postura liberal, tal como o termo é utilizado nos EUA, pois seu
pensamento girava em torno de um socialismo-democrático usado na
Europa, que se opõe a um conservadorismo (MIZUKAMI, 2005, p. 38).
Outro aspecto que desempenha um papel chave na filosofia de Rawls
é o conceito de “equilíbrio refletido” (reflective equilibrium), o qual afir-
ma “que uma concepção de justiça satisfatória deve poder atingir-se
como um ponto fixo de um movimento convergente de vaivém entre os
nossos juízos morais refletidos e os princípios da justiça, que esclarecem
e sintetizam esses juízos” (DUPUY, 1999, p. 65).3
Contudo, para elaborar uma teoria da justiça que melhor se adapte
ao seu contexto e seja fundamentalmente valida, Rawls apresenta já nas
primeiras linhas de seu escrito (TJ) a tese a qual defenderá que é, “a
justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é
de sistema de pensamentos. [...] da mesma forma leis e instituições, por

1 Não contemplo neste trabalho, os motivos e as falhas das teorias, apenas mencio-
nados quando necessário. Para compreender melhor (DUPUY, 1999).
2 Segundo Mizukami, Rawls entende por filosofia política (e, por conseguinte, ética)
na obra TJ, quatro funções exposta previamente no que diz respeito à cultura pú-
blica de uma sociedade, a qual se desenvolve em: uma função prática, que diz
respeito à solução de problemas de ordem (organização); uma função de orientação,
pensar o conjunto de suas instituições políticas como um todo; uma função de con-
ciliação, ponto que extrai de Hegel no que diz respeito à observação dos fatos a fim
de atingir sua forma racional atual; e, uma função utópica, fragmento da função
anterior, justamente com o objetivo de apresentar um modelo de sociedade dese-
jável (2005, p. 36-37). Sobre estas, pode ser sintetizadas em três grupos, liberdades
básicas, justiça distributiva e sociedade bem ordenada.
3 “O método de Rawls consiste em aplicar este procedimento de procura de um equi-
líbrio refletido as ‘ideias intuitivas’ que formam o ‘consenso por confrontação’,
próprio das sociedades democráticas e liberais” (DUPUY, 1999, p. 65-66).

60 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014


mais eficiente e bem organizada que sejam, devem ser reformadas ou
abolidas se são injustas” (2002, p. 4).
Para apresentar tal tese rawlsiana, segue-se aqui a seguinte linha
de raciocínio, o ponto de partida (a posição original), enfatizada pelo
contrato social, o qual é abarcada sobre a forma de véu da ignorância,
cujos cidadãos livres optam pelas necessidades básicas pertinentes e
equivalentes a ambos. Use-se, assim, a moralidade kantiana como pres-
suposto para assegurar o dever de cada um sobre o contrato, marca-se, as-
sim, a filosofia ética rawlsiana. A partir disto, escolhe-se os princípios da
justiça que devem ser adotados pelos contratantes, os quais elegem em
uma ordem lexical segundo uma lista de prioridades básicas. Dado este
ponto, observa-se o justo e injusto, juntamente com a concepção de bem
elaborada por estes. Por fim, é possível observar a aplicação da TJ em
uma sociedade, o qual lhe receberá com o predicado ser bem organizada.
Eis, portanto, a marca de sua filosofia política.

O princípio da teoria da justiça: a posição original, o contrato e


o véu da ignorância

A teoria esboçada por Rawls em sua TJ procura abraçar dois valores


fundamentais dos indivíduos, que é a igualdade e a liberdade. Ambas
não são mais entendidas como repressora e limitadora da outra. Elas se
complementam, dado que, “os membros de uma sociedade bem ordena-
da são e vêem-se, mutuamente, como pessoas livres e iguais dotadas de
um sentimento de justiça e movidas por interesse e objetivos fundamen-
tais que os levam, legitimamente a formar determinadas expectativas e
exigências em relação ao outro” (DUPUY, 1999, p. 68).
Para que os indivíduos possam ver-se mutuamente como livres e
iguais, é necessário, segundo Rawls, uma posição que lhes deixem em
uma mesma situação, denominada por ele de posição original.4 Esta
posição pode ser entendida como um estado pré-contratual, ou seja,

4 De mais a mais, na posição original, os participantes do acordo não escolheriam o


princípio utilitarista, pois concordariam em “reduzir suas próprias expectativas e
projetos de vida, simplesmente com a finalidade de um maior conjunto de vantagens
para todos” (NEDEL, 2000, p. 27).

Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014 61


é o estado de natureza do contratualismo clássico,5 porem a inovação
rawlsiana é a implementação do termo “situação puramente hipotética”
(RAWLS, 2002, p. 13), que é caracterizada de modo a conduzir determinada
concepção de justiça” (RAWLS, 2002, p. 13).
A situação hipotética parte do pressuposto que os homens são seres
racionais ou participantes artificiais, que são considerados como “uma
versão nua do ser humano, desprovido de personalidade” (MIZUKAMI,
2005, p. 50), o qual se enquadra nos termos “personagens participantes
artificiais”. No que diz respeito a estes, “eles” acordam-se em associar-se
para realizar diversos fins, objetivados, não somente ambos contratuan-
tes, mas também, aos demais indivíduos da sociedade. Outro aspecto em
que cabe salientar a posição original é o uso da racionalidade, que con-
siste na capacidade de definir os propósitos e escolher dentre as opções
disponíveis, a que melhor corresponde a seus planos e, por conseguinte,
que melhor se apresentam como exequíveis. Segundo Reale, a posição
original é o “estado de ignorância que o indivíduo está no momento em
que faz um contrato, isto torna todos iguais” (REALE, 2006, p. 237).
Mizukami, ainda afirma que o mecanismo do véu da ignorância
serve como obstáculo argumentativo. Isto é, a posição original servira
como espaço argumentativo em que as partes devem sempre debater
os princípios da justiça mesmo que estes já se encontrem estabelecidos
(2005, p. 53),6 a fim de chegarem a um equilíbrio. Tal que, o “equilíbrio
refletido corresponde a um estado de concordância, o qual se chega após
o uso de uma técnica argumentativa” (MIZUKAMI, 2005, p. 54). Além

5 O contratualismo clássico está sendo entendido como em Thomas Hobbes: cele-


brado entre os indivíduos os quais transferem seu direito ao soberano (não em
especifico tomado por Rawls); em John Locke: pactum societatis – pacto sociedade:
em Rousseau: ato coletivo de renúncia dos direitos naturais, transferidos ao corpo
político, constituído por todos; e em Kant: pactum subiections civilis, ensejo de
passagem do estado de natureza para o estado civil (NEDEL, 2000, p. 29). No que
diz respeito ao estado de natureza, há uma discórdia por parte dos comentadores
de Rawls em estipular um consenso se há ou não a concepção desta TJ. Ademais, o
ponto unívoco a estes é o ponto de partida, que é por sua vez, a posição original.
6 Conforme Rawls, as partes devem observar uma lista de elementos na posição ini-
cial, tal como, 1. A natureza das partes; 2. Objeto da justiça; 3. A apresentação
de alternativas; 4. Momento de entrada; 5. Circunstancia da justiça; 6. Condições
formais impostas ao princípio; 7. Conhecimentos ou crenças; 8. Motivação das par-
tes; 9. Racionalidade; 10. Condição para o acordo; 11. Condição para obediência;
ausência de acordo (2002, p. 157-158).

62 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014


do mais, o único princípio que deve ser aceito pelas partes na posição
original é a igualdade de liberdade de consciência, sem serem persuadidos
por pretensões de instituições que visam ideais de partes: “a liberdade
de consciência é o único princípio que as pessoas na posição original
conseguem reconhecer” (RAWLS, 2002, p. 222).
Contudo, a situação das pessoas na posição original reflete certas
restrições, pois “ninguém pode ter tudo o que quer; a simples existência
de outras pessoas impede isso” (RAWLS, 2002, p. 128). Segundo Rawls,
as restrições são postas da seguinte maneira, em primeiro lugar os prin-
cípios devem ser iguais; em segundo lugar, os princípios devem ser
universais quanto à sua aplicação; por terceiro, os princípios devem ser
publicados,7 tornados conhecido por todos, conduzidos por um viés de
reconhecimento eficaz; por quarto, a concepção de justos deve impor às
reivindicações conflitantes (desigualdade de classe) uma ordenação; e,
por último, as partes devem avaliar o sistema de princípios como a última
instância de apelação do raciocínio pratico (RAWLS, 2002, p. 140-145).
No entanto, os princípios universais da justiça têm por base um
contrato em que as partes são indivíduos que se põe em posição ori-
ginária. Para Rawls, o contrato social é concebido em uma celebração
que possui condições imaginadas como ideais. Sendo que, este contrato
evoca a força do compromisso da escolha, para ser sustentado.
Dentre os pressupostos do contrato, ‘dever’ e ‘obrigação’ são aspectos
elementares para validar o compromisso. Segundo Rawls, o ‘dever na-
tural’ se subdivide em dois aspectos: primeiro, “devemos cumprir nossa
parte obedecendo as instituições justas existentes que nos dizem respei-
tos; segundo, devemos cooperar para a criação de organizações justas
quando elas não existem, pelo menos quando podemos fazê-lo sem grande
ônus pessoal” (RAWLS, 2002, p. 370).
No que diz respeito ao dever do respeito mútuo, “trata-se de ma-
nifestar a uma pessoa o respeito que lhe é devido como ser moral, isto
é, como um ser com um senso de justiça e uma concepção do bem”
(RAWLS, 2002, p. 374). Assim, respeitar o outro como pessoa moral, é
buscar entender do seu próprio ponto de vista, seus objetivos e interes-
ses, e apresentar-lhes ponderações que os capacitem a aceitar os limites

7 “A condição de publicidade esta implicada na doutrina kantiana do imperativo ca-


tegórico, na medida como as pessoas racionais estariam dispostas a elaborar como
leis o reino dos objetivos” (RAWLS, 2002, p. 144).

Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014 63


impostos às suas condutas. Logo, “não devemos lucrar com os esforços
cooperativos, dos outros sem fazer a parte que nos cabe” (RAWLS, 2002,
p. 380). Assim, prestar favor e cortesia, não devem ser tomado como um
valor material, mas como uma finalidade de aspirações e sentimentos
para com o outro. Dever da ajuda mutua, sugere Kant: “a proposta desse
dever consiste na possibilidade de surgirem situações em que precisamos
de ajuda dos outros, e o não reconhecimento desse princípio equivaleria
a nos privarmos de sua assistência” (RAWLS, 2002, p. 375).
Com efeito, os operadores do contrato, devem ditar princípios de
modo livre e voluntario, sem estar sobre ameaças ou coerções. Uma pro-
messa justa ao ser proferida deve ser cumprida.8 Assim, “para se fazer
uma promessa vinculatória é preciso estar plenamente consciente, num
contexto de racionalidade, e conhecer o significado dos operadores verbais
de seu uso no ato de fazer promessas” (RAWLS, 2002, p. 382).
No que diz respeito aos pontos aludidos, sobre princípios éticos
e normas, é contundente mencionar aqui, que para Rawls, uma dada
regra de prometer apresenta-se distinta de um princípio da fidelidade.
A regra de prometer é convenção constitutiva, ou seja, “é um ato praticado
com a intenção deliberadamente numa obrigação, cuja existência nas cir-
cunstancias dadas, promoverá os nossos objetivos” (RAWLS, 2002, p. 385).
Já o princípio da fidelidade diz respeito aos princípios éticos, con-
sequência do princípio de equidade, que também atua na manutenção
da promessa. O ponto que distingue o princípio da fidelidade da regra
de prometer está na obediência de uma lei de modo direto ou parcial.
Uma obediência parcial trata da desobediência civil e da objeção da cons-
ciência para poder tratar da dicotomia dever e obrigação (RAWLS, 2002,
p. 390). Mas como garantir que um sujeito contratuará com outro sem
ser enganado? “[...] os cidadãos são capazes de reconhecer a boa fé e o
desejo de justiça uns dos outros” (RAWLS, 2002, p. 576), na posição ori-
ginal. Para que isto seja possível Rawls introduz a concepção de ‘véu de
ignorância’, artífice que garante a equidade na escolha dos princípios de
justiça, pois elimina os acasos naturais e contingências sociais das partes.
Com isto, “o véu da ignorância implica que pessoas sejam repre-
sentadas unicamente como pessoas morais, e não como pessoas bene-
ficiadas ou prejudicadas pelas contingências de sua posição social, pela

8 “O termo ‘obrigação’ será reservado, portanto, para exigências morais que derivam
do princípio da equidade, enquanto outras exigências são denominadas ‘deveres
naturais’” (RAWLS, 2002, p. 382).

64 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014


distribuição das aptidões ou pelo acaso e pelos acidentes da história du-
rante o desenrolar da vida. Supõe-se então que as partes não conhecem
certos tipos de fatos particulares, ninguém sabe qual é o seu lugar na
sociedade, a posição de classe ou seu status social; ninguém conhece a
sua sorte na distribuição de dotes naturais e habilidades, inteligência ou
força; ninguém conhece a sua concepção de bem; não conhece a posição
econômica e política dessa sociedade, ou o nível de civilização econômi-
ca e política dessa sociedade; e as pessoas na posição original não tem
informação sobre a qual geração pertencem (RAWLS, 2002, p. 147).
Além do mais, um aspecto funcional do véu da ignorância é: se
optar por favorecer os menos favorecidos, dado que estes podem vir a
estar um dia na posição dos menos favorecidos (refere-se aqui ao prin-
cipio maximorum minimum). Assim, deve-se adotar uma alternativa
em função das piores consequências, para que sejam superiores as pio-
res consequências das outras. Logo, isto favorecerá que esta, nas piores
condições chamar-se-ia de certo modo de uma teoria salvífica.

A regra maximum determina que classifiquem as alternativas em


vista de seu pior resultado possível; devemos adotar as alternativas
em vista de seu pior resultado: devemos adotar a alternativa
cujo pior resultado seja superior aos piores resultados das outras
(RAWLS, 2002, p. 157).9

Em último aspecto conveniente a este ponto, caberia visualizar o §


25, o qual Rawls dedica especial atenção, à análise da racionalidade das
partes, a fim de verificar se esta tese é possível e sustentável. Ao tomar
como base que a razão ignora a inveja e a inveja tem por base querer o
que é do outro, a razão tem a função, neste caso, de determinar que cada
homem deve ser autosuficiente, tenha seus próprios princípios, aspec-
to que fundamenta uma concepção de igualdade de todos, sem perder
a originalidade (liberdade) das partes. O qual pode ser compreendido,
mesmo se cada indivíduo tem os seus próprios planos e aspirações por
bens primários, isto não justifica aniquilar o outro. Contudo, “as par-
tes podem confiar uma nas outras no sentido de que todas entendem e
agem de acordo com os princípios acordados, quaisquer que sejam eles”
(RAWLS, 2002, p. 156).

9 É racional escolher um princípio que beneficie os menos favorecidos quando ignoramos


nosso lugar na sociedade, pois podemos estar ocupando a posição menos favorecida.

Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014 65


Os princípios da justiça e a teoria da justiça

A questão central da fundamentação da Teoria da Justiça de John


Rawls está embasada em dois princípios estabelecidos pelo contrato
(com o véu da ignorância). Sendo que, de um lado destaca-se a liberdade
e os direitos humanos fundamentais e do outro, os bens primários, os
cargos e os interesses materiais.
De uma forma sintética, Reale (2006) aborda os dois princípios em
liberdades individuais e em desigualdades econômicas e sociais os quais
podem ser visualizados:

Todos têm direito à liberdade tal qual a compatibilidade de se-


melhança da liberdade do outro. As desigualdades econômicas
e sociais só são benéficas quando favorecem a cada um, e em
especial os menos favorecidos da sociedade (2006, p. 237).

A primeira afirmação dos dois princípios da justiça na TJ pode ser


observada do seguinte modo:

Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abran-


gente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível
com um sistema semelhante de liberdade para as outras. Segun-
do: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas
de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como
vantagem para todos dentro dos limites razoáveis, e (b) vinculadas
a posição e cargos acessíveis a todos (RAWLS, 2002, p. 64).

O ponto que chama especial atenção, neste contesto, é o segundo


princípio, que representa a junção dos termos bases: igualdade e liberda-
de, ambos já enunciados no primeiro princípio: no § 12 Rawls apresen-
ta uma tabela para expor as evidencias expostas no segundo princípio.
Nesta, visualiza-se que o ponto norteador é o termo “vantagem para
todos”, o qual depende de dois outros princípios inerentes a este, que é
o princípio da eficiência e o princípio da diferença,10 ambos sobrepostos
pelo termo “igualmente abertos”.

10 O princípio da diferença da algum peso às considerações preferidas pelo princípio


da reparação que consiste em dizer que quando uma pessoa encontra-se em uma
classe baixa deve ser compensada, além de ser tratada como igual as demais, em di-
reitos e oportunidades. A ideia é de reparar os desvios das contingências na direção
da igualdade. A educação deve estar como prioridade para os menos inteligentes e,
em menor condição (RAWLS, 2002, p. 107).

66 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014


No que diz respeito ao princípio da eficiência tem-se o sistema de
liberdade natural e igualdade liberal como base, sendo que, o sistema de
liberdade natural pressupõe a liberdade igual, o que não é o mesmo que
um simples selecionar por si só, mas necessita de uma organização em-
basada em direitos e deveres, que já estão postos na estrutura básica da
sociedade sem des-otimizar a uma classe ou outra. Neste ponto, Rawls
depara-se com um sistema contundente da estrutura da organização
social de seu meio: de um lado, ricos (menor classe) ao extremo, e de
outro, pobres (maior classe) ao extremo. Diante disso, percebe-se que os
bens materiais não são suficientes, ou seja, são escassos e não atendem
ao todo. Logo, conclui-se que não convém ter pressuposto uma equi-
dade entre as classes econômicas, o princípio da diferença surge assim,
para ordenar este meio. Com isso, percebe-se que há uma aristocracia
natural, que necessita como meio uma igualdade democrática11 para sa-
nar pontos desiguais/políticos entre os indivíduos. Este ponto é tomado
como alicerce do princípio da diferença (2002, p. 78).
Depois de aludidos os princípios da justiça, caberia observar a con-
cepção rawlsiana de justiça. Ademais, o melhor termo que se adéqua
a esta concepção é a equidade enquanto democracia constitucional
(RAWLS, 2002, p. 204). A teoria da justiça tem por característica apre-
sentar o que é desejável e o que é possível, sendo que o primeiro fica
a cargo do filósofo explicar e a segunda fica a cargo do economista e
do cientista. A justiça para Rawls é substantiva e/ou formal. Ele não
se preocupa em definir a justiça substantiva, pois não deixa de enten-
dê-la como que se refere a princípios fundamentais que predispõem
nossos sentimentos a buscar a justiça. Por outro lado, a justiça formal
tem relação com a adesão aos princípios da justiça e da obediência
ao sistema político, jurídico no qual se está inserido. Convém notar
ainda, que a teoria da justiça de Rawls se opõe ao utilitarismo12 e ao

11 Só se é possível chegar a igualdade democrática “por meio da combinação do princípio


da igualdade de oportunidade com o princípio da diferença” (RAWLS, 2002, p. 79).
12 O utilitarismo é a marca primordial dos economistas teóricos sociais, cujo são es-
tritamente preocupados com o sistema social eficaz e objetivo. Porém, a concepção
utilitarista não é adequada para a democracia social, pois não é justo que uns pros-
perem através da exploração de outro, tal como permite a tese utilitarista. Para o
utilitarismo, o fundamento do estado é o bem estar, da maioria dos cidadãos, o
indivíduo na sua singularidade é esquecido pois o que está em jogo é a coletivi-
dade, que se resume da ideologia do capitalismo. Para Rawls, a principal ideia do

Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014 67


intuicionismo,13 porem, em partes apresentam peculiaridades semelhantes.
Para Rawls, a justiça é apresentada como virtude que os homens
devem buscar, pois seu objetivo primordial é harmonizar e organizar
o ‘todo’. “a concepção publica de justiça deve ser reguladora de nosso
plano de vida” (NEDEL, 2000, p. 43). A justiça é uma construção huma-
na, a qual é relativa aos significados sociais dos bens de que se trata. A
justiça como equidade é igual a soma da posição original mais os prin-
cípios da justiça. Ela também observa a estrutura imutável do contra-
tualismo: “1) uma interpretação de uma situação inviável e do problema
da escolha colocado naquele momento e, 2) um conjunto de princípios
que, segundo se procura demonstrar, seriam aceitos consensualmente”
(RAWLS, 2002, p. 17).
Para uma avaliação mais formal, Mizukami apresenta a operação
da justiça como equidade em quatro estágios, sendo que o sistema da
sequência simplifica a aplicação dos princípios da justiça por meio de
uma divisão de tarefas, tal como pode ser visto a seguir.

1º estágio – posição original; escolha dos princípios da justiça;


2º estágio – convenção constituinte; estruturação de uma cons-
tituição justa; 3º estágio – legislatura; elaboração de uma legisla-
ção justa; 4º estágio – aplicação das regras a casos particulares,
pelo executivo e judiciário (MIZUKAMI, 2005, p. 62).

utilitarismo é “a de que a sociedade está ordenada de forma correta e, portanto,


justa, quando suas instituições mais importantes estão planejadas de modo a con-
seguir o maior saldo líquido de satisfação obtido a partir da soma das participações
individuais de todos os seus membros” (RAWLS, 2002, p. 25). Segundo esta visão,
o utilitarismo estaria exclusivamente voltado para a maximização da felicidade co-
letiva, sem se preocupar com o modo de distribuição ou planejamento justo para
com seus membros. Contrário a isto, a teoria de Rawls, visa por primeiro, estabe-
lecer uma consistência teórica que parte do próprio indivíduo e que sana a falha
utilitarista já no seu ponto de partida, com a posição original.
13 Rawls alude que, o intuicionista formula critérios construtivos de ordem superiores
individuais, para determinar a importância adequada de princípios concorrentes
da justiça. Ou seja, as teorias intuicionistas não analisam conceitos de justo e de
bem estar segundo teorias que visam apenas partes e não do todo. “as teorias in-
tuicionistas têm, então, duas características: primeiro, consistem em uma plura-
lidade de princípios básicos que podem chocar-se e apontar diretrizes contrarias
em certos casos; segundo, não incluem nenhum método especifico, nenhuma regra
de prioridade para avaliar estes princípios e compará-los entre si: precisamos sim-
plesmente atingir um equilíbrio pela intuição, pelo que nos parece aproximar-se
mais do que é justo” (RAWLS, 2002, p. 37). Segundo que, a teoria da justiça como
equidade, obriga as partes definir em quais princípios querem seguir.

68 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014


Com isto, tem-se como objeto da teoria da justiça a estrutura básica
da sociedade. A teoria da justiça é uma teria cujo papel primeiro é obser-
var as virtudes das instituições sociais o qual se lê: “para os o primário da
justiça, é a estrutura básica da sociedade ou mais exatamente, a maneira
pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem direitos e
deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes
da cooperação social” (RAWLS, 2002, p. 7-8).
Em síntese, a teoria da justiça de Rawls14 pode ser compreendida
mediante a seguinte analogia: em uma festa de aniversário a mão de
‘Joãozinho’ encarrega-o de partir e dividir o bolo aos convidados. Como
sua natureza é egoísta, ele pensa por primeiro dividir o bolo de forma
injusta, partes maiores para si e para seus amigos mais chegados. Po-
rém, antes de dividir o bolo e colocar sua tese egoísta em ação, sua mãe
adverte que as partes do bolo por ele dividido seriam sorteadas. Nes-
te ponto ‘Joãozinho’ se dá conta de que ele não pode se antecipar para
prever quem receberá as maiores partes, caso aja dessa forma. Assim,
ele imaginou que por azar algum pedaço menor de bolo caia para seus
amigos, ou pior, para si mesmo. Encontrando-se frente a esta situação
de ignorância frente a distribuição do bolo, ‘Joãozinho’ conclui que o
melhor modo de distribuição do bolo, sem prejuízo, é a distribuição
justa dos pedaços de bolo, cada um com a mesma proporção, logo não
teria risco de ficar no prejuízo. O que faz com que ‘Joãozinho’ tenha
finalmente uma distribuição justa do bolo, não é uma convenção moral,
como se de imediato tivesse deixado de lado aquela concepção egoísta
de bem estar de si e de seus amiguinhos. ‘Joãozinho’ não teve um súbi-
to de discernimento de princípio de justiça, que fizessem com que ele
obtivesse respeito e consideração por partes de todos pela sua atitude
igualitária, mas pelo contrário, ele continua a ser egoísta, porem agora
esperto (MARTINI, s./d.).

14 Oliveira (2003), apresenta que, segundo Habermas, a teoria rawlsiana da justiça


falha em pelo menos três pontos: (1) a posição original não parece dar conta da im-
parcialidade requerida por princípio deontológico de justiça; (2) a distinção entre
questões de justificação e questão de aceitabilidade é borrada e neutralizada pela
concepção rawlsiana de justiça, enfraquecendo suas reivindicações de validade. (3)
ao construir o estado constitucional em função da primazia dos direitos liberais
básicos sobre o princípio democrático de legitimação, Rawls solapa o seu intento de
reconstruir as liberdades dos modernos com a dos antigos (2003, p. 43).

Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014 69


Liberdade

O princípio da justiça tem por intenção primeira, garantir os bens


primários de cada indivíduo. Os bens primários constituem em “di-
reitos, liberdades e oportunidades, assim como a renda e a riqueza”
(RAWLS, 2002, p. 98).
A liberdade é um atributo da pessoa, que ninguém pode ser livre a
custa da liberdade de outrem. Ela “deve ser defendida por meio de um
sistema de regras que consiga defini-la” (REALE, 2006, p. 240). Com
isto, cabe afirmar que, “ser livre é conhecer seus limites, ter autonomia
sobre seus atos e condutas. Neste sentido, as pessoas só são livres a partir
do momento em que podem fazer determinadas escolhas. Isto é, fazen-
do escolhas pode-se definir o que é melhor tanto para o eu como para o
outro. Kant acreditava que uma pessoa age de modo autônomo, quando
os princípios de sua ação são escolhidos por ela como expressão mais
adequada possível de sua natureza de ser racional, igual e livre.
Por este motivo, Rawls apresenta a liberdade como “uma determinada
estrutura institucional, um sistema de regras públicas que definem direitos
e deveres” (2002, p. 218). Neste caso é necessário distinguir entre a res-
trição e regulamentação. Restrição diz respeito ao benefício próprio do
sujeito. Já, a regulamentação possui limite igual para todos, porém o seu
valor não é considerado igual para todos.
Rawls no § 11 apresenta uma lista de liberdade, a qual é constituída
por liberdade política, liberdade de expressão e reunião, liberdade de
consciência e de pensamento e liberdade da pessoa (2002, p. 65). Porém,
nenhuma destas não são absolutas, pois quando elas entram em conflito são
limitadas. Logo, “elas são ajustadas de modo a formar um único sistema,
que deve ser o mesmo para todos” (RAWLS, 2002, p. 66).
Dentre os tipos de liberdade apresentadas por Rawls referimos a
liberdade igualdade15 que inclui a liberdade de consciência,16 único as-
pecto que deve ser aceito pelas partes na posição original. A liberdade

15 A noção de liberdade como liberdade igual é a mesma para todos. Mas o valor da
liberdade não é o mesmo para todos. Alguns têm mais autoridade e riqueza, por-
tanto tem mais meios de atingir os objetivos. É importante que as partes menos
favorecidas reconheçam sua condição, pois assegurarão o princípio da diferença.
16 “A igualdade de consciência é o único princípio que as pessoas na posição original
conseguem reconhecer” (RAWLS, 2002, p. 223).

70 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014


de consciência assegura que os diferentes tipos de pessoas não se tornem
obstáculos uma para as outras, pois o interesse de ambos não deve ser
apenas de uma parte.
No que diz respeito à limitação da liberdade, esta só é justificada
quando for necessária para a própria liberdade, para impedir uma in-
cursão contra a liberdade (RAWLS, 2002, p. 233). Diante disto, observa-
-se que há duas circunstancias que justificam ou permitem uma restrição
da liberdade:

Primeiro, uma restrição pode decorrer das limitações e acidentes


naturais da vida humana, ou de contingências histórico-sociais;
no segundo tipo de caso, a injunção já existe, seja nas organizações
sociais seja na conduta dos indivíduos (RAWLS, 2002, p. 286).

No que diz respeito à primeira, a justificativa é válida pelo simples


fato das contingências do ocaso, assim como “a distribuição natural não
é justa nem injusta: nem é justo que pessoas nasçam em alguma po-
sição particular na sociedade. Esses são simplesmente fatos naturais”
(RAWLS, 2002, p. 109).
Já na segunda, esta justificativa só é possível se tiver por objetivo
reverter ou ao menos amenizar, as condições dos menos favorecidos.
Além do mais, há um terceiro caso implícito que justifica a limitação
da liberdade, observa-se assim, os casos dos intolerantes ou transgres-
sores, que por eventual situação venham a ameaçar os tolerantes, que se
“sinceramente e com razão, acreditarem que a sua própria segurança e
a das instituições estão em perigo, será possível obrigar o intolerante a
respeitar a liberdade dos outro, dado que se pode exigir a um suspeito
determinado que respeite os direitos estabelecidos pelos princípios com
que ele concordaria na posição original.
Contudo, na posição original os indivíduos escolhem por convenção
uma constituição17 na qual os argumentos geralmente aceitos aludem
que se a liberdade for limitada, deve ser apenas quando esse argumen-
to indicar uma interferência razoavelmente certa nos fundamentos da
ordem pública, ou seja, “uma injustiça é tolerável somente quando é ne-
cessária para evitar uma injustiça ainda maior” (RAWLS, 2002, p. 4).
Observa-se que tolerável não é o mesmo que dizer necessário.

17 No que diz respeito ao termo ‘constituição’, este será apresentado à frente.

Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014 71


As concepções de justo e de injusto

Para iniciar a apresentação de justo e de injusto é necessário retro-


ceder ao objetivo central da obra de Rawls, acrítica/correção das teorias
intuicionistas e utilitarista. Em um primeiro momento caberia observar o
exemplo do Bernard Williams, exposta em A Critique of Utilitarianism
citado por Dupuy:

Numa aldeia sul-americana, vinte índios vão ser fuzilados pelo


exército, por uma questão de exemplo. Jim, um americano de
passagem, vê ser-lhe oferecido pelo chefe do pelotão de execução
a proposta seguinte: se ele mesmo matar um dos índios, os outros
dezenove serão poupados. A doutrina utilitarista exige que Jim
aceite a proposta, por muito cruel que o gesto lhe pareça. Ob-
servar-se-á aqui a dupla substituição metonímica: os vinte índios
valem por si mesmo para a multidão de aldeões que assiste, silen-
ciosa a execução; o índio que Jim vai sacrificar vale por si mesmo
e para os dezenove companheiros o infortúnio (1999, p. 51).

O embate mais elementar desta passagem é sobre a justificação da


questão da lógica sacrifical. A análise deste termo é presente em Dupuy
no capítulo Dois: Introdução à Teoria da justiça de John Rawls, da obra
Ética e Filosofia da Ação, que tem como pressuposto a teoria da justiça
de Rawls. A justificativa da lógica sacrifical na TJ só é possível segundo
Dupuy, pela aparente aproximação desta teoria de Rawls com a teoria do
utilitarismo (1999, p. 92). Porém, o que Dupuy defende é tal qual ao caso
da escolha racional que o indivíduo livremente delibera ao ir ao dentis-
ta, a fim de evitar um mal futuramente (DUPUY, 1999, p. 49).
No caso de Jim, a racionalidade exige que seja satisfeita uma lógica
sacrifical, para poupar os demais, (DUPUY, 1999, p. 77). Contudo,

qualquer princípio da justiça compatível com o princípio de


unanimidade [como no caso da teoria da justiça de Rawls que
é compatível com o princípio de unanimidade] faria a mesma
coisa. Pois, no caso sacrifical, são os direitos de todos, incluindo
os da pessoa que é a vítima sacrifical (DUPUY, 1999, p. 79).

Assim, dentre os argumentos usados por Dupuy, a justificativa mais


convincente a esta situação sacrifical, segundo a teoria rawlsiana de jus-
tiça, é a aceitação pública de tal ato, sem violar o direito de igualdade e
liberdade de consciência.
72 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014
Visando o caso do Jim ou do indivíduo que vai ao dentista, caberia
agora examinar quais concepções que circundam os termos justo e in-
justo, no pensamento ético de Rawls. Ademais, por primeiro caberia ob-
servar a noção de bem. A concepção de bem tem como ponto de partida
a capacidade de um indivíduo em adotar uma postura que conforma,
examinar e buscar, racionalmente a concepção de uma vantagem ou de
um bem racional próprio, vinculado diretamente com outras pessoas
(NEDEL, 2000, p. 42). Além do mais,

O bem de uma pessoa é determinado a partir de seu plano de


vida racional, que pode ser definido como uma serie de metas
e objetivos em função dos quais cada um determina o que re-
presenta ou não a promoção de seus interesses. O bem de uma
pessoa consistirá na execução com êxito deste plano. A priori-
dade do justo ou correto sobre o bem representa um elemento
essencial do liberalismo político (NEDEL, 2000, p. 43).

No § 63 Rawls procura definir o bem para o plano de vida. Para que


algo possa ser considerado como bom, deve estar entre as prioridades de
interesses e objetivos da pessoa que escolheu, mediante suas prioridades
racionais. Cada pessoa necessita organizar planos de escolhas e estas
devem não ser apenas em curto prazo, mas também a longo.
Ser justo é independente de qualquer concepção de bem, pois vai
lhe auto-impor obrigações, a fim de direcionar-se ao bem mesmo que
isto limite-o (DUPUY, 1999, p. 38). Ademais, “há uma prioridade do
justo: para a justiça como equidade, o conceito de justo é anterior ao
conceito que define o que é bom e algo bom apenas se se adequar a mo-
dos de vida que são conscientes com os princípios da justiça já dispo-
níveis” (MIZUKAMI, 2005, p. 72; RAWLS, 2002, p. 438). Contudo, ser
justo ou ser injusto é predicado do processo (DUPUY, 1999, p. 58), “é o
modo como as instituições lidam com esses fatos” (RAWLS, 2002, p. 109).
Dado que, a existência dos desfavorecidos é um fato; e os fatos não são
nem justos nem injustos (REALE, 2006, p. 340).
A justiça nasce de uma combinação fortuita (causal; acidental) de
circunstância que frustra a finalidade das normas legais (RAWLS, 2002,
p. 92). A injustiça se constitui simplesmente de desigualdade, quando as
pessoas racionais não compartilham um conceito de equidade. “A injustiça,
portanto, se constitui simplesmente de desigualdades que não beneficiam

Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014 73


a todos” (RAWLS, 2002, p. 66). A injustiça quanto à distribuição desigual
e limitação de bens, só é injustificada se traz vantagem para todos.
Um modo de trazer vantagem para todos é o voto18, “embora em
dadas circunstâncias se justifique a afirmação de que a maioria (adequa-
damente definida e circunscrita) tem o direito constitucional de legis-
lar, isso não implica que as leis elaboradas serão justas” (RAWLS, 2002,
p. 395). Porém, “leis e políticas justas são aquelas que seriam estabele-
cidas no estágio legislativo por legisladores racionais, que representam
as restrições impostas por uma constituição justa e consciente, os quais
terão como padrão” (RAWLS, 2002, p. 396).19
No que tange as colocações sobre o justo e o injusto, cabe salientar
que estes princípios são compatíveis com o ‘princípio de eficiência’, ao
passo que as camadas sociais, com suas respectivas necessidades maxi-
mizadas, mostram que haverá benefícios para todos, independente de
qual classe esteja, isto é o que Rawls chama de ligação em cadeia ou “glo-
bo de neve” (RAWLS, 2002, p. 84-87). “[...] de acordo com o princípio da
diferença, a desigualdade é justificável apenas se a diferença de expec-
tativas for vantajosa para o homem representativo que está em piores
condições, neste caso o trabalhador representativo não especializado”
(RAWLS, 2002, p. 82).
O princípio da diferença expressa uma concepção de reciprocidade.20
É um princípio de benefício mútuo. Segundo Rawls, isto pode parecer
injusto para os mais favorecidos da sociedade, ou simplesmente, como
pretende o autor, é uma visão equivocada de distribuição, dado que este
princípio mostra aparentemente um reflexo de perda que a classe dos
favorecidos sofre, porém, não o sendo. O que deve ser entendido é que
estes não vão perder nada de seus bens, apenas favorecerão aos menos
favorecidos. Ou seja, deles não pode ser tirado nada, pois o princípio da
liberdade assegura que os bens naturais são de fato seus e isto protege a
integridade de cada pessoa. O que eles devem fazer é usar seus bens em
18 “Os princípios do justo e da justiça são coletivamente racionais; e é do interesse de
todos que cada um obedeça as ordenações justas” (RAWLS, 2002, p. 641).
19 “Uma lei ou uma política são suficientemente justa, ou pelo menos mais justa, se,
quando tentamos imaginar como funcionaria o procedimento ideal” (RAWLS,
2002, p. 396).
20 “O princípio da diferença é um critério muito especial: aplica-se em primeiro lugar
à estrutura básica da sociedade através dos indivíduos representativos cujas expec-
tativas devem ser estimadas por uma lista ordenada de bens primários” (RAWLS,
2002, p. 89).

74 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014


modo cooperativo social. Rawls salienta que este princípio da diferença
fornece interpretação para um princípio da fraternidade, o qual não
seria seu melhor modo, dado que ao usar o conceito de diferença abor-
da-se um conceito político-democrático, que expressa certas atitudes
mentais e formas de condutas que visam valores expressos pelo direito
(2002, p. 112), ponto que a segunda interpretação não o forneceria.
No § 40 Rawls dedica algumas linhas para ler sua teoria à vista da
Filosofia kantiana. Neste ele trata de alguns princípios, tais como auto-
nomia da razão. Segundo ele, “os princípios morais são objetos de uma
escolha racional” (RAWLS, 2002, p. 276). Esta condição é o que Rawls
chama de posição original, na qual “os princípios da justiça também se
apresentam como análogo aos imperativos categóricos” (RAWLS, 2002,
p. 277),21 pois Kant entende por imperativo categórico, um princípio de
conduta que se aplica a uma pessoa em virtude da sua natureza como
um ente racional, livre e igual. Agir a partir dos princípios da justiça
significa agir a partir de imperativo categóricos no sentido (de) que se
aplicam a nós, quaisquer que sejam nossas metas (NEDEL, 2000, p. 83).
Agir de acordo com estes princípios, significa o mesmo que agir segun-
do as bases formais expostas nos imperativos categóricos, no sentido
que ele aplica ao sujeito restrições aos objetivos particulares.
Kant concebe o pacto original (contrato social) edificado na ideia
da razão, a fim de justificar o conceito de Estado. Segundo Rawls, “o
principal objetivo de Kant é aprofundar e justificar a ideia de Rousseau
de que a liberdade é agir de acordo com a lei que nós estabelecemos para
nós mesmos” (RAWLS, 2002, p. 281), ponto que conduz a uma ética de
auto-estima e de respeito mútuo. Além do mais, Nedel apresenta alguns
pontos que distancia Kant de Rawls. Kant situa-se na perspectiva da pri-
meira pessoa (eu), máxima de sua ação como lei universal. Rawls, evita
o procedimento da universalização máxima individual (2000, p. 85).
E quanto ao direito, Kant menciona como faculdade de coerção, enquanto
Rawls implica a cooperação, que não implica em conflitos e a distribuição
de bens sociais primários (2000, p. 85). Por fim, “o liberalismo de Kant é
a moral e a priori, o de Rawls é social, ou melhor, político e a posteriori”
(NEDEL, 2002, p. 85).
21 A posição original é uma interpretação procedimental da concepção de autonomia
e do imperativo categórico de Kant (NEDEL, 2000, p. 83). Sendo que a sua des-
crição “se parece com o ponto de visita do eu em si, ou nôumeno, no que se refere
ao significado de um ser racional, igual e livre” (RAWLS, 2002, p. 280).

Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014 75


O liberalismo político de John Rawls

Após ter observado alguns aspectos elementares da filosofia ética de


Rawls, caberia agora observar os aspectos políticos que sobressaem em
seu pensamento filosófico, o que será tratado como a concepção de socie-
dade bem ordenada22 o liberalismo político embasado na razão pública e
o conceito de constituição.23
Para Rawls, a filosofia diz respeito à Teoria da Justiça, pois esta
fornecerá os padrões pelos quais devem avaliar os aspectos distributivos
da estrutura básica da sociedade. Ou conforme Dupuy, “a preocupação
de Rawls, é de estabelecer uma política liberal liberta de toda metafísica”
(1999, p. 60).
A intenção de Rawls não é dogmática, pois busca apenas, se pos-
sível, formular um conceito razoável de justiça para a estrutura básica
da sociedade (NEDEL, 2000, p. 33). No que diz respeito ao conceito de
razoável de justiça, trata-se de uma dimensão pública e política (NEDEL,
2000, p. 34), que se opõe ao egoísmo: “relaciona-se à vontade de atuar
moralmente, de cooperar com os demais termos que todos possam aceitar”
(NEDEL, p. 2000, p. 34).
O liberalismo político equivale dizer o mesmo que razão pública,
ou seja, razão do público.24 “A razão pública funciona como fator limi-
tado do que pode ser discutido, e de como se discuti-lo” (MIZUKAMI,
2005, p. 95). Por razão pública entende-se por princípio fundamental da
organização política e social (NEDEL, 2000, p. 38),25 sendo que o espaço
de atuação desta é a sociedade.

22 Ao mencionar sociedade bem-ordenada, “pressupõe que cada um aja com justiça e


cumpra sua parte para manter instituições justas” (RAWLS, 2002, p. 9). Utopia por
“a razão começar com a teoria ideal é que ela oferece, creio eu, a única base para o
entendimento sistemático desses problemas pertinentes” (RAWLS, 2002, p. 10).
23 A justiça política e constitucional é analisada segundo o artífice da constituição
justa, mediante a tangencia do termo liberdade.
24 “Duas das principais inovações de O liberalismo político: os conceitos de consenso
sobreposto (Overlapping) e razão pública (publica reason)” (RAWLS, 2002, p. 10).
25 Segundo Nedel há um outro tipo de razão, a saber, a razão não pública, que é dis-
tinta da razão pública. A razão não pública é a concepção de deliberação como
sinal de reflexão pessoal ou de instituições sob dadas questões políticas (NEDEL,
2000, p. 39), sem visar a participação do todo.

76 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014


A sociedade bem ordenada

Falar em sociedade, para Rawls, é falar em sociedade perfeita, como


mencionado na função utópica descrita acima por Dupuy. Uma socie-
dade justa é governada por princípios baseados na razão (DUPUY, 1999,
p. 45)26. A sociedade é entendida como um sistema justo de cooperação
social (associação)27 entre pessoas livres e iguais, isto ocorre através do
tempo e entre gerações sucessivas, na qual os indivíduos ingressam pelo
nascimento e dela só é possível retirar-se por morte.
A sociedade em si é um órgão composto de indivíduos que estão
em extrema convivência e a justiça tem a função de ordenar, harmo-
nizar e manter a paz segundo uma estrutura esquemática (RAWLS,
2002, p. 57). A estrutura da sociedade está sintetizada no modo como
agem e vivem os seus cidadãos, que são tomados como de forma subs-
tantiva, os quais devem procurar adotar uma posição justa e efetiva,
motivados, portanto, por pela busca de um mesmo ideal. A liberdade
social existe como o fim último da sociedade, todos os cidadãos neces-
sitam dela. Uma sociedade é tomada como livre quando seus cidadãos
são considerados como iguais no contexto social.
O termo sociedade não pode ser entendido no sentido trivial da
palavra, mas como indispensáveis (necessária) para a vida e interesses
dos homens, em estímulos e em vantagens mútuas (RAWLS, 2002,
p. 581-582). “Por instituições entendo um sistema público de regras
que definem cargos e posições com seus direitos e deveres, poderes e
imunidades” (RAWLS, 2002, p. 58).28 Ou seja, ela especifica o que pode
ser feito ou não, penalidades e/ou defesa (RAWLS, p. 58). “A ideia principal
é simplesmente a de que a sociedade bem-organizada (correspondendo
a justiça como equidade) é em si mesma uma forma de união social. De
fato, uma união social de uniões sociais” (RAWLS, 2002, p. 586).29
26 “Em uma sociedade justa, ninguém se preocupa com questões de status [...] a ne-
cessidade de status é satisfeita pelo reconhecimento público das instituições justas,
juntamente com a vida interna plena e diversificada das várias comunidades de
interesse, que as liberdades iguais possibilitam” (RAWLS, 2002, p. 605-606).
27 No entendimento de Nedel, a sociedade não é uma associação por que não tem uma
ordem de fins últimos, ela visa apenas vantagens mútuas (2000, p. 47).
28 No que diz respeito aos representantes governamentais, estes devem ser pessoas de
competências e obrigações (RAWLS, 2002, p. 5).
29 “O estado deve ser entendido como a associação constituída por cidades iguais”
(RAWLS, 2002, p. 230) e seu dever será limitar e garantir as condições de igual
liberdade religiosa e morais.

Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014 77


Considerações finais

A filosofia liberalista ético-politica de John Rawls apresenta uma


teoria da justiça (equitativa) segundo uma completitude racional delibe-
rativa quando à sua aplicação. Desvinculado das teorias vigentes em seu
meio, ele leva em consideração o modo como é estruturada a sociedade
e suas respectivas formas institucionais.
Para fundamentar a Teoria da Justiça, Rawls toma como pressuposto
as teorias filosóficas de Locke, Rousseau e Kant no que diz respeito à forma
de contrato. A inovação do contratualismo rawlsiano está na nova forma
de contrato. Um contrato que tem por fundamento uma posição ori-
ginal, na qual os indivíduos estão desfigurados de sua personalidade,
segundo um véu da ignorância, que não permite que as partes não tirem
proveitos de ambas. A posição original torna as partes como iguais devi-
do ao fato das partes agirem da boa fé, segundo a sua natureza que é ser
racional e possuir a igual liberdade de consciência.
A partir do contrato as partes escolhem princípios para a justiça,
que devem ser válidos, ideais e universais. Estipulam-se assim, dois
princípios que podem ser resumidos em igual liberdade para todos e
favorecer os menos favorecidos, segundo o princípio de eficiência e de
diferençam os quais fornecem suporte para uma justiça equitativa.
Depois de tangidos os princípios éticos da teoria da justiça de Rawls,
viu-se por conseguinte, uma formulação práxis que resultou em uma
teórica política, quando à convenção constitucional e à estrutura justa
da sociedade. A razão pública entra neste ponto como principal artífice
que funciona como fator limitador do que pode ser discutido e de como
se discuti-lo.
Uma sociedade justa é pautada e governada por princípios baseados
na razão. A sociedade é entendida como um sistema justo de cooperação
socialmente entre pessoas livres e iguais. Ademais, para garantir que
liberdade e igualdade sejam bens fundamentais para cada indivíduo da
sociedade é necessário uma constituição.
O objetivo do projeto constitucional é garantir, se possível, que os
interesses específicos de classes sociais não distorçam os acordos polí-
ticos e muito menos limite-os. Visto que a constituição política é a forma
mais importante de instituição, ela também pode ser compreendida como
um dos textos políticos básicos que compõem a cultura pública de uma

78 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014


determinada sociedade, que representa um sistema público de regras
peculiar a cada indivíduo, de forma normativa e positivada. Por fim, a
teoria da justiça de Rawls produz um avanço fundamental na história
constitucional judiciária, pois une em uma mesma formulação de justiça,
liberdade e igualdade de possibilidades e restrições.

Referências

DUPUY, Jean-Pierre. Ética e filosofia da ação. Trad. Ana Rebeca.


Lisboa: Instituto Piaget, 1999.
MACINTYRE, Alasdair. Depois da Virtude. São Paulo: Edusc, 2001.
MARTINI, Marcus de. Notas sobre o neocontratualismo na Teoria
da Justiça de John Rawls. Site do Curso de Direito da UFSM.
Disponível em: <www.ufsm/direito/artigos/filosofia-juridica/
neocontratualismo_rawls.htm>. Acesso em: 25 mai. 2014.
MIZUKANI, Pedro Nicoletti. Conceito de Constituição no pensamento
de John Rawls. São Paulo: IOB Thomson, 2005.
NEDEL, José. A teoria ético-política de John Rawls: uma tentativa de
integração de liberdade e igualdade. Porto Alegre: Edipucrs, 2000.
OLIVEIRA, Nythamar. Rawls. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita
Maria Rimoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
REALE, Giovan; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: de Freud à
atualidade. Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2006. Vol. 7.
TEXEIRA, João Paulo Alain. Liberalismo e Democracia: o modelo de
John Rawls. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, v. 42,
n. 49, p. 105-116, jan./jul. 2008.
ZAMBAM, Neuro José. A teoria da justiça em John Rawls: uma leitura.
Passo Fundo: UPF, 2004.

Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 45, jul./dez. 2014 79

Você também pode gostar