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Renovação Carismática Católica – Pará

ARTIGOS
Tarcísio Augusto - RCC

Breve Introdução:

A Renovação Carismática Católica foi chamada pelo Papa João


Paulo II de “um Movimento Eclesial”, fruto do Concílio Vaticano
II.
Esta definição do Santo Padre, alegrou nossos corações porque
nos identificou claramente e nos mostrou qual nosso espaço na
Igreja.
O presente texto faz dos pronunciamentos do Congresso
Mundial dos Movimentos Eclesiais e Novas Comunidades que
ocorreu em maio de 1.998.
Este ensino é muito importante e oportuno para a Renovação
Carismática neste momento em que estamos – pós 5ª
Conferência de Aparecida (CELAM) – quando buscamos
consolidar nosso “jeito de ser Igreja”, sendo uma opção de
engajamento pastoral e realização de nossa pertença batismal-
eclesial, na comunhão com todas as demais expressões de
Igreja.

Tarcísio Augusto – RCC


Coordenador de Formação da RCC - Pá

Palestra do Cardeal Piero Coda


Vaticano Maio de 1998
Pontifício Concílio para os leigos
Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais, Domus Pacis, 27-
29 Maio de 1998.

1
Os movimentos eclesiais, dádiva do Espírito

Premissa
A descrição dos movimentos eclesiais como “dádiva do Espírito no nosso
tempo” é de João Paulo II1.

Ele sublinha assim entre outros, que estão em sintonia única com o
evento do Concílio Vaticano II cujo ensinamento são suas palavras – “ é
essencialmente pneumatológico” e “contém o que o Espírito diz as
Igrejas” (cf.Ap.;2,29) na disposição para a presente fase da “história da
salvação” (Dv26, ef.Tma 23).

Aprofundar, portanto, a realidade dos movimentos eclesiais como “Dom


do Espírito” significa colocá-la, de um lado na perspectiva da missão do
Espírito na história da salvação e, do outro, naquela da autoconsciência
e da autoconfiguração da Igreja hoje.

Parece-me portanto oportuno articular a presente reflexão nestes dois


momentos.

1. Os movimentos eclesiais, dádiva do Espírito, no


horizonte da história da Salvação.
Na Dominum et vivificantem, João Paulo II ilustra a descrição conciliar
da Igreja nesses termos: “como sacramento (e isto é sinal e
instrumento, em Cristo, da íntima união com Deus e da unidade de todo
o gênero humano) a igreja se desenvolve pelo mistério pascal do
“passamento” de Cristo, vivendo de sua sempre nova “vinda” por obra
do Espírito Santo, no interior da própria missão do Espírito – Consolador
da verdade” (Dv.63).

A Igreja, nascida aos pés da cruz e manifestada em Pentecostes 2, é o


evento da permanente e sempre nova vinda de Jesus crucificado e
ressucitado no coração dos discípulos e em meio a aqueles unidos em
seu nome (cf.Mt.18,20), operada pelo Espírito Santo.

Se, por esta razão, é um fato histórico que a Igreja saiu do cenáculo no
dia de Pentecostes pode-se dizer - observa João Paulo II - que nunca o
deixou (...):O evento de Pentecostes não pertence somente ao passado
a Igreja está sempre no cenáculo, que leva no coração” (Dv.66).

1.1 A missão do Espírito na vida da Igreja.


O nº 4 da Lumen Gentium, descrevendo a missão pentecostal do Espírito
Santo, sublinha que o dom essencial que ele comunica aos fiéis e à
filiação de Deus em Cristo: “E que vocês são filhos – ensina com certeza
vibrante São Paulo – é prova do fato que Deus mandou nos nossos

1
cf. "L'Osservatore Romano", 27-28 maio 1996, n.7
2
"Effuso Spiritu est manifestata", LG2.
2
corações o Espírito de seu Filho que clama: Abbá, Pai!” (Gal.4, 6 cf.
Rom.8,15-16,26). A tal dom estão subordinados todos os outros.

Nesta ótica, a Lumen Gentium continua dizendo que o Espírito Santo


“introduz a Igreja na íntegra a verdade (cf.Jo.16,13) e a unifica na
comunhão e no ministério, a edifica e dirige com vários dons
hierárquicos e carismáticos e a enriquece com seus frutos (cf. Ef.4, 11-
12; 1Cor.12,4; Gal.5,22). Com a força do Evangelho mantém a Igreja
continuamente jovem, continuamente a renova e a conduz à perfeita
união com seu Esposo3.(...) Assim a Igreja universal se apresenta como
'um povo unido na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo' 4” (LG.4).

Trata-se de um texto repleto 5. Antes de tudo, se coloca em relevo a


origem pneumatológica de Cristo ressuscitado, do ser e da atuação da
Igreja. Lembra ao mesmo tempo – com um uso lingüístico que tem um
claro fundo escriturístico - a pluralidade e diversidade dos dons
hierárquicos e carismáticos sublinhando que têm a mesma origem, e o
mesmo fim. Sugere-se, além disso, que a vida e a praxis eclesial,
fundadas e expressas por vários dons do Espírito, de um lado,
pressupõem a unidade de sua origem e, de outro, são chamadas a
frutificar na unidade, através da caridade (cf.Ef.4,15). O todo no
contexto histórico e dinâmico de um rejuvenescimento e renovação
contínuos, através dos quais a Igreja cresce e amadurece dentro da
união perfeita com o Esposo. Enfim, a citação trinitária de S. Cipriano
não constitui somente uma olhada retrospectiva que retoma o objetivo
da salvação, mas evidencia que – para o Dom e ação do Espírito Santo –
o amor trinitário se objetiva e se concretiza nas relações de
complementação e reciprocidade entre os diversos dons que edificam a
Igreja.

Este, entre outros, é o significado do belo texto de Irineu de Lioni que


observa “a Igreja por obra do Espírito de Deus como depósito precioso
contido num vaso de valor, rejuvenesce sempre e faz rejuvenescer
também o vaso que o contém. À Igreja, de fato, foi confiado o Dom de
Deus (cf.Jo.4,10) (...) de modo que todos os membros, dele
participando, sejam vivificados, e na Igreja foi deposta a comunhão com
Cristo, isto é, o Espírito Santo (...). De fato, “ na Igreja Deus colocou
apóstolos, profetas e doutores (cf. 1Cor.12,28) e toda a operação
renovadora do Espírito (cf.1Cor 12,12) (...). Porque onde está a Igreja aí
está também o Espírito de Deus, e onde está o Espírito de Deus , ali está
a Igreja e toda a graça”6.

Seguindo o ensinamento conciliar, pode-se afirmar que o Espírito Santo


é doado e se doa “como força eficaz de renovação e de unidade, onde
Ele está presente, ai surge a comunhão, aí a humanidade é congregada
na unidade do Pai, do Filho e do Espírito, aí está presente a Igreja, ubi
Spiritus dei, illic Ecclesia.. De outra parte, Ele está presente na Igreja
também como fruto. Onde a práxis eclesial é operada em ágape (ou
3
Cf. S. Ireneo, Adv. Haer.III,24I; PG7,966B;Harvey2,131;ed Agnard, Sources Chr.,p.398
4
S.Cipriano, De Orat.Dom23:PL4, 553; Hartel, III, A,p.285. S. Agostino Serm.71, 20,33:PL
38,463.S.Io.Dam., Adv. Icon
5
Cf. il bei lavoro di V. Maraldi, Lo Spirito e la Sposa. Il ruolo ecclesiale dello Spirito Santo dal
Vaticano I alla Lumen Gentium del Vaticano II, Piemme, Casale Monferrato 1992.
6
S Ireneo, Adv. Haer, III, 24,1.
3
banquete), aí Ele se torna (de certo modo) algo que antes não era: em
meia-pessoa da comunidade eclesial, espaço de ação partilhado e por
isso unificante (...). Onde os crentes vivem em comunhão, (...) aí vem
transmitido pela mesma comunhão eclesial: ubi Ecclesia, ibi et Spiritus
Dei.”7

Focalizando a atenção sobre os “dons carismáticos”, Lumen Gentium 12


– como observado- afirma ulteriormente este pensamento.

Em mais de uma ocasião, o Papa João Paulo II refere aos movimentos


eclesiais as expressões conciliares de LG 4 e 128.

E Von Balthasar comenta, considerando que o ministério ordenado nasce


e se nutre por isso de um Dom do Espírito, que a Igreja toda por obra
do Espírito Santo, é fundada “sobre carisma objetivo e subjetivo” 9.

Se, de fato, os dons ministeriais e sacramentais comunicam ao povo de


Deus a objetividade do ministério de Cristo, aqueles carismáticos num
sentido mais específico e restrito são endereçados a descobrir e a
amadurecer de forma sempre nova a acolhida do mistério de Cristo na
subjetividade dos únicos fiéis e da Igreja. A acolhida que se exprime nas
conquistas que definem a relação da Igreja com o seu Senhor: a
abertura virginal ao dom que vem de Deus em Cristo, a comunhão
esponsal com Ele e n`Ele, entre seus membros, a fecundidade materna
na geração de novos discípulos e no crescimento dos fiéis até a plena
maturidade de Cristo (cf.Ef.4,13).

1.2. O significado histórico e eclesiástico da novidade


dos “dons carismáticos”.
Resta dizer uma coisa a propósito deste primeiro perfil. Mais vezes nos
textos de João Paulo II, se volta à conotação de "novidade" com
referência aos dons carismáticos. O fato é que esses “podem assumir as
formas mais diversas sejam como expressão da absoluta liberdade do
Espírito que os aumenta, seja como resposta às exigências múltiplices
da história da Igreja.”(ch.1,24). Sendo imprevisível e absolutamente
gratuita a ação do Espírito na história aponta de fato a realização
progressiva do mistério da salvação, vale dizer – escreve Paulo-: “Cristo
em vós, esperança da glória”. (cf.Col. 1,27).

É de fato uma história dos carismas que se entrelaçam


indissoluvelmente com a própria história da Igreja.

Qualquer um desses – escreve Von Balthasar – é como um “raio do


céu”, destinado a iluminar um ponto único e original da vontade de Deus
para a Igreja num determinado tempo, manifestando um novo tipo de
conformidade a Cristo inspirado pelo Espírito Santo, e portanto uma

7
V. Maraldi, op.cit.,342.
8
Cf. discorso del Santo Padre in I movimenti nella Chiesa, Atti del Il Colloquio internazionale,
Coop.Ed. Nuovo Mondo, Milano 1987, 24-25.
9
H.U. Von Balthasar, Teodrammatica, III, 313; cf. anche I movimenti nella Chiesa oggi, Editoriale,
in “La Civiltà Cattolica”,CXXXI (1981), n.3155, 417-428.
4
nova ilustração de como deve ser vivido o Evangelho (...) uma nova
interpretação da revelação”10.

É aqui que se fundamenta a novidade típica dos movimentos


carismáticos. Não se trata de uma novidade absoluta porque o Deus Pai
doando-se ao Filho sua carne disse que doou nele todas as coisas. A
novidade está no fato que o Espírito Santo de tempo em tempo coloca
em relevo, ilumina, torna operante um aspecto particular do inexaurível
mistério de Cristo. Esse aspecto que, na lógica de um destino
providencial que guia a história, é resposta super abundante à pergunta
de uma determinada época e efetua um novo “Kairós” da vinda de Deus
entre os homens. Tudo isto está de acordo com a promessa de Cristo:
“quando vier o Espírito da verdade, ele guiará a verdade toda inteira(...)
porque tomará de mim e vo-lo anunciará. Tudo aquilo que o Pai possui é
meu, por isso eu disse que tomará de mim e vo-lo anunciará” (Jo.16,
13-15).

Mesmo porque é essencialmente relativa à plenitude da verdade e de


graça que já é toda dada em Jesus Cristo (cf.Jo.1,17), a novidade do
Dom e da anunciação de Cristo que vem à Igreja pelos carismas,
dispensada durante a história do Espírito, não pode não representar um
aumento inédito na auto-consciência e também na auto-configuração da
própria Igreja11, na continuidade substancial do “depósito da fé”.

2. Os Movimentos eclesiásticos, dom do Espírito no


horizonte da auto-consciência e da missão da Igreja
hoje.
Nós chegamos assim ao segundo perfil: qual é a palavra, qual é o dom
que o Espírito Santo, também através dos movimentos, pretende dizer e
participar à Igreja hoje?

10
H.U. Von Balthasar, Schwestern im Geist, Einsiede In 1970.tr,it., Sorelle nello Spirito. Teresa di
Lisieux e Elisabetta di Digione, Milano 1973.
11
A Dei Verbum sublinha que “ cresce a compreensão tanto das coisas quanto das palavras
transmitidas, seja com a reflexão e o estudo dos crentes, os quais meditam em seu coração
(cf.Lc2,19-51), seja com a experiência dada de uma inteligência mais profunda das coisas
espirituais, seja pela prédica de cor as quais com a sucessão episcopal receberam um carisma
seguro de verdade. A Igreja, isto é, no curso dos séculos tende incessantemente à plenitude da
verdade divina (ad plenitudinem divinae veritatis), até que aí sejam o cumpridas das palavras de
Deus” (n.8). Deve-se salientar a expressão precisa usada pela Dei Verbum a propósito da
penetração da Verdade revelada, não se fala de uma simples compreensão e interpretação
sempre mais plena da Verdade revelada, mas de uma tendência à plenitude da verdade, enquanto
a Verdade em si é um evento que se cumpre. G.Philips, ilustrando o significado deste texto
durante o Concílio afirmava que “não se pode admitir posse plena de uma coisa por parte da Igreja
sem a plena consciência da mesma” (cf.U.Betti, La rivelazione divina nella chiesa, Cittá Nuova,
Roma 1970, 166). A propósito então dos primeiros dois elementos mencionados pela Dei Verbum
como aqueles que favorecem a interpretação atualizante da verdade, cristã (estudo e experiência
espiritual) a Comissão Teológica Internacional sublinha que tal interpretação “é inspirada,
sustentada e guiada pela ação do Espírito Santo na Igreja e no coração de cada cristão. Se
cumpre na luz da fé; recebe o próprio impulso pelos carismas e pelo testemunho dos santos que o
Espírito de Deus doa à sua Igreja numa determinada época. Igualmente em tal contexto se situa o
testemunho profético dos movimentos espirituais e a sabedoria interior derivada da experiência
espiritual dos leigos plenos do Espírito de Deus”. (Interpretação dos dogmas, C.III.2).
5
Para tentar delinear um esboço de resposta parece-me ter que levar em
consideração três elementos.

2.1. Novidade do tempo, originalidade dos carismas e


recepção do VaticanoII
Antes de tudo, da "qualidade" do nosso tempo, com as suas instâncias,
as suas interrogações, e seus problemas, os seus desvios, as suas
esperanças. Em segundo lugar, da originalidade dos dons carismáticos
que estão na origem dos movimentos e das formas e dos frutos de vida
evangélica que os exprimem: a forma na qual o carisma se configura
apesar das condições históricas e os limites humanos - não é estranha
nem acidental com referência ao conteúdo do carisma em si.

Relacionando o primeiro elemento com o segundo, é preciso lembrar


que eles se iluminam reciprocamente ainda que de modo diferente: para
os quais, por exemplo, pode ser que mesmo um carisma doado por
Deus ajude a Igreja a discernir o mais profundo

significado da demanda do próprio tempo; enquanto que pode ser que


um carisma doado por Deus ajude a Igreja a discernir os mais profundos
significados da demanda do próprio tempo; enquanto que pode ser que
um carisma doado por Deus tome progressivamente consciência da sua
missão em contato com as urgências da situação do tempo.

Mas há um terceiro elemento essencial que deve ser considerado. Ele é


representado pela auto-consciência eclesial expressa pelo magistério
autêntico da Igreja. Este último, por um lado manifesta a continuidade
apostólica e a unidade católica do mistério e da instituição eclesial; por
outro lado exprime o discernimento não só da evangelicidade do
carisma, mas da sua contemporaneidade às exigências da Igreja e do
mundo e a garantia das modalidades através das quais se pode realizar
e tornar-se fecunda.

Em nosso caso, trata-se do ensinamento do Vaticano II. Um paralelo


histórico: o Concílio de Trento não teria passado na visão da Igreja
Católica, sem que ao lado de uma figuras de Pastores excepcionais como
São Carlos Borromeu, houvesse também carismas - como o inaciano,
para dar só um exemplo - de modo a assumir de maneira exemplar e
propulsiva as reformas impulsivas emergidas dos tribunais conciliares.
Também hoje o Povo de Deus é chamado à recepção fiel e criativa a um
tempo de ensinamento do Vaticano II. E não faltam, ao lado de figuras
exímias de Pastores que passaram à história, iniciativas de cada gênero
que permitiram um impacto penetrante da carta e do espírito do Concílio
na realidade das Igrejas particulares. Nada impede porém, que mesmo
hoje o espírito queira dar a sua contribuição não somente através de
carismas mais difusos, mas também através de Carismas especiais. 12
12
Este tema requereria uma ampla e ponderada reflexão. Não faltam de resto vários estudos de
aprofundamento neste propósito. Refiro-me ao mais presente entre esses, repleto seja pelo
equilíbiro e pela amplitude de informação. (com uma completa referência bibliográfica), seja pela
perspectiva ermeneutica entre as quais as questões são colocadas e aprofundadas: C. Liegge,
Rezeption und charisma. Der theologische und rechtliche Beitrag Kirchlicher Bewegunden zur
Rezeption des Luieiten Vatikanishen Konzils, PUG, Roma 1996 (sendo publicado).
6
Quanto ao discernimento do tempo presente limito-me a mencionar dois
dados. O primeiro que se refere particularmente ao mundo ocidental,
mas tem na realidade uma repercussão universal - envolve o que
podemos chamar o fim da modernidade, isto é, no bem e no mal, a
conclusão de uma época histórica na qual se experimentou um modelo
de humanismo calcado na afirmação do sujeito - homem numa
contraposição programática para a alteridade, fosse ela aquela de Deus
ou de outro homem: seja a nível individual ou coletivo. Dissolvidos,
também tragicamente, os "grandes contos ideológicos", aí encontramos
um grande espaço aberto que espera o novo.

Um segundo dado refere-se ao caminho irreversível em direção a


aquisição de uma consciência planetária da família humana, que exige a
compreensão e o estabelecimento das diferenças (de cultura, de
tradição, de religião, etc) num contexto de abertura ao outro e de
relacionamento recíproco em todos os níveis (político, econômico,
cultural e espiritual). Também nesse caso, a humanidade se obriga a
transpor um umbral de novidade comprometedora e arriscada.

No fundo deste quadro, torna-se surpreendentemente atual a auto-


consciência expressa pelo Concílio Vaticano II no início da Lumen
Gentium: "A Igreja, em Cristo, sacramento de união com Deus e
unidade entre os homens." Significa que Deus e o homem, um e o outro
não são concorrentes dialéticos segundo a lógica dual de servo/patrão,
mas em Cristo são acolhidos, revelados e redimidos no espaço da
reciprocidade trinitária: aquela que subsiste entre o Pai, o Filho e o
Espírito Santo13. Uma reciprocidade que se realiza - como ensina
Gaudium Et Spes 24 - "através do dom sincero de si"( cf.Lc.17,33), que
Cristo Jesus revelou e realizou em plenitude na knosi do abandono e da
morte na cruz.

É neste contexto que colocamos a identidade e a missão desses dons do


Espírito. Para ilustrar brevemente podemos seguir a leitura eclesiológica
do Vaticano II que João Paulo II aqui oferece através do ritmo do
mistério comunhão e missão.

2.2 Os movimentos e o Mistério da Igreja


Antes de tudo, a redescoberta da Igreja mistério.

Redescobrir (é viver) a Igreja como mistério significa trazer à luz a


realidade do sacramento de Cristo: A Igreja como presença de Cristo,
antes o "Cristo presente" (segundo a expressão de D. Bonhoeffer). Não
somente no sentido em que é gerada, nutrida e guiada pela Palavra,
pelos sacramentos e pelo ministério ordenado, mas em consequência no
sentido que é como comunidade dos discípulos o sinal e instrumento do
encontro com Cristo Ressuscitado. E mesmo esta - parece me – é a
peculiaridade dos movimentos eclesiais: retornarem evento a presença
de Cristo, o Emanuel, através da comunhão dos discípulos.

13
Cf. Dominum et vivifiantem, I.
7
Um segundo aspecto da redescoberta da Igreja mistério, refere-se a sua
compreensão esponsal. Essa não é somente (no já/mas não ainda da
escatologia cristã) uma coisa só com Cristo, mas também perante a Ele
como a Esposa que é chamada a revestir-se no espírito das vestes
nupciais da santidade. Neste momento, os movimentos eclesiais traçam
um caminho de santidade não elitista, mas aberta a todos como observa
Von Balthasar, mesmo para eles parece que a Providência tenha
confiado concretamente, mas também se evidentemente de modo não
conclusivo, a animação e a colocação em prática do programa conciliar
da chamada universal para santidade (cap.5 da Lumen Gentium), e da
presença decisiva dos leigos na Igreja e em seu apostolado no mundo
(Lumen Gentium, cap.4, e decreto Apostolicam Actuositatem) 14.

2.3 Os movimentos e a Igreja Comunhão


Deve-se notar, em segundo lugar, a contemporaneidade do fenômeno
dos movimentos com o ensinamento da eclesiologia do Povo de Deus e
da comunhão. Aí não somente se reconhece de fato um espaço para os
carismas, como sempre aconteceu no curso da história da igreja, mas se
reconhece de modo estrutural como necessária condição da auto
explicação da figura da Igreja comunhão hoje 15, e ao mesmo tempo se
sublinha mais que não no passado, e certamente com uma consciência
maior - a partilha do carisma da parte de um grupo de cristãos como
qualificante a mesma edificação do corpo eclesial e sua missão
evangelizadora. (cf.ch.L.24,29).

Este comentário aqui conduz à focalização de uma característica


constitutiva dos movimentos: a eclesialidade. Eles estão
constitucionalmente abertos a todas as vocações e a todos os estados
de vida presentes no Povo de Deus.

Com a necessária prudência, tal configuração eclesial sugere que o


carisma que está na origem não está em contraste por exemplo, com a
espiritualidade e os empenhos ministeriais do presbiteriado nem com o
carisma da vida consagrada suscitada e plasmada segundo as
espiritualidades diversas, mas pode entrar em sinergia providencial com
elas.

J. Beyer sublinhou neste propósito que " a própria noção de comunhão


(...) não resulta compreensível e não se torna visível na Igreja viva.
Mesmo para fazer compreender e experimentar tal comunhão parecem
ter nascido novas formas de vida cristã.16 Os movimentos eclesiais, ao
lado de outras formas e experiências, podem assim vir ao encontro da
necessidade de “escolas de eclesiologia de comunhão” necessárias para
traduzir os ensinamentos do Concílio na base de uma conversão àquela

14
Cf.J. Castellano, Movimenti ecclesiali contemporanei. AttualitÀ, caratteristiche, discernimento,
Teresianum, Roma 1997, 29, che cita H.U. von Balthasar (“30 Giorni”, marzo 1986,56).
15
Como observa P. Rodriguez, “ateologia pós conciliar começou a recolher a importância
estruturante do carisma”, apesar de faltar ainda sólida teologia (Para uma consideração
cristológica e pneumatológica do Povo de Deus, na Eclesiologia trinta anos depois da LG, a cura di
P. Rodriguez, Armando Ed., Roma 1995, 175).
16
J.Beyer, I movimenti ecclesiali, in “Vita consacrata”, n.2 (1987), 156.
8
espiritualidade comunhal que é exigida de fato pela figura da Igreja
comunhão.

Este relato de reciprocidade complementar ou circulação entre as


diversas vocações eclesiais deve encontrar por sua vez em comparação
com os relacionamentos entre os movimentos e a Igreja (universal e
particular) naquelas entre os movimentos na Igreja.

São Bernardo de Chiaravalle, falando de sua ordem e de seu


relacionamento com outros escrevia: "eu as admiro a todos. E os
observo com cuidado, mas a todos na caridade. Temos necessidade
todos uns dos outros, o bem espiritual que eu não tenho e não possuo,
eu o recebo de outros... Neste exílio, a Igreja ainda está a caminho, e
pode-se dizer, plural, é uma pluralidade única e uma unidade plural. E
todas as nossas diversidades que manifestam a riqueza dos dons de
Deus, subsistirão na única casa do Pai que comporta tantas outras mais.
Agora existe a divisão de graças, então haverá distinção de glórias. A
unidade, seja aqui como ali, consiste da mesma caridade." 17

2.4 Os movimentos e a Igreja missão


Um discurso análogo se pode fazer sob o perfil da missão. Salta aos
olhos, de fato, não somente a sintonia que os movimentos eclesiais
naturalmente manifestam com um apelo à "nova evangelização", mas
também a capacidade que mostra em se fazer instrumento de abertura
de transmissão da fé em Jesus Cristo, porque tem a possibilidade de
testemunhar o evangelho: "Vinde e vêde" (conf. Jo.1,34).

Frente ao desafio da pós modernidade e da globalização, torna-se de


fato urgente um retorno à experiência original do evangelho de modo a
tornar presente o Reino de Deus nos lugares humanos onde se
representa o futuro do terceiro milênio. Mas isto é possível somente
onde também a forma de evangelização é "nova", e capaz de mostrar a
novidade de Jesus Cristo hoje, na vida dos crentes e na forma de seu
relacionamento com os outros, num contexto de época para muitos
inéditos.

Nesta ótica, também o aspecto cultural da evangelização e do empenho


no mundo conquista a sua importância.

Não se deve descartar a possibilidade, que somente no futuro poderá


ser fundamentalmente verificada, que nos carismas originais estejam
também as implicações concernentes à compreensão/atualização da
revelação a partir de um ponto particular perspectivo, de acordo com a
necessidade de uma "concentração da fé" por um anúncio mais incisivo
e uma assimilação existencial mais profunda e fecundidade sócio-
cultural.

Digno de aprofundamento seria enfim o significado dos movimentos


eclesiais no diálogo ecumênico e inter-religioso. Isto comporta o
fenômeno singular da participação ao espírito e também à vida de

17
San Bernardo, Apologia a Guglielmo di Saint-Tierry, IV,8:PL 182, 903-904, cf. Vita consecrata.
9
alguns entre eles dos cristãos de outras Igrejas e por vezes também de
cristãos de outras religiões ou de pessoas de "boa vontade". O fato se
reveste de uma importância também eclesiológica revelada por
Chirstifidelis laici (nr.33).

Do ponto de vista ecumênico, não significa talvez uma realização


espiritual e prática daquela comunhão real, mesmo se não perfeita em
que - segundo o Concílio - estão constituídos todos os batizados em
Cristo (UR.3)? Se isto for verdade - escrevia já em 1933 o teólogo
ortodoxo S. Bulgakov - "então é dever do amor eclesial e junto a
convivência prática, perceber e tornar manifesto o fundamento espiritual
do 'ecumenismo' cristão, não somente como idéia mas também como
fato existente, dádiva da graça. A nós é dado experimentar como sopro
da graça do Espírito Santo, como manifestação de Pentecostes, quando
os homens começam a compreender-se com sucesso na diversidade de
suas línguas."18

Quanto ao diálogo inter-religionso, não se trata talvez de sinais


providenciais da possibilidade hoje descoberta pela Igreja pelo Espírito
Santo de entrar "em uma nova etapa histórica de seu dinamismo
missionário.(cf.ch.L35), através do qual - na luz da verdade que ilumina
cada homem (cf.Jo.19,9 NA2) - também as grandes tradições culturais e
religiosas, sem renegar sua riqueza autêntica, poderão ser
transfigurados pelo encontro com Cristo crucificado e ressuscitado?

3 Os Movimentos eclesiais, dádiva do Espírito, no


horizonte do princípio Mariano da Igreja.
Uma palavra para concluir. Queria referir-me ao “princípio mariano” da
Igreja em que Von Balthazar rememora a grande lição da tradição
atualizando-a, na luz dos dogmas marianos dos últimos dois séculos e
do "ensinamento conciliar sobre Maria no ministério da Igreja"
(LG.cap.8), no kairós de Deus no nosso tempo e, junto a impulsiona
para o futuro.19

Se de fato, o significado primeiro e último do evento da Igreja é a


geração de Cristo "tudo em todos" (Col.3,11), é preciso penetrar na
profunda verdade lapidariamente expressa por S. Luigi Maria Grignion
de Montfort: dois somente são atos a gerar junto, em sinergia, o Filho
de Deus na carne e, n´Ele também nós todos somos filhos do Pai - o
Espírito Santo e Maria.

Visto que são uma dádiva do Espírito, os movimentos eclesiais podem


não estar relacionados com Maria.

João Paulo II, numa memorável alocução na Cúria Romana, falou do


perfil mariano como o mesmo - se não mais - fundamental e
caracterizante para a Igreja daquele apostólico-petrino.20
18
S.Bugakov, Al pozzo di Giacobbe, in Alle mura id Chersoneso, Lipa, Roma 1998, 287-288.
19
Cf. I’esauriente e illuminante lavoro di B. Leahy, O Princípio Mariano na Igreja conforme H.U von
Balthasar, P. Lang, Frankfurt a.M.1996.
20
Allocuzione al Cardinali e ai Prelati della Curia Romana, in “L’Osservatore Romano”, 23/12/1982.
10
De sua parte, von Balthazar indica como exigência da Igreja de hoje
ativar em tudo o Povo de Deus - hierarquia, leigos consagrados - a
forma marial do próprio ser Igreja. E reconhece nos movimentos um
estímulo e uma oportunidade providencial nesta direção.

Sua origem carismática é o princípio da espiritualidade que a


caracteriza, o perfil prevalente do leigo e junto a indiscutível
eclesialidade, a acentuada dimensão comunhal e evangelizadora, assim
como a abertura autenticamente dialógica e convivial mas não
comprometedora para com os cristãos de outras Igrejas e os seguidores
de outras religiões põe em relevo o caráter mariano de sua identidade e
de sua missão.

A vida de Maria plasmada e conduzida pelo Espírito é um "deixar que


aconteça" na história da humanidade o evento de Deus Uno e Trino 21:
nos relatos entre as pessoas e também entre as formas sociais nas quais
se organizam.

Daqui - escreve von Balthazar e com essas palavras tenho o prazer em


terminar - conclamo a considerar Maria como "o espelho no qual nós
devemos mirar. Nós: vale dizer cada cristão; mas também ainda mais: a
própria imagem que temos da Igreja. Estamos continuamente
empenhados a reformar e a adequar esta Igreja às necessidades dos
temas, observando as críticas dos adversários e segundo os nossos
esquemas. Mas não perdemos também de vista a única medida perfeita
e precisamente o protótipo? Não deveremos em nossas reformas ter que
considerar o olhar fixo sobre Maria (...) simplesmente para aprender a
compreender o que é a Igreja, e a discernir o autêntico espírito
eclesial?"22

21
H.U. von Balthasar, Maria ind der Geist, in “Geist und Leben”, 56(1983), 173-177.
22
H.U. von Balthasar, Maria nelladttrina e nel culto della Chiesa, in J. Ratzinger – H.U. von
Balthasar, Maria, Chiesa nascente, Roma 1981, 72.
11

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