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Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL

Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP


Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – REDE LFG

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO TELEPRESENCIAL E VIRTUAL EM


DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Disciplina

Fundamentos do Direito Processual


Civil

Aula 1
Índice
Leitura Obrigatória 1 ... p.01
Leitura Obrigatória 2 ... p.08

LEITURA OBRIGATÓRIA 1
ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
Ministro do Superior Tribunal de Justiça

AS NOVAS TENDÊNCIAS DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL.

Como citar o artigo:

RIBEIRO, Antonio de Pádua. As novas tendências do


Direito Processual Civil. Disponível em:
http://www.cjf.gov.br/revista/numero10/artigo10.htm.
Material da 1ª aula da Disciplina Fundamentos do Direito
Processual Civil, ministrada no Curso de Especialização
Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil -
UNISUL – IBDP - REDE LFG.
 
 
Ao tecer considerações sobre este tema, julgo necessário repensar conceitos e
princípios básicos do Direito Processual Civil, visando adequá-los às exigências dos tempos
modernos. Para tanto, farei singelas reflexões a respeito da matéria, a traduzirem as
preocupações de quem, após mais de trinta anos de estudos do Direito, visualizou-a sob a
ótica da advocacia, do Ministério Público, do magistério universitário e da magistratura.
O Estado, ao vedar, salvo em casos excepcionais, a autotutela dos direitos,
chamou a si a tarefa de solucionar os conflitos intersubjetivos de interesses, fazendo-o
mediante o processo. Todavia, a doutrina processual, desenvolvida a partir de fins do
século passado, teve basicamente uma concepção individualista dos litígios. Por isso,
dentre outros princípios, conferir legitimação para a causa aos titulares do direito
subjetivo violado e limitar os efeitos da coisa julgada às partes da demanda: (...) a
sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, diz o art. 472 do CPC.
Essa concepção individualista do processo ficou superada, mostrando-se
insuficiente para atender às exigências dos tempos modernos, de uma sociedade de massa
cada vez mais consciente dos seus direitos, embora a grande maioria dos seus membros
sinta-se, na prática, impossibilitada de exercitá-los pela dificuldade de acesso aos órgãos
componentes do sistema judiciário. Daí o surgimento do fenômeno da litigiosidade contida
ou, até mesmo, cada dia com mais freqüência, o uso do meio de solução de conflitos
próprio das sociedades primitivas, a violência, fazendo-se justiça pelas próprias mãos.
É, pois, preciso repensar a Justiça. E, no desempenho dessa tarefa, é
imperativo que se considerem não apenas, como até aqui tem acontecido, os operadores
do sistema judiciário, mas, especialmente, os consumidores da Justiça. Não se pode
olvidar que, no regime democrático, a atuação precípua do Estado, mediante os seus
órgãos, há de visar sempre à afirmação da cidadania. De nada adianta conferirem-se
direitos aos cidadãos, se não lhes são dados meios eficazes para a concretização desses
direitos.
As idéias sobre a matéria vêm sendo desenvolvidas em países da Europa e da
América, em torno do que se convencionou chamar “acesso à justiça”, sendo relevantes, a
respeito, os sucessivos trabalhos publicados por Mauro Cappelletti e Vittorio Denti.
Em suma, o que pretende essa corrente de pensamento é (...) a abertura da
ordem processual aos menos favorecidos da fortuna e à defesa de direitos e interesses
supra-individuais, com a racionalização do processo, que (...) quer ser um processo de
resultados, não um processo de conceitos ou filigranas. O que se busca é a efetividade do
processo, sendo indispensável, para isso, (...) pensar no processo como algo dotado de
bem definidas destinações institucionais e que deve cumprir os seus objetivos sob pena de
ser menos útil e tornar-se socialmente ilegítimo 1. Acesso à justiça é o acesso à ordem
jurídica justa, no dizer de Kazuo Watanabe. Não tem acesso à justiça aquele que sequer
consegue fazer-se ouvir em juízo, como também todos os que, pelas mazelas do processo,
recebem uma justiça tarda ou alguma injustiça de qualquer ordem2.
Em brilhantes conferências que proferiu sobre o tema, assinalou o Prof. Mauro
Cappelletti ser muito fácil declarar os direitos sociais; o difícil é realizá-los. Daí que (...) o
movimento para acesso à justiça é um movimento para a efetividade dos direitos sociais,
e a sua investigação deve ser feita sob três aspectos principais, aos quais denominou ondas
renovatórias: a primeira refere-se à garantia de adequada representação legal dos pobres.
Como fazê-la? A designação honorífica de advogados não tem mais sentido. Deve-se
permitir a escolha de profissionais, instituir órgãos de defensoria pública ou adotar sistema
misto? Seja qual for a solução, é fundamental que se assegure aos necessitados assistência
jurídica integral e gratuita.

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A segunda onda renovatória visa à tutela dos interesses difusos ou coletivos,
com o objetivo de proteger o consumidor ou o meio ambiente. Tem por pressuposto que o
conceito de pobreza não se adstringe ao indivíduo carente de recursos financeiros, de
cultura ou de posição social. É mais vasto: abrange
grupos e categorias, como no caso do consumidor. Uma empresa produz milhões
de produtos com um defeito de pouco valor. Trata-se de interesse fragmentado, pequeno
demais para que o cidadão, individualmente, defenda o seu direito. Mas, se todos os
consumidores, em conjunto, decidirem atuar, estarão em jogo interesses consubstanciados
em valores consideráveis. Há, pois, de atentar-se para os carentes econômicos e os
carentes organizacionais.
A terceira onda preocupa-se com fórmulas para simplificar os procedimentos, o
Direito Processual e o Direito material, como, por exemplo, nas pequenas causas, a fim de
que o seu custo não seja superior ao valor pretendido pelo autor. O tema envolve estudos,
dentre outros, sobre o princípio da oralidade e da imediatidade, bem como sobre os
poderes do juiz e a instrumentalidade do processo.
Em síntese, conforme o insigne jurista, os principais problemas do movimento
reformador são os seguintes:
a) O obstáculo econômico, pelo qual muitas pessoas não estão em condições
de ter acesso às cortes de justiça por causa de sua pobreza, onde seus direitos correm o
risco de serem puramente aparentes;
b) o obstáculo organizador, por meio do qual certos direitos ou interesses
“coletivos” ou difusos” não são tutelados de maneira eficaz se não se operar uma radical
transformação de regras e instituições tradicionais de Direito processual, transformações
essas que possam ter uma coordenação, uma “organização” daqueles direitos ou
interesses;
c) finalmente, o obstáculo propriamente processual, por meio do qual certos
tipos tradicionais de procedimentos são inadequados aos seus deveres de tutela.
Diante desse panorama, é alvissareiro que os nossos doutrinadores e legisladores
estejam colocando o nosso País em posição de vanguarda. Na verdade, muitos simpósios
têm sido realizados, com a presença freqüente, dentre outros, do insigne mestre Mauro
Cappelletti. Além do mais, primorosas monografias têm sido publicadas sobre a matéria.
Merecem referência, dentre outros, os trabalhos de Luiz Guilherme Marinoni (1993; 1994);
Flávio Luiz Yarshel (1996); Ovídio Baptista da Silva (1992. p. 309-313); Kazuo Watanabe
(s.d.); Hugo Nigro Mazzilli (1988); José Carlos Barbosa Moreira (1979. p. 123-132; 1983. p.
199-209; 1993. p. 77-94; 1995. p. 139-148), bem como os dos que escreveram sobre a
recente reforma do Código de Processo Civil, coordenada pelos ilustres Ministros Sálvio de
Figueiredo Teixeira e Athos Gusmão Carneiro (TEIXEIRA (coord.), 1996), dentre eles:
Cândido Rangel Dinamarco (In TEIXEIRA, 1996. p. 1-17); Sérgio Bermudes (s.d.); Nelson
Nery Júnior (1996) e J. E. Carreira Alvim (1995).
Cumpre salientar que a reforma da nossa Lei Adjetiva Civil tem sido feita com
vistas a tornar realidade as novas regras atinentes ao que se denominou “acesso à justiça”.
No Brasil, essa grande revolução começou, no plano legislativo, com a edição da
Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965) e assumiu dimensões
revolucionárias com a promulgação da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347, de 24 de
julho de 1985), estendida até mesmo à tutela da ordem econômica pela Lei n. 8.884, de 11
de junho de 1994 (art. 88), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13 de
julho de 1990) e Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11 de setembro de
1990).
A Lei da Ação Civil Pública, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código
de Defesa do Consumidor instituíram as bases da tutela do direito coletivo em nosso
ordenamento jurídico. Esses diplomas legais atribuíram legitimidade ao Ministério Público

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e a outras entidades representativas de classe, estabeleceram regras sobre a coisa julgada
erga omnes e ultra partes e dispuseram sobre a conceituação das três espécies de direitos
e interesses a serem objeto de tutela coletiva: os difusos, os coletivos e os individuais
homogêneos.
Tenha-se em conta que a Constituição Federal em vigor, no plano da tutela
constitucional das liberdades, criou os institutos do habeas-data, do mandado de injunção
e do mandado de segurança coletivo, consagrando princípios relativos à tutela
jurisdicional coletiva (legitimidade dos sindicatos e das entidades associativas em geral:
art. 5º, inc. XXI, e art. 8º, inc. III) e dando feição constitucional aos juizados especiais de
pequenas causas (art. 24, inc. X, e art. 98, inc. I) e à ação civil pública (art. 129, inc. III).
Com essa nova visão, foi recentemente promulgada a Lei n. 9.099, de 26 de
setembro de 1995, que dispõe sobre os juizados especiais cíveis e criminais, cujo art. 2º
estabelece os seus princípios básicos: oralidade, simplicidade, informalidade, economia
processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação e a transação.
Acrescento que a Emenda Constitucional n. 22, ainda pendente de
regulamentação legislativa, criou os juizados especiais no âmbito da Justiça Federal.
Diante desse quadro promissor, numa das suas vindas ao Brasil, após elogiá-lo,
disse Mauro Cappelletti: Gostaria de saber como está funcionando tudo isso na prática.
Procurou esclarecer-lhe o eminente Prof. José Carlos Barbosa Moreira, citando alguns
exemplos, colhidos no Estado do Rio de Janeiro, sobre a ação civil pública. Mencionou seis:
ação proposta contra certa empresa que gerava efluentes industriais com metais pesados e
cimento, os quais eram despejados no rio Acari e contribuíam para a poluição da Baía de
Guanabara; contra Furnas, para impedir o religamento da Usina Angra I até que se
comprovasse a existência de meios eficazes de proteção contra os riscos operacionais;
contra a Prefeitura de Petrópolis, a fim de compeli-la a não licenciar construções
prejudiciais ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e artístico da cidade; contra a
Prefeitura de Cabo Frio, para impedir obra pública que ameaçava destruir as dunas
características do local; contra a Companhia Siderúrgica Nacional, por causa dos despejos
poluentes no rio Paraíba do Sul; e contra o proprietário armador do navio Mineral Star, por
ter este aportado no Rio de Janeiro com problema no casco, o que poderia ensejar o
vazamento de 1.400 toneladas de óleo, provocando verdadeiro desastre ecológico.
Essas ações vêm sendo utilizadas nas várias unidades federativas, visando à
transferência de empresa apontada como poluidora (RT 634/63); à restauração de área
livre, de lazer do povo, prejudicada por iniciativa administrativa tendente à construção de
monumento lesivo à unidade e simplicidade da paisagem (RJTJERS 139/70); visando, ainda,
à proteção do patrimônio público e do meio ambiente.
Ao Superior Tribunal de Justiça já chegou mais de uma centena de feitos,
atinentes a ações coletivas, em que foram suscitadas numerosas questões jurídicas, dentre
outras, sobre a legitimação para propô-las, o seu cabimento, a competência para julgá-las.
Referiam-se essas ações à defesa de interesses e direitos individuais homogêneos relativos
à cobrança de taxa de iluminação pública (Resp n. 49.272-RS); a danos causados pelo
lançamento de poluentes na atmosfera e nos rios (Resp n. 11.074-SP); ao uso de símbolos
pessoais de campanha por candidato eleito, com prejuízos para os cofres públicos (CC n.
5.286-CE); a danos ao patrimônio público causados por prefeito (CC n. 3.170-CE); a dano
ambiental causado por vazamento de gasolina no estuário de Santos (CC n. 3.389-SP); a
vazamento de petróleo ocorrido no canal de São Sebastião-SP (CC n. 2.374-SP e embargos
declaratórios nele manifestados); à carne importada, suspeita de contaminação radioativa,
em razão do acidente de Chernobyl (Resp n. 8.714-RS); à proteção do patrimônio público e
do meio ambiente, com relação à exploração das jazidas de cassiterita situadas em
Ariquemes-RO (CC n. 2.230-RO); à colisão do petroleiro “Penélope” com o petroleiro
“Piquete” no terminal marítimo “Almirante Barroso”, em São Sebastião, com vazamento
de grande quantidade de óleo que atingiu as praias vizinhas (CC n. 2.473-SP); à fixação de
anuidades escolares (Resp n. 38.176-MG, Resp n. 65.836-MG).

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O elenco dessas demandas transindividuais mostra a boa receptividade que vem
alcançando na sociedade e a sua grande utilidade para a população e para a defesa do
interesse público.
Por último, cumpre assinalar que os meios alternativos de solução de litígios
devem ser difundidos, estimulando-se o uso da mediação, da conciliação e da arbitragem.
A respeito, foi promulgada a Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996.
A referida Lei, que traduz a união dos empresários e instituições jurídicas
nacionais, resultou de projeto da iniciativa do então Senador Marco Maciel, hoje eminente
Vice-Presidente da República. É produto da sua sensibilidade política e da estreita ligação
com os setores jurídicos e, por isso, denominada “Lei Marco Maciel”.
No âmbito da Justiça há, em todo o mundo, queixa generalizada contra o
Judiciário, em face dos custos e delonga na solução dos litígios. Dentre as soluções para
tais problemas, têm sido apontados os meios alternativos de resolução dos conflitos, dos
quais são espécie a arbitragem e a mediação. Na verdade, esses institutos se inserem num
contexto mais amplo de realização plena da justiça.
Como se sabe, a solução dos litígios pode ocorrer pela atuação das próprias
partes ou de terceiros. No primeiro caso, temos a autotutela e a autocomposição. Pela
autotutela ou autodefesa, cada um dos litigantes procura solucionar o conflito de
interesses usando suas próprias forças: é o império do regime da violência, da lei do mais
forte, peculiar às sociedades primitivas. Na autocomposição, as próprias partes procuram
solucionar a contenda, como no caso da transação ou solução contratual da demanda.
A solução do litígio por terceiros, denominada de “heterocomposição”,
desdobra-se em duas: a solução estatal, dada pelo juiz, mediante sentença; e a solução
arbitral ou arbitragem, conferida pelos interessados a um terceiro particular, sem ligação
com o Estado. A mediação fica próxima da arbitragem, embora com ela não se confunda.
Nesta, o árbitro decide a lide, enquanto naquela o mediador apenas procura usar sua
habilidade para ajudar as partes a solucionar a controvérsia.
Em face desse panorama, a lei criou o juízo arbitral fundado em institutos
jurídicos existentes há longos anos no nosso ordenamento jurídico, mas pouco utilizados: o
compromisso e o juízo arbitral. A “Lei Marco Maciel” soluciona o grande obstáculo à maior
utilização da arbitragem no Brasil: o fato de não ter a cláusula arbitral força vinculante.
Resta, porém, outro problema a ser resolvido: dar execução à referida Lei.
Inexistem, praticamente, no Brasil, instituições de arbitragem adequadas às transações
comerciais. Pouco significativos têm sido os esforços nas associações comerciais locais para
apoiar a arbitragem. Lembra o Dr. Jürgen Samtleben que, (...) nas bolsas de mercadorias
de São Paulo e Santos, os procedimentos arbitrais de qualidade existentes não são
procedimentos arbitrais verdadeiros, mas sim forma de arbitramento. Têm apenas a
função de prova em processos judiciais. Acrescenta que, embora haja, no Brasil, várias
instituições arbitrais aptas a atuar na solução de disputas no comércio internacional, não
conseguiram elas obter qualquer importância prática. É o caso do Comitê Brasileiro da
Câmara de Comércio Internacional e do Centro Brasileiro de Arbitragem. A Câmara
Comercial Brasil-Canadá instalou tribunal arbitral que, até recentemente, tinha dado início
apenas a um procedimento arbitral.
Nesse contexto, é fundamental que se procure, com urgência, dar efetividade à
nossa lei de arbitragem. A sua eficácia irá refletir na esfera interna: descongestionamento
do Judiciário e solução mais barata, rápida e adequada dos conflitos de interesses, bem
como na esfera internacional. A formação dos blocos econômicos, com a expansão da
economia global, é um atestado eloqüente de que as fronteiras nacionais passaram a ser
obstáculo ao desenvolvimento de empresas multinacionais, fenômeno que assume
dimensão mais significativa com a liberação cada vez maior do comércio.

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Cumpre lembrar que, em termos de Mercosul, o Protocolo de Brasília prevê o
Tribunal de Arbitragem para decidir controvérsias entre os Estados que o compõem, com
base no Tratado de Assunção, nos acordos celebrados no âmbito do mesmo, nas decisões
do Conselho do Mercado Comum e nas resoluções do próprio Mercado Comum. Todavia as
controvérsias entre particulares ficaram fora do mencionado sistema. Nesse contexto,
importante será a utilização da arbitragem, da mediação, da conciliação e de outras
formas alternativas da solução de conflitos.
Em 24 de janeiro de 1997, foi instalada a Corte Brasileira de Arbitragem
Comercial e, após esse significativo evento, outras cortes arbitrais têm sido instaladas no
âmbito estadual.
Concluindo, para que as novas idéias venham concretizar-se, é fundamental a
colaboração de todos os que militam no Judiciário (magistrados, advogados e membros do
Ministério Público) e até mesmo fora dos limites desse Poder (os professores universitários
de Direito, por exemplo). É indispensável a mudança de mentalidade e a criatividade, a
fim de que novos princípios sejam aplicados na solução dos litígios. A cidadania não pode
continuar a constituir privilégio de poucos. De outra parte, é preciso mudar a imagem da
Justiça: não se pode admitir que seja visualizada, como tem sido pelo povo em geral, como
algo privativo de iniciados. Na República democrática, todo o poder emana do povo, que o
exerce por seus representantes ou diretamente, nos termos da Constituição (art. 1º,
parágrafo único). Cumpre assegurar o acesso da população, especialmente da mais pobre,
àquele bem, incluído dentre os mais preciosos, a Justiça. Nunca houve tanta sede e fome
de justiça. É necessário satisfazê-las antes que seja tarde demais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVIM, J. E. Carreira. Código de Processo Civil Reformado. 2. ed. rev. e ampl. Belo
Horizonte: Del Rey, 1995. 344 p.
BERMUDES, Sérgio. A Reforma do Código de Processo Civil. S.l.: s.e., s.d.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Nasce um novo processo civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de
Figueiredo (coord.). A Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 1-
17.
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil: o acesso à justiça e os
institutos fundamentais do Direito Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
181 p. (Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio Liebman; v. 24).
——. Efetividade do Processo e Tutela de Urgência. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris,
1994. 94 p.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: Meio Ambiente,
Consumidor e Patrimônio Cultural. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. 152 p.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tutela sancionatória e tutela preventiva, Revista Brasileira
de Direito Processual, n. 18, abr./jun. 1979. p. 123-132. v. 5.
——. Tendências contemporâneas do Direito Processual Civil, Revista de Processo, n. 31,
jul./set. 1983. p. 199-209. v. 8.
——. Notas sobre o problema da efetividade do processo, Ajuris, n. 29, nov. 1993. p. 77-94.
v. 10.
——. Miradas sobre o processo civil contemporâneo, Revista Forense, n. 331, jul./set. 1995.
p. 139-148. v. 91
NERY JÚNIOR, Nelson. Atualidades sobre o Processo Civil: a reforma do Código de Processo
Civil brasileiro de 1994 e de 1995. 2. ed. rev. e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1996. 279 p.

6
SILVA, Ovídio Baptista da. Tutela Antecipatória e Juízos de Verossimilhança, Ciência
Jurídica, Salvador, n. 47, set./out. 1992. p. 309-313.
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). A Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo:
Saraiva, 1996. 906 p.
WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. S.l.: s.e., s.d.
YARSHEL, Flávio Luiz. Tutela Jurisdicional Específica nas Obrigações de Declaração de
Vontade. São Paulo: Malheiros, 1993.

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Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL
Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP
Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – REDE LFG

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO TELEPRESENCIAL E VIRTUAL EM


DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Disciplina

Fundamentos do Direito Processual


Civil

Aula 1
LEITURA OBRIGATÓRIA 2
LUIZ GUILHERME DA COSTA WAGNER JUNIOR
Advogado; Mestre pela PUC/SP; Doutorando pela PUC/SP; coordenador do curso de Pós-Graduação
Lato Senso - MBA da UNIP/Santos; professor universitário no curso de graduação da UNIP; professor
convidado do curso de especialização da Fundação Desembargador Francisco Gomes conveniada com
a Universidade Federal do Piauí; professor de diversos cursos preparatórios para ingresso em
concursos públicos e OAB; autor da obra “A Ação Civil Pública como Instrumento de Defesa da
Ordem Urbanística”.

A MOROSIDADE DA PRESTAÇÃO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL COMO


UM FATOR DE DESCRÉDITO DO PODER JUDICIÁRIO E A OBRIGAÇÃO DO
ESTADO DE INDENIZAR OS PREJUÍZOS CAUSADOS AO JURISDICIONADO

Como citar o artigo:

WAGNER JÚNIOR, Luiz Guilherme da Costa. A


morosidade da prestação da atividade jurisdicional
como um fator de descrédito do Poder Judiciário e a

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obrigação do Estado de indenizar os prejuízos causados
ao jurisdicionado. Estudos em Homenagem ao Prof.
Adilson Abreu Dallari, Editora Del Rey, 2.005. Material
da 1ª aula da Disciplina Fundamentos do Direito
Processual Civil, ministrada no Curso de Especialização
Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil -
UNISUL – IBDP - REDE LFG.
SUMÁRIO: I – Da autotutela à atividade jurisdicional. II – Do
conceito de desempenho satisfatório da atividade
jurisdicional. III – Da difusão dos conceitos de cidadania, dos
direitos fundamentais e do princípio da inafastabilidade da
atividade jurisdicional. IV – Do Pacto de São José da Costa Rica
como fonte de direito à tutela tempestiva. V – Da
responsabilidade do Estado pela demora no serviço
jurisdicional. VI – Respostas aos mais freqüentes argumentos
que defendem a irresponsabilização do Estado pela demora no
exercício da atividade jurisdicional. VII – Direito Comparado.
VIII - Conclusão.

I - DA AUTOTUTELA À ATIVIDADE JURISDICIONAL


Nos conta a história que houve um período em que a humanidade resolvia seus
conflitos de interesses mediante a utilização da própria força individual de cada litigante.
Era a época em que, aqueles que exerciam sobre seu oponente uma superioridade física,
bélica, econômica, cultural, ou, ainda, qualquer outra manifestação de supremacia,
faziam prevalecer as suas vontades sagrando-se vitoriosos nas disputas cotidianas.
O bom-senso não demorou a mostrar que esta forma de solução de litígios
revelava-se, no mais das vezes, bastante injusta e inapropriada na medida em que, nem
sempre aquele que detinha a força era realmente o merecedor da tutela, ou seja, o titular
do direito discutido.
Esse mesmo bom-senso fez com que a sociedade organizada passasse a aceitar
que o Estado chamasse para si, à exclusividade, a incumbência de ditar a forma pela qual
os conflitos seriam resolvidos, o que seria feito através do exercício da jurisdição.
Verificou-se, assim, um fenômeno segundo o qual cada cidadão abriu mão de
seus poderes individuais de buscar, pela própria força 1, a defesa de seus interesses,
delegando sua autonomia de auto-regulamentar-se para o Estado 2, politicamente
organizado, que passaria a exercer, repita-se, de forma exclusiva, a função jurisdicional.
E frise-se a expressão função jurisdicional justamente para se ressaltar a idéia,
na trilha das mais modernas correntes de pensadores, de que estamos diante de uma
atividade-dever do Estado.
É o que disse, com muita felicidade, o Prof. Humberto Theodoro Jr., ao aduzir
que, “é fora de dúvida que a atividade de dirimir conflitos e decidir controvérsias é um dos
fins primários do Estado. Mas, desde que privou os cidadãos de fazer atuar seus direitos
subjetivos pelas próprias mãos, a ordem jurídica teve que criar para os particulares um
1
Observe-se, no entanto, que sem prejuízo do quanto disposto no artigo 345 do Código Penal, que
define como crime o exercício arbitrário das próprias razões, há, ainda, alguns resquícios da
autotutela positivados em nosso ordenamento civil, como por exemplo, a legítima defesa da posse,
prevista no parágrafo 1o. do artigo 1.210 do Código Civil atual (art. 502 do CC/16).
2
Das lições do Prof. Vicente Greco Filho, in “Direito Processual Civil Brasileiro”, 1 o. vol., Ed.
Saraiva, 17a. ed., 2.003, extrai-se que “a característica essencial da jurisdição, segundo a doutrina
consagrada, é a substitutividade, por que o Estado, por uma atividade sua, substitui a atividade
daqueles que estão em conflito na lide, os quais, aliás, estão proibidos de fazer justiça com as
próprias mãos, tentando satisfazer pessoalmente pretensão, ainda que legítima”.

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direito à tutela jurídica do Estado. E este, em conseqüência, passou a deter não apenas o
poder jurisdicional, mas também assumiu o dever de jurisdição”.
Conclui, então, o eminente processualista mineiro afirmando que “assim, em
vez de conceituar a jurisdição como poder é preferível considerá-la como função estatal e
sua definição poderia ser dada nos seguintes termos: jurisdição é a função do Estado de
declarar e realizar, de forma prática, a vontade da lei diante de uma situação jurídica
controvertida”3.
Substituir a idéia de jurisdição enquanto poder, para conceituá-la como função,
nada mais é do que, em última instância, reconhecer que “todo o poder emana do povo”,
nos termos do que dispõe o parágrafo único do artigo 1 o. da Constituição Federal, cujo
exercício se dará “por meio de representantes eleitos ou diretamente”.
A partir desse raciocínio, vêm à calha as palavras de Canotilho ao enunciar que
o Estado é “uma forma histórica de organização jurídica do poder dotada de qualidades”,
dentre estas, “a qualidade de poder soberano, que tem como destinatários os cidadãos
nacionais”4.
Ocorre que, em razão da concepção jurídica una atribuída ao Estado, há de se
concluir, por conseqüência, pela indivisibilidade do Poder Estatal, motivo pelo qual
acabam se revelando impróprias às expressões “Poder Judiciário”, “Poder Executivo” e
“Poder Legislativo” posto sugerirem a falsa idéia de segmentos isolados e separados, que
culminaria com o entendimento de que o poder estaria dividido.
É o que afirmou Rosemiro Pereira Leal ao expor que “com o advento do Estado
Moderno, torna-se arcaica a divisão da atividade estatal pela afirmação de Poderes,
porque, em face do discurso jurídico-democrático avançado das sociedades modernas, a
única fonte de poder é o povo”, com o que complementa Leowenstein, aduzindo que “a
equivocada e obsoleta concepção da separação de poderes estatais só pode ser aceita de
maneira figurativa e deve ser tecnicamente entendida como a distribuição de
determinadas funções do Estado a diferentes órgãos, em decorrência da necessidade de se
controlar o exercício do Poder Político”5.
Há que se entender, então, em resumo, que “o que deve ser considerada
repartida ou separada é a atividade e não o poder do Estado, do que resulta uma
diferenciação de funções exercidas pelo Estado por intermédio de órgãos criados na
estruturação da ordem jurídica constitucional, nuca a existência de vários poderes do
mesmo Estado”6.

II - DO CONCEITO DE DESEMPENHO SATISFATÓRIO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL


Ora, se é correto entender que a atividade jurisdicional é uma função a ser
exercida pelo Estado na medida em que seu desempenho deve ter como fim último atender
às necessidades dos jurisdicionados no tocante à composição dos litígios, como forma de
instaurar a paz social, será então também correto entender que o exercício dessa
atividade deverá sempre se dar de forma satisfatória, ou seja, assegurando aos
jurisdicionados a plena obtenção e resguardo de seus direitos, sob pena de visível,
imediato e não admissível prejuízo aos interessados.
E quando se fala em desempenho satisfatório da atividade jurisdicional não se
está querendo referir apenas ao acerto quanto às decisões emanadas, vale dizer, a

3
“Curso de Direito Processual Civil”, v. I, p. 37, Forense, 2.001, p. 31/32.
4
“Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, apud Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias,
“Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional”, Editora Del Rey, 2.004., p. 64.
5
“Estudos Continuados de Teoria do Processo”, apud Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, in ob. cit. p.
71.
6
Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, in ob. cit. p. 70, reportando-se, novamente, a Canotilho.

10
qualidade técnica e jurídica das mesmas, uma vez que, sabemos, devem elas ser proferidas
em conformidade com os Princípios de Direito e a legislação vigente.
Por desempenho satisfatório da atividade jurisdicional se deve entender,
também, e por que não dizer, em especial, a tempestividade da manifestação do órgão, na
medida em que, nunca é demais lembrar a célebre frase de Voltaire, “a justiça fora de
tempo é injustiça”.
É natural entender que quem procura uma tutela jurisdicional a quer em tempo
ainda útil para poder gozar dos benefícios da mesma. Como bem disse José Rogério Cruz e
Tucci, “ao lado da efetividade do resultado que a deve conotar, imperioso é também que a
decisão seja tempestiva”, arrematando ser “inegável, por outro lado, que, quanto mais
distante da ocasião tecnicamente propícia for proferida a sentença, a respectiva eficácia
será proporcionalmente mais fraca e ilusória”7.
Em seu texto, o autor cita Bielsa (El tiempo y el processo) para quem o
resultado de um processo “não apenas deve outorgar uma satisfação jurídica às partes,
como também, para que essa resposta seja a mais plena possível, a decisão final deve ser
pronunciada em um lapso de tempo compatível com a natureza do objeto litigioso, visto
que – caso contrário – se tornaria utópica a tutela jurisdicional de qualquer direito. Como
já se afirmou, com muita razão, para que a Justiça seja injusta não faz falta que contenha
equívoco, basta que não julgue quando deve julgar!”.
Daí porque não podemos chegar à outra conclusão senão a de que, por
desempenho satisfatório da atividade jurisdicional deve-se entender a qualidade técnica e
a tempestividade do pronunciamento judicial.

III - DA DIFUSÃO DOS CONCEITOS DE CIDADANIA, DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DO


PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA ATIVIDADE JURISDICIONAL
Deve ser recebida com aplausos a realidade atual de que cada vez mais os
conceitos inerentes à cidadania vêm sendo difundidos para a sociedade.
Após longo e tenebroso período em que o País viveu sob o manto de um regime
ditatorial, onde, vale lembrar, chegou-se a vedar expressamente a provocação do
judiciário para a discussão de direitos humanos, atualmente o cenário é bastante diverso.
E peça fundamental deste contexto a que nos reportamos foi a Constituição de
1.988, não sem motivos apelidada, por muitos, de Constituição Cidadã, na medida em que
não escondeu a sua grande preocupação com a defesa dos direitos e garantias
fundamentais do indivíduo, bem como trouxe, de forma marcante, acenos sociais
coletivos, tudo sob o respaldo de uma gama de princípios que visam, em especial,
dignificar a pessoa humana.
Ora, se o Estado conferiu, através de diversos dispositivos constitucionais,
direitos e garantias fundamentais aos cidadãos, deve ser igual preocupação do mesmo a
criação de mecanismos que possam assegurar a fruição destes benefícios.
Não faz sentido algum arrolar direitos se não houver mecanismos aptos a fazer
com que os mesmos pudessem ser exigidos e respeitados.
Nesse sentido, também encartado como um direito fundamental, está a regra
inserta no artigo 5o., inciso XXXV, da Carta Magna, que prevê o princípio da
inafastabilidade da jurisdição8.

7
“Garantia do Processo sem Dilações Indevidas” (Responsabilidade do Estado pela Intempestividade
da Prestação Jurisdicional) in “Temas Atuais de Direito Processual Civil”, Del Rey, 2.001..
8
Diz o artigo 5o., XXXV da CF que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito”.

11
Assim, é forçoso reconhecer que o Estado, ao mesmo tempo em que prescreveu
direitos, garantiu a todos os jurisdicionados a possibilidade de provocar o Poder Judiciário
quando diante de lesão ou ameaça do gozo e fruição dos mesmos.
Cabe então indagarmos qual a correta extensão a ser dada à idéia de que o
Estado coloca à disposição dos interessados o exercício da função jurisdicional?
E a resposta a essa pergunta exige que tenhamos em mente o fato, já apontado
neste trabalho, de que o Estado reservou para si, de forma exclusiva, o exercício da função
jurisdicional.
Como contrapartida a essa situação, ou seja, como resposta ao fato de ter
subtraído de todo e qualquer cidadão a possibilidade de solucionar os seus conflitos de
interesse através do emprego de sua própria força, foi preciso que se deferisse aos
interessados o chamado direito de ação, ou seja, o direito subjetivo de provocar o Estado
para a composição de seus conflitos de interesse .
Humberto Theodoro Jr. observa que “modernamente, prevalece à conceituação
de ação como um direito público subjetivo exercitável pela parte para exigir do Estado a
obrigação da prestação jurisdicional, pouco importando seja esta de amparo ou desamparo
à pretensão de quem o exerce. É por isso abstrato (...) autônomo, porque pode ser
exercido sem sequer relacionar-se com a existência de um direito subjetivo material, em
casos como a da ação declaratória negativa, e (...) instrumental, porque se refere sempre
a decisão a uma pretensão ligada ao direito material (positiva ou negativa)”.9
Manejado o direito de ação, provoca-se o exercício da atividade jurisdicional. A
preocupação da sociedade, no entanto, sempre foi que o sistema criado pudesse realmente
atender a sua finalidade, qual seja, a garantia da defesa dos direitos individuais e coletivos
dos jurisdicionados.
Coube, então, a Mauro Cappelletti, a difusão da locução jurisdição
constitucional da liberdade para designar os mecanismos processuais dirigidos
especificadamente à tutela dos direitos fundamentais consagrados na Constituição e os
órgãos jurisdicionais incumbidos de realizá-la.10
O que nos interessa, no entanto, não é apenas admitir que qualquer cidadão
tem o direito subjetivo de provocar o Estado para solucionar seu conflito, bem como fazer
prevalecer os seus direitos fundamentais. O mais importante, aqui, é entender que a
tutela que se busca através da atividade jurisdicional deve ser concedida não só na forma,
mas, também, em tempo eficaz.
Esse também o entendimento de José Rogério Cruz e Tucci ao afirmar que “é
até curial que o direito de acesso à ordem jurídica justa, consagrado no artigo 5 o., XXXV,
da Constituição Federal, não exprime apenas que todos podem ir a juízo, mas, também,
que todos têm direito à adequada tutela jurisdicional, ou melhor, a tutela jurisdicional
efetiva, adequada e tempestiva”.11
Para Teresa Sapiro Anselmo Vaz, o direito à jurisdição “é indissociável do
direito a uma tutela judicial efectiva que, por sua vez, pressupõe o direito a obter uma
decisão em prazos razoáveis, sem dilações indevidas. Ou seja, a tutela judicial efectiva
implica uma decisão num lapso de tempo razoável, o qual há-se ser proporcional e
adequado à complexidade do processo”.12
Temos claro, então, que o princípio da inafastabilidade de jurisdição,
conjugado com as idéias de uma atividade jurisdicional revestida das qualidades de
função, acrescida à mesma a incumbência de zelo pelos direitos e garantias fundamentais
9
Ob. cit. p. 47.
10
“Proceso, ideologias, sociedad”, apud Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, in ob. cit. p. 91.
11
Ob. cit. p. 171.
12
Novas tendências do processo civil no âmbito do processo declarativo comum (alguns aspectos).
Revista da Ordem dos Advogados 55 (1.995). Lisboa. Apud. José Rogério Cruz e Tucci, in ob. cit.

12
do cidadão, cria um sistema que deveria ser apto a garantir ao interessado não apenas a
provocação do Estado quando assim entender necessário, mas, repita-se, em especial, que
a resposta do órgão se faça em tempo hábil a lhe trazer os benefícios visados.
E nem poderia ser diferente posto que não seria lógico admitir como direito
fundamental a provocação da atividade jurisdicional sem que estivesse atrelada à mesma a
solução tempestiva da questão. Ter direito de provocar o Estado, mas não ter direito de
exigir quer o mesmo responda em tempo hábil, seria o mesmo que não ter direito a exigir
uma tutela.
Daí as palavras de José Augusto Delgado afirmando que “a demora na prestação
jurisdicional cai no conceito de serviço público imperfeito. Quer ela seja por indolência do
juiz, quer seja por o Estado não prover adequadamente o bom funcionamento da
justiça”.13
No mesmo sentido concluiu Vera Lúcia R. S. Jucovsky, ponderando que “a
demora na decisão de ação judicial, em verdade, afigura-se prestação jurisdicional eivada
de imperfeição”14.
Há que restar consignado, então, que a tutela a destempo deve ser vista como
uma falha do sistema, que ofende a um direito constitucionalmente assegurado do
jurisdicionado, qual seja, o de valer-se do serviço judiciário em tempo e forma devido.

IV - DO PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA COMO FONTE DE DIREITOS A TUTELA


TEMPESTIVA
Sem prejuízo das garantias constitucionais acima elencadas, importante
ressaltar que as normas da Convenção Americana de Direitos Humanos, chamada, também,
de Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário desde a sua aprovação
através do Decreto Legislativo n. 27, de 26 de maio de 1.992, traz, também, como direito
fundamental de todo cidadão uma resposta jurisdicional em tempo hábil a lhe produzir os
efeitos pretendidos.
Nesse sentido, veja-se a redação do artigo 8 o., alínea 1: “Toda pessoa terá o
direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz
ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus
direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.
É bem verdade que o dispositivo em comento traz um conceito vago e impreciso
ao valer-se da expressão “dentro de um prazo razoável”, sendo natural e pertinente à
discussão acerca do que realmente venha a configurar um prazo razoável.
Somente nos casos concretos, então, é que o magistrado poderá, servindo-se de
alguns dispositivos do Código de Processo Civil, que prevêem expressamente certos prazos
para a adoção e conclusão de determinadas providências, bem como se valendo do bom
senso, para outras hipóteses onde haja silêncio legislativo, preencher esse conceito vazio a
fim de verificar se houve ou não observância de um prazo razoável para o equacionamento
de determinada lide.
De qualquer forma, o que se quer registrar aqui é que, o Pacto internacional em
comento, uma vez ratificado pelo Congresso Nacional, passa, nos termos do artigo 5 o.,

13
Responsabilidade Civil do Estado pela Demora na Prestação Jurisdicional. RePro, 40/152.
14
Responsabilidade Civil do Estado pela Demora na Prestação Jurisdicional. Brasil – Portugal. Editora
Juarez de Oliveira, São Paulo, 1.999, p. 69.

13
parágrafo 2o. da Constituição Federal15, a ser fonte de direitos a justificar a exigência da
observância do julgamento de um processo em um prazo razoável.
Aliás, quanto a esse tema, observa Flávia Piovesan 16 que “a Carta de 1.988 está
a incluir, no catálogo de direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados
nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Este processo de inclusão implica na
incorporação pelo texto constitucional destes direitos. Ao efetuar tal incorporação, a Carta
está a atribuir aos direitos internacionais uma hierarquia especial e diferenciada, qual
seja, a hierarquia de norma constitucional”. Conclui a autora afirmando que “os direitos
enunciados nos tratados de direitos humanos de que o Brasil é parte integram, portanto, o
elenco dos direitos constitucionalmente consagrados”.
Seria, por esse raciocínio, correto dizer, então, que tem o jurisdicionado o
direito constitucional de obter uma tutela jurisdicional dentro de um prazo razoável.

V - DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA DEMORA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO


JURISDICIONAL
O tema da Responsabilidade Civil do Estado encerra, sem sombra de dúvidas,
algumas das mais apaixonantes discussões jurídicas, notadamente no que tange à extensão
da sua responsabilização, bem como o regramento da forma pela qual o mesmo deverá
responder no caso concreto.
Após o avanço de épocas em que prevalecia o primado do the king can no wrong
para fundamentar a irresponsabilização do Estado, passamos a observar que,
paulatinamente, a idéia de que o Estado deveria responder pelas falhas de seus serviços foi
cada vez mais tomando lugar nos ordenamentos.
Da responsabilização culposa para a responsabilidade objetiva, grafada, em
última instância, no artigo 37, parágrafo 6o., da Constituição Federal de 1.988, notamos o
avanço legislativo no sentido de imputar responsabilidade ao Estado quando seu serviço
deixar de ser prestado, ou for prestado de forma ineficiente, ou, ainda, quando realizado
de forma a causar danos a terceiros17.
Partindo da premissa, ao que consta aceita por todos de forma bastante
pacífica, de que o Estado deve ser responsabilizado pela falha na prestação de seus
serviços, nos parece fundamental, então, discutir se o serviço judiciário estaria abrangido
na hipótese desta responsabilização em comento.
Nesse sentido, filiamo-nos a respeitável corrente doutrinária 18 que entende não
ser sustentável qualquer distinção quanto às conseqüências do ato prejudicial praticado

15
Diz o artigo 5o., parágrafo 2o. da Constituição Federal que “os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que República Federativa do Brasil seja parte”.
16
Direitos humanos e o direito constitucional internacional, 4a. edição, Max Limonad, São Paulo,
2.000.
17
Sobre as formas da Responsabilização do Estado no decorrer dos tempos, remetemos o leitor ao
precioso estudo elaborado pelo Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, “Responsabilidade Civil do
Estado”, publicado na Revista de Informações Legislativa – Brasília, n. 96/233, em que o autor
defende a existência de quatro fases distintas que marcaram tal evolução, quais sejam, a fase da
irresponsabilidade, a fase da responsabilidade com base na doutrina civilista (teoria subjetiva), a
fase da publicização da culpa (teoria da culpa administrativa ou da faute du service dos franceses, e
a fase da responsabilidade objetiva.
18
Nesse sentido, Maria Emília Mendes Alcânrtara, em sua obra Responsabilidade do Estado por atos
Legislativos e Jurisdicionais, RT, São Paulo, 1.988, afirma que “não há por que proceder-se a uma
distinção entre atos legislativos, administrativos ou jurisdicionais para efeito de se promover a ação
de responsabilidade do Estado”. No mesmo sentido, Luiz Rodrigues Wambier, Ronaldo Bretâs de
Carvalho Dias.

14
pelo Estado, seja no desempenho de atividades legislativas, seja no de atividades
jurisdicionais.
Aliás, sobre o tema, convém transcrever, pela lucidez do raciocínio, as sempre
oportunas lições de José Cretella Júnior: “realmente, o serviço judiciário é, antes, serviço
público. Ora, o serviço público danoso, em qualquer de suas modalidades, é serviço danoso
do Estado. Por que motivo excluir, por exceção, a espécie serviço público judiciário, do
gênero serviço público geral?”.
Tomando por verdadeiras, então, as duas premissas acima expostas, quais
sejam, repita-se, que o Estado deve ser responsabilizado pela falha na prestação de seus
serviços, e que a atividade jurisdicional enquadra-se no conceito de serviço prestado pelo
mesmo, a outra conclusão não chegamos senão a de que a ineficiência da prestação
jurisdicional é fato que enseja o dever do Estado de indenizar.
Nossa cultura no tocante a responsabilização do Estado por atos jurisdicionais
quase sempre ficou restrita aos casos de erro judiciário, ou, ainda, em hipóteses
específicas onde se demonstrava o dolo, e, em algumas raras situações, a culpa de um
agente.
O que se está sustentando aqui, no entanto, é que a leitura dos conceitos atuais
de jurisdição, sob o entendimento da atividade-dever Estatal de garantia dos direitos
fundamentais, entre os quais destaca-se o da obtenção tempestiva da tutela jurisdicional,
nos leva a imperiosa conclusão de que deve ser imputado ao Estado o dever de indenizar o
prejuízo que o jurisdicionado experimente em razão de sua demora na prestação
jurisdicional.
Não se pode mais admitir que o processo se arraste pelo judiciário por anos e
anos, sem que o Estado responda pela ineficiência da sua atividade jurisdicional.
Se é realmente eficaz o preceito constitucional que garante que nenhuma lesão
a direito individual poderá ser subtraída da apreciação do judiciário, não há por que
excepcionar da apreciação do órgão os prejuízos decorrentes desta má gerência Estatal no
tocante a sua organização judiciária.
Sobre o assunto, Mário Moacyr Porto observa ser o grande obstáculo ao pontual
desempenho dos serviços da Justiça, “a demora, a procrastinação, no andamento dos
processos. O retardamento ocorre, em regra, pela ocorrência ou concorrência das
seguintes causas: serviço mal-aparelhado e desídia do magistrado, não sendo rara a
conjugação dos dois fatores negativos”.19
Conclui o autor afirmando que “se a procrastinação se dá por culpa do juiz e da
‘falta de serviço’, como é freqüente, responde o Estado, com ação regressiva contra o juiz
negligente. Na hipótese de as autoridades incumbidas da fiscalização e correição das
atividades forenses negligenciarem no desempenho de suas atribuições, haverá culpa in
vigilando, que implica a responsabilidade do Estado e da autoridade faltosa”.
No mesmo sentido, já teve a oportunidade de se manifestar o eminente
Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Mário da Silva Velloso, ao aduzir que o
“Estado é responsável, civilmente, pelos atos de seus juízes não só em razão do
comportamento desidioso destes, mais, e sobretudo, pelo mau funcionamento do serviço,
assim, em razão da falta do serviço”.20
Tais prejuízos indenizáveis devem, a nosso ver, ser entendidos de forma
bastante ampla, abarcando, por exemplo, as hipóteses em que o direito tutelado tenha
perecido, ou sido depreciado, fazendo com que o processo perdesse seu objeto em razão
da demora no julgamento do processo, ou, as situações em que o valor indenizatório tenha
sofrido considerável corrosão inflacionária, ou ainda, os casos em que o tramitar

19
Responsabilidade do Estado por atos de seus Juízes. RT 536/11.
20
Ob. cit. p. 251.

15
demasiadamente lento do feito tenho causado excessivo desgaste emocional e financeiro
aos litigantes.
E, observe-se, que, sustentamos, tanto o vencedor, como o vencido, terão
direito à dita indenização se demonstrarem o prejuízo que lhes foi acarretado pela demora
na prestação jurisdicional.
Isso porque, o direito a uma resposta jurisdicional imediata e eficaz não é
apenas do vencedor da demanda, mas também daquele que acaba derrotado, na medida
em que não é correto que o mesmo experimente a angústia de, por anos e anos, ficar
aguardando atônito o desfecho de uma situação que pode vir a lhe causar algum dever
obrigacional. Que seja condenado o responsável pelo ato sem que, no entanto, seja o
mesmo exposto a uma situação mais penosa do que aquele que ele naturalmente já deverá
experimentar com o resultado contrário da ação.
A corroborar com esse entendimento, invocamos as indagações feitas, de forma
exemplificativa, por Luiz Rodrigues Wambier: “os autos restam conclusos ao magistrado,
em processo de indenização, por cerca de seis meses; ao prolatar a sentença o juiz
concede correção monetária, incidente sobre o valor do ressarcimento, a partir da citação.
Indaga-se: será justo que o réu cumpra a obrigação com o acréscimo relativo à correção do
valor da moeda, inclusive no período em que o processo ficou paralisado em mãos do juiz,
aguardando a sentença? Não será dever do Estado indenizá-lo pelo dano – evidente e
pecuniário, no caso, causado em razão da demora na prolação do provimento
ressarcitório?”.21
Nos parece que a resposta às questões acima formuladas só podem levar a
conclusão de que o Estado deve ser responsabilizado pelo prejuízo que a parte sofrer pela
sua ineficácia na prestação jurisdicional. Entender o contrário, data máxima vênia, seria
admitir que o vencido tivesse o dever de experimentar prejuízo maior do que aquele que
já lhe será imposto em razão da condenação imposta.

VI - RESPOSTA AOS MAIS FREQÜENTES ARGUMENTOS QUE DEFENDEM A


IRRESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO PELA DEMORA NA PRESTAÇÃO DA ATIVIDADE
JURISDICIONAL
Desde já alertando que a irresponsabilização do Estado pela demora na
prestação da atividade jurisdicional pode acabar sendo o germe da falência da
credibilidade na instituição do Poder Judiciário, na medida em que, atualmente, diversos
segmentos da sociedade, de forma corrente, divulgam aos quatro cantos que não confiam
na estrutura judicial do nosso País, em especial por ser a mesma demasiadamente lenta,
há alguns argumentos que sempre são apresentados pelos opositores desta tese quando se
tem essa discussão. Passamos a responder aos raciocínios mais freqüentes:

a) O estado não deve responder por atos jurisdicionais em razão da sua soberania
Talvez o argumento mais utilizado para se tentar afastar a tese ora defendida,
qual seja, a de que o Estado deve responder pela morosidade da sua atividade
jurisdicional, seja o da soberania Estatal quando do desempenho dessas funções judiciais.
Tal argumento não pode prevalecer, no entanto, em razão de três fatores:
Primeiro porque a soberania não é própria apenas da atividade jurisdicional, mas sim de
todo o Poder Estatal. Por essa razão é que, conforme exposto com mais detalhes em
passagem anterior desse estudo, demonstramos que na doutrina moderna o Poder Estatal é
visto como uno e indivisível, do qual decorre realmente a sua soberania, sendo repartidas,
apenas, as suas funções a serem exercidas, quais sejam, a legislativas, a executiva e a
judiciária.
21
A Responsabilidade Civil do Estado decorrente dos Atos Jurisdicionais. RT 633/34.

16
Ora, se assim é verdade, não há como se justificar que a soberania Estatal seja
um argumento a afastar a responsabilidade do Estado apenas no tocante a sua função
jurisdicional.
Sobre o assunto, assim se manifestou a Prof. Maria Sylvia Zanella di Pietro: “a
soberania é do Estado e significa a inexistência de outro poder acima dele; ela é una,
aparecendo nítida nas relações externas com outros Estados. Os três Poderes – Executivo,
Legislativo e Judiciário – não são soberanos, porque devem obediência à lei, em especial à
Constituição”.22
O segundo argumento refere-se ao fato de que, se aceita a tese da soberania
como causa de irresponsabilização do Estado, seria correto afirmar, então, que o mesmo
não poderia ser condenado a indenizar em nenhuma hipótese em que alguma atividade sua
causasse danos à terceiros. Ocorre que, como já apontado, a doutrina moderna mundial
atual há muito afastou a idéia do the king can no wrong, assegurando a indenização aos
cidadãos pelos prejuízos que lhe forem causados pelo Estado, ainda que reconhecendo a
sua soberania.
Por fim, o terceiro argumento que afasta de vez a questão da soberania como
excludente de responsabilização pela demora na prestação jurisdicional se refere ao fato
de que, como já defendido em outras passagens deste texto, não há como se fundamentar
a distinção entre as funções estatais (legislativa, executiva e judiciária) no tocante a
obrigatoriedade de responsabilização por atos danosos decorrentes do exercício de
qualquer dessas atividades. Nesse sentido caminha a doutrina moderna.

b) Falta de fixação de prazo razoável para o exercício da função jurisdicional


Alguns que se opõem à tese ora sustentada de que o Estado deva responder pela
morosidade na prestação da atividade jurisdicional invocam a questão da dificuldade de se
obter, no caso concreto, parâmetros para se aferir qual seria o prazo razoável para que a
atividade jurisdicional fosse prestada, a partir do qual a não-observância ensejaria o dever
de indenizar.
E a resposta a essa questão está em muitos casos, nos parece, no próprio Código
de Processo Civil.
O ordenamento processual fixa, em diversos dispositivos, prazos para a adoção
e/ou realização de providências processuais. Assim, por exemplo, o artigo 189 diz que o
juiz deverá proferir os despachos de expediente em 2 (dois) dias e as decisões em 10 (dez)
dias. O artigo 190, por sua vez, diz que o serventuário deverá remeter os autos para
conclusão em 24 (vinte e quatro) horas e executar os atos processuais em 48 (quarenta e
oito) horas, contados da data em que houver concluído o ato processual anterior ou da
data em que tiver ciência da ordem, quando determinada pelo juiz.
Mas não é só. Diz o artigo 281 do Código de Processo Civil que o juiz deverá
proferir sentença no rito sumário no prazo de 10 (dez) dias findos a instrução e os debates
orais, regra que é repetida, para o rito ordinário, no artigo 456. O artigo 331 prevê a
designação de audiência preliminar dentro de 30 (trinta) dias, uma vez não ocorrendo às
hipóteses previstas nas seções precedentes e a causa versar sobre direitos que admitem
transação. Sabemos, no entanto, que a maioria desses prazos acima destacados não é
cumprida.
E, observe-se, que o artigo 187, aduz que, “em qualquer grau de jurisdição,
havendo motivo justificado, pode o juiz exceder, por igual tempo, os prazos que este
Código lhe assina”, donde concluímos que, no máximo, seria de se admitir que os atos a
que o Código de Processo Civil prevê prazos certos e específicos, fossem realizados dentro
do dobro do prazo previsto em lei. Em outras palavras, temos que a superação do dobro do

22
Direito Administrativo. Atlas.

17
prazo constituirá, nos termos do que diz o próprio ordenamento processual, prática
irregular.
Com certeza alguns dirão: mas estamos diante de hipóteses dos chamados
prazos impróprios que, por definição, não ensejam qualquer prejuízo processual.
Para esses responderemos que, não se está querendo, aqui, imputar nulidades
ou vícios para os processos em que os prazos para os juízes não sejam cumpridos. O que se
pretende, ao revés, é apenas ter um parâmetro de qual o prazo razoável para que a
providência seja atendida.
E para aqueles que justificariam que os prazos previstos no Código de Processo
Civil são por demais exíguos, de forma que se torna impossível, no mais das vezes, o
cumprimento dos mesmos pelo magistrado, indagaríamos: para quê razão, então, referidos
prazos estão previstos no CPC?
Se é verdade a máxima de que não pode existir na lei palavras desnecessárias
ou sem sentido, como justificar que o legislador tenha fixado em várias passagens do
Código prazos específicos para que determinadas providências forenses sejam realizadas?
Como justificar que o legislador tenha autorizado, apenas, que o juiz exceda esses prazos
por igual período?
E diga-se mais: se os prazos previstos no CPC são impossíveis de serem
atendidos (se é que realmente o são), porque não são comuns movimentos de órgãos de
classe de magistrados, membros do ministério público ou advogados, pela supressão dos
mesmos do ordenamento, ou, ao menos, seu adeqüamento às realidades forenses?
A resposta talvez seja clara demais para ser admitida em público: ninguém se
preocupa com a manutenção desses prazos no ordenamento porque, infelizmente, todos já
aceitam com bastante naturalidade que a sua não-observância, em termos práticos, não
acarreta qualquer responsabilidade a quem quer que seja.
Não nos parece que, numa sociedade democrática, uma questão tão delicada
como essa possa ser tratada com tamanho descaso, razão pela qual, insistimos, os prazos
fixados no CPC devem servir de parâmetro para a verificação da intempestividade, ou não,
da providência jurisdicional a cargo do Estado.
Para outras providências para as quais a lei não fixa prazos específicos,
entendemos que, ante a regra de que o direito não briga com o bom-senso, o juiz deverá,
no caso concreto, avaliar se realmente o Estado foi extremamente ineficiente na prestação
do serviço jurisdicional, de forma que a demora realmente causou um dano a parte
litigante.
Aliás, sobre a questão da razoabilidade dos prazos, traz José Rogério Cruz e
Tucci23, interessante precedente colhido da Corte Européia dos Direitos do Homem, que em
julgamento ocorrido em 25 de junho de 1.987, condenou o Estado italiano a indenizar uma
litigante em razão da prolongada demora na atividade jurisdicional. Veja-se a parte
principal da ementa:
“Direitos políticos e civis – Itália – Duração dos procedimentos judiciais – Limites
razoáveis – Caso concreto – Violação da Convenção – ressarcimento do dano – Critérios de
determinação (Convenção Européia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais: arts. 6o. e 50).
Excede os termos razoáveis de duração, prescritos pelo art. 6 o., 1, da
Convenção Européia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais24, o processo não particularmente complexo, tanto em matéria de fato,

23
Ob. cit. Observa o autor que a decisão foi publicada no periódico II foro italiano, parte IV-28,
1.987, p. 385-90.
24
Dispõe o artigo 6º., 1, da Convenção Européia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais, subscrita em Roma, no dia 4 de novembro de 1.950 que “toda pessoa tem

18
quanto em matéria de direito, e que ainda não foi concluído depois de 10 anos e 4 meses
de seu início (...).
O Estado italiano é obrigado a pagar à requerente, em face da excessiva
duração do processo no qual é ela autora, a soma de 8.000.000 liras, determinada
eqüitativamente ao ressarcimento, seja do dano material advindo das despesas efetuadas
e das perdas sofridas, seja do dano moral derivante do estado de prolongada ansiedade
pelo êxito da demanda”.
Assim, segundo Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, “o caráter razoável da duração
de um processo (...) deve ser apreciado conforme as circunstâncias particulares da espécie
em julgamento, levando-se em conta três critérios principais, quais sejam, a complexidade
das questões de fato e de direito discutidas no processo, o comportamento das partes e de
seus procuradores e a atuação dos órgãos jurisdicionais no caso concreto”. 25

c) Falta de recursos para o Estado estruturar o Poder Judiciário


Outro argumento que por muitas vezes é utilizado por aqueles que pretendem
afastar a responsabilidade do Estado para o pagamento de indenizações decorrentes de
danos verificados com a demora na prestação jurisdicional refere-se a falta de recursos
para a estruturação a contento do Poder Judiciário.
O argumento deve, no entanto, ser analisado com reservas. A pergunta que se
faz é a seguinte: até onde o Estado pode deixar de oferecer, ou mesmo garantir, um
direito fundamental do indivíduo sob a alegação de que não possui recursos suficientes
para a estruturação do desempenho de sua função?
O que se está querendo dizer, na verdade, é que, se não houver limites na
aceitação dessa pseudo-justificativa, todo e qualquer direito fundamental do indivíduo
poderá deixar de ser observado ante a alegada ausência de recursos financeiros do Estado.
Em outras palavras, a aceitação dessa ´justificativa´, conduziria a uma nova
leitura dos direitos fundamentais, através da qual seria forçoso admitir que um cidadão
somente teria direitos fundamentais, se e quando, o Estado dispusesse de condições
financeiras suficientes para implementá-lo. Nos parece que não é essa a mensagem que
quis deixar o legislador constituinte.
É tarefa do Estado regular a forma pela qual desempenhará suas funções, entre
as quais, a jurisdicional. Assim, deverá se servir dos meios que julgar conveniente para o
regular desempenho da missão, não podendo, no entanto, recusar-se ou cumprir com
falhas o serviço.
E, diga-se de passagem, que, no caso das atividades do Poder Judiciário,
inúmeras verbas são recolhidas pelos litigantes, como, por exemplo, as custas para a
distribuição, a diligência do oficial de justiça, o preparo para o recebimento dos recursos,
entre outras, como condição para se servirem dos préstimos jurisdicionais estatais. Está aí,
mais um motivo para desmascarar o argumento de falta de recurso como causa da demora
da atividade jurisdicional.
Aliás, nesse sentido, já em 1.946, se manifestava o então Ministro do Supremo
Tribunal Federal, Aliomar Balleiro, quando do julgamento do Recurso Extraordinário n.
70.121/MG, no qual justamente se tratava da responsabilização do Estado pela demora na
prestação jurisdicional. Extrai-se do voto a seguinte passagem: “Acho que o Estado tem o
dever de manter uma justiça que funcione tão bem quanto o serviço de luz, de polícia, de

direito a que sua causa seja examinada eqüitativa e publicamente num prazo razoável, por um
tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações
civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal contra ela dirigida”.
25
Ob. cit. p. 200.

19
limpeza ou qualquer outro. O serviço da Justiça é, para mim, um serviço público como
qualquer outro”.26
Mas não é só. Estatísticas mostram que 70 % dos processos nos Tribunais
superiores envolvem o Estado como parte. Conforme observou o Ministro José Celso de
Mello Filho, “antes de mais nada, cumpre identificar os fatores reais do congestionamento
que atingem o Poder Judiciário. E o principal deles reside, inquestionavelmente, na
oposição governamental (muitas vezes infundada) e na resistência estatal (nem sempre
justificável) a pretensões legítimas manifestadas por cidadãos de boa-fé que se vêem
constrangidos, em face desse inaceitável comportamento do poder Público, a ingressar em
juízo gerando, desse modo, uma desnecessária multiplicação de demandas contra o
estado”.27
Demonstrado está, então, que o Estado é o maior causador do
congestionamento do Poder Judiciário, motivo pelo qual, convenhamos, não poderá
invocar a falta de recursos para justificar a ausência de um serviço judiciário a contento da
população.

d) A indenização, se fixada, recairá nos cofres do Estado, de forma que toda a coletividade
será apenada com a condenação posto que atingida de forma indireta.
O argumento de que a sociedade é quem, em última instância, pagaria a conta
pela demora na prestação jurisdicional é falho na medida em que, se levado ao extremo,
autorizaria a conclusão de que, não poderia, em situação alguma, ser o Estado
responsabilizado por qualquer ato seu, uma vez que, em todas essas hipóteses, quem
pagaria a indenização seria o próprio órgão com verbas que, em última instância,
pertenceriam à toda a sociedade.
Esse argumento de que o Estado ao pagar uma indenização se serve de verbas
que são públicas, repita-se, se não afastado de plano, levará o retorno à época da total
irresponsabilidade do Estado, o que, convenhamos, não há como ser defendido em um
Estado Democrático de Direito.
Se a garantia à dignidade da pessoa humana é o norte de todas as atividades a
serem desenvolvidas pelo Estado, não há como justificar que o mesmo possa causar
prejuízos ao cidadão, destinatário último de suas atividades, sem que lhe seja carreada à
responsabilidade por indenizar o dano verificado.
E realmente cada cidadão, individualmente considerado, sendo parte integrante
da coletividade, deverá arcar, representado pelo Estado, é verdade, com o ônus dessa
indenização, posto que, com isso, garante, também, a idéia de que, se um dia for vítima
de um dano causado pelo Estado, igualmente terá direito a ser indenizado.
Não obstante, o ordenamento prevê, ainda, a possibilidade do direito de
regresso a ser exercido pelo Estado em relação a seu agente que tenha, de forma direta,
causado o dano que está sendo indenizado, de forma que, através dessa prática, estará a
sociedade buscando recuperar aos cofres públicos os valores despendidos com o pagamento
da indenização.

VII – DIREITO COMPARADO


Muitos países já trazem em suas legislações a idéia de que a prestação
jurisdicional deverá ser prestada em tempo razoável. Veja-se, a título de exemplo, o
artigo 2.1 do Código Civil Português que dispõe que “a proteção jurídica através dos
tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie,
26
RTJ 64/690.
27
“Algumas reflexões sobre a questão judiciária”, in Revista do Advogado n. 75, abril de 2.004,
ASSP.

20
com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a
possibilidade de a fazer executar”.
No mesmo sentido o artigo 24.2 da Constituição espanhola assegura que: “todos
têm direito ao juiz ordinário previamente determinado por lei, à defesa e à assistência de
advogado, a ser informado da acusação contra si deduzida, a um processo público sem
dilações indevidas e com todas as garantias (...)” e o artigo 11, b, da Carta Canadense dos
Direito e Liberdades aduz que “toda pessoa demandada tem o direito de ser julgada dentro
de um prazo razoável”.
E para entender melhor a aplicabilidade das punições aos Estados por
transgredirem o dever de proceder ao julgamento de um processo dentro de um prazo
razoável, convém trazer a baila a pesquisa realizada por Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias,
que constatou que, no período de 1 o. de janeiro a 31 de maio de 2.001, a Corte Européia
dos Direitos do Homem julgou 147 casos que se referiam a função jurisdicional exercida
com morosidade, condenando os estados ao pagamento de indenizações aos
jurisdicionados, por dilações indevidas nos processos, situações consideradas pela Corte
como denegação de justiça28.
Observa-se, assim, que já podemos dizer haver tendência mundial sentido da
responsabilização do Estado pela morosidade no exercício da função jurisdicional, ou, em
outras palavras, pela não solução de um processo dentro de um prazo razoável.
Quando do julgamento do HC n. 80.379/SP 29, que teve como relator o Ministro
Celso de Mello, o Supremo Tribunal Federal já deu mostras de que a tese que passa a
fundamentar as legislações mundiais será aceita também no Brasil. Vejamos:
“O Julgamento sem dilações indevidas constitui projeção do princípio do devido
processo legal”.
O Direito ao julgamento, sem dilações indevidas, qualifica-se como prerrogativa
fundamental que decorre da garantia constitucional do due process of law. O réu –
especialmente aquele que se acha sujeito a medidas cautelares de privação da sua
liberdade – tem o direito público subjetivo de ser julgado pelo Poder Público, dentro de
prazo razoável, sem demora excessiva e nem dilações indevidas. Convenção Americana
sobre Direitos humanos (art. 7o., ns 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência.
O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário –
não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu
-, traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de
tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frusta um direito básico que
assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas e com
todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional”.

VIII - CONCLUSÃO
Conforme Luiz Rodrigues Wambier, “nestes dias de visível e crescente
descrédito nas instituições, pela nocividade dos desacertos praticados na condução dos
destinos nacionais, nos mais variados setores da vida, é preciso reavivar na consciência de
cada cidadão o indelegável e profícuo papel reservado ao aparelho judiciário estatal, como
conduto hábil e eficaz para o alcance de soluções justas aos conflitos sociais”. 30

28
Ob. cit. p. 202. Observa o autor que, desses 147 casos, 132 condenações foram impostas a Itália, 4
para a França, 3 para Portugal, 2 para a Polônia e 1 para a Hungria, Turquia, Grécia, Eslováquia,
Luxemburgo e Alemanha.
29
“Algumas reflexões sobre a questão judiciária”, in Revista do Advogado n. 75, abril de 2.004,
ASSP.
30
Ob. cit.

21
Ocorre que a morosidade do aparelho estatal atinge níveis alarmantes. Em que
pese o esforço pessoal de alguns magistrados e outros integrantes do Poder Judiciário, que
têm buscado alternativas para a reversão desse quadro, é inescondível que a realidade não
é nem um pouco animadora.
Qualquer pessoa de bom-senso não pode achar natural que um processo demore
mais de 2 (dois) anos para ser distribuído perante alguma das Turmas de um tribunal após a
interposição de apelação frente a sentença de primeiro grau. Não é fácil para o advogado
explicar para seu cliente que, ainda que vitoriosos em primeira instância, terão que
aguardar por cerca de, frise-se, 2 (dois) anos, para que o processo seja novamente julgado
uma vez que a parte contrária ingressou com recurso de apelação que, recebido com efeito
devolutivo e suspensivo, impede que qualquer outro ato seja praticado até apreciação da
matéria pelo órgão competente.
Igualmente depõe contra o bom-senso nos depararmos com situações em que
um processo tenha que aguardar, por quase um ano, concluso ao magistrado, para ser
sentenciado, ou, ainda, ter que se esperar por mais de 4 (quatro) meses para que o
cartório confeccione um mandado de citação ou proceda a juntada de uma petição aos
autos. Infelizmente essa é a realidade forense atual.
Não é difícil, então, antever que o Estado não conseguirá, por muito mais
tempo, convencer o jurisdicionado de que ele, diante de um conflito, deverá se contentar
em provocar a atividade jurisdicional ainda que saiba que a mesma será exercida de forma
lenta e insatisfatória, fazendo com que o direito ameaçado ou, até mesmo lesado, não seja
tutelado de forma eficaz.
É por essas e outras razões que o mesmo bom-senso que, conforme exposto no
início deste trabalho, rechaçou a justiça feita pelas próprias mãos, poderá, num futuro
não muito distante, fundamentar o retorno ao período em que cada cidadão, na defesa de
seus direitos fundamentais, passe a buscar formas outras para solucionar seus conflitos que
não a provocação do Poder Judiciário.
E a sociedade encontrará, inclusive, dificuldades para criticar a atitude deste
cidadão que buscou uma justiça alternativa posto que, se é verdade que ao mesmo foi
assegurado um direito fundamental na Constituição, não haverá como justificar que tenha
ele que ver, de braços cruzados, seu direto perecer, ante a morosidade do Estado em
solucionar a questão.
E frise, mais uma vez, que, aqui, estamos diante de função que é exercida
exclusivamente pelo Estado, de forma que não resta, a princípio, ao jurisdicionado, outra
forma para solucionar seus conflitos (salvo os casos envolvendo direitos disponíveis que,
mediante consenso das partes, podem ser submetidos ao juízo arbitral) que não a
provocação do Judiciário.
Justamente por essa exclusividade no exercício da função jurisdicional é que o
Estado deveria exercê-la de forma absolutamente satisfatória, em especial, no tocante a
sua tempestividade.
A cada dia são mais comuns às críticas feitas por diversos setores da sociedade
quando à morosidade do judiciário. As conseqüências desse descrédito são extremamente
danosas para a sociedade como um todo.
Empresas estrangeiras deixam de instalar-se no país, posto que, naturalmente,
preferem optar por localidades onde o aparelho judiciário esteja de tal forma organizado e
estruturado que possa garantir, tempestivamente, a tutela de seus altos investimentos.
Empresários nacionais deixam de realizar determinados negócios sabedouros
que, se por qualquer infelicidade tiverem que recorrer ao judiciário, somente obterão a
tutela após longo e desgastante período de disputa processual.

22
Proprietários preferem deixar seus imóveis vazios a alugarem a interessados
posto conhecerem os percalços das demandas judiciais para reaver um imóvel. O comércio
se intimida com vendas a prazo; os bancos restringem os créditos. Ninguém, em resumo,
quer ter que se deparar com uma disputa judicial que possa durar mais de 10 (dez) anos.
Os únicos que se beneficiam com a crise que assola o Poder Judiciário são os
maus pagadores, os inadimplentes contratuais e os infratores das legislações, para os quais
a morosidade do órgão acaba, em última instância, se revelando um prêmio.
Não são poucos os devedores que comodamente ‘aconselham’ seus credores,
como que zombando dos mesmos, a ingressarem em juízo e aguardarem anos para receber
o que lhes é devido.
A morosidade do judiciário está, assim, a serviço daqueles que não mereceriam
a tutela jurisdicional, mas que, cientes das dificuldades temporais que seu oponente terá
que enfrentar em razão do demorado processo litigioso, conseguem obter acordos que lhe
são absolutamente favoráveis uma vez que, para o credor, mais valerá encerrar a discussão
desde logo ainda que deixando de receber significativa parte do que teria direito, do que
amargar anos na fila da espera de uma resposta judicial.
Ou o Estado altera substancialmente esse quadro, ou deve passar a ser
responsabilizado pelos prejuízos que causar ao cidadão que, não tendo outra alternativa, o
provoca na vã esperança de ver seu litígio solucionado tempestivamente.
Que fique registrado o alerta de que, se nada for feito efetivamente para
alterar esse cenário, a atividade jurisdicional perderá todo o seu crédito e respeito, e as
autoridades não conseguirão impedir que os necessitados busquem alternativas não
institucionalizadas para a garantia de seus direitos fundamentais, o que colocará em risco
não só a instituição do Poder Judiciário, mas todo o Estado Democrático de Direito.
Já não são poucos os casos em que ouvimos a contratação de “jagunços”,
“matadores de aluguel”, “justiceiros”, ou outras modalidades de “serviços” que visam
nitidamente atender aos interesses daqueles que, descréditos na justiça estatal, preferem
solucionar seus problemas pelas vias próprias. É o surgimento de um poder paralelo que a
todos deve assustar.
Quantos não são os clientes que, quando avisados da estimativa de que seu
processo para despejar um inquilino inadimplente, ou para o recebimento de um credito
realmente devido, ou, ainda, para a obtenção de uma indenização por um ato ilícito,
deverá demorar por cerca de 4 (quatro), 7 (sete) ou até 10 (dez) anos, dizem,
textualmente, que preferem, então, procura uma “outra forma” menos ortodoxa de
receber o que lhes é devido.
Que dizer a estas pessoas?
Que dizer, aliás, para aquela mãe, G.O.C., de classe humilde, que procurou a
Defensoria Pública fluminense para ingressar com pedido perante a Vara Criminal da
Comarca de Teresópolis/RJ para que fosse autorizada a se submeter a uma intervenção
cirúrgica, visando interromper sua gravidez, tendo em vista a apontada inviabilidade de
vida pós-natal do feto que, segundo exames realizados, constatou-se padecer de
anencefalia (cabeça fetal com ausência de calota craniana e cérebro rudimentar), mas que
o feito - depois de decisão negatória de primeiro grau 31, em que se obteve, porém,
autorização liminar da Desembargadora Relatora da apelação para a prática do aborto, a
qual foi suspensa pela Min. Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça, que em sede de
Hábeas Corpus32, deferiu liminar para sustar a decisão do Tribunal de origem que autorizou

31
O MM. Magistrado indeferiu o pedido, nos termos a seguir transcritos:"Indefiro o pedido por falta
de amparo legal, eis que a hipótese vertente não se encontra inserida no bojo do art. 128 do CP.
Julgo, pois, extinto o processo, nos termos da lei processual."
32
STJ - HABEAS CORPUS Nº 32.159 - RJ (2003/0219840-5)

23
a realização do abortamento do nascituro, até a apreciação final do writ pela Egrégia
Quinta Turma do STJ - somente chegou à apreciação do Supremo Tribunal Federal alguns
dias após o falecimento da criança, o que fez com que o Órgão reconhecesse que o
processo teria perdido seu objeto?
E a perda do objeto desse processo significou, em poucas palavras, lembrar que
a natureza não poderia esperar mais do que 9 (nove) meses para que o Poder Judiciário
decidisse se o aborto seria ou não autorizado. A vida, aliás, não tem compromisso com a
morosidade do judiciário...
Sem querer ingressar no mérito da decisão deste processo, que sabemos
envolveu calorosa discussão jurídica, moral e religiosa, em que se procurou demonstrar
que, em que pese o Código Penal não trazer a previsão da prática do aborto para essa
espécie de situação, a continuação da gestação somente poderia trazer desgastes
emocionais, físicos e financeiros para os familiares, o que salta aos olhos e observar que o
Estado, regularmente provocado pelos interessados (direito de ação) para a realização da
sua função jurisdicional, não conseguiu, em tempo hábil, desempenhar sua missão.
Era direito fundamental daquela família receber uma resposta tempestiva do
Estado para saber se estava ou não autorizada à prática do aborto pretendido. E, frise-se,
mais uma vez, que não estamos aqui querendo defender se seria ou não o caso de se
deferir a realização do aborto, até porque essa discussão extravasaria os limites do
presente trabalho.
A insurgência não se deve a qualidade da decisão, mas sim a forma
(tempestividade) pela qual a mesma foi dada, ou melhor, não foi dada!
O que se quer registrar é que, a nosso ver, o artigo 5 o., XXXV, da Constituição
Federal foi nitidamente ofendido na medida em que não houve, in casu, o constitucional
exercício da jurisdição garantida a todo e qualquer cidadão.
Resta a indagação: Será que na próxima oportunidade em que essa mãe, ou
outras que tenham tomado conhecimento do triste e lamentável desfecho desse caso,
precisar do Poder Judiciário, ela provocará o órgão ou tentará resolver a questão de outra
forma, ainda que clandestinamente?
Conforme bem observou José Augusto Delgado, “a realidade mostra que não é
mais possível a sociedade suportar a morosidade da justiça, quer pela ineficiência dos
serviços forenses, quer pela indolência dos seus juízes. É tempo de se exigir uma tomada
de posição do Estado para solucionar a negação da Justiça por retardamento da entrega da
prestação jurisdicional. Outro caminho não tem o administrado, senão o de voltar-se
contra o próprio Estado que lhe retardou a justiça, e exigir-lhe reparação civil pelo dano,
pouco importando que por tal via também enfrente idêntica dificuldade”. 33
Ou adotamos esse pensamento de forma definitiva ou estaremos jogando a favor
do descrédito da Instituição Judiciária.
Não será nada animador verificar que, após muitos anos, possamos retornar ao
período em que, na falta de outra opção, a justiça volte a ser feita pelas próprias mãos,
até porque, como bem disse Mahatma Gandhi, “olho por olho é uma política em que todos
terminam cegos”.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS
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Jurisdicionais. RT. São Paulo. 1.988.
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Del Rey. Belo Horizonte. 2.004.
33
Ob. cit.

24
Cruz e Tucci, José Rogério. Garantia do Processo sem Dilações Indevidas (Responsabilidade
do Estado pela Intempestividade da Prestação Jurisdicional) in Temas Atuais de Direito
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Wambier, Luiz Rodriges. A Responsabilidade Civil do Estado decorrente dos Atos
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25

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