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Tema 6. Princípio Da Legalidade PDF
Tema 6. Princípio Da Legalidade PDF
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É esta a abordagem de LUIGI FERRAJOLI: Derecho y razón, p. 209, louvando-se em FRANCESCO CARRARA:
Programa. PG, 1, p. 3; e em FRANCESCO CARNELUTTI: Teoria generale del reato, pp. 16-17. No mesmo
sentido, embora com uma formulação diferente, “ameaça”, “imposição”, e “execução” da pena, cfr.
CLAUS ROXIN: “Sentido e limites da pena estatal”, p. 26.
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determinados bens jurídicos carecidos de tutela), mas também perante o Direito
Penal, no sentido de reduzir esses custos para a liberdade ao mínimo necessário
(intervenção mínima), sem perder de vista a sua necessária eficácia (adequação) e
eficiência (razoabilidade), em homenagem ao princípio da proporcionalidade, ou da
proibição do excesso. Dito de outra forma, “uma eficaz prevenção do crime, que o
Direito Penal visa em último termo atingir, só pode pretender ter êxito se à
intervenção estadual forem levantados limites estritos – em nome da defesa dos
direitos, liberdades e garantias das pessoas – perante a possibilidade de uma
intervenção estadual arbitrária ou excessiva” (Figueiredo Dias).
Esta possibilidade de arbítrio ou excesso limita-se, em primeiro lugar,
submetendo a intervenção penal a um rigoroso princípio da legalidade, cujo conteúdo
essencial se traduz em que não pode haver crime, nem pena que não resultem de
uma lei prévia, escrita, estrita e certa. Por outras palavras, nenhum comportamento
humano pode ser considerado criminoso se não corresponder a um tipo legal de
crime, descrito com precisão por um preceito legal: nullum crimen sine lege, nulla
poena sine lege, nulla pena sine judicio (Feuerbach).
Para além da sua natureza de garantia, esta ideia aparece-nos
conceptualmente ligada à ideia de prevenção geral. A ameaça de pena deve funcionar
para constranger o cidadão a não cometer crimes. Para tanto, é necessário que os
destinatários conheçam quais são os factos cuja prática comporta a aplicação de uma
pena criminal.
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Corolários: (a) Princípio da reserva de lei (nullum crimen, nulla poena sine lege
scripta); (b) Princípio da tipicidade (nullum crimen, nulla poena sine lege certa); (c)
Proibição da analogia (nullum crimen, nulla poena sine lege stricta); (d) Princípio da
conexão (nulla poena sine crimen); (e) Princípio da não retroactividade da lei penal
(nullum crimen, nulla poena sine lege praevia); (f) Princípio da jurisdicionalidade (nulla
poena sine judicio).
1.1.2. Princípio da reserva de lei: nullum crimen, nulla poena sine lege stricta
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legislativo (cfr. art.º 142/1 da CRM, e a distinção entre actos legislativos e actos
normativos).
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penais negativas – i.e, aquelas que delimitando negativamente as normas positivas,
garantem ou protegem os direitos individuais2.
1.1.3. Princípio da tipicidade: nullum crimen, nulla poena sine lege certa
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sua aplicação. A reserva de lei penal origina, deste modo, uma especial conformação
da técnica legislativa e da interpretação, de modo a permitir que as normas penais se
apliquem estritamente de acordo com a sua definição legislativa.
Para que isso se possa concretizar, a lei deve especificar suficientemente os
factos que constituem o tipo legal de crime (ou que constituem os pressupostos das
medidas de segurança), bem como tipificar as penas (ou as medidas de segurança).
Abrange os seguintes requisitos (concepção de crime em sentido formal): (a)
suficiente especificação do tipo de crime, ou dos pressupostos das medidas de
segurança; (b) a proibição da analogia e da interpretação extensiva na definição de
crimes (ou dos pressupostos das medidas de segurança); e (c) a exigência de
determinação de qual o tipo de pena que cabe a cada crime, sendo necessário que
essa conexão decorra directamente da lei.
Vejamos cada um destes aspectos.
Análise de caso: nos termos do art.º 41.º/1, b Lei 10/99, de 12 de Junho (Lei de
Florestas e Fauna Bravia), pune-se “a prática de quaisquer actos que perturbem ou
prejudiquem a fauna em zonas de protecção”. No limite, acordar um leão que está a
dormir, “perturba” o sono da fera! Se assim, for, por exemplo, buzinar na selva, sairia
muito mais caro que buzinar na cidade à meia-noite, à porta do Hospital Central!
Exige-se, por isso, uma suficiente especificação do tipo de crime (ou dos
pressupostos das medidas de segurança). Neste sentido, o princípio da tipicidade
exclui tanto as fórmulas vagas na definição dos tipos legais de crime, como as penas
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indefinidas ou de moldura tão ampla, que em tal redunde, tornando ilegítimas as
definições vagas, incertas, insusceptíveis de delimitação4.
Significa, em segundo lugar, que todos os pressupostos da incriminação e da
responsabilidade penal têm que estar descritos na lei, não sendo, por isso, admitidas,
as chamadas normas penais em branco (cfr. princípio da conexão).
Explicando, uma norma penal em branco é uma norma que contem uma
sanção para um pressuposto ou um conjunto de pressupostos de possibilidade ou de
punição que não se encontram expressos nessa norma, mas sim noutras normas de
categoria hierárquica igual (conceito amplo) ou inferior (conceito estrito) à norma
penal em branco.
Levantam-se problemas quanto à constitucionalidade de tais normas,
precisamente porque no entender de determinada doutrina, estas normas consistirem
numa violação de uma decorrência do princípio da legalidade que é a existência de lei
penal expressa, mais concretamente a existência de lei penal certa – “nullum crimen
nulla poena sine lege certa”, e do princípio da conexão.
Tenderia a dizer que, quando essa norma remete para uma outra norma penal
ou, com algumas dúvidas, para uma outra norma legal, ainda que criticável a técnica
legislativa, não estaríamos, necessariamente, perante uma inconstitucionalidade.
Exemplo disso, no momento actual. A declaração do estado de emergência,
aprovado por imperativo de saúde pública como medida de combate à pandemia de
Covid-19 (Decreto Presidencial n.º 11/2020, de 30 de Março), devidamente ratificado
através da Lei da Assembleia da República n.º 1/2020, de 31 Março, deu depois origem
à sua regulamentação, pelo do Decreto do Conselho de Ministros n.º 12/2020, de 2 de
Abril, que as concretiza. O incumprimento dessas medidas pode preencher, consoante
os casos, os actuais crimes de desobediência (art.º 412/1 do Código Penal ainda em
vigor, Lei n.º 35/2014), ou de recusa de prestação de serviço público (art.º 496 do
Código Penal). Não se coloca aqui qualquer problema de constitucionalidade. Veja-se o
que escrevi em António Leão: O Direito Penal em Estado de Emergência, na página
ESTADO DE EMERGÊNCIA: CIDADANIA EM TEMPOS DE CRISE, disponível em:
https://www.facebook.com/search/str/estado+de+emerg%C3%AAncia%3A+cidadania+em+tempos+de+crise/keywords_blended_
posts?f=AbodnYb8K8GZIu2iciWPvrAqr96svdu8uT95Rgh-
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Discutível, por exemplo, no âmbito da Lei 1/79, de 11 de Janeiro, em que as penas vão de 0 a 24 anos,
consoante o valor “desviado”.
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Ver no caso português, v.g., os arts. 278º, 213º/1-b, 150º/1 CP. A doutrina maioritária defende a
constitucionalidade e validade das normas penais em branco, dentro de certos limites ou desde que
sejam respeitados determinados limites. Desde que as normas penais em branco contenham os
pressupostos mínimos de punibilidade e de punição, ou seja, que digam quem são os destinatários e em
que posição é que eles se encontram e que contenham a respectiva sanção; desde que correspondam a
uma verdadeira necessidade que o legislador tem de tutelar bens jurídicos fundamentais através desta
técnica, sob pena de não o fazendo, a alternativa resultaria da sua desprotecção, estas normas não
serão inconstitucionais. Por outras palavras “importa que a descrição da matéria proibida e de todos os
outros requisitos de que dependa em concreto uma punição seja levada a um ponto que se tornem
objectivamente determináveis os comportamento proibidos e sancionados e, consequentemente, se
torne objectivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos” (FD:I, 174).
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regulamentos, será condenado à pena de prisão não inferior a três meses e multa
correspondente.
ARTIGO 360
(Pesca proibida)
Será punido com as mesmas penas do artigo anterior:
a) o que pescar nos meses defesos;
b) o que pescar espécies protegidas;
c) o que pescar com rede varredoura, ou de malha mais estreita que a que for limitada
pela entidade pública ou pescar por qualquer outro modo proibido pelas mesmas
posturas ou regulamentos;
d) o que lançar no mar, rio ou lagoa, em qualquer tempo do ano, plantas venenosas e
tóxicas, coca, cal, ou outro material com que o peixe e os mariscos se mata.
Tópico de discussão: análise do problema à luz das finalidades de prevenção geral…
9
b. Proibição da analogia
c. Princípio da conexão
1.1.4. Princípio da não retroactividade da lei penal: nullum crimen, nulla poena sine
lege praevia
10
As sanções jurídico-penais, sejam elas penas ou medidas de segurança, têm de
ser sempre aplicadas por um órgão de soberania independente, com a finalidade de
aplicar a justiça, que entre nós são os tribunais (cfr. art.º 211 e ss da CRM).
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Segundo Montesquieu: os juízes são a boca que pronuncia a lei; segundo Beccaria: para qualquer
delito deve o juiz construir um silogismo perfeito. Ou seja, quando as leis são claras e precisas, a tarefa
do juiz não consiste em outra coisa se não constatar um facto.
7
O verbo "interpretar", na generalidade dos dicionários, significa ajuizar a intenção, o sentido de;
explicar ou aclarar o sentido de; traduzir; decifrar; esclarecer, etc.
8
Assim, o art.º 9/1 do C. Civil determina que na interpretação devem ter-se em conta as circunstâncias
em que a lei foi elaborada; mas poderia ter tomado orientação oposta, e então seria esta a vinculativa
para o intérprete.
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O que é que faz então o aplicador da lei?
Os senhores terão aprendido o ano passado em Introdução ao Estudo do
Direito, que o ponto de partida da interpretação está no texto9. Passando (por agora)
por cima da problemática do entendimento do pensamento legislativo, interessa-nos
recordar alguns aspectos que os senhores estudaram já, relativamente aos resultados
da interpretação. E aí terão distinguido: (1) interpretação declarativa, em que o
sentido literal se identifica com o sentido real10; (2) interpretação extensiva, em que o
sentido literal é mais estreito do que o sentido real11; e (3) interpretação restritiva,
quando o sentido literal é mais amplo do que o sentido real.
Falaram também – penso eu – em interpretação enunciativa (ou inferência
lógica de regras implícitas, segundo Marcelo Rebelo de Sousa), que consiste em, com
base em uma ou mais regras existentes, e através de processos lógicos, inferir outras
regras que não se encontravam expressamente formuladas. O resultado aqui, é uma
nova regra, e não mera especificação da regra anterior12.
9
O art.º 9.º/1 refere-se à letra quando diz que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas
reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (...)”. Letra e espírito podem não coincidir;
impõem-se então o sacrifício da letra. Mas há um elemento favorável à letra: “não pode, porém, ser
considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de
correspondência verbal (...)”, art.º 9.º/2; ou também em “na fixação do sentido e alcance da lei, o
intérprete presumirá que o legislador (...) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”,
art.º 9.º/3.
10
Pode ser lata, restrita ou, eventualmente, média, consoante o sentido real corresponda à acepção
mais lata, mais restrita ou intermédia da mesma expressão gramatical.
11
A letra da lei deve ser estendida ou alargada em função da ponderação dos elementos extra-literais
da interpretação. A interpretação extensiva pressupõe que dada hipótese, não estando compreendida
na letra da lei, o está todavia no seu espírito; há ainda regra, visto que o espírito é o que é decisivo.
Quando há lacuna, porém, a hipótese não está compreendida nem na letra nem no espírito de nenhum
dos preceitos vigentes.
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O argumento a minori ad maius. Funciona o princípio lógico de “quem não pode o menos, não pode o
mais” (se uma lei proibe a menores de 21 anos a administração de bens imóveis, é possível inferir que
também a venda dos mesmos bens lhe esteja vedada). O argumento a maiori ad minus. É o princípio de
“quem pode o mais, pode o menos”. Perante uma lei que permita a venda de um certo bem, é possível
inferir a possibilidade de empréstimo desse mesmo bem. O princípio de que “sendo legítimos os fins,
são-no os meios”. Perante uma lei que permita a caça grossa em coutadas demarcadas a certas
categorias de cidadãos, é possível inferir a legalidade da venda de espingardas e caçadeiras a essas
categorias de potenciais caçadores. (REBELO DE SOUSA) O argumento a contrario sensu. Assenta numa
prévia determinação do carácter excepcional da regra de que se parte. Perante uma lei que, a título
excepcional, obrigue os proprietários de veículos automóveis com registo anterior a 1990 a procederem
a uma inspecção semestral dos mesmos, é possível inferir que os proprietários de veículo automóvel,
com registo posterior àquela data, não estão sujeitos a uma tal obrigação. Só se pode fazer
interpretação enunciativa, com base no argumento a contrario, quando a disposição em causa
explicitamente consagrar o seu carácter excepcional.
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Esgotados todos os meios interpretativos, cabe então ao aplicador suprir a
lacuna (a tal ausência de regulamentação) da lei, uma vez que não lhe é possível
escusar-se a sentenciar sob pretexto de ausência de norma (art.º 8 do Código Civil).
Terão visto que, nessa circunstância, os processos comuns de integração intra
sistemáticos de lacunas no Direito moçambicano são: a analogia legis (analogia da lei,
art.º 10/1 e 2 do CC); e a analogia juris (do direito, “a norma que o interprete criaria,
se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema”, art.º 10/3 do CC).
Impõem-se ainda recordar uma distinção: a categoria da interpretação
extensiva baseia-se, no plano teórico, na possibilidade de referir um certo caso não
expressamente considerado pela letra da lei ao seu pensamento. Diferencia-se da
analogia, na medida em que o caso real é meramente semelhante aos casos
considerados pela lei, sem, no entanto, ter sido pensado por ela.
Depois, os senhores aprenderam também o ano passado, em Direito
Constitucional, que um dos problemas que se coloca, por vezes, é o da necessária
compatibilidade das normas ordinárias com a Constituição. E vimos, no âmbito daquilo
a que chamámos de interpretação conforme à Constituição, que o intérprete deve,
sempre que possível, interpretar a norma no sentido de salvar a sua
constitucionalidade13.
É portanto, a partir deste quadro geral (que eu espero tenha ficado
suficientemente consolidado), que vamos prosseguir o estudo do nosso tema: a
interpretação e integração da lei penal.
12
Ou seja, a aplicação de uma regra jurídica a um caso concreto não regulado pela lei através de um
argumento de semelhança substancial com os casos regulados.
13
Trata-se, antes de mais, de conceder todo o relevo, dentro do elemento sistemático de interpretação,
ao contexto da ordem constitucional, e à esfera de acção desta como centro de energias dinamizadoras
das demais normas do ordenamento jurídico positivo.
13
princípio da legalidade (e da reserva de lei), “sempre que ele funcione contra o agente
e vise servir a fundamentação ou a agravação da sua responsabilidade”.
Esta conclusão já resultaria evidente do texto da Constituição (art.º 60 /1 da
CRM e do art.º 1 do Código Penal), porque nestas circunstâncias se não pode afirmar
que a lei “qualifique como crime” ou “declare punível” o acto ou a omissão.
Para que se possa/deva recorrer à analogia é necessário, desde logo, que haja
uma lacuna de lei. A conclusão é a de que de acordo com o princípio da legalidade, no
que respeita às normas incriminadoras, o Direito Penal não tem lacunas. Valem os
princípios da tipicidade e da fragmentaridade. O carácter fragmentário do Direito
Penal impede que comportamentos análogos aos expressamente previstos, na
perspectiva da lesão do bem jurídico violado, tenham o mesmo merecimento penal. A
selecção da conduta incriminada é uma decisão legislativa inimitável pelo julgador
através do recurso à analogia14.
Por outro lado, uma questão lógica, o princípio constitucional da legalidade em
matéria de lei penal, há-de proibir a integração por analogia das normas sujeitas ao
princípio da reserva de lei da Assembleia da República.
14
A proibição de analogia não deve, porém, ser confundida com a proibição de raciocínios analógicos na
aplicação da lei penal.
14
No que respeita a outras normas, que não qualifiquem os factos como crimes,
pese embora o art.º 35/1, alínea i) do CP15, a analogia como forma de integração de
lacunas é possível, nos termos do art.º 10 do CC16.
Por outro lado, atenta a ratio garantística da proibição da analogia (normas
penais positivas), a proibição não é aplicável in bonam partem, à criação de normas
permissivas inexistentes na lei, nomeadamente às normas sobre circunstâncias
dirimentes ou atenuantes da responsabilidade criminal (att. v.g., às causas de não
punibilidade, que são normas excepcionais; diferente é o caso das causas de
justificação e de exclusão de culpabilidade, emanações de princípios gerais do sistema
jurídico)17.
Da mesma forma, também a interpretação extensiva é inconstitucional, já que
entre o sentido possível das palavras e o mínimo de correspondência verbal há ainda
um espaço a ser percorrido (para que se considere “qualificado” como crime),
incompatível com o fundamento de segurança jurídica do princípio da legalidade
(Sousa Brito: Estudos).
Só é possível, no âmbito de normas incriminadoras uma interpretação
declarativa lata. Tudo aquilo que a exceda e que vise harmonizar a letra da lei à sua
razão de ser, à sua “ratio”, se ultrapassar este sentido literal máximo possível já se está
a fazer interpretação extensiva. Esta não deve ser admitida em Direito Penal, porque
se entende que por força do princípio da legalidade, na sua vertente garantia, se exige
que a lei penal seja uma lei penal expressa. Assim a norma deve dizer expressamente
quais são as condutas, activas ou omissivas que, a serem ou não adoptadas,
constituem objecto de incriminação em sede de Direito Penal.
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“Não dirime da responsabilidade penal: (…) – em geral, quaisquer factos ou circunstâncias, quando a
lei expressamente não declare que eles dirimem de responsabilidade penal”.
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Atenção, contudo, às normas excepcionais: as que interrompem a projecção lógica de uma norma de
carácter geral.
17
Não se pretende, contudo, uma aplicação meramente subsuntiva [cfr. a execução literal das leis
penais em BECCARIA, como a única forma de obstar à tirania dos juízes], já que entre o caso e a lei pode
não haver mais do que uma semelhança ou analogia. O condicionamento da decisão limita-se a exigir
que se considere essa possível analogia e que se demonstre uma certa similitude entre o caso da lei e o
real (cit. KAUFMANN) a vinculação do acto de aplicação da pena a uma demonstração ou justificação de
que a lei “queria” aplicar-se ao caso concreto.
A proibição da analogia, corolário lógico do princípio da legalidade, deve, assim, ser entendida num
sentido mais profundo do que a proibição de raciocínios analógicos contra reo na operação de decidir
(FERNANDA PALMA, cfr. p. 60 ss; 98 ss).
15
Mas, para além disso, a lei penal consagra – e bem – um reforço desta
proibição: “Não é admissível a […] indução por paridade, ou maioria de razão, para
qualificar qualquer facto como crime”. Ao proscrever todos os argumentos de
“paridade, ou maioria de razão”, proíbe-se expressamente não só a interpretação
enunciativa, como ainda a interpretação extensiva, sempre que esteja em causa a
“qualificação de um facto como crime; ou a definição dos seus pressupostos” (v. EC: I,
142-143).
Nada impede, contudo, que se faça uma interpretação restritiva.
Concluindo:
1. Face ao fundamento, à função e ao sentido do princípio da legalidade a
proibição de analogia, de interpretação enunciativa, e de interpretação extensiva, vale
relativamente a todos os elementos, qualquer que seja a sua natureza, que sirvam
para fundamentar a responsabilidade ou para a agravar. A proibição vale pois contra
reum ou in malem partem, não favore reum ou in bonam partem. Ou seja:
2. Em relação às normas penais positivas, proíbe-se a interpretação extensiva
das normas penais incriminadoras; mas já é admissível a interpretação restritiva;
proíbe-se a aplicação analógica no âmbito das normas penais incriminadoras, quer por
analogia legis, quer por analogia iuris.
3. A proibição abrange antes de tudo os elementos constitutivos dos tipos
legais de crime descritos na Parte Especial do Código ou em legislação penal
extravagante18.
4. Diferentemente, não abrange os conceitos extra-penais utilizados pelo
legislador penal (coisa móvel, casamento, descendente…), que são aqui usados de
forma puramente acessória, e, por conseguinte, com o sentido que elas possuem no
ramo de direito a que pertencem; caso em que se compreende que se devam aceitar
os resultados a que legitimamente se chegue pelos métodos de interpretação
permitidos nesses ramo de direito (EC:I, 145).
18
Como vale relativamente às leis penais em branco não só no que toca à parte sancionatória
(especificamente penal) da norma, mas ainda mesmo na parte em que esta remete para
regulamentação externa.
16
5. Também relativamente à matéria das consequências jurídicas do crime vale a
proibição de analogia (de interpretação enunciativa e de interpretação extensiva) em
tudo quanto possa revelar-se desfavorável ao agente, i.e., no fundo, em tudo o que
signifique restrição (acrescida) da sua liberdade no sentido mais compressivo.
Por isso, não tem razão de ser uma doutrina outrora dominante, segundo a
qual a matéria valeria em matéria de penas, mas já não em medidas de segurança, por
estarem aqui finalidades estritas de prevenção especial positiva19. Em coerência com o
que defendi quanto aos fins do Direito Penal, os fins não justificam todos os meios,
mas apenas aqueles que encontrem na Constituição a sua razão última de ser.
6. A proibição de analogia (de interpretação enunciativa e de interpretação
extensiva) vale ainda para certas normas da Parte Geral do Código (os pressupostos ou
as regras de imputação da responsabilidade criminal), para aquelas que constituem
alargamentos da punibilidade de comportamentos previstos como crimes na PE,
nomeadamente em matéria de tentativa (v.g., não é admissível o recurso à analogia
para qualificar um certo acto como de execução); de comparticipação (v.g., não é
admissível o recurso à analogia para qualificar como doloso o auxílio), etc.
7. Em relação às normas penais negativas (causas de justificação e pelas causas
de exclusão (ou atenuação) da culpa e da punibilidade), proíbe-se a interpretação
restritiva de normas penais favoráveis; mas admite-se a interpretação extensiva.
8. Relativamente ao problema da analogia, há quem entenda que a analogia
está de todo proibida em Direito Penal (Cavaleiro Ferreira, Frederico da Costa Pinto,
…). Tratando-se nestes casos de situações que não fundamentam nem agravam a
responsabilidade do agente, mas pelo contrário a excluem ou atenuam (favore reum
ou in bonam partem), o recurso à analogia é legítimo sempre que o resultado seja o
alargamento do seu campo de incidência. A posição que deixo defendida, coincide com
a posição de Eduardo Correia e de Teresa Beleza: a analogia é admissível quando estão
em causa normas penais negativas20.
19
O mesmo se diga para a parte sancionatória das leis penais em branco.
20
Outra posição é a de que se admite por princípio a integração de lacunas por analogia no âmbito de
normas penais favoráveis, desde que essa analogia não se venha a traduzir num agravamento da
posição de terceiros, por ele ter de suportar na sua esfera jurídica, efeitos lesivos ou por ter auto-
limitado o seu direito de defesa.
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