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concorrente).

Por isso mesmo, o Deus do Reino não é apresen- Trigésimo Segundo Domingo
tado por Jesus como Pai que perdoa, que acolhe o fraco, o
pobre, o pequenino. O Reino se realiza, onde o Deus do Reino do Tempo Comum
está em primeiro lugar, é o supremo da existência. E o Deus Pistas Exegéticas
do Reino é Pai, que será vivido como valor dominante através
da vivência da fraternidade. Afirmar do único Absoluto que ele Primeira Leitura: 1R8 17,10-16
é Pai, vem a ser afirmar que o valor supremo de nossa vida é
«Durante muito tempo a viúva teve o que comer>
amor: amor filial com relação ao Pai, amor fraterno com relação
aos irmãos. Tudo o que foge a isso é idolatria. Corno 2Rs 4,42-44 (ci. p. 366) também esta narração (17,7-16)
O escriba, reconhecendo a identidade entre adoração a Deus, é uma lenda profética. Comentando-se 2Rs 4,42-44 indicaram-se os
elementos principais deste gênero literário, a saber: oráculo - evento
amor a Deus e amor ao próximo (ou negativamente entre idola- - confirmação. Encontram-se estes elementos em v. 9 (oráculo) . e
tria e morte do irmão), não está longe do Reino de Deus. E v. 10 (evento); vv. 13-14 (oráculo); v. 15 (evento); v. 16 (confirmação
Jesus o declara abertamente, porque aqui está a medida de de que no evento se realiza o oráculo).
nossa religião. Estamos ligados a Deus, adoramo-lo de verdade, ,Esta mesma estrutura literária usa-se em lendas com um conteúdo
quando o amor ao próximo é realidade em nossa vida. Senão totalmente diferente. No caso de 2Rs 4,42-44 e 1Rs 17,7-16 existe se-
todo gesto ritual de adoração é oco. Como também haverá muitos melhança nos motivos. Em 2Rs 4,42-44 é o motivo da multiplicação
dos pães, encontradiço também no Novo Testamento. Na p. 366
que se pensam ateus e, no entanto, são verdadeiros adoradores mostrou-se que os evangelistas, ao narrarem a rnu1tiplicação dos pães
do Pai em Espirito e verdade (cf. Jo 4,23). de jesus, retomaram certos detalhes de 2Rs 4,42-44 ou, então, aludem
Ter por Cristo acesso ao Pai é seguir o caminho de Jesus: ao maná. Assim insinuam que Jesus está na linha dos grandes profetas
ser para os outros. O resto é retórica. do Antigo Testamento e ao mesmo tempo os ultrapassa. Fenômeno
semelhante verifica-se, comparando-se !Rs 17,7-16 com 2Rs 4,1-7 (mul-
tiplicação milagrosa por intermédio de, respectivamente, Elias e Eliseu).
Francisco Taborda, S.J. No comentário de lRs 19,1-18 (cf. p. 383) pode-se constatar
Curitiba, PR como, pelo mesmo procedimento literário, quis-se sugerir que Elias
está na linha de Moisés. «Nesses paralelos de motivos vemos como
dois homens, Elias e Moisés (etc.), são vistos e apresentados sob o
mesmo prisma, isto é, com o olhar da experiência religiosa que nunca
perde de vista o diálogo entre Deus e o homem, mesmo quando
parece narrar particularidades históricas. . . Nesses contos ou nessas
lendas não devem ter sido comunicados acontecimentos históricos únicos,
mas urna determinada figura profética. . . é entendida e apresentada
corno portadora de uma afirmação teológica> {Hermano, p. 101).
Qual é a mensagem particular de !Rs 17,7-16? O profeta Elias e
outros profetas de Javé contemporâneos foram perseguidos sob insti-
gação da rainha Jezabel, filha de Jttobaal, rei de Tiro na Fenlcia. O
rei de Israel, Acab, sob influência da Rainha, aquiesceu demais em
perrnitir o culto idólatra de Baal, deus da fertilidade. Mesmo assim
o país é vitima de uma fome. Elias interpreta esta fome como um
castigo de Javé por causa da idolatria. Ora,. para escapar à perse-
guição e à fome, o profeta de Javé refugia-se na pátria da rainha
Jezabel, isto é, em terra pagã. E ai, nesta terra pagã, que }avé lhe
vem em socorro. E como? Por intermédio de uma viúva pobre e pagã
- contraste da rainha poderosa! - que presta ouvidos à palavra do
profeta e acredita no Deus dele.
Este jogo de contrastes e de paradoxos evidencia bem que as leis

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I do gênero literário e as limitações de certos motivos e esquemas não
diminuiram em nada a expressividade dos recursos literários da lenda
profética. Em outras palavras, os autores do Antigo Testamento sou-
beram contar histórias! Nestes paradoxos transparece uma ironia sur-
preendente. O profeta fugitivo esconde-se na pátria de Jezabell Este

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gesto profético é um desafio aos inimigos do profeta, e testemunha a
sua intrepidez e sua fé inabalável na proteção de Deus. Este gesto cada ano ·no santo dos santos para oferecer sangue, ao passo que
concreto exprime que,; aos olhos de Elias, o poder de Javé e o poder Jesus entrou no céu com seu sangue, com o sacrifício de si mesmo,
que Este delega a seus profetas não se limitam ao território de Israel. uma única 'vez (9,7.12.25). Caso a eficãcia expiatória do sacrifício de
A fome flagela o próprio pais em que o deus da fertilidade, Baal, é Cristo fosse limitada, ele deveria repetir-se toda vez que os pecados
cde casa>; mas também ai Javé sustenta com alimento e bebida os da humanidade superassem tal eficácia finita. Sabe-se, porém que jesus
que crêem n'Ele. Cristo, na 'plenitude dos tempos, apareceu uma só vez pala aniquilar
A viúva - no Antigo Testamento tipo da pobreza e fraqueza o pecado com o sacrificio da cruz (9,26; cf. OI 4,4).
indefesas - é o antitipo perfeito da rainha Jezabel. Esta mudou para No v. 26, a cena muda: jã não se fala ' do ingresso de Cristo no
a terra de Javé e perSOj(Ue ai os profetas de Javé até 'a morte. A céu, mas ~e sua revelação no final doS tempos. Resulta daí que o
viúva continua morando na terra de Baal, mas recebe aí com grande único sacrifício de Cristo, oferecido uma Só vez, é de eficácia absoluta
hospitalidade o profeta de Javé fugitivo, abraça a fé no Dens dele e .zdesde o Princípio do mundo,.; logo, a iedenção foi universal. O mo-
vê a vida devolvida a seu filho. mento do ~acrifício de Jesus inseriu-se . nos tempos escatológicos: é
É desnecessário lembrar que é este motivo desta lenda profética agora, no 'fim dos tempos, que o pecadó foi anulado. A carreira sal-
que foi ressaltado por Jesus ao iniciar a Sua vida pública ·na sinagoga vífica de Jesus, porém, ainda não acaboit. Raciocinando por analogia
de Nazaré, conforme Lucas (Lc 4,25-27). com a vid~ humana, o autor evoca a parusia, não como juízo, mas
como consumação da obra soteriológica, (vv. 27-28; cf. 6,2; 10,27).
BlbUografia: A. v a n d e n B o r n, Comentárló dos Livros 'dos Rfis; 1. Para ilustrar que a morte de Cristo n8o devia repetir-se, recorre-se
H e r m a n n, Encontro com a Blblla; J. S te i n m a n n, Slie dans 1' Anclen
Testament, em Slle /e prophlte. Btudes l:armeUtalnes. a uma comparação (vv. 27s): assim coino o homem morre uma só
vez, assim também o sacrifício de Cristo ~só aconteceu uma vez. Como
Raul Ruijs, O.P.M. após a morte, que é única, haverá o Juízo, assim depois do único
Petrópolis, RJ sacrifício de jesus haverá ainda a parusia· definitiva: jesus, após irnolar-
se uma vez por todas, reaparecerá, nãO para ser julgado mas para
julgar (9,27s; e!. 6,2; !Ts 4,16s; 2Ts 1,9s) e completar a obra da
SegundiÍ Leitura: Hb 9,24-28 salvação. Alusão clara a, Is 53,12. A redenção se efetuou em definitivo
já no Calvário.
O cap. 9• focaliza a eficácia eterna e definitiva do único sacriflcio A segunda vinda de Cristo nada tem a ver com o pecado, visto
de Cristo, o qual selou ,a Nova Aliança com seu Sangue. O ministério que já na primeira não teve pecado (4,15) mas apenas a missão de
sacerdotal e a obra salvlfica: de Jesus Cristo transparecem, como por salvador. Hã um contraste entre a primeira e segunda vinda de Cristo:
um filtro, da estrutura cultuai do VT, sob forma de contraste: sacer- na primeira tomou sobre si os pecados de todos (cf. Rm 8,3; 2Cor
dócio imperfeito aquele, ideal o de Jesus Cristo. As idéias em geral 5,21; Gl 3,13); ao passo que na segunda aparecerá· «sem pecado>
já haviam sido expressas anteriormente. O principio de culto, segundo (v. 28), livre da carga expiatória do mal, com os inimigos já venci-
o qual somente pelo sangue se pode efetuar uma verdadeira puri- dos e resplandecendo de glória, da qual nos farã participantes se per-
ficação (v. 22), é válido, porque assim Deus o quer. O texto no seu manecermos fiéis (ci. PI 3,20s).
contexto contrapõe o· santuário e os meios de purificaç~o terrestres
ao santuãrio e aos meios puri,ficatórios celestes (4,14; 7,25; 8,1-5; 9,lls). BihliORTafia: Cf. 29'1 Domin~o do Tempo Comum. Ano R, p. -lôô.
Se o santuário mosaico com seus ritos carecia de purificação pelo
sangue, - muito mais o santuário celeste, do qual aquele era apenas P. Matheus P. Oiuliani, S.A.C.
figura. O céu precisará de purificação? É que para entrar no santuário Santa Maria, RS
do céu, fechado aos homens pelo pecado (v. 8), Cristo houve por bem
.espargir seu Sangue, sem o que não poderia iniciar o culto celeste.
Neste caso, «purificação» equivaleria a uma consagração, a uma inau- Terceira Leitura: Me 12,38(41)-44
guração, já que se trata de purificação de coisas e não de pessoas,
sujeitas ao pecado. «. . . devoram as casas das viúvas»
Entre as realidades celest~s figuram os sacrifícios superiores (plural Os «escribas» são bem diversos dos «fariseus». Nem de longe todos
de categoria: o sacrifício por, excelência), os quais se referem conjunta os fariseus eram escribas1 mas houve muitos escribas que também eram
e indeterminadamente à atuação de Jesus nos céus, onde opera em san- fariseus. Em Lc 11 distinguem-se os ditos de jesus contra os escribas
tuãrio não fabricado por mãos humanas. (9,11). Com isso. o autor de (11,46-52; 20,46) dos ditos de Jesus contra os fariseus (ll,39·42.44).
Hb tenciona realçar a existência celeste de Cristo, como valor soterio- A mesma distinção pode-se fazer no Sermão da Montanha de Mateus.
Jógico e redentor; no céu,. _Ele se apresenta a Deus em favor dos
homens (9,24), enquanto durar este período messiânico que se desdobra Depois que os dois grupos são mencionad9s em 5,20 segue-se, primeiro,
entre o sacriflcio do Calvãrió e a. parusia final (9,28). o sermão contra as tendências tlpicas dos escribas (5,21-48) e, depois,
contra aquelas próprias dos fariseus (6,1-18). As censuras de jesus
Além da atividade exercida no céu (v. 25), outra circunstância contra os escribas antes de tudo dizem respeito à formação teológica
indica a superioridade de Jesus: o sumo sacerdote israelita entrava deles e aos privilégios sociais que a titulo dela cobiçam. Me 10,~
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fala dos últimos. Jesus lhes reprova atitudes de exibicionismo e auto- 5,34-39). Mas Deus deu razão a Jesus, ressuscitando-O da morte. Por
latria clericais (Me 12,38-39), de parasitismo à custa das pessoas mais isso Jesus ·é, na Sua pessoa, o juizo (a krisis) do mundo e da reli-
necessitadas da sociedade (Me 12,40a) e de embuste religioso (12,40b). gião idólatra e autólatra (cf. Jo 9,39-41). Na Sua morte e ressurreição
Jesus previne Seus discípulos contra tais comportamentos dos escribas, morre, poi~, qualquer deus-ídolo e ressuscita o Deus vivo e verdadeiro.
que exploram sua posição na sociedade para projetar-se a !si mesmos,
gozar honrarias e banquetear...se e enriquecer-se ilicitamente. O texto Bibliografia:Além de comentârios de Me, especialmente o de J. S e h m l d,
atual - pode ser que o evangelista ou a tradição ante;ior tenham K. H. R e n g s t o r 1, Das Evangelium nach Lukas, NTD, Oõttingen 1958; j,
unido ditos isolados de jesus - sugere que existe um nexo entre
j e r em 1 as, verbete "grammateus", em ThWzNT l f
(1933), 740-142; R. ~l e er-
H. F. W eis s. verbete "Pharisalos". em ThWzNT 9 (19&.'I). 11-51; A. Mal ) o t,
estes males. «Simulando longas orações», nem percebem que o seu verbete "mentira", em J.J. v o n A J J m e n, e.o., Vocabulcirio Bíblico São Paulo
1972. ' ,
comportamento está em flagrante contradição com a Palavra de Deus,
revelada em toda clareza desejável. Em um es!ilo bem profético jesus Raul Ruíjs, O.F.M.
denuncia que as viúvas, em cuja defesa testemunham a Lei e 'os Profetas Petrópolis, RJ
(cf. Ex 22,28; Dt 24,17; 27,19; Is 1,17; Jr 7,6; 22,3; Zc 7,10; MI 1,3.5),
são, como sempre (cf. 2Sm 14,4ss; 2Rs 4,1; Jó 22,9; 24,3.21; SI 93,6; Sugestões para a Homilia
Is 1,23; 10,2; Ez 22,7), as vítimas de tal parasitismo. Os 'textos cita-
dos evidenciam que jesus cita as viúvas como o grupo mais vulnerável
de todas aquelas categorias de pessoas que são as vitimas fáceis da Introdução
exploração feita sob a invocação inescrupulosa do nome de Deus. J.
Schmid escreve com razão: ~Esta censura de ambição, cobiça e hipo- Novembro, mês para pensar na vida para além da morte
crisia e a sentença final (v. 40c) é uma das sentenças mais severas
de todo o evangelho... No evangelho de Marcos é a última palavra O mês de novembro começa com os dois dias dedicados
pública de Jesus ao judalsmo> (p. 233). à comemoração dos Finados e de Todos os Santos e termina
A ligação de Me 12,41-44 com 12,38-40 explica-se pela associação com a Festa de Cristo-Rei do Universo.
da palavra cviúva::i, que se usa em vv. 40 e 4243. Em ambos os passos Por isso, somos convidados a meditar sobre o nosso des-
defrontam-se atitudes opostas. De um lado a ostentação com que os tino último, sobre a ·nossa vida para além da morte, sobre o
ricos põem uma parte de sua opulência no cofre do templo - pro-
vavelmente existia o costume·, de declarar em voz alta a quantia de- julgamento, o purgatório, o céu e o inferno.
positada -, semelhante ao comportamento dos escribas, que querem Estes. assuntos não nos devem amedrontar, como antigamen-
ser vistos e respeitados pelos homens. De outro lado está a viúva te muitas · vezes aconteceu. Estes assuntos, antes de obscurecer
pobre que põe seus últimos trocados no cofre. Depositando <lodo o a nossa vida terrestre, devem iluminá-la e colocá-la no rumo
seu sustento~ («toda a sua vida») no cofr_e do templo, mostrou que
se confiou sem reservas às mãos de Deus e colocou n'Ele toda a sua certo.
esperança. Os ricos que dão somente uma parte de sua riqueza, ficam
com uma margem de segurança que os dispensa da dependência radical Corpo
da bondade de Deus.
Jesus não acusa os escribas nem os ricos de má vontade ou de 1. O céu e o inferno em uma lenda chinesa
hipocrisia no sentido de fingimento premeditado. Os comportamentos
errados dos escribas têm uma causa muito mais profunda, que escapa Para esclarecer o que é o céu ,e o que é o inferno, um
à boa ou má vontade, e consiste em cegueira espiritual. Eles têm olhos dos nossos grandes teólogos, o Fwi Leonardo, que escreveu um
e não vêem, ouvidos e não ouvem; são instruídos na Lei e nos Pro- livro mui!~ bonito sobre «A vida para além da morte» (L. Boff,
fetas mas não entendem. Em última análise estes comportamentos e Ed. Vozes, 1973, p. 183s), cita uma velha lenda chinesa.
esta cegueira são conseqüência de c:hipocrisia» no sentido de falta, Escutem:
isto é, de ausência de crítica, de não praticar uma autocrítica à luz da
Palavra de Deus. Jesus faz esta crítica. E por narrações como esta de «Naquele tempo um discípulo perguntou ao Vidente:
vv. 41-44 ensina aos discípulos a não julgar segundo as aparências Mestre, qual é a diferença entre o céu e o inferno?
e -0s critérjos estabelecidos, mas a adotar critérios novos.
E o Vidente respondeu:
Esta atitude crltíca e esta práxis de conscientízação dos díscipulos
Lhe custaram a vida. Com Ele, morrendo na cr,uz com o ·grito <Meu Ela é muito pequena e contudo tem grandes conseqüências.
Deus, meu Deus, porque ... ?» nos lábios, parecia morrer o Deus que Vi um grande monte de arroz. Cozido e preparado como
pregava. Seu falecimento podia afigurar-se como uma falência da re· alimento. Ao redor dele muitos homens. Famintos, quase a
velação de «um Deus diferente» e de uma nova concepção da religião
que Ele trouxe, enquanto que a imagem de Deus - o deus-ldolo morrer. Não podiam se aproximar do monte de arroz. Mas
e a religião de Seus perseguidores pareciam sair vítoriosos (cf. At possuíam longos palitos de 2-3 metros de comprimento - os

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chineses, naquele tempo, já comiam o arroz com palitos - . além não será socorrido por ninguém, nem por Deus, nem por
Apanhavam, é verdade, o arroz. Mas não conseguiam levá-lo amigos ou parentes. Nem se poderá ajudar um ao outro. A
à, própria boca. Porque os palitos, em suas mãos, eram muito esperança de ser um dia socorrido transformar-se-á num de-
rongos. E assim, famintos e moribundos, juntos mas' solitários sespero infinito.
permaneciam, curtindo uma fome eterna, diante de uma fartura Quem soube amar na terra, no além será amado por Deus
inesgotável. E isso era o inferno. com uma intensidade que nem tem comparação com a intensi-
Vi outro grande monte de arroz. Cozido e preparado como dade do amor entre esposo e esposa, entre pais e filhos, entre os
alimento. Ao redor dele muitos homens. Famintos, mas cheios mais fiéis amigos.
de vitalidade. Não podiam se aproximar do monte de arroz.
Mas possuíam longos palitos de 2-3 metros de comprimento. 3. As leituras de hoje: cuidado com a hipocrisia
Apanhavam o arroz. Mas não conseguiam levá-lo à própria boca. Aquelas atitudes que merecem ser perenizadas na vida ce-
Porque os palitos, em suas mãos, eram muito longos. Mas com leste se adquirem numa sintonização continua da vontade do
seus longos palitos, em vez de levá-los à própria boca, serviam- homem com a graça de Deus. A graça de Deus nos foi reve-
se uns aos outros o arroz. E assim matavam sua fome insaciá- lada e dada em Jesus Cristo. Nas Suas palavras e obras dis-
vel. Numa grande comunhão fraterna. Juntos e sofidários. Go- pomos do critério contíriuo para acrisolar os nossos modos de
zando a excelência dos homens e das coisas. E isso era o céu». pensar, de julgar e de agir. .
2. No cén e no inferno perenizan1-se atitudes terrestres O que sobremodo causou repulsa a jesus foi a hipocrisia, a
falta de autocrítica. Quantas vezes Jesus avisou os discipulos
Escutando esta lenda, a gente logo reconhece: aquele chinês do perigo de cair nas garras e embustes dos escribas e d-0s ricos.
era cristão antes da hora. Como ele acertou na sua imaginação Os escribas de então, hoje em dia talvez hajam de ser pro-
do céu e do inferno! Para ele, no céu e no inferno perpetuar- curados entre todos aqueles que se acham cristãos e católicos
se-ão atitudes terrestres do homem. Quem, na terra, éra egoísta exemplares. Os ricos são sempre os mesmos.
e acumulou em redor de si riquezas só para se satisfazer a si Jesus, na leitura de hoje, não se dirige aos escribas e ricos,
mesmo, sem olhar para o seu próximo, será na eternidade um para combatê-los ou para convertê-los, mas a Seus discípulos~
solitário, um egoísta entre egoístas. Não lhes faltará nada, mas Ele luta para que estes não caiam no engano dos escribas,
não se poderão valer das riquezas acumuladas por causa de pensando que os critérios da verdadeira religião consistem em
seu próprio egoísmo e o dos colegas. aceitação e honras da parte dos homens; em convites para almo-
O céu, ao contrário, será a grande e eterna convivênci~ de ços; em lugares de destaque nas solenidades civis e militares;
todos que na terra souberam amar, souberam dar e compartilhar em sinais exteriores como o são: roupas, fitas, beija-mão, cum-
com os outros, com os necessitados, os dons que Deus deu para primentos na rua; em aceitar sem escrúpulos esmolas como se
dar, para multiplicar, para poder amar. fossem dadas a Deus mesmo, sem perceber que, agindo assim,
Também Jesus compara a felicidade celeste com um ban- estão «devorando as casas das viúvas&.
quete (Lc .14,15-24; MI 22,1-14). Es'le banquete é Óíerecido a São Tiago mostrou-se um bom discípulo de jesus quando
todos. .Mas· é desprezado pelos ricos, pelos que têm birras, gado escreveu:
e mulberes. Mas é concorrido demais pelos pobres, aleijados, «A religião pura e sem mancha aos olhos de Deus Pai
leprosos e pecadores penitentes. consiste em s-0correr os órfãos e as viúvas nas suas aflições e
Em uma outra parábola {Lc 16,19-31), Jesus faz'o contras- preservar-se da corrupção do mundo:. (Tg 1,27).
te entre a sorte do rico epulão e do pobre Lázaro. Na vida Um exemplo da «corrupção do mundo» é a atitude dos
no além a sorte dos dois é invertida. Lázaro repousa no seio ricos que, com grande alarido, fazem pingues doações. para fins
de Abraão, enquanto o homem rico sofre fome e sede insaciáveis religiosos - para a construção e embelezamento de igrejas e
no inferno. sanntários - , mas desprezam os templos vivos de Deus que
No céu e no inferno perpetuar-se-ão as atitudes que a gente são seus empregados e domésticas e concidadãos necessitados
tiver adotado aqui na terra. Quem era egoísta na terra, no em geral.

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O pior é que jesus não acusa os escribas nem os ricos Trigésimo Terceiro Domingo
de má vontade ou de hipocrisia no sentido de fingimento pre-
meditado. A atitude errada dos ·escribas e dos ricos provém de do Tempo Comum
um mal maior do que a má vontade, a saber, da cegueira espi- Pistas Exegéticas
ritual. Eles têm olhos e não vêem; ouvidos e não ouvem; são
instruídos ua Lei e nos Profetas, mas não entendem. Esta ati- ~a Leitura: Dn 12,1·3
tude e esta cegueira são conseqüência de hipocrisia no sentido
Esta perícope de Dn contém uma das afirmações mais expllcitas do
de «falta de critica», de falta de autocrítica, feita à luz da Antigo Testamento a respelto da Ressurreição. O livro de Dn foi escri-
Palavra de Deus. Para esta cegueira não há remédio. Nem to com a finalidade de anh:par e confortar os judeus fiéis, que estavam
o da ressurreição de Jesus: sendo forçados por Antíoco 1V, Epifanes, a, abandonar sua religião e
«Se não ouviram a Moisés e aos profetas, tampouco acre- seu Deus para adotar os costumes pagãos. Foi redigido, provavelmente,
_ditarão, ainda que ressuscite algum dos mortos» (Lc 16,31). entre lô7 e 164 antes de Cristo.
O v. t inicia indicando de forma vaga quando vão acontecer os
Isto não dispensa os profetas de fazer esta critica e de iatos de que vai falar. «Naquelt tempo»; quer indicar, segundo a maior
tentar.abrir os olhos. Jesus fez esta crítica (cf. Mt 6,1-8.16-18). parte dos intérpretes, o tempo final~ quando Deus vai fazer justiça.
E ensina também aos Seus discípulos para não julgar segundo Os sofrimentos e as perseguições, que os judeus estão sofrendo,
as aparências, mas adotar critérios novos. aumentarão ainda mais neste tempo final, e serão tão grandes como
Os critérios novos da verdadeira religião são dois : amar jamais houve desde que existem as nações. Mas justamente no momento
rla maior angústia é que se manifestará a salvação. E alcançarão
a Deu,s sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. esta salvação os que estiverem «inscritos no livro». Esta locução
expressa um pensamento bastante freqüente no AT, que representa
Deus anotando num livro ; as obras boas ou más e, segundo estas,
Com:lusão inscrevendo seus autore·s no livro da Vida, ou excluindo.os ( cf. Ex
3232-33· SI 68,29· SI 138,16). Portanto, para o autor de Dn 12,1,
Se com toda a nossa força e fidelidade tentarmos assimilar se~ão s;uvos aquel~ pios judeus que tiverem sido fiéis à Lei e pra-
na nossa vida de cada dia estas atitudes de amor, Deus nos ticado a justiça.
perdoará as nossas tentativas fracassadas e nos recompensará O v. 2 mostra como se dará esta salvação finaJ: «OS que dormem
com o amor perfeito, com que seremos amados e saberemos no pó da terra despertarão para uma vida eterna»~ Em outras· pala-
amar, conforme aquela imaginação bonita da lenda chinesa: sa- vras: a salvação fjnal se realizará por meio de uma ressurre.h;ão~ Para
nós esta afirmação pode parecer, talvez, rotineira e quase banal.· Esta-
ciaremos uns aos outros com Deus que é amor. mos acoshtmados a ouvir isto muitas vezes, sem Jhe penetrar o sen-
tido profundo. No entanto no AT isto é quase uma novidade total
Raul Ruijs, 0.F.M. A verdade da ressurreição individual teve, na: AT1 uma longa ca-
Petrópolis, RJ minhada. Por longos séculos a tese tradicional era que Deus retribuía
a cada um conforme suas obras aqui na terra. A insatisfação e a
angústia diante da insuficiência desta doutrina explodem fortemente no
livro de Jó. No entanto Jó ainda não vislumbra uma solução. Em
Ez 37 fala-se de uma ressurreição coletiva, da nação. Em Is 26,19
aparece já a afirmação de uma ressurreição individual. 1"1as o que
., apressou -0 desabrochamento da fé na ressurreição foi a crise da épnca
dos hlacabêu~ Muitos judeus, para serem fiéis à Lei de Deus, tiveram
que suportar a morte (e!., 2Mc 6-7). A pergunta angustiante que se
punha era:.. como entender 'que um Deus justo exija a doação da Vida
para lhe ser fiel se após a morte todos, bons e ma~ vão igualmente
· para o xeol? EsÍe !oi o último passo para a fé numa retribuição após
a morte. Mas como o judeu não tem a idéia da imortalidade da alma,
como o grego, ele pensa numa ressurreição do corpo. As pessoas vão
reassumir seus corpos, seu . identidade total. E esta é a afirmação de
Dn 12,2: «os que dormem Íln pó da terra despertarã0».
O termo <muitos:. aqui tem o valor de «!odOS>. Pode-se fazer
uma pergunla: de quem mesmo está falando Dn 12,2? Julgam os exe-

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getas que Dn 12~ não se refere propriamente à ressurre1çao de todos
os homens. Como o objetivo do livro é animar os judeus, aqui ele se
refere explicitamente só às pessoas do povo escolhido, bons e maus.
A ressurreição universal será um desenvolvimento posterior. l raiou, porquanto Jesus ainda não obteve ple:no triunfo (v. 13). Todavia
já está na expectativa de submeter os inimigos ao seu poder (SI 109,1).
_Um só sacrifício leva à perfeição a quantos partilham, pela fé e
mediante os sacramentos, de sua eficácia: os santificados o serão mais

!
O v. 3 apresenta em belas imagens a recompensa dos bons. Não e mais e para sempre (v. 14; cf. Rm 3,21-26; 6,3-11). Assim, a meta
só retorno à vida, mas participação de uma glória e de urna situação proposta ao homem, que peregrina para Deus, já foi alcançada em
de felicidade perenes. «Fulgir com o brilho do firmamento», «luzir princípio. Só resta caminhar na senda em que o sacrifício de Jesus,
como estrelas» expressa de forma plástica e forte a glória, a alegria de uma vez por todas, nos colocou.
e a paz eternas. Mostra o termo de chegada da história humana. E Para assegurar esta asserção (vv. 16-17), é citado um texto de Je-
o NT complementa o quadro mostrando-nos a segunda vinda de Cristo
que encerrará e levará à plenitude a história dos homens e transfigu-
1
;
remias (31,33s), já aduzido anteriormente e com maior amplidão (cf.
8,8-12), cujo teor é: na Nova Aliança, a lei divina será insculpida nos
rará o próprio universo, fazendo-o participar da gloriosa liberdade dos corações e Deus esquecerá nossos pecados, purificando-nos interiormente
filhos de Deus (Rm 8,21). a todos, em particular e coletivamente, sem restrição de tempo e de
lugar (cf. Rm 4,7-8). A remissão de pecados foi efetuada pelo sacri-
Bibliografia: Comentários: C o r d e r o, Alonso D i a z, Pi r o t w C I a m e r, fício de jesus (v. 12; cf. 9,15ss). O v. 18 é conclusão das reflexões
Ri n ai dl.
teológicas anteriores. Tudo o que se podia esperar, já aconteceu. O
Pe. Aguinelo Burin, S.A.C. texto de Jeremias (31,33s), no qual se fala de simples remissão, é
Santa Maria, RS apJicado à eficácia do sacrifício de Jesus. A revelação de Jesus Cristo
permite interpretá-lo em sentido soteriológico. «Onde houver remissão
dos pecados já não há necessidade de oferendas pelos pecados» (v.
Segunda Leitura: Hb 10,11-14.18 18). Seria injúria ao Sangue de Cristo, corno insuficiente, se preten-
dêssemos oferecer novas oblações (cf. Gl 2.21). Repetir as celebrações
A perícope 10,1-18 é conclusão da parte dogmática central da eucarísticas não é repetir o sacrifício de Cristo, porque, na missa,
carta aos Hebreus, que inicia com o cap. 7°, quase uma recapitulação, apenas renovamos sob forma de comemoração o mesmo sacrifício único
onde se fala da abolição do sacrifício vétero-testamentário e a subse- e definitivo, do Calvário. '
qüente superioridade do sacrifício de Cristo. Mais do que assunto novo,
a perícope propõe de novo e de maneira insólita tudo que fora dito. Bihlin~rafrn: Cf. 29n Uomin~o do Tempo Comum. Ann U. p. ti/ili_
A inutilidade dos sacrifícios de animais aparece nitidamente no fato
de serem freqüentes e no confronto com o sacrifício de Cristo, ordenado
e sancionado por Deus, capaz de toda perfeição (vv. 1-4). A abolição r
l
P. Matheus F. Giuliani, S.A.C.
Santa Maria, RS
dos sacrificios antigos - sombra dos bens futuros (S,5; 9,11; 10,1) -
e a substituição pelo de jesus fazem parte do plano divino (vv. 5-10), Terceira Leitura: Me 13,24-32
uma· vez que aqueles foram incapazes de purificar interiormente a quem
os oferecia (v. 1). «Ele reunirá os eleitos dos quatro ventos»
Nosso texto retoma aquilo que desenvolvera antes: o contraste
l entre o sacerdócio/sacrifício de jesus, único eficaz, e o sacerdócio/ O <discurso escatológico de /esuS» (Me 13; Mt 24-25); ou o <apo-
f· sacrifício da antiga Lei; não se fala do sumo sacerdote, senão dos sa- calipse sinótico» (Me 13; Mt 24,1-51; Lc 21,5-36) é estudado de muitos
11 cerdotes, como o fizera em 7,27. O autor de Hb quer salientar o pa- pontos de vista. A crítica literária tentou isolar as unidades literárias
1
radoxo entre a unicidade do sacrifício do Gólgota e a multiplicidade menores. Nesta linha pode-se dividir Me 13 nos seguintes grupos de
dos sacrifícios 1evíticos («diariamente». . . «repetindo com freqüência» ... textos:
v. 11). Estes últimos caducaram, foram declarados ineficazes diante de 1. Sinais que precedem à parusia (vv. 5-8.24-27).
Deus, posto que não valem extirpar o pecado. Jesus, ao invés, tudo 2. Ditos sobre perseguições (vv. 9-13).
fez, oferecendo um só sacrifício que não precisa reiterar-se, e, para 3. A abominação da desolação (vv. 14-23).
expressar que agora assumiu seu poder e dignidade, está sentado à 4. Ditos e parábolas sobre a vigilância (vv. 28-37).
direita de Deus (cf. 1,3; 8,1; 12,2; SI 109,1), esperando a plena reali- A esta subdivisão segue-se a identificação das fontes literárias de
zação dos efeitos daquela imolação, pela vitória sobre as forças do onde o evangelista teria tirado os passos; a questão da autenticidade e
mal (vv. 12-13; cf. 1,13; lCor 15,22-26.). Quem serve está de pé (Lc do Jesus histórico; a pergunta se se tenha aproveitado de um apocalipse
17,7-10: «stare»), como acontecia aos sacerdotes da antiga aliança (Dt judaico preexistente etc.; por fim procura-se estabelecer o sentido de
10,8; 17,12; 18,7). Se o servo deve estar de pé, o senhor ficará sentado. cada unidade. A história das formas e da tradição procura estabelecer
O ponto central da passagem e o respectivo progresso, que ela marca a origem e o desenvolvimento gradativo de gênero literário de cada
sobre o que precedeu, decorrem da importância que se dá a Jesus Cristo unidade, o papel da comunidade e das necessidades comunitárias neste
em sua glória e majestade. processo. A história da reaação olha o capítulo do ponto de vista do
Jesus é o Senhor! Eis a fé do autor de Hb, o qual vê e sabe com evangelista, do que este fez com o material que encontrou nas suas
clareza, à luz da situação comunitária, que tal poder divino ainda não fontes.

496 497

1
,
,,
'
Esta última abordagem parece oferecer maiores chances para uma Quanto às «guerras e boatos de guerras» pode-se pensar no cerco de
atualização da mensagem de Me 13. De fato, apesar de reproduzir Jerusalém comandado por Cestius Oallus, legado na Síria, em 6ô dC.
ditos de jesus e interpretações e atualizações comunllárias dos mesmos, Depois de ele ser derrotado, Vespasiano começou na primavera de 67
pode-se , e deve-se distinguir a mensagem própria do evangelista que a íucursão da Galiléia, rumo a jerusalém. O evangelista observa a
transparece na escolha do material, nas ligações entre as diversas partes respeito de tudo isto: <isto runda não é o fim» (v. 7). Em V. 8 fab-
e na composição do capítulo em conjunto. se de <terremotos por diversos Jugares, e fom·e». Tem-se notícias dos
Esta abordagem conduz à conclusão de que Marcos, aproveitando terremotos da Frígia no ano 51 e de Pornpéia em 63. At 11,28 informa
o material preexistente, interpreta o seu tempo e os diversos eventos da !orne durante Clâudío.. V. 8 termina com o aviso: «É o começo
de seu tempo como <Sinais dos tempo&», aqui, no contexto de e. l~ das dores». A tradição rabínica conhece o termo «as dores do MessiaS»
como sinais do fim dos tempos. Mas não se limita a isso. Ele também {cf. Rm 8,22; cf. na Mesa da Paltrvra, Ano A, p. 288's e 534'). Marcos
corrige interpretações erradas. precipitadas e imediatistas ou superfi- caracteriza os eventos de v. 8 como «o começo»- delas. Isto é, já se
ciais destes sinais dos tempos. A priori é provável que Marcos não trata do inicio do fim, mas ainda não é o fim.
tenha sido o único que viu nos eventos contemporâneos, prelúdios ao As buscas~ interrogatórios e torturas nas sinagogas de v. 9 podem
fim dos· tempos. Se atualmente se encaram eventos dramáticos como indicar que os cristãos foram envolvidos nas brjgas entre as alas da
assaltos. e seqüestros de aviões e diplomatas, os assassínios do esqua- resistência nacionaJista mais fanâticas (os Ze1otas, liderados por joão
drão dru morte, as torturas, a nnda de violências, as viagens interpla- de Oiscala) e mrus moderadas (com jose!o). Os inquéritos feitos pelos
netárias , a «aparição» de -=:discos voadores>, os terremotos, os conflitos «governadores e reis» podem significar que os cris1ãos foram denun-
raciais 'e re1igiosos, as renovações na Jgreja, as guerras no Oriente ciados ·ao poder romano que ocupava a Palestin~ como revolucionários
Médio, na Asia e na Africa como «sinais do fim», é fácil imaginar e subversivos. Desta vez Marcos ensina aos cristãos assim envolvidos
quanto mais naqueles tempos se estava inclinado a fazer isso. que enfrentem estas situações não somente com uma atitude negativa.
Ora o evangelista não se contenta em simplesmente copiar dos Os inquéritos sejam aproveitados como oportunidades para «dar teste-
seus co~temporâneos estas interpretações dos sinais dos tempos~ mas munho e pregar o Evangelh0» (vv. 9-10). Desta maneira inserem-se
assume -uma atitude critica e criativa diante delas, iluminada pe1a "fé na grande missão dos cristãos que precede ao fhn dos tempos.
em Cristo e na Boa-Nova. A confusão provocada pelos atentados dos partidos revolucionários
É arriscado fazer um paralelo entre certos dados históricos e contra o poder romanO ameaça a comunidade cristã não somente de
determinadas passagens de Me 13. Esta çombioação só pode ser aproxi- fora. Eia atingirá a comunidade e suas familias de dentro. Haverá
mativa. Mas serve para dar uma idéia do pano de fundo histórico indecisão -e brigas internas sobre a questão se os cristãos devem par-
e do meio ambiente em que surgiu Me 13 e em que sentido se há de ticipar nas lutas de libertação ou não. A fé em Cristo leva a 'ruvisão
entender este «apocalips~. às familias (v. 12). «Tácito lembra que na perseguição de Nero muitos
O capítulo começa com a pergunta: ~Dize-nos quando será isto e cristãos foram presos graças às denúncias dos apóstatas» (Uricchio,
quat é o sinal de quando tudo vai acabar?» «Isto». diz respeito à p. 149). E todo ódio por causa de jesus sofrido em forma de perse-
profecia da destruição de Jerusalém (v. 2); ~tudo» ao fim do mundo. A guição, prisão, torturas etc., é colocado na perspectiva dos aconteci-
resposta é dada em três etapas. Os discípulos querem saber quando mentos fluais: «aquele que ficar firme atê o fim será salv0» (v. 13b).
a profecia da destruição de Jerusalém se realizará e qual seja a Marcos intercalou na sua análise da realidade à luz da fé admoes-
ligação deste acontecimento com o fim dos tempos. Espera-se que .ª tações como: <Dão se deixem enganar» (v. 5); «não desanimem> (vv.
resposta fale primeiro da destruição (do templo} de jerusalém e depms 9-10); «fiquem firmes» {v. 13). Na terceira parte acham-se as admoes-
do fim do mundo. Primeiro, porém, fala-se de outras coisas (vv. 5-13), tações: «tomem cuidado:. (vv. 23.33) e, especialmente: <Vigiem» {vv.
depois de um evento concreto que se realizará no templo de Jerusalém 33-37). Como jâ foi dito, nesta anâlise da realidade à Jug da fé Marcos
(v. 14) e por fim do acontecimento fíual, do fim de tudo em sentido aproveita constaotemente ditos de jesus. Ele faz a exegese dos mesmos
universal (vv. 15ss). atualizando-os para o seu tempo. E assim esta exegese é essenciaJmente
a) Sugere-se, pois, que em vv. 5-13 se fala da atualidade. E de anúncio e atualização da pregação de jesus.
fato vv. 5-13 descrevem uma situação que, entendida no pano de fundo b) A segunda parte. de ll'lc 13 consiste em v. 14. Nela Marcos
dos aconteeimentos turbulentos de 66-70 dC, pode refletir bem as aven- retoma a profeeia de jesus de v. 2, mas em termos conhecidos de
turas e experiências da comunidade primitiva. A palavra de ordem Dn 11,31 e !Me 1,54. É diiícil llizer em que Marcos pensou concreta-
que Marcos dâ aos cristãos de seu tempo é - atnallzando ditos de mente. Mas em mais ou menos 40 dC, Petrônio recebeu ordem para
jesus - de não deixar-se seduzir e enganar por ninguém que pretende erigir no templo de Jerusalém uma estátua do imperador romano. Isto
ser «E1~, o «Cristo». Sabe-se que naquele tempo levantaram-se muitos provocou muita perturbação e revolta no povo. Pode ser que por esta
pretensos Messias e também que a revo1ta dos _judeus do ano 70 contra ocasião atuaHzou-se a expressão- de Dn e lMc- e que l\Iarcos a usa
os Romanos foi determinada pelo fato de que se esperava para logo o de novo, agora que Vespasiano estâ avançando rumo a Jerusalém.
aparecimento do Messias que ia esmagar o ímpio 1mpério Romano. Talvez Outros pensam na «profanação do santuârio perpetrada pelos Zelotas
possam-se até citar nomes: João de Giscala e Josefo. É certo que, em 132 e seus chefes em 68 dC quando .joão de Oiscala, depois de se instalar
dC ao deflagrar-se a segunda revolta dos judeus contra os Romanos, seu no temp1o transformado em fortaleza,. fez correr em torrentes o sangue
Jld~r Bar Koseba foi oficialmente deelarado «messias» pelo Rabi Aqiba. de uns 8.500 inocentes, entre eles dois sumos sacerdotes» (Uricchio,

498 499
p. 151s). Marcos descreve a <Abominação Devastador~ ao mesmo Não somente as pessoas, também sistemas de convivência:
tempo com as feições de uma pessoa. Ligando este desen1ace próximo
com o fim dos tempos, provavelmente Marcos tenha pensado na luta o Brasil colonial foi uma maneira de convivência, mas terminou;
fina] entre o Anticristo e o Cristo (cf. vv. 2ls}. Nesta última etapa o Brasil império também já passou. No mundo inteiro é assim:
que precede ao fim, a palavra de ordem é: «Fujam!» Fujam de Jeru- todas as formas de convivência humana são relativas. «ÜS dias
salém (vv. 14b-17), não vão atrás dos pseudocristos e pseudoprofetas acabam depressa, nós passamos».
(v. 22). Porque o verdadeiro Cristo aparecerá de um modo «transcen-
dental» e em um dia e hora ;ncalculáveis. Ele está perto, isto é certo! 2. A sabedoria de vida que brota disto
Mas ninguém sabe a hora, a não ser o Pai. Vale, pois, uma coisa: quando colocado na Luz do Ressuscitado
«Vigiem!» É esta vigilância que transforma o sentido cronológico de
«perto» em um sentido de presença: quem espera o Senhor e sempre «Passará o céu e a terra, porém minhas palavras não pas-
deposita a sua esperança n'Ele que há de vir, já está nas suas mãos, sarão»: são Palavras de Jesus, o Ressuscitado, aquele que está
vive como eleito Seu e goza de Seu amparo nas tribulações (cf.
VV. 20.22.27).
vivo no meio de nós. São palavras que os primeiros cristão,s
guardaram na sua memória e servem-nos até hoje. A sabedoria
Bibliografia: Além de comentários, especialmente Fr. U r t e e h 1 o - A. L a n- é a maneira de viver que consegue saborear os verdadeiros va-
c e 1 o t ti, O Evangelho Querigmdtico segundo iUarcos, Petrópolis 1977; W.
M a r x s e n,
Evangeliums.
Der Evangelist Markus. Studien zur Redaktionsgeschichte des lores da vida em harmonia consigo mesmo, com Deus e com
os outros. É sabedoria de vida viver conforme a Palavra de
Raul Ruijs, 0.F.M. Deus. Palavra de Deus que nos foi revelada na vida diária
Petrópolis, RJ
de Jesus de Nazaré. Ele fundamenta a sua vida na intimidade
com o Deus de Israel, que libertou os escravos do Egito e fez
Sugestões para a Homilia deles um Povo, se comprometeu com eles na Aliança e orientou-os
por sua Lei, tudo com a finalidade de serem o seu Povo e Ele
Introdução o seu Deus. Este Deus é o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo.
No meio da sociedade daqueles dias Jesus mostrou o Plano de
O mês de novembro lembra-nos a caducidade de tudo que Deus, o Reino de Deus, aquilo que não passa, mas fica. Alguma
existe na terra e o único que não perece: o Ressuscitado e a coisa desta sabedoria de vida no Reino de Deus percebemos
sua Mensagem, o Reino de Deus que se realiza. O dia dos na parábola do homem insensato. Este homem era muito rico
finados e a festa de todos os Santos, no início deste mês, e suas terras deram uma grande colheita, de tal maneira que
representam-nos aquela dimensão que o Evangelho de hoje começou a preocupar-se como guardar tudo para si. Aumentou
expressa com as palavras «passará o céu e a terra». Tudo até os seus galpões para depositar a colheita. Ele pensou ser
passa e é relativo, mas as Palavras do Ressuscitado, do Vito- feliz possuindo muita coisa. Mas - conta Jesus - Deus falou:
rioso, não passarão: Nele já se realizou o Reino. «insensato», esta noite você vai morrer, você pensou só em si
mesmo, quem ficará com tudo que você guardou? E Jesus ter-
Corpo mina a sua comparação diz.endo: «Isto é o que acontece com
aqueles que juntam riquezas para si mesmos, mas não são ricos
1. Tudo na terra é passageiro diante de Deus» (Lc 12). Tudo passa, mas as palavras do
A pessoa humana é a primeira que pode estar consciente Ressuscitado não passarão. As riquezas da terra passam, a vida
de que tudo é passageiro. Ela percebe isto em pequenos e humana passa, os sistemas de convivência humana e dos go-
grandes fatos. Um aniversário: além de ser uma oportunidade vernos passam, o que fica é aquilo que é concretização da
de convidar amigos e conhecidos, e festejar alguém, não deixa Palavra.
de ter o sabor da velocidade com que os anos passam. A pessoa Conhecemos a célebre Palavra de Jesus: «onde dois ou três
humana nasce, cresce, amadurece, chega ao seu auge de vigor estão reunidos em meu nome, aí Eu mesmo estou no meio
e depois entra no decl!nio. Vem a aposentadoria, entra na ve- deles». Onde pessoas encontram-se na mentalidade de Jesus,
lhice e o fim é o mesmo para todos, a morte e o enterro. «ÜS que está a serviço dos seus, que lava os pés de seus discípulos,
dias acabam depressa, nós passamos», diz o salmista. aí Ele mesmo está.
1
500 501

~
Concretizando um pouco mais: onde há uma familia, na
qual o marido dedica-se à sua esposa, onde a esposa vive para Festa de···cristo Rei do Universo
o marido, e os dois, sendo pais, para os filhos, ai está presente
algo do Reino de Deus. · Pistas Exegéticas
Onde os operários se reúnem, por exemplo, no seu sindicato,
e vivem para defender uma existência humana digna para si e Primeira Leitura: Dn 7,13-14
para seus colegas, unindo-se, porque «a união faz a força», Dn 7,13-14 é texto messiânico para judeus e cristãos <modo suo>.
aí se realiza algo do Reino, da Palavra que não passa. O contexto encerra anúncio solene de futuro império, eterno e universal
Onde pessoas encontram-se em círculos bíblicos para re- (vv. 8.14.22.25). O cap. 7• abre a 2' parte do livro de Daniel, notável
pelas visões proféticas que, embora enquadradas na época babilônica,
fletir sobre os fatos acontecidos, perguntando-se o «por quê» insinuam fatos ligados à perseguição de Antioco Epifânio contra os
dos fatos, procurando as causas dos fatos, e colocando tudo isto judeus, colocando assim , o redator destas visões - atribuídas a Daniel
sob a luz da Palavra de Deus, aí está Jesus Ressuscitado no - na era macabaica (séc. II aC). As descrições apocalípticas, onde o
meio, como estava no meio dos discípulos de Emaús. plano histórico e escatológico se sobrepõem, tornam difícil a apreensão
do sentido bíblico. Figura aí a visão de 4 animais, símbolos de 4 reinos
«0 céu e a terra passarão, minhas palavras porém não que se opõem ao «reino dos santos», na qual assoma um personagem
passarão» indica-nos esta direção: a relatividade das coisas e estranho - o «A_ncião de muitos dias» ( =
Deus Pai) - presidin-
o valor definitivo da vivência da Palavra. do com espetaculãr séquito a um tribunal, onde os 4 animais ( = 4
impérios) são julgados e rebaixados.
Os vv. 13-14 contêm a visão do Filho do Homem, vindo sobre/com
Conclusão as nuvens, em contraste com os 4 animais surgidos do mar. O profeta
contempla «Um ser semelhante ao Filho do Homem» que se aproxima
Os eleitos serão reunidos, mas quando, ninguém sabe. do tribunal do Ancião, juiz eterno, sendo revestido de realeza uni-
versal. No caso de Cristo, ele era todo-poderoso desde sempre (Mt
Passa pela história uma força de união, de Juta por uma 28,18; lCor 15,25; Lc 10,22). Entretanto, o Pai o confirma na onipo-
vida mais humana para todos, contrá a mentalidade expressa tência, promulgando assim o Reino messiânico. Dn 7,14 imita o cabe-
na parábola do homem insensato, que juntava tudo para si, mas çalho dos editos dos reis babilônicos ( cf. 3,4.98), conotando a uni-
não se importava com a Palavra de Deus, que fala em repartir versalidade e eternidade do Reino messiânico (c!. Me 16,15) em opo-
os bens e que criou este mundo para todos. Esta força de união sição aos reinos terreno$.
A expressão «filho ao homem» seria mítica como a dos 4 animais?
pode ser reconhecida nas palavras deste Evangelho que nos diz Não é preciso recorrer ao mito do homem primordial, pois é elaboração
que o Filho do Homem vem das nuvens com grande poder e da literatura sapiencial.' Ocorre 116 vezes na Bíblia; em 30 lugares
glória, e reunirá os seus eleitos. O grande poder e glória é a refere-se a Jesus, ao passo que, nos 86 outros, exprime o «homem»,
sua presença de Ressuscitado, de Vitorioso. Sempre incentiva- especialmente em Ezequiel. Significa aqui alguém que pertence à espé-
cie humana e simboliza um novo reino, divino, que suplantará os 4
nos a viver a sabedoria de vida, que se dedica aos outros, e assim reinos, figurados pelos 4 animais, imp.gem do poder satânico. O titulo
realiza. algo do Reino de Deus. É Ele que nos reúne, os sens em si expressa a precariedade e pequenez humana diante de Deus
el'eitos. Numa pedagogia divina o Evangelho acrescenta que (Is 51,12; ]ó 25,6), a condição de pecador e de mortal (SI 14,2s;
ninguém sabe o quando, a data, o mês, o dia e a hora. É 88,48; 89,3), a distância de Deus. Não obstante, é rei da criação e
um incentivo para nós ficarmos de olhos abertos, de mãos la- Deus tem cuidado e amor por ele (Sl 106,8; 8,5), quer morar com ele
(Pr 8,31). A «Vinda s0bre/com as nuvens do céU> do Filho do Homem
boriosas, para sermos fiéis e eleitos, sempre construindo as é, por vezes, interpretada como alusão à sua origem divina: o Altíssimo
coisas do Reino, que são a concretização da Palavra que não (Ex 14,24; 16,10; Lv 16,2; Nm 9,15; 10,34; 11,25; Dt 31,15; Is 19,1;
passa. Ez 1,4). Os judeus chamavam o Messias de «Ananí» - «aque1e das
nuvens». Os atributos do Filho do Homem aqui sobrepujam aos do
Tiago van Winden, O.S.C. Messias, filho de Davi. O contexto o põe em relação com o mundo
Belém, PA divino, acentuando-lhe a transcendência. Por isso, a Patrística o iden-
tifica a Cristo. A realeza do Filho do Homem (vv. 18.22.27) está em
função do Povo de Deus, perseguido (v. 25) e vitorioso. Assim como
os animais podem simbolizar os chefes dos impérios, assim também o
Filho do Homem pode ser o cabeça do Povo de Deus.
A apocalíptica judaica (Parábolas de Eooc), posterior ao livro de
Daniel, retoma a expressão «Filho do Homem», aplicando-a a um indi-
502
503
viduo - um ser misterioso que aparecerá no fim dos tempos, glo- Is 55,4; Rm 1,7; Ap 3,14). Cristo cumpre fielmente' a missão que o
rioso, juiz universal, salvador e vingador dos justos. Atribuem-se-lhe Pai lhe designara. b) Primog2nito dos mortos (cf. CI' 1,18; !Cor 15,20;
traços do Messias real e do Servo de Javé (Is 42,1): origem divina, Rm 6,9). Com a sua ressurreição garante a nossa ressurreição. c) Prín-
impassibilidade. Dn 7 deixou vestígios no 4° livro de Esdras e nos cipe dos reis da te"a (cl. 19,16; Is 55,4; Dn 7,13-14). Recebeu do Pai
rabinos. A crença neste salvador celeste, prestes a se revelar, prepara o poder de reinar acima dos reis da terra. Veio implantar no mundo
o uso evangélico da expressão «Filho do J-Iomem»,
1
descartando con- o reino do seu Pai.
cepções terrenas e visando à transcendência. Entretanto, no contexto 3. Os vv. 5b-7 são ,uma espécie de aclamação ou memória da obra
«Filho do Homem» não é bem uma pessoa, mas uma coletividade, o da salvação bastante freqüente na literatura hebraica e cristã. Enaltece
reino dos santos do Altíssimo (v. 17), porque, se os 4 animais sim- o grande amor de Cristo pelos homens a tal ponto de ele derramar
bolizam 4 reinos, paralelamente o «Filho do Homem» deve ser uma
••, coletividade, - a comunidade teocrática dos tempos messiânicos. O
o próprio sangue, mediante o qual nos purificou dos' pecados (e!. lJo
1,7; jo 1,29-36; 01 3,13). Salvou-nos dos pecados não só negativamente,
i que não proíbe que, em 29 plano e em sentido pleno, tal comunidade mas fazendo-nos participar das suas prerrogativas:: fez de nós um
esteja representada por seu chefe - o Messias. De fato, Cristo se reino de sacerdotes de Deus, seu Pai (]o 20,17); realizou as aspirações
apropriou do título em sua pregação, aludindo à sua aparição miste- messiânicas do seu povo. Aqui (vv. 6-7) aparece uma breve doxologia
riosa sobre as nuvens. Jesus empresta-lhe um cônteúdo novo: o «Filho muito comum no NT (Rm 16,25-27; E! 3,20-21; Ap 19,1-7).
do Homem» realizará em sua vida terrena a missão do Servo de Javé 4. O v. 7 é o anúnC:io dum juízo universal. Tal imagem, sem dúvida,
(Is 53), humilhado e posto à morte para, afinal, ser glorificado e provém do AT tirada sobretudo de Dn 7,13ss e Zc 12,10-12 e se encon-
salvar o mundo. tra também no NT (cf. Mt 24,30). O Filho do homem no seu aspecto
Como o termo «Messias» conotava perspectivas temporais, jesus, glorioso virá para julgar os impérios e os poderes terrenos idólatras.
para definir sua carreira, prefere chamar-se «Filho do Homem», não O Ap focaliza especificamente o império romano como opressor da
J;!scondendo certos privilégios: perdoar pecados, senhor do sábado, Igreja nascente. jesus vinga o seu povo pela :vUória sobre os pagãos
anunciar. a Palavra, julgar o mundo, ser glorificado após sofrer muito, e os maus. Eis· a grande consolação para o novo povo de Deus, a
alimentar os homens com seu corpo e sangue (Jo 6,27.53). Fora dos Igreja, bastante perseguida. «:Ver:i> aqui significa ter fé na ressurreição e
Evangelhos, o titulo quase não aparece, a não ser na visão de Estêvão senhorio de Cristo convertendo-se para ele.
(At 7,55s), em Hb 2,5-9 e no Apocalipse (1,12-16; 14,14ss). São Paulo ·Dá ênfase a esta cena escatológica e à certeza de sua realização
talvez aluda a isso, quando fala do «novo Adã9». A carta aos Hebreus a dupla afirmação solene: Amém (Sim). A primeira da parte de Deus
vê em jesus o «Homem». A reflexão cristã aproxima o «filho de Adão» (v. 6) e a segunda manifestando a confiança dos fiéis (v. 7).
dos Salmos com o «filho do homem» dos apocalipses e o «novo Adão» 5. O v. 8 designa a afirmação dos atributos de Deus. Alfa e ómega
de São Paulo. Como «filho de Adão» assumiu nossa fraqueza e sofri- (Vulg.: começo e fim) são a primeira e a última letra do alfabeto
mento; como «Filho do Homem», de origem divina e futuro juiz, por grego; querem dizer Deus com o Cristo (22,13) causa e finalidade do
sua paixão e morte chegou à glória da ressurreição, qual «novo Adã0», cosmos, da criação, do· universo. Não há Deus fora· dele. «Ele é, ele
pai da humanidade redimida. No juízo haverá _.surpresa: já o tínhamos era, ele vem» - faz-nos lembrar esta expressão Ex 3,14; um Deus pre-
conhecido misteriosamente oculto em nossos irmãos necessitados (Mt sente em todo o tempo; Deus que acompanha a história, está na
25,31ss). história e levará a história à sua plenitude escatológica. «:Todo-Poderoso»
(pantocrator) refere-se explicitamente a Deus, Pai. O Pai é o Senhor
L é o n. D u f ou r, X., "Filho do Hoinem", em Vocab. de Teol.
Bibliografia:
Bíblica, Vozes, Petrópolis 1978; T r o n eh o n, La S. Bible - Les prophftes, da história.
Paris 1901; O ar e l a e o r d e r o, M.. Biblia comentada, III, BAC, hladrid
1961; R 1 n a 1 d
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Dia z, J. A., La S. Escritura, AT, VI, BAC, Madrid 1971; P l r o t • C 1 ame r, 7, Vozes, Petrópo11s 1970; l_; astro, J. J. P.1 O..F.!'1., A Santa B1bl1a, Agi~,
La S. Bible, VII, Paris 1952. Rio de Janeiro 1956; Vários. Introdução a B1blza, V/2, Vozes, Petrópolis
P. Matheus F. Giuliani, S.A.C. 1969; piro t. C J ame r, La Salnie Bible, t. xn, Letouzey -et Ané, Paris 1951.
Santa Maria, RS
Constantino Bombo, O.F.M.Cap.
Segunda Leitura: Ap 1,5-8 Piracicaba, SP

«EU sou o Alfa e o ómega~


Terceira Leitura: Jo 18,33b·37
1. Esta pericope serve muito bem para a festa de hoje, porque estã
centrada toda ela na pessoa de Cristo e sintetiza toda a vida e obra 1. Contexto
de Cristo. Pode-se dizer que é uma síntese de cristologia. Ela faz J
parte da dedicação e da saudação epistolar que o autor do Apocalipse O evangelho de hoje faz parte da narração da Paixão de Nosso
introduz na sua obra. Introduz uma doxologia a Cristo redentor; fala Senhor segundo João. Comparado com os Sinóticos, Jo resume o interro-
duma vinda escatológica e declara que Deus é' o princípio e o fim de gatório de jesus perante os judeus a tal ponto, que já não sobra
tudo. nenhuma condenação d~ Jesus. Isto tem um sentido teológico: o ju-
2. Jesus Cristo é apresentado com três títulos messiânicos qµe daísmo não tem o que~ condenar em jesus. Em compensação, ]o elabo-
encerram toda a sua vida e missão: a) testemunha fiel (cf. SI 88,38; ra muito mais que os 1 Sínóticos o interrogatório perante Pilatos. Fiel

504 505
~ sua linha fundamental, transforma o dado tradicional desta narra- de verdade aparece na: esti:utura do «dualismo ético)!) de Jo, a luta
tiva em um.a revelação da glória de jesus Cristo. jesus entra como entre a verdade ': a m~ntira. Quem faz a verdade, é livre (8,31).
réu, mas sat como rei. Quem age por ódio, é filho da mentira (8,44). Para saber o que é
a verdade, podemos ver o que é a mentira, segundo jo. Conforme
2. Exegese de /o 18,33-37 Jjo 2,4; 4,,20, é não observar o mandamento do amor; conforme tJo
" l,21s.27 (e 5,10): não acreditar em jesus Cristo. Podemos dizer que
«És o rei dos judeus?» (v. 33). Esta pergunta vem como uma a verdade é a revelação do amor de Deus em jesus Cristo tendo como
sur~resa, poi.s Jo, _havendo eliminado boa parte do processo perante conseqüência que se deve «praticar a verdade» (jo 3,21.' Jjo 1 6· cf.
os Judeus, ainda nao mencionara a presumida ambição messiânica de ljo 3,18). ' ' '
jesus, que provocou a indignação do Sumo Sacerdote (e!. Me 14,60-64
e par.). Em jo, os judeus entregam jesus a Pilatos sem poderem
f! reinar de jesus consiste em dar testemunho da verdade (e!. a
J• leitura, Ap l,5ss, onde jesus é chamado «testemunha fiel» isto é
formular urna acusação específica. Só dizem que não o teriam entregue
se n~o fos~e malfeitor (v. 30). Portanto, a pergunta de Pilatos: dls
verídica). Seu testemunho (assim como a própria verdade)' não é:
porém, algo meramente teórico. É a própria doação de sua vida.
o rei dos 1udeus?»- soa, em Jo, como se ele mesmo tivesse inventado Nesta doação, ele mostra em que consiste «o que é verdadeiro» a
este título para 'jesus. Dai a réplica de jesus: «Falas assim por ti saber: o amor do Pai para nós, Deus mesmo, que é «VerdadeÍro»
mesmo?» ~v. 34). Pilatos responde, com distância, que ele está por (3,33; 8,26).
fora: E diante do fato de que, em 19,19-22, Pilatos quer manter A verdade, em ]o, estã intimamente ligada com a revelação do
ob~t1nadamente o· título de «rei dos judeus» para jesus, podemos sus- ser de Deus, que é arriar. É significativo que as primeiras vezes que
peitar que, .tanto em 19,19ss como em 18,33s, o uso deste titulo por Jo fala em «verdade», ~le o faz dentro do binômio «graça e verdade»
p~rte de Ptlatos perte~ça . ao pr_ocedimento literário, caro a Jo, que (Jo 1,14.17; e!. Ex 34,5'6). A verdade é a realidade de Deus e a vida
f?I cham.ado .de «profecia tnconsctente». De fato, Pilatos não fala por que Ele nos dá. Admitimos que, em Jo, aparecem também outros sen-
si; ele e veiculo de uma verdade que - ele mesmo desconhece como tidos do termo «Verdade», por exemplo, veracidade -de um fato. Mas
também Caifás em Jo 11,49ss. Por isto, Pi1atos não poderia d~r uma no texto que nos ocupa, parece que se trata deste sentido especifico
resposta adequada à pergunta de jesus. que acabamos de evocar. Poderíamos dizer que, na hora da consuma-
. Jes~s, porém, responde ainda à anterior pergunta de Pilatos: «Meu ção, também o programa do Prólogo, revelar a «graça e verdade», é
reino nao é deste mundo» (v. 36). Com estas palavras, Jesus se dis- levado a termo, na doação da vida de Jesus Cristo. Jo evita o termo
tan_cia, ~!l apenas das expectativas messiânicas judaicas (mesmo as tradicional «Reino de Deus». Só o utiliza no diálogo de jesus com
mais espir1tuahzadas), mas de qualquer messianismo mundano. O caráter Nicodemos (3,3.5). Baseando-nos em 18,33ss, poderiamos chamar o reino
não-mundano de seu messianismo explica por que seus «súditos» (dife- de jesus «Reino da Verdade», ou seja, o âmbito em que Deus realiza
rentemente dos dos sumos sacerdotes em 18,3) não combatem. Parece- seu amor e os homens• observam seu mandamento de amor, dado, em
nos que esta frase tinha um tom de atuaJidade no fim do 1° século palavras e ato, por sua <testemunha», jesus.
época da redação do Quarto Evangelho: os cristãos estavam send~ Que o Reino de Cristo não é deste mundo, parece incluir tudo
acusados, pelo.s judeus, de terem sabotado, por sua não participação, isto. Este Reino não é daqui, não é «de baixo», mas cde cima» (cf.
a revo1ta judaica dos anos 65-70. Contudo, as palavras de Jesus servem 3,31-36). Não é compreensível a partir da maneira humana de reinar
sobretudo para indicar a natureza do Reino de jesus Cristo (tema da (pela força), mas a partir do modo de Deus (pelo 'amor até o fim).
liturgia do presente domingo). Para chegar a isto serve um pequeno A morte de Jesus é á. revelação mais intensa deste reino, supremo
diálogo, bastante enigmático: ' testemunho da Verdade. : Não sem razão, na véspera da crucifixão, Jesus
«Tu o dizes, eu sou rei» (v. 37). Não fica claro se jesus quer disse: «Eu sou a Verdade» (14,10):
colocar a expressão «:rei» na conta de Pilatos («tu o dizes») ou Mas esta Verdade, além de ser um fato (vida e morte de jesus),
endossa para si mesmo o que o administrador romano acaba de dizer. torna-se - na comunidade da fé - uma mensagem, uma palavra,
Seja como for, Pilatos disse algo que não poderia ter dito, já que a «VOZ» do Senhor glorioso. Quem é «da Verdade» (e quem quereria
para ele só o César de Roma pode ser «rei». Até os sumos sacerdotes não o ser?) escuta esta voz, isto é, crê ~m jesus Cristo (v. 37).
sacrificando suas e~peranças messiânicas nacionais, reconhecerão qu~ Podemos concluir que, para João, o Reinado de Cristo, a Verdade
só ~ .Césa! é seu rei! (19,15). O que Pilatos, o perfeito cético (v. 381), como revelação e comunicação do Deus-Amor e a rnàrte por amor até
admitia ainda como pergunta, os próprios chefes judaicos rejeitam: ? fi~ estão intimamente ligados. Trata-se de um reino escatológico,
não pode haver um outro rei que o imperador romano. E, no nível em isto e, pertencente a Deus. Mas para jo a escatologia já começou.
9ue eles se colocam, no nível cdeste mundo», eles acertaram, pois o Nós realizamos este reino escatológico à medida quê: 1) aceitamos
Jmperador romano era dono incontestado de todo o mundo conhecido jesus como rumo de nossa vida; 2) aceitamos a visão que e1e nos
(quase ... ). dá do Pai; 3) praticamos seu mand~mento de amor. O que fizermos
Qual é então o sentido, desconhecido por Pilatos e mais ainda fora desta linha não é instaurar o Reino da Testemunha da Verdade.
pelos judeus, que Jesus dá ao seu «reino»? «Nasci e vim ao mundo Caberia aqui uma reflexão sobre a tendêntia, tão velha como a
para dar testem'!nho du verdade» (v. 37). A e autoridade de jesus se lgreja, de interpretar a mensagem de Cristo numa maneira comple-
exerce no domfn10 da verdade. Af estão seus «súdito~. Para saber o tamente imanente, mundana e humana (por exemplo, como se esgotando
que é a verdade, devemos olhar para o cap. 8 de jo. Ali, o conceito no aperfeiçoamento da sociedade humana). Parece-nos que o evangelho

506 507
de hoje contradiz tal interpretação. Embora jo seja o evangelho da é diferente cjo Reino de César. E anunciar um reino que não
«escatologia presente», ele não reduz o escatológico (o que vem de o de César era, naquele tempo, o mesmo que anunciar, hoje,
Deus) ao que nós estamos fazendo. Há uma descontinuidade entre
nosso fazer imanente e a irrupção do divino em Jesus Cristo. Devemos um regime social que não este que está aí! Mas o Reino que
respeitar esta descontinuidade. Talvez isto signifique o seguinte: o amor Jesus anuncia <mão é deste mundo», ou seja, é qualitativamente
que nós queremos praticar, entre outras coisas, pela construção de diferente de tudo que conhecemos neste mundo. E um Reino
uma nova sociedade, não nos pertence, mas é «reino não deste mundo». que se inicia aqui, que já está presente entre nós, mas que não_
Nós mesmos não mais nos pertencemos no Reino que vem de Deus.
Não estamos transformando este mundo para a nossa satisfação, nem se esgota em nosso processo histórico - ele culmina quando
para a realização· da utopia que nós sonhamos, mas porque a trans- Deus for tudo em todos. No entanto, somos chamados a cons-
formação deste mundo e de muitas outras coisas - em primeiro lugar truir esse Reino e essa tarefa exige de nós paciência e humil-
o nosso próprio coração - é mediação indispensável para encarnar o
Reino que não é deste mundo, mas nele se revela; para dar um sinal
dade. Paciência, por sabermos que o Reino tem como mediação
do Reino do amor que vem de Deus. histórica os diversos regimes sociais em formas sempre mais
socializantes e participatórias. Portanto, a luta pela libertação
3. Função na liturgia do dia dos oprimidos, pela construção de uma nova sociedade baseada
j A lesta de Cristo Rei, antigamente (embora seja bastante nova),
era facilmente entendida num sentido triunfaJiSta. Recordo os desfiles
na partilha comunitária dos bens, é exigência fundamental do
Reino. Por sua vez, humildade na medida em que o Reino é
da Ação Católica especializada - e uniformizada. . . Ora, o triunfalismo dom do Pai, é algo que Ele tem preparado para nós e que
é .uma indevida ~tecipação materializante do 1 Reino transcendente. O
'Í Reino de Deus age neste mundo-J mas não Jhe pertence e, antes, está compfetará todos os nossos esforços. Eis ai a relação intrínseca
l
em tensão dialética com ele. O evangelho ·de !Dexpressa claramente o ao amor: nós nos damos ao projeto do Pai e Ele se dá à nossa
caráter transcendente e não-mundano do Reino de Cristo. Mostra tam- esperança em Sua promessa.
bém que dele participamos, não por _um ati~ismo «convencido», mas
por obediência à sua palavra, !alada na hora ;da Cruz. 2. O futuro é a nossa esperança
Johan Konings
Porto Alegre, RS Jesus foi condenado por anunciar uma ordem diferente da-
quela em que ele vivia: o Reino de Deus. Hoje, seu testemunho
Sugestões para a Homilia se repete: muitos são condenados por anunciar a esperança de
libertação do povo. Todo poder que se impõe ao povo teme
Introdução o )uturo e as promessas que se situam no futuro. Busca-se,
A comuniáade das pessoas que tênj fé em Jesus Cristo mesmo à custa das armas, perpetuar o presente. No entanto, a
comemora, hoje, a festa de Cristo Rei. Para nós, Cristo é o história é irreversível e sua marcha não pode ser paralisada por
único Senhor. Assim, os cristãos se recusam a absolutizar qual- fuzis e baionetas.
quer estrutura de poder, qualquer regime P.olitico, qualquer auto- A Igreja, ao considerar-se ·«peregrina», não quer dizer com
ridade pública. O Evangelho nos ensina ·a relativizar a ordem isto um descomprometimento com as coisas que se passam a
social em que vivemos e a desconfiar dos '.poderosos mais preo- sua volta. Pelo contrário, é na medida em que ela assume,
cupados com seu prestígio que com o bem-estar do povo. Jesus, junto com o povo, a busca da justiça, enfrentando as forças
ao afirmar diante de Pilatos que sua palavra é a verdade, revela de' injustiça que querem perpetuar o presente, é nessa medida
a mentira da ppsição de Pilatos e do reg'jme que ele represen- que ela desentrava o seu passo e prossegue na direção das pro-
ta - o imperialismo romano que ocupav~ a Palestina. A ver- messas do Pai. Portanto, seu anúncio da libertação integral
dade é sempre servidora, nunca autoritária. (Puebla) é uma exigência mesma de sua indole peregrina e de
Corpo " sua esperança de atingir a morada do Pai, onde não haverá
opressores e oprimidos, senhores e servos, ricos e pobres, mas
1. O Reino de jesus: projeto do Pai, esperança dos homens todos viverão como irmãos.
Cristo é rei mas não à semelhança çlos reis deste mundo, Esta é a realeza de Cristo: o serviço libertador em busca
que se cobrem de glórias e riquezas. O Reino que Jesus anuncia de uma nova ordem social justa e fraterna. Em principio, essa

508 509
deveria ser a missão de toda autoridade e o projeto de lodo Principais Festas e Solenidades
poder.
Mas sabemos o quanto o pecado pessoal se fez pecado so- . Durante o Ano
eia!, impregnando as criaturas de nossa sociedade e propician- A.presentação do Senhor
do a inversão da natureza do poder e do caráter da autoridade.
( 2 de fevereiro)
3. O Reino estd além e não acima
Pistas Exegéticas
«O meu Reino não é deste mundo» - diz o Senhor. ·A
expressão Reino dos Céus, utifizada por São Mateus, criou em Prlmelra Leitura: MI 3,1·4
nossa cabeça uma imagem espacial do Reino, como se ele fosse
alguma coisa «lá em cima», sobre as nuvens. Ora, toda a reve- «Eis que vou enviar o meu mensageiro para que
lação divina dá-se na história. A própria criação é um processo prepare um caminho diante de mim».
histórico, «·em sete dias», e não um ato instantâneo como ocorre O nosso texto faz parte da seção 2~17-3,5 correspondente ao quarto
com os deuses pagãos. Assim, ao inserir-se em nossa história, oráculo .poético do livro de Malaquias.
assumindo a condição humana em Jesus de Nazaré, Deus nos Este escrito anônimo foi atribuído a Malaquias porque o termo
hebraico mal'aki (= meu mensageiro: MI 3,1) acabou sendo confundido
mostrou que seu Reino não é deste mundo marcado de injustiça, com um nome próprio (Malaquias).
carência, opressão, sofrimento. Seu Reino situa-se numa outra Portanto, o título que- aparece em MI 1,1 foi acrescentado ~ais
realidade à qual se chega através da história e que se prolonga tarde. Originariamente, estes oráculos faziam parte da obra de Zacarias,
além da história. Não sabemos como isso ocorrerá, n.as sabe- tendo sido dela separados para arredondar o número dos profetas
mos, pela fé, que não haverá mais nenhuma injustiça e nenhuma menores: doze.
Estes poemas foram escritos por volta de 460 a.e .• quando a situa-
dor e que todos viverão na plenitude do amor. ção dos judeus era bastante difícil (para a história desta época, cf. o
comentário à 1" leitura do 33P domingo, Ano C).
Malaquias está desgostoso com a situação: apesar de Javé ter
Conclusão dado provas concretas e suficientes de que ama o seu povo (MI 1,2-5),
os sacerdotes de Jerusalém desprezam-no.
Portanto, reafirmar Cristo conio o nosso rei é empenhar-se Como? Oferecendo-lhe sacrifícios indignos e impuros ao tomar do
na busca incessante dessa realidade nova. É modificar as con- rebanho só o restolho; não cumprindo seus deveres e obrigações, mas
dições históricas em que vivemos e fazer o povo caminhar rumo competindo eternamente entre si; permitindo casamentos com estrangei-
ras, o que ameaça a unidade da comunidade.
a uma sociedade mais justa. Caso contrário, estaremos n<!gando Por outro lado, há acusâções de alguns de· que os ímpios prospe-
a realeza de Cristo e aceitando, como reis e senhores absolutos ram enquanto os justos sofrem: e onde está Javé que prometia a retri-
da verdade, os poderosos deste mundo que separam, em dife- buição (terrena) para quem observasse seus preceitos (MI 2,17)?
rentes classes sociais, os mesmos filhos de Deus, de tal modo O profeta responde: chegará um dia quando Javé intervirá pes-
soalmente para colocar as coisas no seu devido lugar.
que «as riquezas de uns poucos se1am às custas da pobreza de Só que antes disso virá um precursor: «meu mensageiro», mal'aki
muitos» (João Paulo II, no México). ou «o mensageiro da aliança», mafak habberit, para preparar o caminho
do Senhor, ha'adon (3,1).
Frei Betto Não se sabe se o texto está falando de um ou mais precursores,
Belo Horizonte, MO ou se as três expressões indicam, de maneira diferente, o mesmo Javé.
De qualquer modo, um acréscimo posterior feito ao livro identifica o
precursor com Elias (MI 3,23) e os evangelhos reconhecem-no em João
Batista (Me 1,2b; Mt 11,10). '
O texto descreve este dia na Jinguagem das grandes intervenções
de Javé na história de Israel: ele será como o fogo do ourives e como
a potassa das lavadeiras (3,2).
Javé manifestar-se-á no Tempo e, em primeiro lugar, purificará
os sacerdotes (os filhos de Levi) como são purificados o ouro e a prata
(3.3): só assim os sacrifícios serão novamente aceitos por Javé, como

510 511
nos tempos antigos (3,4). homens. O que mais escraviza o homem é a certeza de um fim tenebroso
O v. 5 conclui o poema, no melhor estilo profético, condenando os e absoluto. O significado Jibertador da morte de Cristo corta, pois, pela
males sociais. raiz o absurdo mais angustiante da existência humana: a __ morte sem
Bibliografia: C. S tu h 1mue11 e r, lifalachi, ln AA.VV., The ]trome Bibllcal esperan~a. O melhor antidoto contr~ o desesper? é a certeza de que
Commentary, New Jersey 1968; j. S te 1 n ma n n, O livro da consolação de Israel r Deus nao abandonou o homem. Cnsto, com efetfo, cestendéu a mão»
os profetas da volta do exilio, São Paulo 1916; E. Testa, Prrodo della restanrazione,
ln AA.VV., ll Ml•ssaggio della Salvezza JIJ, Torlno 1971. 3 (v. 16} tornando-se solidário com a «descendência de Abraão», isto é,
com todos os que crêem.
Airton José da Silva Os vv. 17-18 concluem a reflexão sobre o sentido da encarnação
Ribeirão Preto, SP e da morte redentora de Cristo, e introduzem o tema principaJ da epís-
tola que é a reflexão sobre o sacerdócio de Cristo-: O Filho torna-se
Segunda Leitura: Ub 2,14-18
semelhante a~s homens para expiar como sumo sacerdote os pecados
do po_yo, a fim de que, sofrendo e sendo tentado, pudesse ajudar os
que sao provados pelas tentações. O autor qualifica Jesus corno «Sumo

«Tornou-se em tudo semelhante a seus irmãos». sacerdote misericordioso ~ fie]». O termo «misericordioso» caracteriza
Após mostrar a superioridade de jesus Cristo, Filho de Deus, sobre como vimos, a missão do FiJho em relação aos homens. O termo «fiel;
os anjos (1,5-14) e exortar os leitores à fidelidade (2,1-4), o autor sublinha a maneira como jesus· cumprir a missão que Deus Jhe confiou
conclui a primeira parte da epistola apresentando Cristo como irmão explicada na parte seguinte da epístola (3,1 - 4,13). Com o título· «sum~
sa~erdote» (cf. 3,1; 4,14-5,10; 7,1-7,18) o autor relaciona o sentido da
e salvador dos homens (2,5-18). Nesta última secção procura mostrar açao redentora .de Cristo com a história salvífica do AT.
que o caminho da glória para Cristo é o da humilhação. Estas reflexões da epistola aos Hebreus iluminam o sentido mais
Enquanto Filho de Deus, Jesus é superior aos anjos. Mas Deu~ o profundo da Festa que hoje celebramos. Já o nome recebido na circun-
fez temporariamente «um pouco menor do que os anjos», não para cisão e o sangue então derramado (Lc 2,21), apontam para: a missão
diminuí-lo mas para «coroá-lo de glória e honra» no mame. to prec,iso salvadora de Jesus. Ela é anunciada com alegria por Simeão e Ana no
em que sofreria a morte por todos (v. 9). Para «levar muit1 s filhos à evangelho (Lc 2,22-40), pois pela circuncisão Jesus se tornou solidário
glória» (V. 10) Deus fez seu Filho «irmão» dos homens (v. 12>, solidário ~om os judeus para . salvá-los. Esta alegria é tanto maior porque Jesus
com os demais filhos de Deus (v. 13): «Eis-me aqui, eu e os filhos que e o Salvador nao so para os judeus, mas para «todos os povos» (Lc
Deus me deu» (Is 8,18). Esse processo da salvação depende de Deus (v. 2,31),. p~ra toda <a descendência de Abraão> (Hb 2,16), que são também
4.!0s), pressupõe a igualdade do salvador com os redemidos (v. 11-14.17) os cr1staos.
e inclui_ a libertação dos poderes do Maligno (v. 15-18).
No texto que hoje lemos (Hb 2,14-18) o autor quer explicar Bibllografia: A. V a n b o y e, La structure litfiraire de l'épitre aux Jfébreux Des·
melhor o sentido da humilhante morte de Jesus, mencionada no v. 9, 'clêe de Brouwer, 2' edição, 1976; O. W. B u eh a n a n, To the Hebrews Trans'latlon
e à luz da citação de Is 8,18 (v. 13), tirar a conclusão teológica: Deus omment and Concluslons (AB 36), .New York 1976; o. M 1 eh e) Der Brief
dle H~hriier 1.Aleyers Kommentar XIII), Güttingen 1975; A. S t robe 1, Der Brief
an
nos quis «filhos» no Filho e «irmãos» de Cristo; por isso torno.u-o anRdoo""NTHe brüer (NTD 9), Gõttingen 1975; o. K u s s, Der Brief and · die Hebrüer
solidário conosco também na morte. Cristo assumiu o «sangue e. a 1 8/1), Regensburg 1966.
carne» daqueles que teria de ajudar «para destruir pela morte Q demônio
que tinha o império da morte» (v. 14). A expressão «carne e sangue» L. Garmus, O.F .M.
indica o ser humano (Ef 6,12; Jo 1,1.3). Aqui ela é invertida «sangue Petrópolis, RJ
e carne», para insistir na significação .teológica do «sangue» como sede
da vida e na sua capacidade de expiar; sugere-se assim a morte de Terceira Leitura: Lc 2,22-40
Cristo por derramamento de sangue. Pela morte expiadora Cristo devia
vencer o demônio que domina sobre a morte. De fato, segundo a Ver A Mesa da Palavra, Ano B, p. 53-55.
concepção rabínica o Anjo da Morte,·. identificado com Satã, e quem
espalha a morte (e!. 1Cor 5,5; 10,10). Mas por outro lado a morte
resulta do pecado (cf. Rm 6,23i !Cor 15,56). Por isso a encarnação do Te~a principal
Filho tem um sentido .duplo: vencer o demônio, o seu poder sobre a
morte e o pecado, e salvar o homem.
A salvação trazida pela morte de Cristo modifica fundamentalmente Na Apresentação nos é apresentado o Sacramento
a situação humana (v. 15): o homem é Jibei:tado da escravidão. do da presença de Deus entre os homens.
pecado ··e da morte. O israelita imagina o pecado como uma dívida
diante de Deus, que é o credor. A incapacidade de saldar as ,dividas
materiais tornava o israelita escravo do seu credor até pagar a dívida Sugestões para a homilia
ou até que viesse o ano sabático e a cancelasse. Da mesma forma o
pecado do ímpio causa a escravidão e a morte (Sb 1,15). É dessa Só muito lentamente o homem realiza a unidade das repre-
escravidão e morte provocadas pelo pecado que Cristo veio resgatar os sentações que se forma de si mesmo, do mundo de Deus. Elas

512 513
não só se-lhe-apresentam exteriores umas às outras, como opos- como o lugar da habitação e da presença, mas já reduzido em sua
tas .e aparentemente irredutíveis, o que faz com que as suas importância pela descrição de Maria como a Arca da Nova
opções lhe apareçam excludentes umas das outras: ou Deus, Aliança (Lc 1,39-56). Esta relativização somente aumenta com
ou o mundo; ou a sua subjetividade ou a objetividade da salva- a presença de Jesus em seu recinto: com efeito, todo o tecido
ção. No que concerne a Deus, este lhe aparece como o Absolu- da cena inverte a relação sacral e as profecias de Simeão e de
': tamente Outro que, na sua consciência e na sua vida, desde Ana deslocam a atenção para a criança, preparando o reconhe-
formas obscuras até teologias e metafísicas as mais elaboradas, cimento nela do Sacramento da presença de Deus entre os
é absolutamente transcendente, ao menos no sentido de se apre- homens.
sentar como inacessível. A expressão mais elementar desta cons- A Apresentação tem, em verdade, o alcance de uma Epifa-
ciência é a que o tem em conta de exterior ao homem, quer o nia. A prescrição, cuja observância se mtenciona, é supressa
divise imerso na natureza, quer o vislumbre para além desta. pela eclosão de um evento novo, a presença daquele que é a
Exterior, ele aparece estranho e por vezes hostil. salvação concreta e substantiva do povo, o «Sotérion», que se
A Apresentação de Jesus no Templo é, como evento, um torna revelação para as gentes e glória de Israel, o que confere
momento decisivo para a história das relações do homem com a seu título de «Messias do Senhor» uma aura divina. A epifania
Deus. Na sua exterioridade, ela consiste na observância de um é uma teofania: Jesus não comparece, propriamente, à presença
rito que, como tal, se radicava na consciência que o homem de Deus: Ele o torna presente e esta presença torna efetivo o
formava de si mesmo como um ente dependente. Dependente de «Dia de Javé», desvelando os propósitos do homem, sendo para
Deus, mesmo quando a concepção deste é liberada de sua soli- eles um sinal de discernimento e contradição e perpassando de
dariedade com a natureza fecunda e hostil, o homem se concebe lado a lado a alma da Filha de Sião. Todavia, trata-se antes
devedor em relação a este. Ele lhe deve as primícias de tudo o de tudo de tornar efetiva a libertação, a «lytrosis», o resgate do
que possui; deve-lhe igualmente as primícias de seu próprio povo: é o que explicita a profecia de Ana. Com isto, a inversão
ser, o seu primogênito. As tribos que constituíam o povo da se completa: Jesus comparecera à presença de Deus e o tornara
Antiga Aliança conheceram também esta tradição; também elas presente; prescrevia-se o seu resgate e quem é resgatado é Israel.
principiaram por dedicar a seu Deus o primogênito materno. Assim sendo, é toda a concepção das relações entre o divino
Todavia, a sua história teve a peculiaridade de alcançar um e o humano que se supera; não é o primogênito que se resgata,
segundo momento com a consagração de toda uma tribo, a de mas Ele é quem resgata, isto é, quem liberta o seu povo;
Levi, ao serviço do Senhor. Desde então, é lícito a cada família em Lucas, a representação mais primitiva do resgate se dissolve,
resgatar o seu primogênito (cf. Nm 3,51; 8,16). E a este título, já que a «lytrosis» é confiada ao Messias que o próprio Javé
que, aparentemente, os pais de Jesus comparecem ao Templo. f suscita. Nele se desvela, em forma nova e mais verdadeira, o
Após a sua circuncisão, iniciação comum, cabia o seu resgate.
Este, todavia, não ocorre; a oblação feita é apenas a que era l
";!
exato teor da relação que Deus intenciona travar com o homem:
ele não lhes pede a oblação dos primogênitos, mas oferece-lhes
devida pela mãe. o seu Primogênito para, da força deste dom infinito, suscitar o
Jesus não é resgatado. Segundo os termos expressos de nascimento novo de todo o homem. Toda a relação de troca
Lucas, ele é levado à presença de Deus, apresentado. Ora, não se suprime; em contrapartida, por ser o Messias o dom de Deus
era ele sacerdote nem levita. Nada no Novo Testamento o ao homem, nele se estabelece uma relação interpessoal aberta na
sugere, nem mesmo o parentesco de Maria com Elizabeth, por qual o homem se liberta na precisa medida em que descobre-
mais próximo, justifica a hipótese de sua ascendência sacerdotal. em Deus a sua plenitude, não uma plenitude exterior na qual se
E, portanto, necessário, procurar o significado preciso da Apre- dissolva, mas Aquele Outro Absoluto à luz do qual ele é ele
sentação, mesmo porque esta não se faz com a mediação do próprio plenamente.
sacerdócio levítico. Ao contrário, este desaparece da cena como Tudo isto, a Teologia de Lucas deixa inscrito na visão \lo
se não lhe coubesse mais qualquer função: a irrupção profética Cristo infante que se apresenta. Luz e glória, o Messias trans-
que envolve a criança e a evidência desta o ofuscam. Ele é cende toda a distância, transcende a própria transcendência e
excluído da cena como se a sua missão se houvesse cumprido desvela a totalidade do humano como o lugar da presença. Mas
e esgotado mediante os ofícios de Zacarias. Resta o Templo o momento simbólico da apresentação não é ainda o da completa

514 515
realização de tudo. Por isso, tudo permanece accessivel apenas
à perspicácia profética. A edificação da humanidade em novo São José, Esposo da Virgem Maria
Templo exige que o itinerário do Messias seja o itinerário total (19 de março)
do homem e este tem na Páscoa a sua determinação decisiva.
Todavia, uma vez celebrada entre o Cenáculo e o Calvário, ela Pistas Exegéticas
reconduz o Messias ao Templo, para que este, que foi o marco
inaugural de sua passagem, seja igualmente o derradeiro mo- Primeira Leitura (veja o Quarto Domingo do
mento do ser exterior de toda a Igreja e do homem todo. Advento do Ano B, p. 34·35).
1 A celebração da Apresentação do Senhor é atual também
~ a.
" ,,. para o homem de hoje: também este deve libertar-se de toda
í a relação de troca com Deus, já que se inscreve em toda a Segunda leitura: Rm 4,13.16-18.22
'
relação de dependência. Também ele deve elevar-se à relação «Ele, contra toda esperança, acreditou na esperança».
pessoal e eclesial com o Outro Absoluto, para nele dissolver
toda a alienação e encontrar a sua verdadeira identidade. O protótipo dos justos do Antigo Testamento, Abraão, é· coJocado
i. pe1a liturgia como tipo de homem justo do Novo Testamento, José;
Benjamin de Souza, O.S.B. d~sse modo, refletir sobre as maravilhas que Deus fez em Abraão é
São Paulo, SP ·perceber a confiança de josé no Deus que realiza maravilhas e para
quem nada é impossível.
Alguns textos do Antigo Testamento (Gn 26,5; Eclo 44,20-23)


faziam crer que a justiça atribuída a Abraão fosse fruto de uma lei
observada por ele, mas de fato Gn 15,6 não lembra Abraão por sua
fidelidade à observância de urna aliança feita com Deus, o que para
Paulo será a lei de Moisés (cf. ~OI 3,15-20), mas por ter acreditado na
promessa cuja rea1ização dependia exclusivamente de Deus que tomou
a iniciativa.
Para os judeus, o que realmente constituía o povo de Deus era a
lei mosaica, e os gentios deveriam se submeter à lei para participar da
Promessa. O A\essias manteria o regime da lei e o estenderia aos
gentios. Para Paulo o oposto é que é verdadeiro, não era preciso se
submeter à lei, instituição posterior, secundária e provisória cujo objetivo
era proteger externamente a transmissão da Promessa, mas que, por
causa da concupiscência se tornou ocasião de transgressões e instrumento
de pecado. Assim o caráter universal e espiritual da paternidade de
Abraão resulta do fato que na Promessa a lei não entrou, nem a lei
mosaica da circuncisão, nem lei alguma.
A Promessa não foi então um prêmio ao cumprimento da lei, mas
à fé de Abraão. Salvaguarda-se, então, a gratuidade do dom e a trans-
cendência do doador. Sendo promessa, quem deve recebê-Ia tem apenas
de esperar sua concretização, ainda mais sendo promessa de herança.
O mérito de Abraão está em ter sido considerado, por Deus, digno de
tal dom. A Promessa teria ficado sem efeito, se Abraão não a tivesse
acolhido na fé. Sua justiça consistiu em crer. A «Promessa» incluiu em
si todas as promessas salvíficas feitas a Abraão e seus descendentes,
porque ela se explicitou no tempo, nas promessas do herdeiro, da
descendência e da terra de Canaã. Os rabinos dirão que Abraão recebeu
este mundo e o futuro, exclusivamente por mérito da fé com que creu
em Javé. Paulo segue a mesma linha~ só que, sob a influência do fato
jesus, verá o Cristo como o descendente de Abraão (OI 3,16}.
Daí decorre que se a Promessa tivesse sido feita em razão da lei,
ela não seria universal, mas diria respeito só aos judeus, e também
não seria gratuita, pois seria uma recompensa pelas obras rea1izadas.

516 517
.!
i
Assim não será a lei a_ fazey judeus e gentios filhos de Abra~o, mas a Corpo :.
,fé; todos os que crêem em Cristo podem esperar na Promessa feita
a Abraão. O início da obra salvífica, que Deus começou em Abraão, é
"
'1,.
pura graça, e é esse inicio que· dá à Promessa uma dimensão universal.
J. josé, o justo
O Deus que criou o universo, e que é Senhor de todos os homens
é garantia da promessa, por -.isso Abraão creu. Como no dia da criação Estamos diante de um personagem do Novo Testamento que ·
tudo aconteceu pela palavra de Deus, também ele era capaz de realizar vive da' fé. José, descendente de Davi, era observador da Lei
o que dentro da lógica purítp-iente humana era impossível. O poder de de Moisés. Tinha calcado sua vida na vontade firme de aceitar
Deus começa onde as forças humanas terminam. O dar a vida aos mortos a Palavra do Senhor e as promessas· que haviam sido feitas às
e chamar à existência as coisas são exclusividade de Deus (cf. v. 24),
então o que pode fazer tal coisa é garantia mais do que segura para gerações anteriores. O piedoso judeu vivia nesse universo da
a Promessa. Como a obra da criação foi ação de Deus, também a da fé. josé está desposado com uma jovem de seu povo e acredita
sa1vação iniciada com Abraão e Sara o é. As causas humanas não que tudo o que nela se operou foi ·obra de Deus. A epístola
explicavam o «impossível» acontecido a Abraão, e1e confiou quando desta festa faz o elogio da fé de Abraão. Foi pela fé que se
não havia esperança humana, e por isso achou graça diante:. de Deus,
foi considerado justo. Sua fé então é do tipo daquela que deve ser a constituiu o povo de Deus. Abraão creu e foi possível a criação
nossa. de um povo que não pertence mais a· si mesmo, mas . é proprie-
O autor de Gn 17,5 fala de Abraão como Pai de muitos povos, dade de Deus. Esperando contra toda. esperança o velho Abraão
talvez pensasse também em Ismael, Esall, ou com ufanismo considerasse se tornou justo. Estamos numa conceituação de justiça que quer
o próprio Israel uma multidão de povos. O fato é que hisforicamente
isso não aconteceu, mas considerando-se o texto corno prOfecia, ele
dizer bênção de Deus dada a corações que se abrem a Ele.
aconteceu em jesus Cristo; 'nele judeus e não judeus, gentiós, podem Não estamos mais no universo da carne, da própria vontade
ser filhos de Abraão na fé. ·.O sentido primeiro do texto abre-se então humana, mas no campo de uma vida que se abre totalmente
numa dimensão universal que. Paulo redescobre na teologia da Promessa para Deus. josé compreendeu que alguma coisa de grandioªo
agora em realização. 1 '
Vivemos, então, o tempo: da salvação, da Promessa em TeaJização,
se operara no seio de Maria e assim aceitou a vontade de Deus.
onde Abraão ~antinua a ser o nosso exemplo de fé, pois nossa fé hoje é josé não rejeita Maria, mas a recebe· e recebe com ela a reali-
também um risco, exige adesão incondicional da nossa parte e sabemos zação das promessas de Deus. Ele ê. o justo.
que· não é fácil. Corno Abraão, e São josé, devemos deixar' de lado os
parâmetros humanos e aceitar a promessa, os fatos à luz da fé.

Bihliogro.Jia: O. K u s s, La i'ellera ai Romani J1torce1Jana Brescia '"1962· F J


2, josé, homem de contemplação
L e en h ar d t, Epistola aos Romanos, Asle São Paulo 1!169· Élblia Comentada 'v1·
BAC/J\ladrJ 1975. ' ' ' '
O Novo Testamento é muito avarento em detalhes a respeito
Pe. Carlos Alberto da Costa Silva, S.C.j. da vida· de José. Mas é certo que 'o pai nutrício de jesus foi um
Paulista, PE
1 homem 'de oração. Aquele que foi escolhido para esposo da
Terceira leitura: Lc 2,41·5la Mãe do Verbo Encarnado e que teve em suas mãos o próprio
Deus morando entre nós só poderia ser um homem de oração.
Veja o Evangelho da Festa da Sagrada Família, Ano C. Ser homem de oração é ligar-se efetiva e concretamente a Deus
em todos os momentos da vida, Não é apenas dizer fórmulas
Sugestões para a homilia exteriores. O cerne da oração é a contemplação. Não podemos
dizer que alguém se tornou homem de oração simplesmente pela
ITTlrodução repetição mais ou menos freqüenie de gestos religiosos. Na
medida em que nos entregamos silenciosa e firmemente à von-
1 O povo cristão tem grande devoção a São josé, esposo de tade de Deus e na medida em que Deus se apresenta a nós
Maria. Ela nasc~u da ternura que a Idade Média tiiiha para como o e· absoluto de todos os momentos aí então passamos a
1 com a Virgem Mãe e o ryienino jesus. Vemos em josé, 1 o justo, degustar a Deus. Somente na medi~a em que o Senhor for
o homem -de oração contemplativa e o guarda da Família Sa- companheiro cotidiano do homem é que podemos dizer que
1 começou. a ser homem de oração. Vendo Maria, vaso puríssimo
1grada. A liturgia de sua ·festa coloca em destaque alguns dos
1 ·aspectos de sua vida e de sua missão no plano de Deus. no qual , se realizaram promessas · feitas. aos seus pais, contem-

1 518 519

1
1-
. 'I
•' l

piando esse menino de carne e osso que ao mesmo tempo era


«. . . o fizestes chefe de vossa familia, para que guardasse
Deus morando entre nós, José, o justo, entra no universo da
como pai o vosso Filho único, concebido do Espirita Santo ... :..
contemplação das maravilhas de Deus. Os evangelhos o mos- A oração do dia se exprime tão belamente: as primicias da
tram silencioso diante dos acontecimentos que vive. Não há •
transcrição de nenhuma palavra de José embora seu nome ocorra Igreja lhe fora~ confiadas ~ ~u.e José possa interceder junto a
Deus pela plenitude dos m1stenos da salvação. A comunidade
várias vezes nos escritos, dos evangelhos. Paul Claudel refe-
da _Igreja, na~cida de Naz~ré, continua sob o olhar de José que
rindo-se a esse caráter silencioso assim se exprime: «Ele é tão esta na glória, nesse momento da ;história em que a Igreja
silencioso como a terra nas manhãs de orvalho». Num outro procura caminhos novos em seu relacionamento com o mundo
lugar de sua obra Claudel o chama de «patriarca interior».
e encarnação maior no coração dos r pequenos e dos sem vez
Talvez seja, pois, esse cunho de interioridade que faça a gran- nem voz.
deza de José. Num mundo como o nosso marcado pela reno-
vação religiosa, a figura de um contemplativo de primeira linha Conclusão
nos ajuda compreender melhor o mistério da oração. Nossos
movimentos e nossos grupos de oração estão por demais falan- Festa de São José, esposo bendito da Virgem Maria homem
tes e pouco contemplativos. justo e lie1, servidor fiel e prudente, guarda da Sagrada 'Familia!
Deus confia sua casa e os mistérios \]a salvação a José descen-
dente de Davi e pai nutrício de Jesus, nossa esperança.
3. José, patrono dos agonizantes
Frei Almir Ribeiro Guimarães, O.F.M.
A vida é um desafio.. A vida cristã é constante tentativa de Sorocaba, SP
se penetrar no reino novo de Jesus. Opções e escolhas por
Cristo e seu mundo vão se sucedendo ao longo de nossa vida.
Por vezes somos inclinados a nos afastar da construção do
reino e aceitar a construção do amanhã de nossas vidas com
nossas próprias !orças. Sentimos que esse dom do reino é dado
aos .que se abrirem. Sabemos que a plenitude do reino vem
depois da morte. A morte é esse momento decisivo das opções
e escolhas. Concentram-se, em segundos, as horas .da vida
humana e o homem é colocado novamente diante de uma esco-
lha: por Deus ou contra Deus. Nesse instante derradeiro é feita
a última opção. José deve ter expirado sob o olhar de Maria e
de Jesus. E por isso sempre foi invocado como padroeiro dos
agonizantes e dos moribundos. A piedade popular sempre, sabia-
mente, o invocou nessa hora. Ele que foi assistido nesse mo-
mento pelo Verbo Encarnado e pela Mãe de Jesus se faz então
intercessor de todos os que terminam seus dias.

4. José, p;otetor da Santa Igreja

Na casa de Nazaré estavam o Verbo Encarnado e a Mãe


de Cristo e de seu Corpo Mistico que é a Igreja. José foi
colocado como guardião dessa familia de Nazaré. Os •:cuidados
materiais dessa casa estavam sob sua responsabilidade e de
suas mãos calejadas de carpinteiro. O prefácio de sua festa diz:

520 521
a.C.), esperança de Judá. Pois tanto a Síria como Jsrael seriam devas-
tados durante a sua infância (v. 16). ·
Anunciação do Senhor Devemos assinalar ainda o contexto em que esta pericope se encon-
tra no livro de Jsaias. Ela faz parte da seção Js 7;1-9_,6. Uma seção
(25 de março) cujo esquema teológico compreende a seqüência pecado-castigo-libertação.
Seqüência que, em seguida, vai se repetir, no ciclo constante da busca
israelita, gravada no texto. O movimento geral da seção vai da guerra
(Is 7,Js) à paz (Is 8,23-9,6), e o •sinal do Emanuel» é um dos tantos
Pistas Exegéticas que aparecem neste bloco poético para mostrar que Javé governa a
história dos homens. :
Primeira leitura: Is 7,10·14 Sabemos que as comunidades cristãs, após o fato consumado, rele-
ram este oráculo, aplicando-o ao nascimento de jesus. E uma interpre-
«Que a Virgem conceba, dê à luz um Filho e o chame Emanuel:1>. tação que,, o NT faz do texto profético: na verdade, ninguém realizou
tão bem as esperanças de Isaías melhor d~ que jesus. o Messias.
Enquanto atuava, em Jerusalém. o profeta lsaias, a grande ameaça Mas deve ficar claro que ]saias não sê referia consciente e especi-
internacional era o imperialismo da Assíria. Em 745 a.e. subiu um hábil ficamente à vinda futura de Cristo, sete séculos mais tarde. Seu ponto
rei ao trono assírio: Teglat-Falasar III. Ele começou por resolver os de referê~cia era um rei da época, desceridente de Davi.
problemas com .os babiJônios, no sul da Mesopotâmia, dominando-os.
Depois, Urartu, no norte. Pacificou os medos, no norte do Irã. E, em Bibliografia: R. La e k, La Symbollque du Jivrê d'lsaie~ Roma 1973; A. Pen na,
/saia, Torino 1951; P. L. i\l o ri ar t y, /saiah 1-39, ln AA.VV., The }erome Biblical
seguida, pôde preocupar-se cOm o oeste: começou pela Síria, contra· a Commentary, New Jersey Jg68; E. B u z o n, A mensagem teológica do Jmmanuel
qual efetuou várias campanhas a partir de 743 a.e. (Is 7,1-17), REB 32 (1972) 826-841.
Em 738 a.e. ele já submetera grande parte da Síria e da Fenícia.
Israt!'l (do norte) começou a 1 pagar-lhe tributo. Um imposto per capita Airton José da Silva
que atingiu cerca de 60 mil proprietários rurais. Para urna idéia: Sama- Ribeirão Preto, SP
ria, a capital, teria na época cerca de 30 mil habitantes.
Mas, grupos patrióticos assassinaram o rei submisso à Assíria. E o
oficial que subiu ao poder, imediatamente tornou-se chefe de uma coali- Segunda leitura: Hb 10,4·10
zão antiassíria que congregava a Síria, os filisteus e outros pequenos
reinos dominados pelo irnperiaHsmo. Pecá, este era o seu nome, queria Veja pista exegética do Quarto Domingo do Advento do Ano C.
que Judá se aliasse a ele. Judá não quis. Então, Síria e Israel decidiram
invadir Judá, onde reinava Acaz. Começava a chamada guerra siro- Terceira leitura: Lc ·1,26·38
efraimita.
Por outro lado, os edomitas, que dependiam de Judá, aproveitaram
a ocasião e declararam sua independência. Os filisteus também não Veja pista exegética da Festa da ]maculada Conceição de Maria
perderam tempo: conquistaram uma· parte de Judá. Santissima, do Ano B, p. 6fl0.li01
Deste modo, o pais foi invadido por três lados e não tinha como
resistir. A saída era pedir o auxílio da Assíria. Isaías foi contra, e Sugestões para a homilia
avisou Acaz de que suas conseqüências seriam terríveis. Para Isaías, o
rei devia confiar era em Javé e não na Assíria. Realmente, Judá perdeu, Veja as festas da Assunção de N. Senhora, de Nossa Senhora
em seguida, sua independência, o preço pago pela ajuda assíria. Aparecida· e da ]maculada Conceição.
Isaías, na tentativa de alertar Acaz, oferece-lhe a possibilidade de
um sinal extraordinário que demonstrasse estar Javé com Judá (v. 11).
Acaz recusa, pois prefere confiar na Assíria (v. 12).
·Então, Isaías muda de tom e ameaça Acaz (casa de Davi: v. 13),
mostrando que Deus está de seu lado (note-se a passagem de «teu
Deus:1> para «meu Deus» nos v. 11 e 13). E anuncia o sinal ('ôt): «a
jovem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará Emanuel» (v. 14).
Javé não estava mais com Acaz, enquanto este confiava só na
Assíria. Com o anunciado será diferente: Emanuel cjuer dizer «Deus
(está) conosco:1>. Ele nascerá da 'almâ', que significa uma jovem apta
para o casamento, e não propriamente virgem (bellilâ), e alimentar-se-á,
'
na sua infância, de manteiga e mel, alimentos de tempos difíceis, pro-
dutos de uma terra devastada (v. 14-15).
Isaías pensava, provavelmente, no rei seguinte, Ezequias (728-699

522 523
...
~

povo de lsraeJ. A teologia da eleição é, portanto, um tema teológico


Sagrado Coração de Jesus recente no AT. E ela foi justamente elaborada numa época em_ que o
povo de Israel contraia casamentos com outros povos, venerando assim
em vez de Javé os deuses deles e fazendo contratos com eles onde
Pistas Exegéticas suas divindades eram invocadas como testemunhas. Nesta situação de
crescente apostasia de Javé e para rechaçá-la surge a teologia da eleição
ANO A como fundamento da separação intolerante dos outros povos, pois estes
com suas divindades poderiam ser tentação para IsraeL E no tempo do
rei Manassés, em que surgiu Dt 7, os israelitas, principalmente a oligar-
Primeira leitura: Dt 7,6·11 quia, corria atrás das outras divindades, apostatando sempre mais de
' Javé. Em oposição à esta idolatria se luta com a teologia da eleição.
«Tu és um povo santo. , . e escolhido entre todos os povos». No v. 7 se responde à pergunta por que Javé escolhe justamen.te
o povo de Israel. O motivo apontado é porque Israel «é o menor de
Contexto literário de Dt '7.6-11. Dt 7 se encontra no conjunto Dt todos os povos». Aqui transparece uma característica muito importante
5-11 que é o discurso colocado na boca de Moisés antes dos' israelitas
do Deus Javé. Ele tem um amor especial pelo pobre, fraco, necessitado.
entrarem na terra de Canaã."" '
E porque o povo israelita é o menor entre todos os povos e na escra-
A época da composição fie Dt 7,6-11. Para Perlitt a maior proba-
bilidade da origem de Dt 7 São ôs decênios após o rei EzeqÚias. Esta vidão egípcia era oprimido e exPlorado (V. 8), ele tem um lugar especial
no «coração» de seu Deus.
nossa leitura então, como parte de Dt 7, surgiu na época do rei Manas-
sés (696-641 a.C.), o apóstata por excelência (e!. PERLITT, p. 63), e No v. 9 os pregadores do movimento de reforma deuteronômica
apresentam uma outra característica de Javé: Fidelidade. Isto é Deus
supõe o tempo do reinado. Pois o apeJo a se apoderar militarmente da
terra de Canaã é sem sentido após a queda de jerusalém em 587 a.C. não mudou e nã<? muda de idéia. Ele é fiel com todas as' ger;ções e
Além disso, a severa proibição de não se misturar com os povos de sempre. Em vista disso o povo de Israel, particularmente as camadas
Canaã alude ao tempo da monarquia em Israel. PerJitt por isso acha superiores, também devia ser fiel a seu Deus que privilegia os fracos,
que Dt 7 pertence à fonte literária deuteronômica (PERLITT, p. 55s). os explorados, os oprimidos, os pequenos. Porque ao dom 1 .à iniciativa
É à luz da situação do reinado em Israel que se deve ler e analisar a
amorosa e gratuita, à proposta corresponde a resposta, 0 ·dever. E a
pericope Dt 7,6-11. . resposta é servir única e exclusivamente a Javé para fazer jus ao lugar
Comentário de Dt 7,6-11. Esta leitura não se compreenderá bem •,-;;7' especial que o povo de Israel tem no «coração» de Deus.
sem ligá-la com os versiculos anteriores, pois contêm uma parte da
J!ihliografia: L. P e r li t, BundestheoJogie im AIIPn Testument. , WMANT 36,
fundamentação das severas proibições em Dt 7,1-3. Isto é, após o povo Neukirchener Verlag, 1969; E. K u t se h, Verhl!issun,g und Qesetz RZAW 131 'Valter
de Israel ter derrotado os povos nativos de Canaã e os ter expulsado de Gruyter Veria~, Berlim. 1973. ' '
daí, não deveria de forma alguma fazer contratos com eles e nem per-
mitir casamentos. Qual é a causa destas proibições? Ela é dupla; no Pedro Kramer, O.S.F.S.
v. 4 se alude ao primeiro motivo: O filho ou a filha dos outros povos Porto Alegre, RS
traria, no caso do casamento, os seus deuses que poderiam . ser uma
grande tentação para os israe1itas apostatarem de Javé e cultuá-los. A Segunda leitura: l]o 4,7-16
outra justificativa encontra-se no v.- 6, e com ele se inicia a nossa
pericope: «Porque tu és urr? povo santo para Javé, teu Deus; a ti
Veja a Pista Exegética do Sexto Domingo da Páscoa do Ano B.
escolheu ]avé, teu Deus, para ser-Jhe o povo escolhido entre todos os
p. 196-198.
povos que estão sobre a face da terra».
O povo de 1srael é pela primeira vez chamado de «povo santo:t>
na fonte literária deuteronômíca. O termo «santo» não tem aqui um Terceira leitura: J\lt 11,25-30
sentido estático, mas dinâmico, pois indica que a santidade não é uma
propriedade adquirida por conta própria, mas Israel tornou-se santo por «Eu sou manso e humilde de coração>.
causa de Javé ~ em vista dele. A santidade do povo de Israel está
exclusivamente relacionada com Javé. Ela se baseia no fato que Israel 1. O contexto
é um «povo escolhido». O termo «escolhido» também é dinâmico pois
se refere ao relacionamento do povo de Israel com outros pov~s. O O trecho proposto pela liturgia de hoje, o famoso «"hino de jubilação»
povo de Israel foi escolhido «entre todos os povos que estão sobre a
de Jesus, tem um paralelo em Lc J0,21-22. Além de omitir o terceiro
face da terra». Estas duas caracterizações do povo de Israel. «santo e Jógioil de Mt (v. 28-30). Lc tem um contexto completamente diferente.
escolhido», marcam o seu «lugar» neste mundo, isto é, sua situação, sua Em Mt a oração de ação de graças do Cristo segue imediata-
dimensão vertical e horizontal. mente as maldições que lançou contra Corozairn, Betsaida e Cafarnaum
A teologia da eleição pr1mar1a e restritamente aplicada à dinastia ( ll ,20-:M): três cidades ao norte do lago de Tiberlades que não se
de Davi, é agora ampliada na fonte literária deuteronômica para todo o converteram à .pregação de João Batista, nem mesmo à de J~sus Cristo

544 525
(v. 16-19). O sentido decorrente do contexto em Mt é então o seguinte: Dizem tudo o que o povo pode e não pode fazer. São as autoridades
para se converter é preciso primeiro tornar-se «pequenino», a exemplo de máximas.
João e de Jesus. O orgulho e a soberba de Corozaim, Betsaida e Cafar- Entretanto, o saber pode ser um obstáculo. Quem pensa saber tudo
naum as tornaram mais insensíveis ainda que Babilônia (lembrada vela- não quer mais aprender nada, não escuta ninguém; escuta só a si
damente através da citação de Js 14,13.15), Tiro e Sidônia, três cidades mesmo. Nem escuta mais a Deus. A exegese dos textos sagrados vira
pagãs famosas pela incredulidad• (e!. Is 23; Ez 26-28. Aqui Mt insiste um campo de batalhas meramente intelectuais, desligadas duma autên-
mais sobre a bem-aventurança dos pequeninos (v. 5,3.5) do que sobre a tica compreensão da mensagem, sem ligação alguma com a vida real
maldição dos «sábios e entendidos». do povo, dos humilhados, dos pequeninos. Alguns poucos sabem através
Em Lc a prece de Jesus conclui Jogicamente a alegre volta da do estudo nos livros, num quarto fechado; a grande maioria do povo
missão dos 72 discípulos (10,17-20). O contexto lucano é mais indicado estuda no grande Livro da Vida, na luta quotidiana. Não têm diploma
para um hino de jubilação do que o de Mt. Lc acentua ainda a felicidade mas entendem melhor a Palavra de Deus porque a sua humildade os
do Cristo, acrescentando: «Naquela mesma hora se alegrou Jesus no deixa abertos à vinda do Reino. É por isso que Pueb1a diz, com muita
Espírito Santo> (I0,21). razão, que são os pobres que nos evangelizam (n. 1147).
O v. 26: «Sim, Pai, porque assim foi de teu agrado» evoca a -voz
do Pai no batismo de jesus (3.17) e a citação de Is 42,1 em Mt 12,18.
2. Comentãrlo do Texto
2.2. Conhecimento reciproco do Pai e do Filho (v. 27)
O evangelho escolhido para a Festa do Sagrado Coração de jesus O presente versículo é bastante estranho porque parece provir dire-
foi retido por causa do v. 29b: «Sou manso e humilde de coração». tamente do JV Evangelho. O primeiro elemento da frase, «todas as
Consiste entretanto em três Jógin primitivamente independentes um do coisas me foram entregues por meu Pai», lembra Jo 3 35 e 13 3· o
outro, reunidos aqui em contraponto às cidades incrédulas da Gali1éia: segundo, «ninguém conhece o Filho senão o Pai; e ni~guém co~hece
- oração de ação de graças de jesus (v. 25-26); o Pai, senão o Filho», lembra Jo 10,15 e 17,25. Surge aqui como um
- conhecimento recíproco do Pai e do Filho (v. 27); corpo estranho na tradição sinótica, uma espécie de «meteorito joaneu»
- apelo aos oprimidos (v. 28-30); (A. LANCELLOTTJ), mas a su~ autenticidade é entretanto comprovada
pelo paralelismo de Lc 10,22. Nos sinóticos Jesus se autodenomina
2.1. Oração de ação de graças de jesus (v. 25-26) abertamente como sendo o Fi1ho, só três vezes: aqui, em Mt 21,37 (p
Me 12,6 e Lc 20,13) e Mt 24,26 (p Me 13.32).
Este lógion é urna das mais bonitas pérolas do primeiro evangelho. Assim corno os dois versículos anteriores, o v. 27 é também de
Temos aqui traços da estrutura literária apocalíptica, baseados princi- estrutura apocaJíptica. A presença do mesmo verbo revelar nos dois
palmente em Dn 2,20-23 (L. CERFAUX, A. FEUJLLET, P. BENOIT e ca~os favoreceu a justaposição dos dois Jógia, entretanto, com um con-
M -E. BOISMARD) mais do que uma linguagem de tipo sapiencial tendo bem diferente. Com efeito, o primeiro é uma oração de ação de
influenciada por Eclo 51 cujo contexto é muito diferente. graças pessoal, enquanto o segundo apresenta um desenvolvimento teo-
Em Mt e Lc e Dn temos a revelação duma realidac.e misteriosa, lógico feito dum modo impessoal.
revelação negada a alguns (os «sábios» ou os magos caldeus) mas dada . .'? v. 27 evoca Dn 7,14 («Foi-lhe outorgado poder, majestade e
a um grupo preferencial (os «pequeninos» ou Dn e seus companheiros). 1mper10») e Me 28,12 («É-me dado todo o pvder no céu e na terra»).
A expressão «naquele tempo» é urna simples fórmula de transição Corresponde ao primeiro lógion e o completa. Os v. 25-26 tratavam dos
e não deve ser tomada ao pé da letra. A prova é o contexto totalmente sinais anunciadores do Reino; o v. 27 fala da relação íntima e misteriosa
outro em Lc, mencionando o feliz regresso dos 72, maravilhados pelo unindo o Pai e o Fi1ho, como se fossem uma só pessoa. Só podemos
seu poder extraordinário: «Senhor, pelo teu nome, até os demônios se conhecer o Pai por intermédio do Filho mas esta gratuita revelação
nos sujeitam» (I0,17b). depende dele: não é fruto de nossa «sabedoria». O coilhecirnento do
O contexto apocalfptico nos ajuda a entender melhor por que Cristo Pai não depende de nossas próprias forças. Jesus é o caminho que nos
escondeu «estas coisas» aos sábios e por que «OS» revelou aos peque- leva ao Pai: «Per Chrislum ad Palrem».
nin9s. Os dois pronomes indefinidos gregos - conforme Dn 2,44 -
referem-se ao Reino de Deus. Esta interpretação é confirmada por Mt 2.3. Apelo aos oprimidos (v. 28-30)
13,11-17 (p Lc 8,10-18 e Me 4,11-12.25) que tem um significado análogo.
Aos seus discipulos perguntando por que ele faia em parábolas, jesus Este trecho, próprio de Mt, não é mais de estilo apoca1íptico mas
respondeu: «A vós é dado conhecer os mistérios do Reino dos Céus, sapiencial. Tudo isto indica que primitivamente o lógion nasceu em outro
mas a eJes não» {v. 11). Nos dois casos o texto tem uma intenção ambiente, próximo do sermão sobre o monte (Mt 5-7). Jesus opõe a
polêmica dirigida contra os fariseus e os escribas (e não mais contra =
sua interpretação Jibertadora da Lei ( «o jugo suave») à interpretação
os magos da Caldéia como em Dn). Eles se orgulham de conhecer legalista dos fariseus e dos escribas (= «o jugo pesado») que fatiga
todas as Escrituras, melhor do que o povo simples, porque estudaram-nas porque sobrecarrega. Temos a mesma nota polêmica em Mt 23,4: «Atam
fardos pesados difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens·
nos mínimos detalhes. Só eles sabem e o saber é um poder. São os
doutores. Exp1icam e comentam a Lei de Moisés com a maior facilidade.
,, eles, porém, nem com um dedo querem movê-los». '

526 5TI
jesus, ·a Sabedoria do Pai, convida os homens a «vir a ele». A do povo ao amor paterno de Deus. A designação de Israel como «filho»
estrutura de Mt J 1,25-30 é bastante idêntica a de Eclo 6,19-28 e 51,23-35. (v. l) está ligada à saída do Egito: «Israel é meu filho primogênito:
Em 1'lt e Eclo temos a mesma dinâmica: Deixa partir o meu filho, para que me preste culto» (Ex 4,22s). Israel foi
- apelo a aproximar-se (da Sabedoria); libertado - lembra Osêias - para· servir a Deus. Mas. ao chegar a
- seguir a Sabedoria colocando «O seu jugo» e carregando «o Canaã, preferiu servir aos Baais (v. 2). E isto apesar das manifestações
seu peso»i repetidas de amor: Javé como um pai carinhoso havia ensinado Israel
- descoberta do «descanso». a caminhar, carregou-o nos braços, c·urou-lhe as feridas (v. 3) - alusões
ao período da peregrinação pelo deserto; depois, já em Canaã (V': 4),
O «jugo» representa o peso da Lei. Mas Jesus vai muito além de alimentou o seu povo, como tnãe que nutre o seu filho.
Eclo. O primeiro, Cristo tornou-se «pequenino» (ou «manso e hun1ilde Por isso, os v. 5-6 contêm uma ameaça: Efraim será conquistado
de coração», cf. 5,8-11, o que é exatamente a mesma coisa) ao incarnar-se: pelo Egito e pela Assíria. O v. 7 apresenta o motivo da ameaça: O
«Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; afastamento de Deus e o cu1to aos Baais. Nos v. 8-9 descreve-se a
cada um considere· os outros superiores a si mesmo... de sorte que convulsão de sentimentos em Deus: RevoJtado, ferido em seu amor pela
haja"' em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus ingratidão humana, Javé sente vontade de «revolver, transtornar (hafak)
que ... aniquiJou-se a si mesmo, tomando a forma de servo ... e, achado Israel numa ruína, como o fez com Adama e Seboim, duas cidades
na forma de homem, humilhou-se a si mesmo até a morte, e morte de destruidas com Sodorna, Gomorra e Bela (Gn 19,25 =
hafak). Mas em
cruz» (FI 2,3-8). vez de causar tal «transtorno» em Israel, prefere transtornar (hafak),
O que justamente escandaliza e revolta até hoje é a revelação da «contorcer» os sentimentos de seu coração, fazendo triunfar o amor
grandeza do Senhor na sua pequenez e humildade, isto é, quando se sobre a ira. .;
identificou de uma vez por todas, no dia de Natal, aos pobres e oprimi- A santidade divina, que muitas vezes no AT é vista como causa de
dos. Isto incomoda a «lógica» dos grandes que se fecham e não aceitam punição para os que a profanam, aqui se torna a fonte da misericórdia
uma Igreja que nasce do Povo pelo poder do Espírito Santo. de Deus: «Sou o Santo no meio de ti e não gosto de destruir» (v. 9).
Nem a ingratidão, nem o pecado humano, poderão vencer a miseri-
Bibliografia: A. L a n e e 11 o t 1 i, Comentário ao Evangelho de São J\lateus, Ed. córdia divina. A leitura mostra-nos assim um Deus Santo, mas próXimo
Vozes, Petrôpolis 1980;· D. J\I. Sta n 1 ey, S.J •• Evangelho de J\laleus, Ed. Paulinas,
São Paulo 1~75; J. R a d e r ma k e r s, S.J., Au fil de l'!Ivangile selon saint Jlatthien, de nós; um Deus que vive e caminha conosco; que perdoa as infideli-
tomo 1: Tex}e; tomo 2: Lecture continue. lnsUtut d'E.tudes Thêologiques Heverlee- dades do homem, mas espera deles uma resposta de amor. Enfim, um
LouvaJn, 1972; J\l.-J. L a g r a n g e, !Ivangile sdon saint J\lathieu, Jibrairie lecoffre -
J. Gabalda et Cie, Paris 19.JR; P. B e n oi t e M.-E. B o i s m a r d, Synopse des
quatre !Ivangiles f'n /rançais, tomo 1: Textes, 1975; tomo li: Commentalre, 1972; Ed
1 Deus como no-lo foi manifestado no coração humano-divino de Jesus
Cristo.
du Cerf, Paris; "Traductlon Oecumenlque de la Bible" (TOB), No11veau Tf'slamenl,
Ed. du Cerf - "'·Les Bergers et Jes hlages, Paris 1977.

Pe. Hugues d'ANS


.t Bibllografla: H. ,V. \Vo 1 f f, Dodrkapropheton /: Hosra (BK XIV/I). 3' edição,
Neuklrchen 1976; J. L. J\1 e K e n z i e, Divine passion ln Osee, CRQ 11 (1955) 167-179;
H. van den R use h e, ºLa hal/ade de l'amour mêconnu, BVC n. 41, 1961, 18-34; S.
V 1rgu1 i n, Os doze profelas (Introdução à Riblla, 11/4), Petrôpolis 1978, 69-73.
Lins, SP

ANO B L. Garmus, 0.F.M.


Petrópolis, RJ
Primeira Leitura: Os 11,l.3·4.8b·9
Segunda leitura: 'Ef 3,8-12.14·19
«Sou o San/o no meio de ti e ncio gosto de destruir»:
_ Contexto: Nossa perícope pertence ao final da primeira parte da
carta, parte doutrinal, onde se trata do ftlfistério de Cristo (1,3-3,21).
O cap. 11 de Oséias é um dos mais belos de todo o livro.. Carac- O capítulo 30) aborda 2 temas:
teriza-se por uma verdadeira convulsão de sentimentos: Mostra um Deus 1O)) A eleição de Paulo para reá.lizar o mistério de Cristo, ou 'seja,
«apaixonado», que ama com ternura o seu filho predileto, Efraim (:::;:; a introdução dos pagãos na construção da Igreja.
Israel), mas em troca recebe a ingratidão. O texto segue a forma de um 20)) Oração do apóstolo para que os fiéis tenham a plenitud~ do
discurso acusatório, ou processo, de Deus contra seu povo rebelde, conhecimento.
semelhante ·ao processo movido pelos pais contra um fiJho rebelde e
incorrigível (e!. Dt 21,18-21; ls 1,2s). O oráculo pode ser colocado nos Texto: a) A eleição de Paulo .para realizar o mistério de Í:risto
últimos anos da atividade do Profeta, entre 733 e 7Z7 a.e.. quando o (v. 8-9)
Reino de Israel já fora invadido por Salmanasar V mas Samaria ainda '
não estava sitiada. A graça de Deus pela .Qual Pa~lo se tornou ministro do Evangelho
O capitulo inteiro, com exceção do v. 10 que provêm dos discípulos 1he foi concedida pelo mesmo podef através do qual Deus ressus.citou
de. Oséias, pertence ao Profeta. Nos v. 1-4. que constituem um requisi- jesus Cristo dos mortos v. 1 (e!. 1,20). A «insondável riqueza de Cristo>
tóno contra Israel, o filho primogênito de Javé, fica patente a ingrãtidão ~ o evangelho, isto é1 Cristo mesm,.,o, que Paulo anuncia. O «e» q.ue

528
529
inicia o v. 9 corresponde a «isto é». Assim o verso 9 é uma explicação
do v. 8. Quer dizer que o anúncio de Cristo aos gentios é a manifestação
clara a todos do mistério que antes estava ocultoJ «em DeusJ criador
í
l do homem interior (39 preSsuposto).

de todas as coisas». Esta aposição. que Paulo coloca em Deus é uma O conhecimento perfeito (v. 18-19)
nota polêmica contra o gnosticismo nascente que acreditava haver uma Com estes 3 pressupostos, ou seja, o fortalecimento do Espírito, a
oposição entre Deus Criador e Deus Redentor e que o mistério da inabitação de Cristo e a perfeição no amor, os cristãos terão condições de:
redenção estava oculto não apenas ao mundo, mas também a Deus
Criador. Ora, com esta aposição, <criador de todas as coisas», Paulo Compreender com um conhecimento aberto e não esotérico, as 4
afirma que Deus é o Criador do ten'lpo e dos espaços ce~estes e ao dimensões: largura, comprimento, aJtura e profundidade. Mas 4 dimen-
tempo e aos espaços celestes ele dá agora a conhecer o mistério (v. 10). sões de quê? Provavelmente do mistério da salvação que Cristo trouxe
Esta: região celeste onde habitam os Principados e Autoridades é a para judeus e pagãos reconciliados num único corpo, o corpo de Cristo
região entre o céu e a terra. Paulo fala a linguagem do seu tempo. (e!. 2,14-16). \ .
Principados e Potestades são potências malignas (cf. BJ, Ef 6,12 letra k). Conhecer o amor de Cristo: O amor de Cristo é o amor oblação
Também a elas é revelado o mistério do amor de Deus por meio da por nós e pela Jgreja como está expresso em 5,2.25. É interessante
Jorej.a. «Os próprios espíritos celestes ignoravam o desígnio da salvação que só se chega a este conhecimento através da fé e do amor. Veja
d~ Deus, por isso eles levaram os homens a crucificar a Cristo (lCor em J,15s como fé e amor são pressupostos para o conhecimento. Este
2,8); hoje, contemplando a Igreja, eles o compreendem> (cf. BJ, Ef 3,10 amor excede todo conhecimento. É bom lembrar que conhecimento na
letra u). «Por meio da Igreja» significa que a Igreja «é a manifestação Bíblia não é apenas conhecimento intelectual; é por assim dizer um
da sabedoria de Deus». conhecimento experimentalJ isto é, que empenha o homem todo. O amor
·Esta q:multiforma sabedoria ,de, Deus» (que é o seu mistério reve-
de Cristo é um amor que excede toda experiência de um amor existencial
Jado), dada a conhecer aos Principados e Autoridades, se refere a este e profundo.
outro modo que Deus arranjou para dar a conhecer seu amor. Primeiro
O v. l9b vai mostrar o efeito deste conhecimento. Através desse
Ele manifesta seu amor na Criação, mas não foi reconhecido. Agora Ele incomensurável amor de Cristo os cristãos serão plenificados no absoluto
revela seu amor no paradoxo da Redenção, meio muito mais eficaz do
que ,o primeiro (cf. lCor 1,21). Este desígnio redentor foi realizado em de Deus. Experimentar esta imensid~o incomensurável do amor inefável
de Deus através da inabitação de Çristo em nós, é isto o efeito do
Jesus Cristo (v. II), cujo corpo e a Igreja (d. 3,6; !Cor 12,27), esta
Igreja, que é a congregação dos homens de fé, o lugar da un1ao do conhecimento, é isto o objeto da oração de. Paulo, é isto ser plenificado
homem com Deus através. da fé confiante em jesus Cristo (v. 12). com toda a plenitude de Deus.

·b) Oração do apóstolo para que os fiéis tenham a plenitude do Bibliografia: H. Se h 11 e r, La Lettera agll Efesini, Paidéia •. Ed., Brescia · 1973;
conh_ecimento (3,14-19) S. C l p r i a n J, Le Lettere dl S. Paolo, Cittadella Ed., Città di Castello 1971.5 ; M.
z e r w J e k, Lettere agli EtesinJ, Città Nuova Ed., Frascall 1971 •; E. Per e t to,
Lettere dalla Prlglonia, NVB, Ed. Paoline, Roma 1912; j. A. O r as s l, Carta a los
Efesios em Commentario Biblito "San /eronimo", tomo IV, Nuevo Testamento li, Ed.
Pressupostos para um conhecimento perfeito (3,14-17) Cristiandad, J\ladrfd J.9'72, 56.

«Por esta razão ... » Paulô retoma aqui com toda soJenidade a
oração que ele havia começado em 3,1; assim esta expressão não se Pe. Emanuel Messias de Oliveira
refere apenas aos 13 primeiros versículos do cap. 39 , mas também ao Governador Valadares, MO
1
que foi dito antes do cap. 3°, a saber, a salvação que os gentios obti-
veram na fé, mediante a graça de Deus. Terceira leitura: ]o 19,31·37
O esclarecimento do v. 15 é Certamente polêmico contra os erros
gnósticos como a aposição feita nó v. 9. Ele é Pai como redentor e 1. É improvável que jo se i'efere ao SI 34133],21 (a proteção do iusto por ·Deus),
pois não se encontra outro traço deste salmo nos textos escrlturfstlcos utilizados
criador de todas as coisas que e~istem quer no céu, quer na terra. pelos primeiros cristãos. Não se pode excluir que também este salmo ià use tlpologl-
Nesta oração solene, Paulo pede a Deus «segundo a riqueza de sua camente a frase de Ex 12,46.
glôr:ia», ou seja, segundo a prodigalidade dos seus dons! que os cristãos
sejam fortalecidos em poder (1° pressuposto). Fortalecidos como? Pelo
seu Espírito em função do homem interior. É justamente o Espírito que 1. A períco pe no 41) evangelho
vai dar força ao homem e vai renová-lo interiormente. O homem interior
é o homem recriado no batismo; é o homem em Cristo, o homem maduro, A presente perícope faz parte da narração da Paixão de .jesus
o homem novo cf. 3,23-24; 4,13; CI 3,10) . conforme joão e contém material não encontrado nos evangelhos ºsinô-
.O v. 17: «Que Cristo habite pela fé em vossos corações» (2° pres- ticos: o crurifrágio, ou seja, a prática cr.uel de quebrar as pernas dos
suposto). O homem interior é este h.omem em cujo coração Cristo habita, supJicados com barras de .ferro para acelerar a morte, e a perfuração
e renova constantemente sua habitação. Paulo explica que é a fé· a chave do lado de jesus como prova de sua morte. Estes dois elementos são
capaz de abrir o nosso coração, mo.rada permanente de Cristo. Ele pede relacionados com o contexto anterior mediante a justificativa de que os
também para os cristãos esta dimensão sólida do amor como fundamento corpos não podiam ficar na cruz durante o sábado solene (pascal) que

530 531
~1

l
'
estava para iniciar. justificativa exagerada, pois conforme Dt 21,23 os Vemos assim com maior clareza que Deus, através da ação dos
cadáveres dos suplicados deviam ser sepultados antes do pôr do sol; oponentes e seu efeito superficial, realiza a eficácia profunda de seu
não era preciso um sábado festivo para tal prática. Na seqiiência, José intento: sua obra. Resta-nos agora perguntar qual é o sentido desta
de Arimatéia pede a Pilatos o corpo de Jesus para sepultá-lo. Na trà- realização: em que sentido vê o evangelista se reaJizarem os textos
diçãQ sinótica, este pedido precede. a consfatação da morte mediante escriturísticos na morte de Jesus como ela está aqui descrita? Para isso
consulta do centurião (e!. Me 15,43-45). é preciso considerar· a relação de sua redação com a tradição que ele
utiliza.
A tradição da presente narração já não é uma mera tradição histó-
2. Análisé exegética rica. Reconhecemos facilmente a presença de motivos teológicos comuns
entre os primeiros cristãos:
Na estrutura da narração da 'Paixão, a presente pericope aparece 1) A tipologia de Jesus - Cordeiro Pascal («nenhum osso lhe será
'! como um texto onde os oponentes de jesus são os agentes aparentes. quebrado», Ex 12,46): '1 cf. lCor 5,7: «Cristo, nossa páscoa, é imolado».
Tais; textos alternam com outros, onde os fiéis s"ão os agentes: Jo assume esta tipologia em toda a narração da Paixão (na sua crono-
logia, diferente da dos sinóticos, jesus é crucificado na bora da imolação
:___ 19,17-24: oponentes: os soldados, com intervenção dos Judeu~. do cordeiro pascal no templo: Jo 19,14; por isso, também, na cronologia
crucificam jesus; _ de jo, não a última ceia, como nos sinóticos, mas a tarde da morte de
r- 19,25-27: os fiéis ao pé da ·cruz; Jesus é o início da Páscoa). A sistematicidade com que Jo observa esta
- 19,28-30: jesus mesmo (morte); , tipologia nos leva a crer que ele constitui conscienteinente uma inclusão
19,31-37: oponentes:. os soldados executam o crurifrágio e per:- literária com o início de seu evangelho, onde jesus é apresentado como
furação do lado de Jesus (com intervenção dos judeus); . o Cordeiro de Deus (1,19.35), que «tira o pecado do mundo»-, anúncio
- 19,38-42: os fiéis: josé de Arimatéia e Nicodemos sepultam jesuS de sua obra salvífica, aqui realizada e participada, mediante sua glori-
(a partir daí, os· fiéis e jesus continuam sendo os agentes da ficação e dom do Espírito (destacado também em Jo 1,33), pelos discí-
narraçâo). pulos, na Páscoa (20,19-23). Pois a morte, ressurreição e dom do Espí-
rito devem ser vistos como urna unidade, a «exaltaçãO» de Cristo, na
Em ambas as cenas onde atuam os oponentes (soldados com inteT- cruz e na glória (cf. 12,32-33; 17,ls, etc.).
venção dos judeus junto a Pilato~). encontramos mencionado o cum-
primento das Escrituras. Jsso quer' dizer que os agentes são apenas 2) A tipologia do Messias rejeitado e morto de Zc 9-14 (cf. Me
aparentes. O verdadeiro agente é Deus, que conduz a obra de seu Filho ll,J-11/Zc 9,9; Me 14,27/Zc 13,7; Mt 11,29a/Zc 9,9): «Olharão para
até o ponto final: «Tudo está consumado» ( 19,30, centro da estrutura aquele que transpassaram» (o texto hebraico diz, por causa de um erro
que aqui analisamos). Os judeus, Pilatos e os soldados são, como Caifás gráfico ou por querer identificar Javé com seu servo: «olharão para
em "J 1,49-52, instrumentos inconscientes no cumprimento do plano de mim que transpassaram»). No conjunto de Jo esta topologia se aproxima
Deus: A morte de Cristo é «cumprimento da obra do Pai» (cf. 17,4), e com uma outra, onde o «olhar para» é implícito: a serpente levantada
a intervenção dos oponentes, mesmo para verificar que eles executaram em sinal de salvação por Moisés (jo 3,14), prefiguração da «exaltação»
bem sua obra assassina, é, np fundo, um sinal da obra salvífica de Deus. (elevação de Cristo na madeira da cruz, mas também no poder do Filho
Quando olhamos ·para a estruturâ interna da própria perícope, nota- do homem: cf. 12,32-33), no.ato de amor salvífico de Deus por nós (3,16).
mos bs seguintes elementos: Portanto, Jo interpreta a morte do justo em Zc 12,10, tema tradicional
1) o ensejo, exp1icado num versículo de transição (v. 32): o porquê na cristologia primitiva, como prefiguração da «exaltação», que nos faz
da ação dos soldados, que com Pilatos e os judeus (intervenção) levantar os olhos ao Cristo salvador.
são os agentes apãrenteS: ó ·1ado oposto a jesus (cf. supra). Por que menciona jo que do lado aberto de Cristo sai água? Na
história da exegese encontramos basicamente duas explicações: 1). ExpJi-
2) uma dupla ação e seu efeito superfícia/: cação antidocetista: ]o quer confirmar que jesus morreu de verdade
J: Os soldados quebram as pernas dos co-crucificados, para que (contra a heresia de Cerinto); de fato, a fisiologia antiga achava qlle,
morram, mas não as de' jesus, que já morreu. O importante no caso da morte, não só o sangue, mas também a água saia do corpo.
é que eles não quebraram as pernas de jesus. Devemos cha- 2) Exp1icação sacramentalista: alusão aos sacramentos do batismo e
mar esta ação de ação negativa. eucaristia (cf. 1Jo 5,6). Mas, neste caso, a ordem «sangue e água»
li: Os soldados transpassam. o lado de jesus; efeito: saem sangue causa problemas.
e água. A solução vem da consideração da temática da água no conjunto
do 4° evangelho (Jo 4, Jo 7, Jo 9). Especialmente o texto de Jo 7,37-39
3) Uma dupla eficácia profunda: o cutTiprimento da Escritura (o é esclarecedor: a água que vem do interior de jesus (não daquele que
plano de Deus): crê, corno certos exegetas erroneamente interpretam) é o dom do Espírito,
1: «Nenhum osso lhe será quebrado» (v. 36). que é condicionado pela «glorifiCação» (Jo 7,39). Ora, aqui, em 19,34,
JJ: Olharão para aquele qÚe transpassaram» (v. 37). estamos exatamente na hora desta glorificação (cf. 12,12s; 13,ls; 13,31;
V
4) um parêntese (v. 35), atestando o fato. 17,ls), ou seja, a exaltação de jesus na cruz que é o trono da glória,
da manifestação do Deus-Amor. Nesta hora emana de seu lado aberto

532 533
1
'
o espírito de Deus, a água viva (cf. 1jo 5,6 e 7). Provavelmente jo Bibliografia: R. Se h na e ·k e n b u r g, Das }ohannes-Evangelium (HTKNT), Frl-
pensou também, mas como em filigrana, nos sacrameqtos que significam burgo/Brisgóvla. 3 1979, vol 111; j. K o n n ln g s, Encontro com o Quarto Evangelho,
Petrópolis. Vozes, 1975; Jd., EspirJto e iUensagem da Liturgia Dominical, Porto Alegre,
e tornam presente esta realidade. Achamos, portanto, que o evangelista EST, 1981.
«simboliza» o elemento narrativo tradicional da constatação da morte de
jesus (cl. Me 15,44-45a) no sentido do dom do Espirito. Johan Konnings
Schnackenburg (p. 344) resume bem o sentido da perfuração do Porto Alegre, RS
lado de jesus ao nível da redação do evangelista:
ANO C
l) O <olhar para» o transpassado é também olhar para o sangue
da doação e a água da salvação que sai de seu lado. Primeira leitura: Ez 34,11-16
2) Este «olhar» é, corno no caso da tipologia da serpente de
bronze (ci. Jo 3,14), condição para ter a vida (ci. 3,15).
3) Depois que os homens tiverem «exaltado» o Filho do homem, Veja pista exegética do Trigésimo Quarto Domingo do Ano A, Festa
eles verão que «Eu sou», diz jesus (8,28): também por isso é preciso de Cristo-Rei, p. 539.
olhar para o transpassado.
4) Rea1iza-se aqui também a palavra de 12,32: «Quando eu for Segunda leitura: Rm 5,5-11
exaltado da terra, atrairei todos a mim».
5) Com vistas a 7,37-39, a água simboliza o dom do Espírito. «Deus demon!-litra seu amor para conosco pelo fato de Cristo ter
Que faz o parêntese do v. 35 neste conjunto? Conforme muitos morrido por nós».
autores, seria um acréscimo de segunda mão (cf. o estilo do apêndice, Paulo procura descrever o que seja a salvação, e desenvolvendo o
Jo 21, sobretudo 21,24). Pessoalnlente prefiro aproximar este versículo seu pensamento faz uma distinção clara entre justificação e salvação,
dos «comentários do evangeJista» (p. ex. 20,30-31) e mesmo de certas como dois momentos de uma única realidade, a Reconciliação oferecida
frases de sua narração (J,19s). O parêntese pode visar realçar o valor por Deus aos homens em Cristo.
salvífico da morte de Cristo como cumprimento do plano de Deus A justificação está prenhe de esperança no encontro completo com
(Escrituras), no sentido de ser jesus o Cordeiro salvador e o Messias Deus, quando então a paz de Deus s.erá urna realidade englobante,
rejeitado mas exaltado, fonte de salvação e Espírito para os que na fé como glória. Estabelece-se assim uma relação que a teologia expressará
o contemplam. O autor quer destacar este momento e legar solenemente como graça santificante/justificação e glória eterna/salvação. A vida
o testemunho ocular para as gerações futuras, exatamente como faz a nova, que se inici~ com -a justificação, chega a sua plenitude na glória,
respeito da totalidade das obras de Jesus na conclusão do Evangelho) e é graças ao Espírito Santo urna participação na própria vida de
Jo 20,20-31. Trindade, de cujo amor ninguém/nada nos separa (cf. 8,29-39).
A tese fundamental de Paulo é que nossa esperança de chegar à
3. Uso litúrgico salvação definitiva não será confundida, pois se Deus nos amou quando
pecadores mais ainda nos amará agora que fornos justificados. É a
O que se celebra na presente festa é o amor de Deus que se esperança que em todos os momentos decisivos nos féiz esperar tudo
manifesta em jesus Cristo. Neste sentido é importante aproximar esta de Deus e nada de nós mesmos. A esperança enraizada em um Deus
perícope do texto de jo 3,14-17, onde a revelação do amor de Deus que não confunde, e ~nde não há de que se deva envergonhar. A palavra
no dom de Cristo é expressamente relacionada com a contemplação do que promete, ela meS!fla engendra a promessa.
«exaltado». Este «exaltado» é fonte de salvação e do Espírito, que é a O fundamento d.!! nossa esperança é o amor de Deus derramado
primícia dos últimos tempos. em nossos corações, pois o Espírito que nos revela o amor de Deus, é
O símbolo do coração, muitas vezes entendido num sentido senti- garantia da promessa. Quando Deus começa a nos ilar seu espírito,
mental, pode receber assim seu p1eno sentido bíblico, que é cognitivo e começa a realizar ~ promessa. Ele dá a esperança, e as razões para
volitivo. Na Bíblia, o coração -simboliza não tanto impulso sentimental se esperar.
quanto o «interesse» e a «opção», ou seja, o sentimento racional e deci- Esse amor de D-eus para conosco nos move, é dinâmico e nos
dido. O lado aberto de Cristo é sinal da opção de Deus por nós («Tanto dirige a urna resposta que leva à vida sobrenatural. A presença ativa
amou Deus o mundo», Jo 3,16). Estas são as «cogitaciones cordis mei» do Espirito Santo, então, é o sinal, o testemunho do amor de Deus em
de que fala o Canto de Entrada. nós e prova de que não seremos confundidos; é o fundamento que nos
Mediante esta concentração na idéia do amor de Deus que se foi dado com a fé e o batismo, e manifesta o amor desmedido de Deus
manifesta em Jesus, este evangelho se relaciona facilmente com as para conosco. Nele nos dirigimos a Deus como a um Pai, pois o amor
demais leituras. exige reciprocidade.
A esperança, além disso, tem seu fundamento no fato que jesus
Cristo, filho do Deus ofendido, morreu por nós que merecíamos a morte.
A promessa assim não é apenas uma palavra, mas baseada num fato
acontecido no tempo e no espaço. A palavra foi unida à ação; a pro-
messa foi atualla; a cruz não é um acidente histórico, mas a realização

534 535
' '

concreta da vontade misericordiosa de Deus que aceitou o sacrifício de Terceira leitura: Lc 15,3-7
Cristo por nós e para nós.
Paulo procura palavras para expressar esse amor, e como é difícil
expressar o que diz respeito a Deus, ele quase se contradiz no v. 7, Veja pista exegética de Lc 15,1-3.l 1-32, no Quarto Domingo da
distinguindo o justo, do homem de bem. Isso demonstra que do ponto Quaresma, do Ano C e pista exegética de Lc 15,1-32, no Vigésimo
de vista do homem, a atuação de Deus é incompreensível e misteriosa, Quarto Domingo do Tempo Comum, do Ano C.
pois morrer por um pecador certamente não passa pela cabeça de
ninguém.
A prova deste amor de Deus para conosco é a morte de Cristo. Sugestões para a homilia
Nada podíamos fazer para merecer o favor divino, mas Deus fez tudo.
1
Ofereceu em nosso favor o sacrifício que não poderíamos oferecer. Essa
':·
morte tem assim algo de estranho/contraditório/escandaloso para o ver Introdução
humano. Mas o amor é isso, ele não se justifica pelo valor do objeto
amado, não é troca, permunta. Amor é dar, a quem se ama, precisamente A festa do Sagrado Coração de Jesus foi instituída e divul-
o que ele precisa e não poderia adquirir de outra forma. gadá somente a partir do século dezessete, por iniciativa de
Na contemplação desta realidade, o homem descobre a revelação Santa Margarida Maria Alacoque. Mas, seu conteúdo principal,
do amor de Deus para com os pecadores, percebe sua verdadeira digni·
dade e a incompreensibilidade de Deus e seus. caminhos. Por isso ale· a celebração do amor de Deus feito carne, busca seu funda-
gra·se, pois não só está salvo, mas pode se gloriar, sabendo que Deus mento na revelação divina: nela o mistério de Deus é con-
dará cumprimento a todas as nossas aspirações. Gloriar.se será reco- templado sob várias facetas: Deus Criador, Senhor onipotente,
nhecer Deus como fonte de toda justificação e salvação. Libertador do povo, Verdade suprema, etc. Na festa de hoje
No fim da. ,leitura (vv. 9-11) retornam os conceitos do inicio do
capítulQ: justificação-salvação·glória, como mérito concedido a nós em ressalta-se outra faceta de Deus: o Sumo Bem, O Amor total,
função da morte redentora de Cristo. Para Paulo a graça/justificação que em Jesus de Nazaré assume forma humana. Reflitamos sobre
e a vida eterna/salvação/glória são os pontos extremos do plano este tema, para amarmos mais o Amor e ·nele fundamentar o
de Deus. Não temos certeza absoluta da salvação, pelo fato de termos amor para com todos os irmãos.
sido justificados, pois embora certamente Deus continue a nos dar sua
graça, nossa livre vontade pode reorientar nossa vida e levar-nos de
volta ao pecado (cap. 6). Da redenção além das .expectativas, porém, o Corpo
cristão tira, sempre de novo, uma nova esperança para o futuro, pois
podemos contar com a graça de Deus também no dia do juízo e da ira. 1. O dinamismo do amor
O objeto da esperança não é pois a justificação, que é urna graça já
outorgada a quem aderiu pela fé e se colocou sob o beneficio do sacri· Comecemos com breve reflexão sobre o sentido de amor.
ficio de Cristo, mas a vida eterna, a glória.
Dessa certeza/esperança os cristãos tiram o motivo de .se gloria- Para nós, o amor apresenta várias faces: o amor-sentimento, o
rem, como se gloriavam os judeus de serem filhos de Abraão. A morte amor-paixão, o amor como ato volitivo, ou amor-vontade, amor-
de Cristo preencheu o abismo entre Deus e os homens, selou a rnensa· querer. Reduzir o amor humano a amor-paixão, é rebaixá-lo à
gem proc1amada por e1e. Desse modo uma esperança com tal garantia vida instintiva. Amor-sentimento, afetivo, é aquela redundância
não pode deixar de acontecer, é a realização plena da Reconciliação de
Deus com os homens, com o mundo e os homens entre si. agradável que· toma conta de nosso ser em presença do bem
O amor de Deus para com os homens se marlifesta, nessa oferta de amado, real ou julgado como tal. O amor-querer é o simples
Reconciliação, ponto alto de seu amor que chega a doação total no ato de querer bem, de querer o bem, mesmo sem o acompa-
dom da vida e no coração do Cristo que aberto pela Jança é símbolo nhamento afetivo. A Deus como tal só pode caber esta última
do amor que chega às últimas conseqüências. faceta do amor: Ele ama, ou quer bem, quer o bem, mas nele
Bibliografia: Bíblia ComPnlada, BAC, A1allth1 1975; O. K u s s, Carla a Jos Ro·
não há sentimento. Outra faceta do dinamismo do amor é que
manos, Herder, Barcelona 1976; F. J. L e e n h ar d t, Epislola aos Romanos, Aste. ele se dirige para fora: ama o bem, quer o bem, gira por assim
São Paulo 1969.
dizer em torno do bem real ou julgado tal, aprecia-o, acaricia-o,
Pe. Carlos Alberto da Cosia Silva, S.C.J. procura unir-se a ele, o que produz na pessoa o sentimento da
Paulista, PE felicidade. Em Deus o objeto do amor é em primeiro lugar o
Sumo Bem, ou seja, Deus mesmo: Deus se ama. Em Deus, bem
e amor coincidem; em nós, não. O bem é difusivo, como diziam
os Escolásticos. O Sumo Bem, Deus, é sumamente difusivo,

536 537
irradia-se também para fora de si mesmo; nesse sentido a vai amar com coração humano; as expressões hmpanas aplicadas
criação é obra do Sumo amor. A obra redentora de Deus é no Antigo Testamento ao amor de Javé, em Jesus não são mais
irradiacão do Deus-Amor, Sumo Bem. imagens, mas realidade plena. Em Jesus e por Jesus, o amor
E~ Jesus de Nazaré o amor de Deus assume feições huma- divino assume visibilidade humana, participa dos aspectos tipi-
nas, sentimentos, afeto. O Sagrado Coração de Jesus representa camente humanos do amor; Deus passa realmente a sentir, a
a concretização desse amor. ter afeto no Coração de Jesus. Esse amplexo maravilhoso entre
o amor divino e a natureza humana, em Jesus, é em verdade
a suprema obra de Deus-Amor.
1 2. O Deus-Amor
1
' .
4. Irradiação do Amor divino-humano
' A Biblia Sagrada, sobretudo através da linguagem dos pro-
fetas, decanta o amor de Javé com expressões riquíssimas, às Através dos santos evangelhos, mormente de Lucas e João,
vezes de cru realismo, como é o caso de Ezequiel ao falar da podemos vislumbrar manifestações do amor divino-humano de
esposa infiel (o povo) a Javé (cap. 16 e 23). A aliança entre Jesus: ele acolhe e acaricia carinhosamente as crianças; acolhe
Javé e o povo é tratada com termos de amor matrimonial. Lem- pecadores; perdoa penitentes; chora com amigos; deixa a euca-
bro ]saías (54,5-8): «Pois teu esposo é o teu Criador, chama-se ristia como sacramento de sua presença amorosa. E dos seus,
o Senhor dos exércitos. Teu Redentor é o Santo de Israel. Como pede sobretudo amor: ao confiar a Pedro a guarda de suas
uma mulher abandonada e aflita eu te amo; pode-se repudiar ovelhas pede-lhe sobretudo amor. A todos: «amai-vos uns aos
uma mulher desposada na juventude? - Diz o Senhor teu Deus outros como eu vos amei».
- Por um momento eu te havia abandonado, mas com profunda
afeição eu te recebo de novo. Num acesso de cólera, volvi de ti Conclusão
minha face. Mas no meu amor eterno tenho compaixão de ti».
Jeremias põe na boca de Javé expressões de amor: «amo-te Nossa devoção ao Sagrado Coração de Jesus deve desper-
com amor eterno e por isso a ti estendi meus favores» (31,3). tar-nos sobretudo para o mistério de Amor que é Deus e que
(Ano A: Deuteronômio, 7,6-11: O Senhor ama-vos e quer em Jesus se faz carne. Nessa fornalha de amor, devem seus
guardar o juramento que fez a vossos pais. O amor de Javé discípulos buscar alimento para irradiar entre os homens as
se concretiza pela eleição, fidelidade e libertação do povo). maravilhas do amor.
(Ano B: Oséias l l,lb.3-4.8c-9: Javé ama seu povo e dele Frei Ildefonso Silveira, O.F.M .
cuida como um pai). . Petrópolis, RJ
(Ano C: Ezequiel 34, J 1- J 6: Javé vefa seu povo como
pastor amoroso).
Estas imagens são apenas balbuceios diante da realidade
que se encarnará em Jesus.

3. Amor divino num coração humano

A encarnação do Verbo em Jesus de Nazaré é sobretudo


obra do amor gratuito de Deus: O Sumo Bem, o Amor total,
difunde-se para fora de si e encontra sua tenda de habitação no
Coração de Jesus, através do qual se irradiará com feições huma-
nas. A imagem do esposo-esposa do Antigo Testamento assume
agora contornos humanos, reais, num amplexo entre amor divino
e humanidade. de Jesus e nele, entre. toda a humanidade, por
participação. Em Jesus, o amor redentor e salvador de Deus

538 539
I'

i'
Natividade de São João Batista No v. 5 a missão do Servo (que aqui só pode ser um indivíduo)
é renovada em relação ao povo de ;Israel e no v. 6 ela se estendé aos
outros povos. A missão do misterioso Servo alcançará eficiência univ'ersal.
(24 de junho) Visto à luz do aparente fracasso da missão histórica de jesus
Cristo, este poema é valioso.
Pistas Exegéticas
Bih/Jogra/itl: j. A. S o g g i n, J canl{ dl'I Ser110 dei SiRnore nel Deulero-lsaia,
Roma 1974; P.-R. B o n na r d. Le Seeond Isa1e, Paris 1972; S. Vir g u li n. /saia,
Primeira leitura: Is 49,1-6 Roma 1968; R. La e k, La Symbolique du livre d'Jsaie, Roma 1973.

«O Senhor chamou-me desde meu nascimento». Airton josé da Silva


Ribeirão Preto, SP
Há no Dêutero-lsaías - livro escrito durante o exílio de 586--538
a.C. e anexado a Isaías - 4 poemas que se destacam. São os cantos Segunda leitura: AI 13,22-26
! do Servo de ]avé.
Este obscuro personagem não foi até hoje satisfatoriamente identi- Veja a Pista Exegética da Vigilia do Natal Ano B, p, 42-43.
ficado. Não simboliza o povo de Israel, sofredor no exílio não pode ser
um rei, não é um sábio e nem mesmo um profeta. '
Os poemas (Is 42,1-4; 49,1-6; 50,4-9 e 52,13-53,12) são endereçados Terceira leitura: Lc 1,57-66.80
a nações distantes também não identificadas.
Os judeus viram no Servo o próprio povo, sofredor e portador de
salvação ao mundo inteiro. Já os cristãos, desde o século 1, aplicaram 1. O contexto
estes textos a Jesus Cristo que, como ninguém, reaJizou o que anunciavam.
Este segundo canto é delimitado pela inclusão dos v. J a-6b: trazem O autor do terceiro evangelho,: nos dois primeiros capitulas, nos
uma referência universaJista, falam dos povos distantes, destinatários do conta a infância de joão Batista e a -de jesus. Constitui uma parte muito
poema. original com um vocabulário e estilo relembrando os do Antigo Testa-
Neste texto. prevalecem as características proféticas do Servo e de mento. A narração segue o gênero Jiterário do paralelismo, embora ihuito
s~a missão. Então, aqui, o Servo poderia ser o próprio profeta? Poderia. mais aparentemente do que organicamente:
So que, no conjunto dos cantos, a identificação novamente se complica.
- anúncio do nascimento de J9ão Batista (l,5-25) e o do Ilasci-
Os v. 1-6 possuem uma estrutura orgânica (Westermann): mento de Jesus (1,26-38); ,
- saudação reciproca de Maria e Isabel (1,39-45);
v. 1a : proclamação - hino de Maria (1,46-56) e o de Zacarias (1,67-79);
v. 1b-3: o _Servo descreve o que aconteceu entre ele e Javé em vista - nascimento de João Batista (1,57-58) e o de jesus (2,1-7);
de sua missão ' - circuncisão de João Batista ( 1,59-66) e a de Jesus (2,21);
v. 4a :- o Servo manifesta perplexidade frente ao fracasso aparente - juventude de João Batista (,J,80) e a de jesus (2,40.52).
de sua missão
v. 4b-6: logo a perplexidade é dissipada, sua nlissão é confirmada Temos ainda o episódio dos pastores (2,8-:20), a apresentaçãÔ de
e estendida a todos os povos Jesus no templo após 40 dias (a de: João Batista não é contada porque
a Lei não obrigava a cumprir este ·ato ritua1 de piedade: 2,22-39) e a
No v. 1 o Se~vo .apresenta as suas cre~enciais: frente à importância cena de Jesus no meio dos doutores, (2,41-51). Os quatro cânticos (Mag-
da missão, ele se Justifica perante seus ouvintes, as «ilhas» e as «nações nificai: 1,46-56; Benedictus: 1,67-79;:0/ória: 2,14; Nunc dimitis: 2,29-32)
distantes». deixam transparecer o gosto de Lc ,pela liturgia (e!. 24,13-35) e cons-
i;.m seguida, ele descreve como será a sua missão (v. 2): agirá tituem o cimento modelando o conjunto num bloco unitário. l
atraves da pal~vra. Palavr~ que é adequada e eficiente, conforme explica
o poema a traves de duas 1mag~ns ~arrocas: palavra afiada como espada
e. J?Onteagu?a como flecha. Alem disso, o Servo conta com a proteção 2. Comentário do texto
d1v1na: Jave esconde-o na aJjava, como o arqueiro a flecha.
_ Agora, o Servo já pode faJar da finaJidade da missão: a glorifi- 2.1. Nascimento de joão Batista (v. 57-58)
caçao de Javé (v. 3), finalidade primeira.
De repente, contudo, a preocupação: a missão faJiu. Isto o deixa Lc menciona rapidamente o nascimento de João Batista (2 versí-
perp1exo. (~. 4a). hlas, só por um instante: o insucesso é aparente, pois culos) para concentrar toda a atenção sobre a sua circuncisão (8 ver-
o seu «d1re1.to~ e a sua «recompensa» estão com Javé, reconhece; só a ele sículos). No caso de jesus é o contrário: assistimos a um deslocamento
pertence a ultima palavra sobre o sucesso ou falência de sua obra (v. 4b). do interesse de Lc. Enquanto a circrincisão de Jesus é apenas notifiCada
( 1 versículo só), o relato de seu nascimento é bem mais desenvolvido

540 541
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, I'
(7 versiculos) do que o do Batista. Isto se deve ao fato que para Lc da mãe, eles vão dirigir-se ao pai «através de sinais» (v. 62), revelando
'1 era muito mais importante explicar por que o Salvador nasceu em Belém, assim que Zacarias tornou-se também surdo. AJiás, mudez e surdez são
na Judéia, enquanto o .Jugar de nascimento de João (em Ain Kãrim, duas enfermidades que se completam. A resposta, por escrito, provocará
mais ou menos a 8 km de jerusalém) não interessa. Por outro lado, a um segundo espanto: contra todo prognóstico, Zacarias confirma o nome
circllncisão do Precursor é muito importante porque, naquela oportuni- proposto pela sua esposa: •Seu nome é joão> (v. 63). Apesar de não
dade, conforme o costume judaico, receberá o seu nome: «João». ter se entendido anteriormente, os pais da criança propõem um nome
A expressão «chegou o tempo» (v. 57) aparece em vários lugares idêntico, sem ligação alguma com a familia! A admiração, suscita~a por
;,;
do Evangelho de Lc (1,23; 2,6.21.22) para indicar a realização das esta inesperada coincidência, é a reação habitual diante dos milagres
várias etapas do tempo messiânico que começou com a concepção mila- (8,25.56; 9,43; 11,14; At 3,10) e as outras manifestações divinas (24:12.41;
grosa de Isabel (v. 24). At 2,7). Não tem dúvida: assistimos a um fato superando o entendimento
:i O v. 58 parece inspirar-se em Gn 21,6a onde a velha e estéril Sara humano e que não pode explicar-se peJo simples acaso.
' concebeu e deu à luz um filho a Abraão, no tempo predito por Deus: Se aJguérn ainda está duvidando da realidade sobrenatural do acon-
«Deus me deu um motivo de riso, e todos os que o souberem, rirão tecimento, como expJicar que, de repente, o sacerdote da classe de Abias
comigo». Com efeito, o paralelismo entre o nascimento de Isaac e o do (1 5) recomece a falar? O seu mutismo, necessário para explicar que
Batista se impõe irresistiveJrnente. Nos dois casos, descobrimos a mão nã~ podia ter comunicado o nome do menino à sua esposa, termina
de Deus quando se dignou retirar o opróbrio de Sara e Isabel perante quando Zacarias manifesta sua completa submissão à mensagem do
os homens, numa sociedade considerando a esterilidade como desonra enviado de Deus. O temor se apodera então de todas as pessoas pre-
(On 30,23; lSm 1,5-8) e até mesmo como castigo (2Sm 6,23; Os 9,11). sentes. Lc gosta de insistir sobre este aspecto. O mesmo temor mani-
,, festa-se quando o Anjo do Senhor aparece a Zacarias (1,11), a Maria
2.2. Circuncisão de joão Batista ('V. 59-66) (1 30) e aos pastores (2,9-10); ver também 4,36; 5,8-10.26; 7,16;
8,:Í.5.35-37.56; 9,34.43; 24,37; At 2,43; 3,10; 5,5.11; 10,4; 19,17. Não se
O oitavo dia depois do nascimento era 11 data legal da circuncisão trata de um «santo pavor» mas sim de atitude existencial da criatura,
(On 17,12; Lv 12,3). O rito foi estabelecido a partir de Abra\o quando pecadora e imanente, em frente do seu Criador. três vezes santo e trans-
Deus fez aliança com ele, tornando-o pai de uma multidão de povos cendente (Is 6,1-5). No AT, o <temor de Deus» (um dos sete dons do
(Gn· 17,5-10). Desde então todos os varões entre os pósteres de Abraão Espírito Santo) ocupa um espaço bem mais amplo do que o do «amor de
foram circuncidados para manifestar em sua carne a aliança perpétua Deus». Porém, se Deus é um rei temível, ao mesmo tempo é um pai
de Deus com seu povo. Até hoje, judeus e muçuJmanos obedecem a amante. Por isso, o temor de Deus implica ao mesmo tempo uma atitude
este mandamento fundamental; o seu não cumprimento exclui a pessoa existencial de respeito e de amor.
do plano salvífico de Deus (At 15,1) e constitui um pecado irremissível Zacarias pôs-se a falar, bendizeJ!dO a Deus (v. 64). O seu cântico,
(jubileus 15,33-34). O preceito atinge «tanto o nascido em casa corno o o Benediclus (v. 67-79) é citado Um pouco mais adiante, para não
comprado de estrangeiros» (Gn 17,12-13). É tão adstringente que «O inserir uma peça poética' numa narrativa em prosa. Como o Magnificai,
incircunciso, o varão que não tiver amputado o prepúcio de sua carne, foi colocado por Lc nos lábios de Zacarias depois de ter sido adaptado
será exterminado do IJleio de seu povo» (Gn 17,14) pois vioJou a aJiança à situação pelo acréscimo dos v. 76-77. Estes dois versículos são urna
sagrada. curta profecia descrevendo rapidamente qual será a atuação do Batista.
Primitivamente, no Antigo Testamento, o nome era dado no dia do e a resposta à interrogação do v. 66': «Que virá a ser este menino?»
nascimento (Gn 21,3-4). Mais tarde, sob a infJUência do heJenismo e
do judaísmo mais recente, passou . a ser dado no dia da circuncisão: 76 «E tu, menino,
é o. caso aqui. Geralmente, costumâvarn dar ao menino o nome de seu serás chamado profeta do Altíssimo;
avô (para evitar o problema de homonirnia entre pai e filho). Por causa pois irás à frente do Senhor. MI 3,1
da idade avançada de Zacarias, os parentes queriam dar à criança o para preparar-lhe os caminhos, Lc ·1,17
nome de seu pai; a diferença de idade era tão grande que não teria 77 para transmitir a seu povo o conhecimento da salvação
confusão. Parecia tão evidente que se esqueceram até de pedir a opinião pela remissão de seus pecados».
do pai! TaJvez porque se acostumaram ao seu silêncio forçado. É preciso O resto do salmo é um hino de ação de graças à misericórdia de
que Isabel reaja, propondo o nome de «João~. No Antigo Testamento, Deus para os oprimidos (v. 68-75 e 78-79). Desenvolve, de maneira
o nome da criança podia ser dado indeferentemente peJo pai (Gn 16,15; poética, a conclusão da parte narrativa: «E a mão do Senhor estava
17,19; Ex 2,22) ou pela mãe (On 29,32-35; 30,6.24; Jz 13,24; lSm 1,20; com ele» (v. 66b). Esta expressão de Lc é tirada do AT que expressa
4,21; 2Sm 12,24). Entretanto, quando havia confJito entre os esposos, a assin1 a proteção de Deus sobre os seus fiéis (SI 80,18; 139,5) e sua
opinião do pai prevaJecia (Gn 35,18). João recebe o nome de seu pai assistência sobre os seus profetas (Is 49,2; Ez 1,3; 3,14.22; 8,1); O
(1,13.63) e jesus de sua mãe (1,31), por causa de sua conceição virgi- próprio nome do Batista («João», isto é, «0 Senhor faz graça») sinte-
nal Obedecendo à ordem do anjo, Zacarias e Maria manifestam a sua fé. tiza e ao mesmo tempo cumpre o pJano misericordioso do Deus de
Porém, Isabel não estava sabendo que um mensageiro de Deus Israel que se lembrou de sua aliança com Abraão, cujo sinal visíveJ é
tinbá indicado o nome de João. E como ninguém de sua parentela tinha justamente a circuncisão. Assim o nome da ~essoa revela . ª? mesmo
este" nome, percebemos melhor que teve urna intuição divina. Mas os tempo o sentido de sua missão. No oriente antigo, o nome e importan-
vizirihos e os famiHares ainda não o percebem. Discordando da opinião tíssimo porque revela aquele que o usa; por isso, podemos falar de uma

542 543
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. I''
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11!

verdadeira teologia do nome. menino, quando, observado o rito,· a imposição do nome, cujo
significado é «Deus faz favor», isto é, graça, antecipa a missão
.2.3. juventude de joão Batista (v. 80)
que lhe é reservada: atender à óração do povo consistia em
Esta fórmula estereotipada insj:>ira-se na infância de Samuel ( I Sm tornar efetiva a Aliança até as su.as derradeiras conseqüên-
2,21.25) e um pouco também na de .Sansão (Jz 13,24-25). É uma espécie cias, o que, para Lucas, é superar· todas as expectativas e toda
' ! de ~stribiJho que encontramos igualmente em Lc 2,40.52 para descrever
il a vida ocuJta de Jesus em Nazaré. Resume num versículo só toda ·a '! promessa, como se pode divisar ºno anúncio feito a Zacarias.
:r Todavia, não se detém ai a caracterização do evento: o advento
1' juventude de joão: isto significa que não sabemos nada dela! A única
informação que possuímos é que o Batista «habitava nos desertos». Este de João põe termo à esterilidade do povo, simbolizada em
traço já prefigura a atividade ulterior de joão (Lc 3,2.4; 7,24). O Elizabeth, pois os tempos messiânicos serão de fecundidade no
de~e~to, lugar de treinamento dos profetas, será também o quadro do
deserto ( cf. Is 49,18-21; 54,I; SI 113,9); igualmente, desfaz-se
rehr9 de Cristo, preparatório à sua vida pública (Lc 4,1-13).
o silêncio de Deus, simbolizado por Zacarias (Is 32,3-4), pois
.. j a era que se prenuncia será assinalada pela epifania da palavra:
Bibliografia: P. B e no i t, ,\-1.~E. Bois mar d, SJ•nopse des qu.atrc Gvangiles Zacarias profetiza. Enfim, a admiração que s.e apossa de todos
tomos I. "., 2, éd. du Cerf, Paris _1965 e 1967. 7 e 8; O. B o e e a 1 i, A. La n e e 11 o t ti'.
Comentgno ao Evangelho de Suo Lucas, Ed. Vozes, Petrópolis 1979, p. 4.1-15 e -17-48; é a reação à «mão de Deus», cuja ação se faz sentir ( cf. l Cr
A. S tu g e r, O Evangelho Segundo Lucas, 2 tomos, Ed. Vozes, Petrópolis 1973 e 4,10; AI 11,21). .
1974; C. S tu h 1mue11 e r, Evangelho de Lucas Ed. Paulinas São Paulo 1975 p
40-41; "Traduction Oecumênique de la Bib1e", NÓuveau Testament, Ed.' du Ceri ...:._
Les .B~rges et les A1ages. Paris 1977; A. '.(an den B o r n e outros, Dlctionnaire Ency-
A secção seguinte, omitida pela Liturgia da Palavra, é a
clopeí_i1que de la Bible> Brepols, Turnhout, Paris 1960, art. Temor e Noml'. profecia na qual o evento se interpreta: a sua função é abrir
a narrativa àquilo que se prenuncia e prepara: a «visita do
Pe. Hugues d'ANS Senhor» é o sinal inaugural do cumprimento da promessa de
Lins. SP
libertação do povo cuja plenitude será anunciada logo mais com
Tema prlncipal
a Natividade de Jesus. O paralelismo está por se perfazer e a
figura do precursor aparece aberta à novidade que está por
João Batista, o Profeta da conversão para o Reino
eclodir: cumpre-lhe preparar, não um caminho qualquer, mas o
,. Sugestões para a homilia caminho do Senhor. A missão de João se cumpre toda em um
testemunho mais do que profético; no Evangelho das origens
' A Natividade de São João ' Batista é. tema teológico próprio de Jesus, Lucas a inscreve na pessoa do precursor, fazendo
ao Evangelho de Lucas. Ela se insere no quadro de uma teologia confluir para ela a tradição mais autêntica do Antigo Testa-
mento, a qual ele assume para ceder lugar ao Novo, não sem
que~ proclama a libertação do povo sob a forma de uma nova
antes proclamar a necessidade de uma conversão dos corações
criação: esta se sucede à antiga que, havendo sido a sua pro-
messa e prefiguração, se suprime no momento mesmo em que e das mentes, o momento inaugural mas ainda prévio da fé que
se realiza. Isto é expresso nos dois primeiros capitulos do Evan- inicia no mistério de Cristo.
Sem dúvida, esta é uma leitura cristã da pessoa e da missão
gelho mediante um paralelismo. entre João e Jesus, paralelismo
no qual, momento após momento, o antigo cede lugar ao novo, de João Batista. Nela se resolve a ambigliidade da história real
no sentido indicado pelo destino e pelo martírio daquele que
não já por •um desmoronamento catastrófico, mas na aJearia de
• b foi mais do que profeta. Lucas divisa na gesta do seu nasci-
quem cumpriu a sua missão e se defronta com o que esta visava.
e ó que se pode depreender de uma leitura mais intima da mento o marco de sua missão e a medida de sua grandeza.
Nele se esgota a profecia, tal a conhecera o Antigo Testamento
presente s~cção. Esta principia· por enfatizar a alegria dos que
e se esgota em sentido prqprio; por isso, quanto à sua missão,
cercam Ehzabeth, para ser rematada por uma profecia (que o
evangeliário litúrgico omite), esta já toda voltada para Aquele João chega às fronteiras do Reino, não só porque o antevê e
proclama, mas porque, esgotando as possibilidades do antigo,
que João há de visar em sua missão. .
abre lugar ao absolutamente novo. Nesse sentido, João é o
O clima da secção principia por ser um clima de alegria:
termo final e o momento de negatividade de toda a Tradição:
esta remonta à de Sara (On 21,6), mas com matizes que já
não havendo mais o que transmitir, importa receber. Mas, para
são dos tempos messiânicos (d. Sf 3,14-17; Jr 3J.,12-l3; Is
isto, é necessária a renúncia a tudo e a abertura ao hoje das
51,3.10.l 1; Lc 1,14.17.57). Isto se vislumbra na circuncisão do

544 545
'.-- ,,

relações com Deus, é necessana a metánoia. ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA


Ainda hoje é atual dizer que João prepara os caminhos do
Senhor: a história do homem não é uma seqiiência linear. Sem Veja Mesa da Palavra, Ano A, p. 547
repetir-se, ela não dispensa cada geração e cada idade de emer-
gir da ambigüidade do humano para a opção pelo Reino. O Cor-
deiro que João aponta, encontra-se sempre para além do marco TODOS OS SANTOS
próprio a cada homem e a cada povo e, isto, até a plenitude
pascal no Espírito. A necessidade da conversão tem a sua raiz Veja Mesa da Palavra, Ano A, p. 555
na senectude congênita do homem: este tem sempre que romper
com seus próprios resíduos mas também com tudo o que incorpora Veja pista exegética do Terceiro Domingo da Quaresma, Ano B.
i, e já não é ele próprio: toda a conversão é uma ruptura, em vista
de ser uma adesão. João é o seu profeta: ele proclama ainda
hoje a sua necessidade e a direção em que se articula! O Reino
está aí, ao alcance do homem: mas importa que este se converta,
resolvendo-se interior e exteriormente na direção que seguem os
passos do Cordeiro.
Há, pois, porque celebrar-se hoje a natividade de João
Batista. Ao fazê-lo, a Igreja estende as suas raízes a seu solo,
historicamente remoto, mas presente no espírito e no coração
do homem. No caso do Brasil, a Igreja que redescobre nos
pobres e nas bases da sociedade um constituinte de sua própria
1' essência é, sempre, em seu momento primeiro, João Batista que
precede e proclama, para ser depois o corpo vivo do Cordeiro,
i precedido e proclamado.
Benjamin de Souza, 0.S.B.
1 São Paulo, SP, 1980

546 547
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! 1
j 1 Examinemos mais de perto o texto da primeira leitura de hoje.
Lucas situa o martlrio de Tiago e a prisão de Pedro «nos dias dos
ázimos>, isto é, na semana da Páscoa (v. 3). Tal localização do episó-
dio no tempo poderia ser simples paralelo com a Paixão do Senhor.
29 de Junho - Santos Apóstolos A expressão «por aquele tempo» (v. 1) parece referir-se ao tempo em
que Barnabé e Saulo estão em jerusalém (11,30). A data permanece
Pedro e Paulo incerta, pois Flávio josefo nos fala de mna fome havida em jerusalém
i. nos anos 46/48, ou seja, após· a morte de Herodes Agripa em 44..
! i A menção do martirio de Tiago, a prisão de Pedro e sua coloca..
1
Pistas Exegéticas ção sob a custódia de uma guarda reforçada (w. 3s), deixam patente
,, a sorte que aguarda o príncipe dos apóstolos caso não haja uma inter..
venção divina. Lucas não se detém no martlr1o de Tiago, apesar de.
'· Prüneira Leitura: A1 12,1-11 ser o primeiro mártir entre os apóstolos, pois está preocupado em
, ·,· mostrar o triunfo da boa causa do Evangelho. Em vez disso concentra
'' «Agora sei que o Senhor enl'iou Sl'JJ anjo e me arrancou das
1 mãos de }/erodes e de toda a expectativa do povo judeu» toda a atenção na situação angustiante que envolve Pedro. A comu-

( No cap. 12 dos Aios dos Apóstolos, com a libertação maravilhosa


nidade em peso está preocupada e põe-se em oração (v. 5). Apenas Pe-
dro dorme, bem vigiado. A insistência no sono de Pedro, que teve de
ser despertado pelo anjo com um <cutucão no lado» (paláxas de ti!n
1. de Pedro e a súbita morte do perseguidor Herodes Agripa, Lucas en- pleuràn, v. 7), e que recebe ordens eomo se fosse um autômato, realça
i cerra a primeira parte de seu livro, centrada na figura de Pedro e a sua total passividade na libertação. Pedro nem mesmo reza ou canta,
na comunidade de Jerusalém. A partir de então concentrará sua atenção como o farão Paulo e Sitas em situação semelhante (16,25), em Fili-
na comunidade de Antioquia, cujos protagonistas são Paulo e Barnabé. pos. Sua libertação é pura obra da intervenção divina. O próprio Pedro
Desde o início desta primeira parte é Pedro quem toma as iniciativas parece não acreditar no que estâ acontecendo. Não sabe se é realidade
na Igreja, sob a ação do Espírito Santo. No final da mesma é nova- ou sonho o que está vivendo (v. 9). Somente depois, quando atravessam
mente Pedro que é posto em destaque em Jerusa1ém. Perseguido e as guardas e o portão, que se abre por si, e quando o anjo o deixa
'' ' ameaçado de morte, é socorrido milagrosamente pela providência divina. na rua sem se despedir (v. 10), reconhece a realidade dos fatos: «Agora
Fie] ao esquema proposto desde o inicio (1,8), Lucas mostra nesta sei que o Senhor... me arrancou das mãos de Herodes ... » (v. 11).
primeira parte como, a partir de Jerusalém, Pedro confirma os cristãos Com estas palavras, tipicamente lucana~, Pedro reconhece o poder li-
da Samaria (8,14) e da região marítima da judéia, onde batiza o bertador de Cristo (o kyrios).
primeiro pagão, Cornélio (9,3~10,48). já em At 11,19 Lucas começa Jâ em AI 5,19ss Lucas havia falado de uma libertação milagrosa
a fa1ar da fundação da comunidade de Antioquia. Mas antes de descre- dos apóstolos, a qual permitiu continuarem pregando o Evangelho. De-
ver as atividades missionárias desta nova Igreja voltada para o mundo pois mencionará a libertação cte Paulo e Silas (16,19) que lhes possibi-
gentio, Lucas quer reforçar os laços entre a jovem comunidade e a Jitou prosseguirem em sua triissão de espalhar a boa-nova entre os
Igreja-mãe de Jerusalém. Fala, por isso, do envio de Barnabé, de Je- gentios. Também a libertação .milagrosa de Pedro, que vai «para outro
rusalém a Antioquia (11,22), e da viagem de Barnabé e Saulo a jeru- lugan, serve para mostrar que a providência divina não abandona a
sa1ém para levar esmolas em socorro dos irmãos oprimidos pela f!>me sua Igreja (cf. 2Tm 4,17). Pedro prosseguirá em sua missão de pre-
(11,30). Concluída a missão, os dois apóstolos retornam novamente a gador, mesmo que dele Lucas não mais fale, até o seu martírio em
Antioquia (12,25). Roma, conforme nos contam os Atos apócrifos de Pedro e Paulo. Em
O cap. 12 é, pois, uma inserção para a qual Lucas deve ter recor- seu lugar continua Tiago, irmão do Senhor, como chefe da Igreja de
rido a alguma fonte. Enquadrados entre a vinda e o retorno de Bar- jerusalém. O centro da Igreja desloca-se de jerusalém para Antioquia
nabé aparecem dois episódios relacionados com Herodes Agripa: a per- (At 13ss), donde Paulo e Barnabé partirão para as viagens missionárias.
seguição de alguns lideres da Igreja de jerusalém (12,1-4), que re- Lucas conclui o episódio desta nova perseguição dos apóstolos em
sultou no martírio de Tiago, irmão de João, e na prisão de Pedro, e jerusalém com a morte do perseguidor (w. 18-23). Com isso deixa bem
a morte do perseguidor (12,18-23). No meio destes episódios Lucas claro que a obra iniciada pelo Espirito Santo em sua Igreja · é inven-
insere a libertação de Pedro (vv. 5-11) e seu reencontro com a comu- civel, como fora previsto pelo sábio doutor da Lei, Gamaliel (At 5,38-39).
nidade (vv. l:l-17). O reencontro serve para reforçar a grandiosidade
Bibliografia: H. H a e n eh e n, Die Apostelgeschichte, Ooettingen 1965, p. 89,
do milagre, mas somente com a morte do tirano (vv. 18-23) o triunfo 323-335; J. K il r z i n g e r, fAtos dos Apóstolos (co1. "Novo Testamento - Comen-
divino torna-se completo. A exegese é concorde em afirmar que Lucas tàrlo e Mensagem", 5/1), Petrópolis 1971, p. 7-12, 311-316; J. D u p o n t, Estudos
sobre os Atos dos Apóstolos, S. Paulo 19'14, 323-325.
deve ter assumido esta história, quase sem retoques, de alguma fonte.
De fato, o estilo Iucano percebe-se melhor apenas nos vv. 11-12. L. Garmus, O.F.M.
17.18s.24s. Petrópolis, RJ
548 549
Segunda Leitura: 2Tm 4,6-8.17·18 Terceira Leitura: Mt 16,13-19

«Combati o bom combate, terminei minha carreira, guardei a fb cTu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja.

O problema da autenticidade paulina das Epistolas Pastorais con- Esta passagem, convencionalmente designada como a «confissão de
tinua sendo uma questão aberta. Autores de renome, tanto católicos Cesaréi~, constitui um dos pontos centrais do evangelho de Matens.
como protestantes, dividem-se de maneira equilibrada diante do pra... Pela primeira vez, jesus interroga os seus discípulos acerca de sua
blema. Basicamente são quatro as posições: duas diametralmente opos- pessoa (Mt 16,13-19); pela primeira vez, nos versículos qu~ seguem,
tas, isto ~' a favor ou contra a autenticidade, e duas conciliadoras, ou jesus anuncia a sua paixão e ressurreição (Mt 16,21-23); e ·aos sofri-
seja, a hipótese de um secretário a quem Paulo teria fornecido as li- m~tos de Cristo são associados os seus seguidores: eles, por sua vez,
nhas gerais do conteúdo, e a hipótese de um redator tardio1 o qual terao que carregar a sua cruz (Mt 16,24-28). .
teria reelaborado i;11!ormações ou bilhetes do próprio Apóstolo. «Ê pos- O conjunto que vai do versículo 13 ao 23 possui uma! estrutura
sível que um admirador de S. Paulo, para atender às necessidades da esquemática:
Igreja de seu tempo, tenha procurado estabeJecer o que considerava ser ;!
o testamento espiritual do Apóstolo. Para tanto recorreu a detalhes da
vida de Paulo, tirados de escritos autênticos e parcialmente integrados A B
nas Epistolas Pastorais~ (cf. T.0.B.).
. O texto de 2Tm 4,6-8.17-18 inclui-se entre tais informações de ca- v. 13: pergunta de jesus v. 21 : afirmação de jesus
'•
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1
rater pessoal de Paulo, com sabor de autenticidade. Mas o teor destas v. 16: intervenção de Pedro v. 22: intervenção de Pédro
!· informações pessoais diverge de outras contidas em suas epísto1as au- v. 17: pensamentos de Deus e não v. 23: pensamentos dos homens e
tênticas (cf. FI 3,12-14; 2Cor 11,30; 12,5s.9s). dos homens não de Deus
A Segunda Carta a Timóteo aparece como um testamento dirigido v. 18: Tu és Pedra da Igreja v. 23: Tu és Pedra de ''escândalo
por Paulo a um de seus discípu1os. Em nosso texto, Pau1o é apresen-
tado como o tipo do homem de Deus, um verdadeiro santo a ser admi- O relato estã construido sobre uma troca de títulos entre jesus e
rado e imitado. É um homem que está de consciência tranqüila certo P~dro. Pedro confere a jesus o titulo de Messias; jesns ,. responde
?ª recompensa próxima (vv. 6--8). Assim ele espera «a coroa da glória», outorgando ao Apóstolo o titulo de Pedro e o poder das chaves. Pedro
recusa em ver no Cristo o Servo Sofredor; Cristo o acusa de~ ser uma
ISto. é,_ a recompensa pela virtude da justiça (cf. Rm 3,26) do fiel de-
posdâr10 q~e guardou zelosamente o bem confiado. Tal recompensa virá pedra de tropeço.
<naquele d1~ (cf. 1,18), ou seja, no dia da manifestação do Senhor A pergunta de jesus: «Quem dizem os homens ser o Filho do
do seu julgamento. Nesta recompensa terão parte todos os que com~ Homem», segue uma surpreendente variedade de respostas. Nesta va-
ele, «amam a sua vinda» (v. 8), preparando-se pela vida crÍstã no riedade transparece a diversidade de doutrinas apocalípticas'- judaicas
~guimento do Cristo encarnado (2Tm 1,10), para recebê-lo na Paru- vigentes na época. Todos esperavam uma intervenção decisiva -"de Deus,
s1a. Paulo está pronto para enfrentar o martirio, pois sabe que, mor- intervenção esta que seria, a um tempo, juízo e salvação. Esta' expecta-
rendo, «morre para o Senhon (cf. Rm 14,8). tiva se voltava para o passado e para o futuro; as figuras dó passado
Em seguida o Apóstolo passa a falar da situação pessoal (vv 9- seriam a garantia da salvação esperada.
18), de seu sofrimento por causa dos falsos amigos que o abando~am O texto de Matens contém três categorias de resposta~. Alguns
(vv. 10.14), do manto e dos pergaminhos deixados em Trôade (v. 13). se perguntavam, a exemplo de Herodes, se jesus não seria o Batista
Seu conforto é o Senhor que o assiste, dando-lhe forças para anunciar ressuscitado (Mt 14,2); outros o consideravam como Elias, isto é, uma
o evangelho aos pagãos até o fim. Por isso ele foi «salvo da boca do da". figuras clássicas da apocalíptica judaica (Mt 17,3; 17,9-13); outros
leão» (cf. SI 22,22; !Me 2,60), expressão que poderia estar aludindo enfim viam nele um dos grandes profetas. Mateus menciona aqui Je-
à sua libertação após a primeira audiência (v. 16). Agora, porém, remias, o homem das dores. 1 Seria isto devido à mistura de- poder e
n.ovamente preso (2Tm 1,8; 2,9), Paulo já não espera a libertação f!- sofrimento já perceptíveis na Vida terrestre de Cristo?
~1ca. S!cundando o pedido final do Pai-Nosso, o Apóstolo espera a jesus não comenta as opiniões que circulavam entre o povo a seu
J1bertaçaê> «de todo o mal» -e a salvação definitiva para o reino celes- respeito. Introduz diretamente ' a pergunta: cE vós que dizeis que eu
tia1 (v. ,JS). Estes versículos, autênticos ou não, servem para exprimir sou?» A resposta de Pedro: «Tu és o Cristo> é essencialmente messiâ-
a .grandeza de a1ma,_ e o que poderia ser o testamento espiritual do nico, isto é, constitui uma afirmação da missão histórica de jesus
Apóstolo dos Gentios, que hoje celebramos juntamente com S. Pefuo. em relação ao povo eleito. Mateus, porém, diversamente de Marcos
(8,29) e Lucas (9,20) acrese'enta: <o Filho de Deus vivo». Ao que
Blbl/ogra/la: N. B r o :x, Die Pastoralbrie/e: Timotheus 1, Timotheus II Tilus parece, esta última expressão .• não pode ser entendida como uma afir-
( Regensburger Neu.es Testament}. Regen:>burg 1968; J. '-] e r em 1 a s, Die BrÍefe an
Timoiheus und Titus (NTD 9), Ooettmgen 1975; Traduction Oecuménique de la mação da divindade propriamente dita de jesus. Com efeito, tal quali-
Bible: Nouveau Testament = T.0.B.
ficativo é freqüentemente empregado no Antigo Testamento para designar
os anjos (Jo 1,6), os juizes (SI 82,6) e o rei (SI 89,27-28).
L. Garmus, O.F.M.
Petrópolis, RJ
550 551
Trata-se, por conseguinte, de um reforço do titulo <Messias> con- A Pedro, o Cristo confere o poder das chaves. O Cristo detém as
ferido a Jesus por Pedro. Com tal expressão, o Apóstolo afirma a chaves da morada de Davi (Is 22,21-22). Ele é o mordomo da Casa do
origem celeste da messianidade de Jesus. «Ser reconhecido como Messias Pai (MI 16,19). Agora ele confia a Pedro esta função. Caber-lhe-á,
é ser declarado homem, como não haverá outro, para dar sentido à no futuro, abrir ou fechar o acesso ao Reino dos Céus, por meio da
vida e fazê-la caminhar para um fim> (T. Maertens-J. Frisque). Igreja. Enfim, Pedro recebe o poder de «ligar e desligar». Estes termos
Jesus~· por sua vez, dá um novo nome a Simão: Rochedo. Somente de origem rabínica significam declarar licito ou ilícito, proibir ou per-
a três dentre os Doze Jesus conferiu um apelido. Os filhos de Zebedeu, mitir, expulsar ou reabilitar. Este poder, ele o exercerá em colegiali-
Tiago e joão, foram cognominados «filhos do trovão> (Me 3,17): Este dade com os outros (Mt 18,18), permanecendo, porém, sen1pre como
apelido que não teve continuidade alguma foi motivado pelo tempera- cabeça do colégio apostólico.
mento atdente dos dois irmãos. A Simão, filho de Jonas, Jesus deu
A posição de preeminência de Pedro na Igreja primitiva é atestada pelos mais
o nome de Pedro/Rochedo. Pedro, em distinção aos filhos de Zebedeu, antigos testemunhos Jiteiâl'ios do Novo Testamento. Na primeira carta aos Corlntios
não possuía um temperamento que explicasse o titulo que lhe fora dado (15,3--5), PauJo, transmitindo uma antiguissima tradição (como tem sido revetado
pelo estudo da história das formas), ao citar as testemunhas oficiais da ressurrei-
pelo Cristo. Pelo contrário, o testemunho unânime dos Evangelhos, Atos ção, menciona em primeiro lugar na JJsta a Cefas e isto em separado dos Doze,
e Epistolas aos Gálatas, parece indicar uma natureza espontânea e o qu.e revela ainda mais a posição de destaque de Pedro. Ele é assim consitlerado
como a testemunha principal da ressurreição, fundamento peculiar da fé de toda
impetuosa, o oposto da firmeza e estabilidade que se poderia esperar a Igreja. E na carta aos Gálatas (1,18), Paulo informa que subiu a Jerusalém
de uma Rocha. "para visitar a Cefas". Isto mostra que já nos primórdios do Cristianismo Pedro
era considerado o homem decisivo em jerusalém e na Igreja. Idêntico é o. testemunho
Isto indica que o apelido não é compreensível por si mesmo. Ne- cio livro dos Atos. ~ Pedro que se encontra à frente do grupo reunido no Cenáculo
cessita de uma explicação. Tanto mais que o titulo veio a substituir de (1,13); ele preside à eleição de Matias (1,15); ele julga Ananias e Safifa (5,1-11);
em nome dos Apóstolos que estão com ele, ele proclama às multidões a glorificação
tal form'J_• o nome primitivo do Apóstolo ao ponto de fazê-lo cair no do Crlsto ressuscitado e anuncia o dom do Espirita (2,14-36); ele convida a todos
esquecimento. Paulo dá a impressão de nunca tê-lo conhecido. «Rochedo»· os homens para receber o batismo (2,37-41); ele Jnspeclona o trabalho missionário,
percorrendo a judéia, a Galiléia e a Samaria (9,31-32); ele enfim preside. o primeiro
"tornou-se o nome habitual de Simão, seja em forma aramaica «Cefas» Concílio da Igreja realizado em jerusalém ( 15,1-35). Estas passagens e muitas
(Paulo menciona apenas tal forma), seja na forma em que foi traduzido outras, de origem, proveniência e épocas as mais diversas, não deixam sombra de
dúvida quanto ao fato de ter sldo Pedro o homem que após a morte de Cristo
para o grego «Petros>. dirigiu a Igreja.
Estes, fatos, a substi!11ição do nome P,rimitivo do Apóstolo pelo ape- A primazia de Pedro na Igreja prlmitiva é Inclusive admitida por vários autores
protestantes recentes (B. Bauer, O. CuUmano, P. Bonnard). Eles afirmam. porém,
lido e sua tradução (e não transliteração) para o grego demonstram que tal primazia teria cessado seja ainda durante a vida do Apóstolo, seja por
' j a grande; importância que a Igreja primitiya atribuia ao nome «Rochedo~ ocasião de sua morte. Ora, tais afirmações contrariam o depoimento feito pela
segunda ou terceira geração de cristãos presentes em livros posteriores do Novo
i! imposto a Pedro por Cristo.
E é sobre Pedro - e não sobre a sua fé ou o seu munus de
Testamento (Jo 21 e as duas epistolas ditas de Pedro) que reafirmam a importância
oficial de Pedro. Contrariam tambêm toda a tradição histórJca da Igreja que
! pregador - que o Cristo edificará a sua Igreja. Ele a construirá no
mostra que Pedro teve sucessores. E contrariam especialmente a própria noção de
Igreja como um organismo vivo e. vlvillcante: Assim como num corpo uma função
vital não pode deixar de cessar, assim tambêm na Igreja é necessário que Pedro,.
futuro, isjo é, não nos dias que seguirão imediatamente a este diálogo 1e uma maneira ou outra, esteja presente para lhe comunicar a estabilidade.
de Cesaréia, nem no tempo de sua manifestação 11.ltima, mas no tempo
que seguirá à sua morte e ressurreição. Neste ponto, é interessante notar Ao fundar a Igreja, Jesus- manifestou a sua intenção de pertnanecer
o testemvnho do quarto evangelho. São João (capítulo 21) relata a presente entre os homens até a consumação dos séculos. Esta presença
eleição dç Pedro após a ress"urreição de Jesus. Este fato revela que a se efetua através do ministério de enviados, em primeiro lugar o co-
fundação da Igreja visa, particularmente, o tempo depois da existência légio dos Doze e Pedro como chefe deste colégio. Pedro e... seus su-
terrestre .lde Jesus. «Depois de comerem,. Jesus disse a Simão Pedro: cessores são o ponto de referência dos demais pastores da Igreja em
Simão, !i)ho de João, tu me amas mais .do que estes? Respondeu ele: vista da construção da Igreja na caridade de Cristo. Os bispos e obvia-
Sim, tu ~abes que eu te amo. Disse-lhe Jeus: Apascenta os meus cor- mente todos os sacerdotes e ministros só constroem a 'greja quando
deiros. Perguntou-lhe outra vez: Simão, , filho de João, tu me amas? exercem o seu ministério em união com o sucessor de Pedro.
- Sim, 'senhor, disse ele, tu sabes que. eu te amo. Disse-lhe Jesus: O Papa é o «vigário» de Cristo na terra. Nisto reside a missão
Apascenta os meus cordeiros. Pela terceira vez lhe disse ele: Simão, e a grandeza do papado. A exemplo do Cristo, lhe cabe a grande e
filho de João, tu me amas? Entristeceu-l)e Pedro porque pela . terceira grave tarefa de guiar, proteger e congregar as ovelhas do rebanho.
v~z lhe perguntara: Tu me amas? .e lhe 1 disse: Senhor, tu sabes tudo; E aos cristãos, especialmente «nestes tempos de incerteza e de deso-
tu sabes,que te amo. Jesus lhe disse: Apascenta minhas ovelhas>. rientação» (Evangelii Nuntiandi}, cabe o dever de acatar os seus ensi-
A Igreja que será edificada sobre Pedro não se restringe ao grupo namentos e determinações. Sem esta obediência e respeito ao represen-
dos discípulos ou apóstolos de Jesus, nem ao reino final, mas abrange tante visível de Cristo sobre a terra, toda e qualquer comunidade corre
a comunidade messiânica que Jesus começa a congregar já aqui na o risco de se esfacelar e eventualmente desaparecer.
terra, comunidade que anunciará a Boa-Nova aos homens após a sua
morte. Com eleito, o termo «Igreja> (no hebraico «Qabal») aparece Bibliografia: Os comentários de P. B o n na r d e J. S c h mi d; J. B. B a u e r,
Dicionário de Teologia Bibllc~ verbete "Pedro"; X. L é o n - D u f o u r, Vocabulário
freqüentemente no Antigo Testamento para designar o povo de Deus de Teologia Biblfca, verbete Pedro".
no deserto. No nosso texto, o termo manifesta o que Jesus tem em Gabrjel Selong
mente: estabelecer um novo povo de Deus. Rio de Janeiro, RJ

552 553
r ;r[
.;
• 1.

!(
zido ou pervertido. O Papa corporifica esta sagrada função ao
longo da história da Igreja. Ele encarna o momento de perma-
'f• Tema Principal nência, estabilidade, segurança da fé, tão necessário para a co-
munidade crescer com tranqüilidade e alegria. A isso chamamos
AS DUAS PILASTRAS DA IGREJA: A INSTITUIÇAO E O CARISMA
' ·1 o instituído por Cristo, pelos Apóstolos ou pela Tradição sa-
grada. Esta missão é indispensável à fé cristã. Entretanto ela
Sugestões para a Homilia pode conter perigos; favorece a acomodação, não incentiva a
co-responsabilidade porque' a responsabilidade na preservação
11 Introdução da mensagem e do testemunho é atribuída exclusivamente à
' 1
hierarquia; ademais, facilmente se incorre no legalismo, ·.no mo-
.l l A festa de S. Pedro e S. Paulo nos incita a refletirmos ralismo e na rigidez dogmática que impede ou susJi.eita de
:1 sobre uma tensão sempre presente dentro da Igreja e que en- toda novidade. Aqui estão os limites da instituição da Igreja.
controu sua expressão pessoal na figura de Pedro e naquela de Mas eles são superados ou equilibrados pelo outro pólo; aquele
Paulo. Na Igreja existem duas pilastras básicas sobre as quais do carisma.
se constrói a comunidade: a instituição e o carisma. Por um
lado a ·Igreja é um dom que recebemos de Cristo e da 2. O valor e o limite do instituinte: Paulo
Tradição; é a sagrada hierarquia, os sacramentos, a doutrina
apostólica, a ordenação jurídica e as regras litúrgicas, numa Paulo corporifica o momento carismático e profético da fé.
palavra, a instituição; aqui não se inventa nem se acrescenta; Ele que não era do grupo dos Doze apóstolos, se fez, por
acolhe~se com gratidão e se entra respeitosamente. Por outro seu espírito missionário, especialmente apóstolo. Paulo introduziu
lado, a Igreja é resposta humana, criatividade face aos desa- muitas novidades no cristiânismo primitivo; inicialmente ele es-
fios de cada geração, adaptação aos valores das culturas, ino- tava ligado às prescrições da lei mosaica; os convertidÓs à fé
vação nos modos de pensar a fé, de rezar a Deus e de viver cristã deviam deixar-se circuncidar como os judeus e submeter-
o Evangelho, numa palavra é o carisma. A Igreja reúne den- se às tradições judaicas. Paulo pensa que não se faz necessária
tro de si as duas mentalidades e mantém os dois pólos unidos a fidelidade ao judaismo para ser cristão. Cristo nos libertou
na cons\rução da comunidade. Ela não é só uma coisa pronta, disto tudo (OI 5,1.13). Esta atitude de Paulo provocou con-
mas algo que emerge como um acontecimento, sempre que ho- fusão dentro da comunidade (At 15,2). Pedro não sabe exa-
1' mens se reúnem parâ ouvir a Palavra de Deus e conjuntamente tamente que atitude tomar: ora contemporiza com os judeus,
'' segnir Jesus Cristo. observando com eles as prescrições antigas, ora se adapta aos
gentios convertidos ao cristianismo e se livra dos costumes ju-
deus. Paulo teve a coragem de enfrentar-se com Pedro como
conta na epístola aos Gálatas: «Quando Cefas (Pedro) veio
para Antioquia, resisti-lhe na cara porque era digno de censu-
Corpo ra» (2,11 ). Aqui aparece a dimensão carismática e da criati-
l. O valor e o limite do instiluido: Pedro
vidade. Não basta repetir o passado. Importa adaptá-lo às no-
vas exigências. Neste esforço, a mensagem cristã recupera seu
Cada pólo, aquele da instituição bem como aquele do ca- caráter de boa-nova, de alegria e libertação para o povo. É
risma, possui sua validade e também seu limite intrínseco. Pe- o caráter instituinte da fé cristã.
dro representa o momento da instituição. Ele é o primeiro chefe Mas este pólo possui também seus limites: a invenção não
da Igreja, responsável pela sua unidade, pela reta doutrina, pela pode adulterar a substância da fé apostólica; cumpre guardar
observância dos imperativos de Jesus. Pedro se apresenta como uma fidelidade essencial ao espírito de Jesus e dos Apóstolos;
o guardião oficial do depósito da fé; sua missão consiste fun- o mundo deve sempre ser purificado e cumpre cuidar-se para
1
1 damentalmente em cuidar para que nada se perca, seja redu- não entrar em seus esquemas (Rm 12,2).
1
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•i
ii
Conclusão
1, Transfiguração do Senhor
A unidade da Igreja se constrói mantendo as duas pontas (6 de agosto)
em permanente tensão. Elas dão origem ao legítimo pluralismo
dentro de uma fidelidade essencial ao mistério de jesus Cristo. Pistas Exegéticas
Pedro e Paulo estão no fundamento da Igreja: um trouxe ao
,• evangelho os judeus, o outro os gentios. A Igreja que hoje pos- Primeira Leitura: Dn 7,9·10.13-14
suímos é fruto desta síntese feliz. Importa não dar um peso «Vi um ser semelhante ao filho do homem~
demasiado a nenhum dos pólos, mas buscar para qualquer gran-
de questão o difícil equilíbrio. Pedro saiu de jerusalém, foi 1. Os poucos versículos desta leitura só se entendem no contexto
a Antioquia e acabou chegando a Roma: abriu-se a um mundo de todo o capitulo. Esse divide-se em duas partes, vv. 2-14 e vv. 15-27.
A composição da primeira parte pode-se comparar com um triptico.
mais vasto que não conhecia. Paulo vindo do vasto mundo O primeiro painel deste quadro (vv. 2-8) mostra o abismo de onde
greco-romano foi a Jerusalém para buscar aprovação dos após- surgem quatro monstros; o painel central (vv. 9-12) representa uma
tolos mais antigos que ele (OI 2, 1-2). Pedro, da linha continua- sessão do tribunal celestial e o terceiro (vv. 13-14) a entronização
dora, aceitou as inovações; Paulo, da linha inovadora, buscou de um ser semelhante a um filho do homem. Na segunda parte do
capitulo dá-se a pedido de Daniel (vv. 15-16) urna explicação global
aprovação e apoio nos guardadores das tradições. Esta mútua da visão (vv. 17-18). Depois Daniel pede explicação do quarto animal
abertura garante a vida da Igreja: ela possui uma ossatura a (vv. 19-20) e acrescenta ao mesmo tempo um traço novo à visão, a
que não deve renunciar, mas também possui um corpo e uma saber, a guerra do chifre menor contra os santos (vv. 21-22), que
vestimenta que necessita sempre adaptar em função das novas se esperava depois do v. 8. Em vv. 23".°27 segue um comentário extenso
exigências do momento. A festa de Pedro e Paulo nos quer do quarto animal e dos chifres. O último versículo descreve a impressão
que o sonho causou em Daniel.
recordar os bons frutos que nos vêm desta tensão conservando
a unidade dentro da pluralidade. 2. Todo este capítulo encerra uma interpretação teológica da his-
tória que decorre do sexto século aC, isto é, desde a ruina de jeru-
Leonardo Boff, O.F.M. salém em 587, até o tempo em que o autor tinha sua visão (em mais
Petrópolis, RJ ou menos 167 aC). Os animais são símbolos dos grandes reinos que
dominaram a política internacional do Oriente Médio durante estes
séculos. O leão com asas simboliza o império neobabilônico; o urso,
o império dos medos; a pantera com asas, o império persa, fundado
i1 por Ciro; o quarto animal o império grego, fundado por Alexandre

1
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·,
Magno. Este quarto animal tem dez chifres. Identificando-se os dez
chifres com Alexandre Magno e seus sucessores selêucidas (e ptole-
meus?), o chifre menor representa Antíoco IV Epífanes. Este último
mandou, no dia 8 de dezembro de 167 aC, erigir uma estátua de Zeus.
~ Olímpico no pedestal do altar dos holocaustos diários do templo de
1 jerusalém (e!. 8,11s; 9,27; 11,31; 12,11; !Me 1,54).
3. Este ato, chamado a «Abominação Devastadora», é o aconteci-

' mento concreto histórico e contemporâneo que fez o autor do Livro de


Daniel elaborar a sua teologia da história. Para e1e este sacrilégio do
Templo era «o fim>, o inicio do fim e o sinal dos tempos de que a
ruína dos reinos terrestres e a vinda do reino celeste estavam chegando~
A partir deste fim, o autor dâ um olhar retrospectivo sobre os últimos
séculos da história do Povo de Deus e dos reinos em seu redor. Sua
visão é dualística. Por enquanto a sorte do Povo de Deus como a dos
demais povos está entregue às forças irresistíveis dos grandes reinos
terrestres que se sucedem. Nesta sucessão aparentemente caótica de
reinos, o visionário apocalíptico descobre uma certa linha. Esta linha
é bastante pessimista: o mundo no poder do mal vai de mal a pior
e transforma-se, numa crescente catástrofe, em uma potência antidivina
que concentra suas forças sempre mais contra o Povo de Deus. Os
; ' reinos são as armas de que os poderes das trevas se servem para com-

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bater o Reino de Deus. Esta luta torna o mundo lenta mas irresisti- Bibliografia: Os comentários de j. T. N e li s e de L F H ar t ma n n· H
C a 2 e 11 e s, Bibie et Polltlque, em: RecbScRel 59 (1971) · 497-530· j ou J 1'1 e t
0

velmente maduro para uma intervenção de Deus. Esta intervenção aca- Jésus et Ia polltique, em: RechScRel 59 (1971) 531-544. ' · '
bará com o poder do mal e inaugurará o Reino de Deus. Este Reino
não será uma realidade histórica, deste mundo, mas escatológica, do Freí Raul Ruijs, O.F.M.
outro mundo e, portanto, invencível e eterna. Petrópolis, RJ
4. Esta teologia se expressa· em imagens bíblicas e semimitológicas.
O mar de onde surgem os animais representa o abismo ou o caos Segunda Leltnra: 2Pd 1,16·19
primordial (cf. On 1,2s). Esse àbismo era, conforme as idéias antigas,
morada de monstros horríveis, hostis a Deus (cf. Jó 7,12; 26,11-12; SI «Vimos com nossos olhos a sua majestadD
74,13-14; Is 27,1; 51,9-10). Os animais são, pois, símbolos das forças
caóticas, hostis a Deus, que é principio de ordem e dominou na 'O texto 2Pd 1,16-19 distingue o que seja «mito» e o que seja
criação as forças ímpetuosas do caos (e!. SI 88,!0s; 103,6s). Como «revelação». O homem de «ciência» facilmente denomina «mito» aquilo
contraste ao quadro tenebroso do abismo turbulento de água que, agi- que é «revelação sobrenatural». Para contentar o homem moderno em
tado pelos ventos, vomita quatro monstros, o visionário coloca uma nome da ciência, pretende.se «desmitizar» a S. Escritura, tirando 'dela
visão de fogo e de luz em que aparece Deus como ancião de cabelos tudo que não se enquadra com as categorias da ciência. Eis por que
brancos. Numa sessão solene do tribunal celeste, Ele põe fim aos reinos a S. Escritura, assim, se reduz a uma simples mensagem para o homem.
que surgiram do abismo e inaugura o reino de um ser «semelhante ª°' A 2Pd deve argumentar com pessoas que declaram a volta de Cristo
como invenção humana ou lenda, um «mito». Apóiam-se na experiência
filho do I.iomem» que tem origem celeste.
Constata·se nesta apresentação simbólica da história dos impérios um e raciocinam à maneira das ciências naturais. O autor de 2Pd, como
.clímax de bestialidade que emerge do abismo. i'llas todo este clímax é bom pastor, procura aproximar-se dessas concepções «cientificas'>. Com
desenvolvido para fazer contraste com a revelação do céu do ser «Se· efe~to, explica a destruição do mundo pelo incêndio universal e o apa-
melhante ao filho do homem». ·Finalmente, isto é, no fim da história, recimento do mundo pela água. Mas dá a entender que os problemas
emergirá - não do abismo mas 1 do céu - um reinado não bestial, mas das ciências naturais são secundários. Para formar e destruir o mundo,
humano, que será um reinado definitivo, eterno, destinado àqueles que, apenas á Palavra · de Deus é decisiva, porquanto ela chama o mundo
apesar das pressões e perseguições mais ferrenhas não engolem nem à existência, o aniquila e o refaz. Pará opor-se à desmitização radical
se deixam engolir pelos poderes que surgem do abÍsmo. b~sta a hist?ricidade. dos .acontecimentos) atest~da por testemunhas que
viram e ouviram. Cnsto virá em poder·.1e glória. Tal afirmação merece
5. O autor não diz que o ser misterioso era um homem, inas que fé, porque o acontecimento-Transfiguração garante que Cristo possui ,
era <semelhante a um homem>. O que ele quis dizer com ísto se deduz: poder e glória.
dos vv. 18.22.27. Como os quatro animais símbolizam quatro impérios
terrestres e antidivinos, assim o filho do homem representa o império O fiéis já conhecem a doutrina da· volta de Cristo. Não importa,
escatológico do Povo eleito, o futuro reinado de Deus na terra. Mas o n.em os deve molestar, a recordação de'sta1
verdade, imposta pela soli-
fato de que o filho do homem representa «O povo dos santos do Altís- citude pastoral. O retorno glorioso de Cristo é verdade que não foi
simo» não exclui que o autor tenha visto nele ao mesmo tempo um inventada'" pela argúcia humana, senão .que está sedimentadá na reve-
individuo. O autor usa «rei» e «reino», um para o outro. Segundo lação da· glória de Cristo por ocasião da Transfiguração (1,16), quando
o v. 23, o quarto animal é um -reino; no v. 17 os quatro animais são a Palavra de Deus declarou a jesus ·Messias e Salvador, o qual virá
quatro reís. Esta individualização da figura do filho do homem se em poder e glória para instituir o reinó eterno (l,17s). ·
acentua nos diversos apocalipses apócrifos; pode-se aceitar como certo . !'- vi~da J'.Oderosa do Senhor é parte importante da mensagem
que a interpretação individual da figura apocaliptica do filho do homem cr1stã. Cristo vrrá de novo em poder e. glória, cercado de anjos, apa-
era corrente no inicio da era ':'Cristã. O próprio jesus confirma esta recendo sobre as nuvens do céu (Lc 13,26; descrição escatológica) e
interpretação. Foi n'Ele que Deus quis inaugurar na terra o reino de v_enc~ndo •todos os poderes adversos (2Ts 2,8) ; inclusive, o universo
Deus e pôr fim ao domínio antidivino e anti-humano dos reinos terres- ficara abalado com esta manifestação (Me 13,25s).
tres que, apesar de estarem em mãos humanas, são desumanos. Com Quando anunciam esta mensagem, os apóstolos não dão atenção a
esta visão, quis o visionário confortar o povo que sofria demasiada- «lendas ou fábulas habilmente excogitadas» (mythoi), as quais no NT,
mente com a opressão e .a exploração imperialista e com a perseguição oferecem um sentido pejorativo, tipo sofisma ou afirmação consciente-
por causa da fé. mente enganosa, criação da fantasia humana em oposição à verdade
. Não se pode negar que jésus mesmo, ao se apresentar como o evangélica. Outrora (os Gnósticos) e hoje (os homens da ciência) a
Filho do homem de Daniel, ou a comunídade cristã apresentando-o segunda vinda de Cristo é classificada com desdém qual mito ou fãb~a
desta maneira, pretendia trazer à humanidade uma salvação que encerra quando não é abertamente negada. cOm uma diferença, porém: o~
uma humanização em nivel terrestre, político, social etc. Isto trans- f~lsos mestres da 2Pd acusam a pregação da parusia de logro cons-
parece claramente nas bem-aventuranças e no Sermão da Montanha, ciente - ao passo que os. adversários , hodiernos atribuem-na à sedi-
promu1gação e plataforma oficial do Reino, e em apresentações como mentação de um desejo da humanídade, totalmente írreal.
a de Mt 25,31-46. Neste sentido, não se pode tampouco negar que a Entretanto os apóstolos. não são forjadores de fábulas. Falam como testemunhas
missão de jesus e da Igreja, que Ele ftindou, encerra uma missão política. oculares do poder e da gloria de Cristo (epóptai = ver com os próprios olhos -

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termo usado nos "mlstêrios'' e que, já em Platão, possuia acepção mlstica, e;.;. Messias. Talvez se refira peculiarmente às profecias segundo as quais
Pedro 250c). Se 2Pd preferiu "epóptai" a "mãrtys" (= testemunha), ê porque na Deus virá de maneira explícita, como está no céu (Ez 31121; 48,35).
realidade não se trata de simples história, mas também de uma "revelação" da
divindade. A "majestade" com efeito - ê a natureza divina de jesus. Ainda que Pedro (At 3,20s) parece indicar que o cumprimento total das profecias
nenhum apóstolo visse a volta de Cristo, contudo Deus lhes mostrou rapidamente não se realizará até que jesus venha pela 2• vez. Talvez é isto que
o _que acontecerá no futuro. Os apóstolos - Pedro, João e Tiago - testemunham
que viram a glória de Cristo na Transfiguração (i\U 17,l·B). O peso da argumen- tem em mente o autor de 2Pd. As profecias qUe falam de Cristo,
tação estã no fato de que os três se tornaram testemunhas; portanto, nada inven-
taram. Narram o que viram. Antes de atacar diretamente os falsos doutores, fica falam de sua obra total, inclusive a parusia. <IDemos ainda maior
estabelecido o fundamento em que se apóiam os apóstolos para anunciar a segunaa Crédito -à Palavra profética, a qual nos confirma:i> (Íit.: «retenhamos con1
vinda de Cristo: o testemunho ocular apostólico, não um testemunho isolado.
Neste versiculo, diversamente do anterior, emprega-se a l• pessoa do plural ("baseando· maior firmeza»), vale dizer, ou as profecias são argun1ento mais sólido
nos ... nós vos temos feito conhecer ... termos visto"). que a Transfiguração, ou a Transfiguração confirma a verdade das
O v. 17 nos oferece um anacoluto: falta o verbo finito. Em nossas línguas ê
construção dura, devendo·sc evitar na tradução. O versJculo foi retocado, a fim profecias. O contexto parece preferir esta segunda~ alternativa. As pro-
de harmonizâ-1'> com o relato dos Sinótlcos aproximando-se mais de J.It 17,1-8 do fecias sempre foram sólidas, dignas de fé para nóS; A comparação não
que de Ale 9,2-13 - o que e de cstranhar:se visto que se trata do mesmo Pedro.
"Honra e glória" ê expressão muito encontradJça na Bíblia (SI 8,6; Hb 2,7ss; Rm é entre a «Transfiguração» e as «Profecias>, senão entre as Profecias
2,7.10; lPd 1,7; Ap), "Hcnra" aqui pode referir-se ao testemunho do Pai, e uolôria':, «antes» e «depois» de seu cumprimento.
à transformação exterior, resplandecente corno o sol (blt 17,2), embora sejam mais
ou menos sinônimos, podendo referir-se ambos ao testemunho do Pai. "Do selo da Comparar a Escritura à «lâmpada» é sugestivo. O mundo é lugar
magnifica glória" (ou "sublime Presença") ê elisão de sabor hebraico para designar
a Deus. São possíveis duas Interpretações: - "do seio da magnífica glória" de trevas porque DeuS ainda não se manifestou abertamente, e a única
(apô/IocaJ), - ou "pela magnifica' glória" (Hypõ/construção pessoa]) .. A frase: Juz que ilumina nossos passos na noite é a Sagrada Escritura. O «astro
"Este é o meu Filho muito amado, i:.em quem tenho posto todo o meu <1;feto" -
coincide a despeito de leves variantes gramaticais que não alteram o sentido, com matutino» - estrela da manhã - pode indicar qualquer astro, inclusive
J\Jt 17,5 (Ale 9,6 omite: "em quem tenho posto todo o meu afeto"). o sol. É termo impreciso. Pareceria ser o sol, porquanto o astro ma-
A «honra» que jesus receb~ é a honra própria de Deus. A voz que tutino não é aquele que vem «depoi& do despontar, do dia». Por outro
se fez ouvir sobre jesus veio da «Glória sublime» ( = Deus). A Palavra lado, aqui não se trata do sol, porque Cristo no NT nunca é cha-
de Deus sobre o Transfigurado manifesta em que se fundan1enta sua mado «Sol».
glória e poder. Ele é o Filho de Deus, amado, um só e único em seu Para provar a 21) vinda de Cristo aparecen1 2 argumentos: - a
modo de ser, em quem Deus pôs seu agrado. Deus é chamado Pai. Transfiguração, corno acontecimento típico de salvação, e - a Palavra
A glória de Deus é também ey glória de jesus. Nela está contido o Profética (l,19). Deus fala pelos fatos da história e por sua própria
poder com que Cristo aparecerá;_ em sua vinda. Deus o dotou e revestiu Palavra. Quem foi testemunha da Transfiguração . de Jesus, como os
de Glória ... Unicamente pelas palavras do Pai podiam os discípulos com- apóstolos, possui também a Palavra profética mais do que qualquer
preender o acontecimento misterjoso no Monte. Eram como que a chave outro, ainda mais se não foi testemunha. Os escritores do AT só podem
para a con1preensão do significado. Muitas coisas chegamos a co1n- ser interpretados corretamente, quando considerados à luz da redenção
precnder apenas pela Palavra de. Deus, tanto o sentido da história como por· Jesus Cristo. Para não induzir a erro, a Palavra Profética precisa
a nossa própria vida. A PaJavr_a reveladora nos niostra qual é o ver- de interpretação autorizada (1,20s). Ela fala muitas vezes do «dia .cto
dadeiro significado e qual a im'portância. Senhor», do juízo final, da restauração definitiva de todas as coisas,
No v. 18 corta-se a seqü~ncia da. narração para salientar a presença dos Apósto- da vinda poderosa do Senhor. . . Aliás, toda revelação bíbJica visa en1
los: testemunham o qu-e ouviram. Ouviram a Palavra de Deus. Não ê mito inven- última análise à revelação cotnpleta da Glória de Deus no final dos
tado, ê fato vivido. A voz ê ouvidà, vindo do cêu - nos Sinóticos: "vinda da
nuvem" (i\lt 17,5 e par.). A expressão "no monte santo" torna dificil: relacionar tempos. Precisamos desta Juz da Palavra profética até que desponte
a cena anterior à do Batismo, não 'obstante as coincidências (Alt 3,l6s). Chama-se o dia e a estrela d'alva se levante em nossos corações. O despontar
"santo" aquilo c1ue nos Sinóticos ainda ê um monte indeterminado. No AT são
"santos": o monte Sião (Sb 2,6; Is _11,9), o monte Sinai (Filo, Leg. Alleg. 3, 142). do dia e o surgir da «estrela da manhã» é a vinda de Cristo. Quando
Presumivelmente, os cristãos, desde Cedo, aplicavam este apelativo do monte Sião vier o Senhor, a Glória de Cristo brilhará até nosso íntimo, sua Glória
ao monte da Transfiguração, costume que se repete, acomodando imagens vêtero-
testamentãrias a realidades neotestamentarias. , nos perpassará de luz_ e nos transfigurará. Então se dissiparão as
Tal monte ê "santo" porque testemunha a gloriosa manifestação de Deus em trevas, e já não será possível errar nem cair. Quando a Luz, que foi
jesus. Vendo e ouvindo, os ap_óstoto~ vão conhecendo o Senhor e são proclamados
felizes (Mt 13,16). Agora não vemos/ouvimos diretamente, contudo podemos per- acesa na S. Escritura, brilhar em todo seu esplendor, a 1nesma S. Escri-
ceber sua presença e seu poder mediante aquilo que Deus nos faz ouvir e ver:
no Evangelho anunciado pela Igreja escutamos sua voz poderosa, - no coito tura não será mais necessária. As profecias messiânicas são luz provi-
divino, na comunhão eclesial, no rosto de cada irmão vemos algo de sua glória. sor1a apenas. «Hoje vemos como por um espelho, confusamente; mas
Portanto, agucemos os sentidos!
então veremos lace a lace ... > (ICor 13,12).
A transfiguração é como 11apresentação antecipada do retorno do
Senhor, uma antecipação da parusia. Seu caráter histórico dá-nos cer- Bibliografia: S t O g e r, A. - A 2• Carta de Pedro Apóstolo (trad. de V. do
teza de que a voJta majestosa do Cristo se realizará com absoluta Amaral), Ed. Vozes, Petrópolis 1971 (p. 59s e 91-96). La Sagrada Escritura (SJ),
NT, JU, p. 31ls, BAC/Madrid, 1962. Biblla Comentada (Salamanca), VII, p. 159-162,
evidência. Como já aconteceu úma glorificação de Cristo, a oiltra tam- BAC/h1adrid, 1965. S pi e q, C., Les épitres de St. Pierre, p .. 216-224, OabaJda/
bém se dará. O an1or de Deàs a seu Filho lhe dará a glorificação Paris, Ul66. L. P. Rivera, A Transfiguração cm 1Pd 1,16·18, em: Atualidades
Bíblicas, ed. J. Salvador, Petrópolis 1971, 5g3.. 6Q9; B. Ramazzottl, Testemunho
final pela qual esperamos comei servos fiéis. Apostólico e Escriturlstlco (2Pd 1,16·21), em: T. B a 11 ar i n i, e.o., Introdução
V. 19: a «palavra dos profetas» é a Escritura em geral, mas aqui â Blblia com Antologia Exegêtica, Petrópolis 1969, V/2, 372-374.
em concreto se refere às profecias que· anunciam a segunda vinda
de Cristo; profecias que, mais _do que um oráculo particular, são algo P. Matheus F. Giuliani, SAC
que se depreende do conjunto ;:das profecias que tratam da glória do Santa Maria, RS

560 561
Terceira Leitura: MI 17,1-9 retirou-se, sozinho, para o monte. Aparecem as figuras de hloisés e
Elias que como explicita Lucas (9,31) falam sobre a morte que ele
«E, ali foi transfigurad~ diante deles-> padecerá em Jerusalém. Conseqüentemente, ao mesmo tempo que Jesus
se manifesta transfigurado, o Antigo Testamento, através de seus maio-
O relato da transfiguração, presente nos três Sinóticos, é uma das res representantes, afirma que Jesus tinha que sofrer. Em clara oposição
passagens centrais dos Evangelhos. A cena une o ministério público de à opinião corrente entre os discípulos, o relato mostra que o caminho
Jesus, marcado desde o início pela oposição dos judeus e, especial- que leva à glorificação passaria necessariamente pela paixão e morte
mente, o anúncio de sua paixão, com a sua ressurreição e glória futura. na cruz. O Cristo é o Messias, mas um Messias diferente daquele
A narrativa mostra que a sorte de jesus - que será também a sorte esperado por muitos. A sua vida é .uma doação total pelos irmãos. E
dos discípulos - será tenebrosa e gloriosa. A marcha para a glória essa doação, - amor até o fim, isto é, até a morte - deve, d'ora em
é necessariamente uma marcha através da paixão. diante, ser o modelo de vida dos discípulos (Jo 13,1).
Para os discípulos, o anúncio dos sofrimentos do Cristo constituía «Alto monte»: Esta montanha, tradicionalmente apontada como o
um escândalo. Através da cena da transfiguração, Jesus procura elimi- Monte Tabor, não possui nome nos evangelhos. O silêncio dos escri-
nar este escândalo. Nesta perspectiva, convém notar a pedagogia do tores sacros é significativo. Mostra que jesus rejeita Sião como o lugar
Mestre: Todas as predições da paixão são seguidas por anúncios da da presença de Deus entre o seu povo, idéia corrénte nos livros do
ressurreição ao terceiro dia (Mt 16,21; 17,23; 20,19). Tanto para si, Antigo Testamento (Is 2,2-3; Dn 9,16; SI 2,6). A glória de Deus,
crimo para os discípulos, Jesus não separa os dois aspectos do mistério isto é, a presença de Deus, se manifesta agora não mais em jerusa-
da salvação: humilhação e glorificação, morte e ressurreição. lém, mas na pessoa do próprio Cristo. Ele é Deus presente entre nós.
Antes do dia da Páscoa, quando o Cristo não tinha eliminado ainda /ilateus dá um releVQ especial ao tema do "monte". jesus, no prlmeiro evan-
em sua pessoa este escândalo vivendo-o de forma típica, seu ensina- gelho, proclama as bem-aventuranças de uma montanha (Mt 5,1) - e não na
planície como o faz em (ucas (6,17); a Ultima das tentações tem lugar num
mento permaneceu ineficaz. As barreiras pareciam intransponíveis. Os "monte muito alto" (Mt 4,8); o mandato final ê dado de um monte (.i\lt 28,16).
discípulos não podiam superar a concepção de um Messias político e Esta topografia ê devida à tJpologla de Molsês presente em todo o. primeiro evan-
gelho. Já a estrutura do livro, construida em torno de cinco grandes discursos
triunfante e aceitar um Cristo sofredor. (o sermão da montanha: Mt 5-7; o discurso missionário: i\lt 10; o sermão para-
Mas o Pai já podia fazer entrever a resposta e, mesmo antes do bõllco: l\.lt 13; o discurso comunltârio: J'JU 18 e o discurso escatológico: Mt 24-25),
re:embra o Pentateuco, tradicionalmente atribuído a Moisés. No relato da transfi-
acontecimento pascal, conceder a três discípulos privilegiados, Pedro, guração lntimeras são as alusões à figura de Molsês. Como J\loisês teve que esperar
Tiago e João, contemplar por um instante a glória de seu Filho. Esta seis dias para receber a revelação de Deus (Ex 25,16), assim "após seis dias" tem
lugar a transfiguração; os três companheiros de jesus, Pedro, Tiago e João, corres-
experiência está pré-anunciada no versículo que faz a transição entre pondem aos três companheiros de Moisés na ascensão do Sinai, Aarão, Nadab e
o ensinamento sobre a presença do sofrimento na vida dos discípulos Abhi (Ex 25,!l). Note-se tarnbêm que Atateus diversamente de Marcos e Lucas,
inverte a seqüência das figuras vêtero-testamenlãrlas presentes à cena e coloca em
(Mt 16,24-27) e a cena da t:ansliguração (Mt 17,1-9): <Em verdade primeiro Jugar a Molsês. A nuvem luminosa que cobriu a todos relembra a nuvem
vos digo que alguns dos que aqui estão presentes não provarão a morte que desceu sobre o Sinal quando Deus comunicou a Lei por intermédio de Alolsés
(Ex 25,15).
até que vejam o Filho do Homem vindo em seu Reino» (MI 16,28). Através desses elementos, .i\ilateus, que escreve para cristãos convertidos do
Já antes da glória reservada para o último dia, Jesus promete aos judaismo, quer mos1rar que o Cris1o é o novo 1'\1olsês e acentuar a contlnuldad·e
existente entre o Antigo e o Novo Testamento. Numa época de quase ruptura
discípulos prediletos uma visão antecipada da glória do Filho do Homem. entre a Igreja e a Sinagoga, o evangelista, verdadeiro pasto~ de sua comunidade,
Com efeito, segundo vários padres da Igreja, «OS alguns dos que aqui procura mostrar aos judeus que não necessitam abandonar a sua fl!- para se tor-
narem cristãos, devem sim abandonar o legalismo e formalismo de sua religião.
estão presentes» seriam os três discípulos. E a vinda do Filho do
1-Iomem em seu reino já se tealizaria simbolicamente sobre a montanha. «E ali foi transfigurado diante deles»: Literalmente, «mudou de
Dentro do contexto no qual o relato da transfiguração está inserido, aparência», «assumiu uma outra forn1a», da mesma maneira que, ao
a cena tem por objetivo antecipar aos olhos dos três apóstolos a glória aparecer aos discípulos de Emaús, se manifestou «sob outra forma» (Me
do Cristo ressuscitado. Aos discípulos ainda perplexos· pelo anúncio da 16,12). Não se trata aqui de um rito mágico, a exemplo das metamor-
paixão, Deus revela que eles devem ouvir e seguir o Cristo no caminho foses das religiões pagãs. Trata-se de um acontecimento e de uma
que vai a Jerusalém. A glorificação será atingida somente através da cruz. teofania, a um tempo, descrita no passivo para indicar que somente
Vejamos agora alguns detalhes do relato, assim corno Mateus no-los Deus pode agir assim. Esta transfiguração corresponde à expectativa
apreSenta: escatológica presente no Judaísmo, segundo a qual, no fim dos tempos,
«Seis dias depois»: Existia entre os judeus a festa chamada dos os justos se transformarão· e fulgirão com o brilho do firmamento e
Tabernáculos, festa que durava sete dias e recordava os quarenta anos luzirão como as estrelas, com um eterno resplendor (Dn 12,3).
vividos pelo povo eleito no deserto debaixo de tendas, Nestes dias, o Agora nesta montanha, na pessoa de Jesus, esta esperança se torna
povo era obrigado a viver em tendas improvisadas. Tratava-se de uma realidade. O ato da transfiguração revela a glória última e definitiva
festa carregada de expectativas messiânicas. O povo, mais que em outras de jesus. Mateus, com o auxilio particularmente do livro de f!xodo 25,
ocasiões, esperava o Messias, mas um Messias que viesse libertar o procura exprimir o inexprimível afirmando que o rosto de Jesus «res-
povo do jugo dos romanos e colocar as demais nações sob o domínio plandesceu como o sol e suas vestes se tornaram alvas como a Juz».
de Israel. Diante dessa tentação, Jesus se retira «para um lugar à A glória anunciada para os últimos tempos <quando o Filho do Homem
parte»,· da mesma forma que o fizera em Jo 6,15 quando após a mul- virá na glória de seu Pai com os seus anjos» (Mt 16,27) é aqui ante-
tiplicação dos pães, diante do desejo dos }udeus de fazê-lo rei, ele cipada. Esta glória pertence apenas a Deus. Ora, -0 texto afirma que

562 563
l,
esta glória resplandece sobre o rosto de Cristo, revelando assim a sua E este ensinamento deve incutir esperança na vida do cristão, mesmo
divindade. Ele é Deus, ou, corno o dirão mais tarde os apóstolos, «ele apesar de todos os obstáculos e sofrimentos. Estes fazem Parte de
é o esplendor de sua glória> (Hb 1,3), «o Senhor da glória»- (1 Cor nossa peregrinação terrestre. A exemplo do Cristo, o seu discipulo
2,8). Esta glória o reveste agora, manifestando antes do tempo o que chegarâ à glória através do sofrimento. As perseguições, as injustiças,
ele será um dia quando for «exaltado na glória» (lTm 3,16). En1 as calúnias, parte da vida do Mestre, longe de serem motivo de desâ-
oNtras palavras, Jesus transfigurado é o Filho de Deus que transparece nimo, devem ser razão de serenidade, paz e alegria (Mt 5,11~12).
na figura do Carpinteiro de Nazaré.
Bibliogrnfia: X. L !! o n - D u f ou r, La transfiguration de jesus, em: Studes
«Moisés e Elias»: A aparição de Moisés e Elias acentua o fato de d'É.vangile, Paris 1965, p. 83-122; C. .i\1 e s t e r s, A transfiguração de jesus: O
ser Jesus o Messias prometido pela Lei (simbolizada por Moisés) e sentido das crises da vida, eJ!l: Deus onde estás?, Belo Horizonte 1974, p. 175-184;
A. L à p p 1 e, A transfiguraçao de jesus, em: A hiensagem dos Evangelhos Hoje,
"' pelos Profetas (representados por Elias). Estes dois personagens da São Paulo 1972, p. 39R--101; R. Rui j s. illt 17,1-9, em A 1\Jrsa ria Palavra. Ano A,
p. 1211-123.
Antiga Aliança que subiram outrora o monte Sinai dramatizam o cumpri·
menta das Escrihtras (outro terna favorito de Mateus) e anunciam pela Gabriel Selong
sua presença nesta montanha - o novo Sinai - que em Jesus os tempos Rio de Janeiro, RJ
messiânicos chegaram à sua consumação. Jesus é o ponto õmega de
toda a história da salvação. Tema Principal
«Levantarei aqui três tendas»: À primeira vista temos aqui uma
referência à festa dos Tabernáculos, ocasião em que é colocada a cena
da transfiguração. Os autores, porém, se perguntam pelo motivo da SEGUIR JESUS NÃO É Só CARREGAR A CRUZ,
.i afirmação de Pedro. Desejaria ele eternizar este momento fugaz? Queria MAS TAMBÉM SER GLORIFICADO
; ele rejeitar com estas palavras o escândalo da cruz, entrando na glória
de Deus sem passar pelo caminho do sofrimento?
l' «Uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra»: Na tradição
b:blica, a nuvem acompanha as manifestações celestes. No Ex 40,34·35,
Sugestões para a Homilia

;' se diz que a nuvem cobriu a tenda da reunião e a glória encheu o ta· Introdução
bernáculo. Em lRs 8,10-13 é apresentado o templo salomônico como

l invadido por uma nuvem «porque a glória do Senhor enchia o templo».


E no livro do profeta Ezequiel, após a descrição do afastamento da
glória do Senhor sob a forma de um carro em movimento (11,22-23),
Podemos considerar a transfiguração de Jesus sob três pontos
Je vista: em si mesma, o que ela significa para nós; dentro
o autor fala do seu retorno no fim dos tempos (43,1-4). Na montanha do contexto da vida de jesus, o que ela significou para o próprio
da transfiguração, a nuvem é símbolo e sinal da presença de Deus, desta jesus; dentro do contexto dos seguidores de Jesus que nos con-
presença que no dia da anunciação veio a cobrir com a sua sombra a servaram este fato e a lição que quiseram nos transmitir.
Virgem Maria (Lc 1,35).
«Os discípulos caíram com a face por terra e tiveram medo»:
Diante de Deus que se manifesta o homem é tomado de medo. Este Corpo
temor exprime sua reação religiosa diante do sagrado. Tal atitude se
manifesta na experiência de Deus dos justos do Antigo e do Novo 1. Quem é finalmente jesus?
Testamento. Moisés tira as suas sandálias diante do Deus de Abraão,
Isaac e Jacó (Ex 3,5-6). Isaías confessa ser um homem de lábios impuros
A transfiguração possui um valor em si mesma como um
diante do Deus três vezes santo (ls 6,3-5). O centurião se declara fato miraculoso pelo qual se nos revela quem é, finalmente, jesus,
indigno de acolher a Jesus em sua casa (Mt 818). Pedro, após a pesca Ergue-se o véu que encobria o seu mistério. Por detrás de suas
mi1agrosa, exclama: «Retira-te de mim, Senhor, porque sou um homem origens humildes, de sua pobreza, da insignificância de seus
pecador» (Lc 5,8). A prostração faz parte da mesma reação diante meios se esconde, verdadeiramente, a glória do Filho eterno
da presença de Deus corno se vê na descrição da visão de Ezequiel
às margens do rio Cobar: «Vendo isto, prostrei-me com o rosto por
do Pai. Os discípulos que o seguiram não ficaram imunes ao
terra e escutei uma voz que dizia: Fi1ho do homem, dizia-me, de pé, conflito que se armara ao redor de jesus. Quase todas as instân-
porque eu te falo». cias de legitimação daquele tempo se voltaram contra Ele. E
Qual é o significado da cena da transfiguração para o cristão? acusado de falso profeta, de herege, de possesso. Se os sacer-
Através do batismo, como diz Paulo, o cristão se insere na morte e dotes o dizem, se os piedosos (fariseus) o confirmam, se os
ressurreição de Cristo (Rm 6,~4). Ele já agora participa, de forma
inicial, da glorificação do Cristo. Este mistério deve aclarar a nossa
políticos (herodianos e publicanos) fazem coro a esta interpreta-
vida até o dia da glorificação definitiva. Através desta antecipação, ção, se levanta então a pergunta: com quem está a verdade?

'
o cristão sabe que o céu já começa a se manifestar aqui na terra. Com a minoria - Jesus e os discípulos - ou com a maioria
564 565
da sociedade e da religião? A transfiguração desfaz todas estas solutamente o caminho de Jerusalém» (Lc 9,51), onde será
ambigüidades; o céu se pronuncia: «este é o meu Filho amado ... sacrificado.
escutai-o!» (Mt 17,5). Diante deste homem fraco e contestado
nos encontramos diante do próprio Filho de Deus que visitou 3. O sentido das crises é a transfiguração da vida
os homens para os libertar. A fé dos apóstolos e a nossa sai
Os evangelistas nos conservaram o relato da transfiguração
fortalecida porque o escândalo da insignificância histórica de
do Senhor não apenas com a intenção de nos revelar o mistério
jesus é superado: vemos a glória de Deus e o céu aberto
de jesus, Filho de Deus encarnado, nem somente para mostrar
. ,•' sobre ele.
o apoio do Pai no meio das tentações de jesus, mas também
para nos comunicar uma lição e um sentido presente dentro
2. A transfiguração: resposta de Deus às crises de jesus
do sacrifício. O relato da transfiguração é encaixado dentro
A transfiguração possui também um sentido para o próprio dos anúncios da paixão, morte e ressurreição do Senhor. A
jesus. Basta considerar em que contexto ela aconteceu: no auge atmosfera é sombria. São Mateus conclui dizendo: «e os dis-
da crise que sua pregação, suas atitudes, enfim, sua vida haviam cipulos ficaram muito tristes» (17,23). Neste contexto jesus con-
provocado entre o povo. A primeira fase da atuação de jesus se voca para o seguimento: «Quem quiser vir após mim renuncie
caracteriza pelo entusiasmo, pelos milagres, pela reação positiva a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser
do povo, dos discípulos e apóstolos. Na medida, porém, que ia salvar sua vida, perdê-la-à; e quem perder sua vida por mim,
ficando claro o que Jesus intencionava com seu anúncio do Reino achá-la-à» (Mt 15,24-25). Seguir Jesus implica comungar de
que era uma transformação total do homem e do mundo mediante sua vida e compartilhar de seu destino; encerra abraçar o pro-
a conversão, um novo tipo de relacionamento para com Deus, jeto de jesus: construir o Reino de Deus contra o Reino deste
Pai de infinita bondade e para com os homens, todos irmãos, mundo. Este processo de conversão não se faz sem sacrifícios
ia se armando uma crise. Não era isso que o povo esperava: e rupturas. A transfiguração nos quer revelar o sentido que se
ansiava por um Messias libertador político com a instauração esconde atrás deste empenho: em toda cruz há uma ressurreição,
de um novo poder terrestre. A oposição dos distintos estratos em todo sacrifício vigora uma redenção e em toda morte triunfa
se faz cada vez mais clara e jesus vai se sentindo cada vez uma vida. Por isso, a mensagem de jesus não pára com a
mais só, apenas com os doze discípulos. E estes são, ainda, exigência de renúncia; ela promete a plenitude da vida e a
tardos e duros de entender as reais intenções de jesus. jesus transfiguração. Quem como Jesus assume as contradições em
mesmo se torna, em sua linguagem, mais sério. Já entrevê a nome de Deus e de sua justiça a este está destinada a glória.
liquidação. É sintoma de que ele mesmo entrou em crise. Embora Sobre cada um, como outrora sobre jesus, o Pai faz ouvir a
fosse o Deus encarnado, «leve de se assemelhar em tudo a sua voz: «Este é meu filho bem-amado em quem tenho minha
seus irmãos. . . padeceu sendo tentado» (Hb 2, 17 .18). Os evan- complacência» (Mt 17,5). Eis a grande lição que se infere da
gelhos nos falam das tentações de Jesus (Mt 4,1-11 par.), que transfiguração de jesus.
foram uma constante em sua vida (Hb 4,15). Leonardo Bofl, 0.F.M.
Petrópolis, RJ
Neste contexto de desânimo e de busca, Deus se manifesta
a jesus. Ele jamais quebrou a fidelidade a seu Pai. Sofreu mas
assume aquilo que se revela como a vontade concreta de Deus:
seguir fiel, mesmo tendo de morrer execrado na cruz. A trans-
figuração significou para Jesus a certeza de que Deus não o
havia abandonado. Todos podiam tê-lo rejeitado, os discípulos
podiam tê-lo compreendido mal, Deus entretanto confirmou a
justeza das decisões de jesus. A voz do Pai é clara: «Este
é o meu Filho bem-amado em quem tenho minha complacência»
(Mt 17,5). Não somente os apóstolos, mas também jesus, sai
fortalecido em sua fidelidade e obediência ao Pai. «Tomou re-
566 567
Finalmente, ]o 3,14-16 alude ao incidente do deserto como uma
i, Festa da Exaltação da Santa Cruz prefiguração da morte de CristoJ pendurado na cruz, como a serpente
na haste: olhar Cristo, como os israelitas a serpente, é ter fé, para
1 ser salvo.
Pistas Exegéticas
Blbllograjla: F. L. Mor 1 ar t y, Numbers, ln AA.VV., The Jerome BlbUcal
Commentary, New Jersey 1968; A. R o 11 a, 11 popolo eleito, ln AA.VV., 11 Messaggio
Primeira Leitura: Nm 21,4·9 della Salvezza II, Turim 1971'.

Nm 20-25 contém episódios que a tradição conservou do êxodo, exa- Aírton josé da Silva
tamente aqueles verificados no percurso dos hebreus entre o oásis de Ribeirão Preto, SP
Cades, no sul da Palestina, e hloab, pais da Transjordânia. A partir
do cap. 21 o texto resulta de uma combinação das tradições javista
e eloísta. Nm 21,4-9 é de redação eloísta (E), mas o v. 4a contém Segunda Leitura: FI 2,6-11
também elementos da redação sacerdotal (P).
O episódio de Arad, narrado em Nm 21,1-3, é uma inserção pos-
terior, pois interrompe a seqüência do texto. Nm 20,29 tem sua se- Veja as Pistas Exegéticas do Domingo de Ramos, dos Anos A, B e C.
qüência lógica em Nm 21,4.
Mas vamos ao nosso texto. O v. 4 resume o percurso de Cades a Terceira Leitura: Jo 3,13-17
Moab, rodeando .a terra de Edorn. Hor da Montanha, ou monte Hor,
deve ser um local situado perto de Cades, embora não tenha sido iden- Veja a Pista Exegética do Quarto Domingo da Quaresma, do Ano B.
tificado até hoje. O povo parte de J-Ior em direção ao «mar de jun-
cos»J diz o texto: trata-se aqui, provavelmente, do golfo de Aqaba,
situado ao sul do mar Morto.
O v. 5 conta da revolta do povo contra Javé e Moisés: a água e Sugestões para a Homilia
o alimento são escassos, o povo está cansado e revoltado com esta
caminhada sem fim. Introdução
Mostra o v. 6 que, então, serpentes «ardentes» (em hebraico, sara/) 1
picam o povo: «ardentes» porque sua picada arde e seu veneno mata.
Este tipo de episódio não é raro no deserto, sendo interpretado aqui, A estória do Cristo é, para o Homem, paradigmática: ela
contudo, como um castigo de Javé pela revolta manifestada.
Diante do posterior arrependimento do povo (v. 7), M.oisés cons-
J' é a sua História em parábola. Nesse sentido, é ela História,
isto é, enquanto esta é demanda de uma razão de ser em vis-
trói uma serpente de ·bronze (serpente ardente) que cura aqtieles que a ta da realização efetiva da própria identidade. Ora, esta pro-
olham (vv. 8-9). cura é polarizada pela cruz, a qual é, em seu primeiro mo-
Em todo o antigo Oriente a serpente era considerada como um
símbolo da vida e um meio de cura. Por isto ela era, para os cananeus, mento, o exato contrário de tudo o que o homem almeja. Com
o símbolo (fálico) da fertilidade e estava associada aos seus cultos efeito, em seu primeiro momento ela impõe-se como sentença
à vida. Uma serpente cananéia, de bronze, foi encontrada pelos ar- capital e, a este título, remata a limitação mais radical do ho-
queólog-0s em Gezer. mem, conferindo-lhe uma dimensão histórica e política. Isto a
Esculápio, o deus grego da medicina, usa uma serpente como em-
blema. Coisa que o faz igualmente, hoje, a Organização Mundial da insere no mistério deste mésmo homem e exige ser ela contem-
Saúde e outras entidades médicas. plada com uma celebração.
Significativamente, os israelitas estavam perto de Punon (Nm 33,
42), uma das grandes fontes de bronze dos tempos antigos, o que
possibilitava tal fundição. Corpo
Mas a chave para se chegar ao texto é oferecida igualmente por
2Rs 18,4. Este texto nos informa de que o rei Ezequias (728-699 aC), A elevação da serpente no deserto é o símbolo que se er-
durante a reforma que promoveu, mandou destruir uma serpente de
bronze que se encontrava entre os objetos do culto, no Templo. Seu gue como paradigma mais remoto na meditação articulada pela
nome é Nehustan, proveniente de nehóshet = bronze e nahásh = liturgia da cruz. Trata-se da primeira forma de confronto en-
serpente. tre o homem e o que a ele se opõe: assumindo como símbolo
Acreditava-se que tal serpente fosse aquela fabricada por Moisés a imagem da praga que flagelava o povo - tal ocorre, por ve-
no deserto. Seu culto, graças à ligação com os rituais cananeus, foi
considerado, na época, como idolátrico. zes, nos ritos mágicos - Moisés força este mesmo povo a um

568 569
confronto com o vazio das divindades pagãs, a sua perene ten- deste a partir de seu contrário mais extremo: mas só assim
tação, mostrando como o Deus da Aliança era capaz de fazer ela poderia ser salutar em sentido próprio, alcanç.ando . o ho-
de um princípio do mal um sinal de salvação. mem em sua lacuna mais profunda. Igualmente, so assim po-
Todavia, não se sai ainda da esfera e da limitação do sin- deria ele ser para o Homem um princípio e um fim que não
·. l gular. A cura de uma moléstia é simplesmente uma cura: ela lhe fosse exterior. A cruz e a Kenose colocam o homem ante a
.i
' '' não liberta o homem de sua limitação mais radical e nem mes- sua possibilidade mais elevada de desalien,:ição, fazendo-o e~­
contrar a plenitude da Vida desde o coraçao da morte a mais
mo é parte desta libertação. Ela é apenas um sinal que aponta
para a realidade desta libertação permanecendo-lhe exterior. extrema.
,, i Já no Antigo Testamento se depara com a superação desta Conclusão
! limitação: mas a Realeza e a Cidade, o Sacerdócio e o Templo,
i. a Torah e sua qualificada interpretação permanecem ainda ex- A celebração da Cruz é a celebração do Dom de Deus
teriores; chega-se a uma libertação parcial, isto é, a uma li- desde o mais intimo da condição humana.
bertação que faz parte de um todo que se cumpre no tempo Ora, esta é a complexa e multiforme exper~~ncia d<; tu~o
e na História, mas que não penetra o mais intimo do homem,
0 que mais se opõe ao propriamente hum.ano, Jª que e pro-
:, '
que lhe permanece exterior. Um passo decisivo em direção à prio do homem não se satisfazer com o simplesmente humano
interiorização é dado pela teologia do Servo Sofredor. Nele p enquanto limitação. O Cristo sobre a Cruz aparece como o ho-
. ' institucional antigo se esgota; dele se parte no Novo Testa-

1
:
i
. mento. Para este, a libertação se realiza plenamente desde a
«Kenose» do Filho, que parte de sua igualdade com Deus, que
não tem em conta de rapina, para assumir a forma e aparên-
mem efetivo, porque aparece como aquele que _percom:u todas
as estações dos seus próprios contrários: a Via Cruc1s .. Nele,
elevado por opção entre o céu e a terra, cada ho?'em e ch~­
1' mado a reencontrar-se desde o coração da humamdade. A h-
~ ' cia do homem, e esta em sua manifestação extrema: a morte
i turgia da Cruz dá a este reencontro sua dimensão maior: so-
e morte de cruz. Não se trata de uma determinação arbitrária
i da Providência. Trata-se de um movimento sem o qual a sal- cial, comunitária.
Benjamin de Souza, O.S.B.
vação do homem permanecer-lhe-ia exterior. Paradoxalmente, o São Paulo, SP
Cristo desce ao fundo da exterioridade humana, daquilo em que
o homem se esvai e, a partir daí, o salva, não só o livrando .
da morte, mas nele radicando o princípio de sua libertação:
desde o Cristo, o homem. é, em seu nome, alguém «para a Gló-
ria de Deus», isto é, para a sua plena manifestação: ele é
Epifania de Deus.
A unidade entre o duplo movimento de descida-kenose e
elevação é divisado ao final do diálogo com Nicodemos. Neste
a Cruz, marca da mais extrema humilhação, é divisada como
elevação: tal como a serpente no deserto, sobre ela é elevado
o Filho do Homem no momento de seu pleno rebaixamento e,
neste momento, cumpre-se a sua hora em sincronia com a hora
do «príncipe deste mundo». O patíbulo da cruz é já ostensório
sobre o qual se manifesta a Glória do Filho porque descendo
nela à profundidade do que há de mais exterior no· homem, aos
limites do não-humano, pode o Filho revelar-se em sua identi- I
dade no que há de mais interior no Homem que ele é e, desde
então, dar-se a todo o homem, enviando-lhe o Espírito, aquele
que é a interioridade mais profunda de todo o homem. :E di- ,'
fícil captar a economia do Dom de Deus como a realização
570 571
I, Nossa Senhora da Conceição Aparecida, decorado - o que indignou sobremaneira a Amã (c. 6). O rei, acom-
panhado de Amã, compareceu ao 29 banquete preparado por Ester (7,1).
Padroeira Principal do Brasil Na euforia final, quando o vinho fizera efeito, Assuero insistiu com
a rainha sobre qual seria seu pedido. Atendê-lo-ia mesmo à custa de
Pistas Exegéticas metade do reino. Ela suspirou: «Se achei graça a teus olhos, ó rei,
e se ao rei lhe parecer bem, concede-me a vida, eis meu pedido; salva
Primeira Leitura: Est 5,lb-2; 7,2b-3 meu povo, eis meu desejo» (7,3). É questão de vida ou de morte para
mim e para meu povo. . . A seguir foi malbaratada a trama de Amã,
«Salva meu povo, eis o meu desejo> com a conseqüente execução do mesmo e a promoção de Mardoqueu.
Salvou-se deste modo Israel, graças à poderosa intercessão de Ester.
O texto grego de Ester é mais descritivo que o texto hebraico, dan- «Achar graça» é fórmula estereotipada e significa: agradar, corres-
do pormenores sobre o estado de alma da mulher; à concisão do TH ponder ao plano e à expectativa. «Até metade do meu reino» - é fór-
ajuntamos o colorido do texto grego. Assuero (Xerxes, Artaxerxes?) mula proverbia] hiperbólica. Vários escritores eclesiásticos (Tomãs, Oer-
• da Pérsia, casado com Vasti, possuía um ministro, Amã, o qual vo- son, Afonso) forçam o sentido do texto, aplicando-o a Cristo que teria
tara ódio a Mardoqueu e aos judeus por lhe negarem honras (pros- reservado metade do reino a si (poder. justiça) e cedido outra metade
tração, genuflexão) devidas exclusivamente a Javé, a ponto de extor- a Maria (misericórdia).
quir do rei um edito de extermínio contra os mesmos (3,12ss). Um dia Tipologia. Ester prefigura Maria pela beleza e poder de intercessão.
ofereceu Assuero um banquete aos maiOrais, enquanto Vasti promoveu Eva perdeu com sua soberba o paraíso, - Vasti, o reino. Ester com
o das mulheres. O rei, embriagado, mandou chamar a esposa para sua humildade cativou Assuero, - Maria achou graça diante de Deus.
ostentá-la aos convivas. Vasti, levada pelo pudor (ou por soberba?), ne- Ester fez-se rainha e esposa de Assuero, - Maria ao invés foi Mãe
gou-se a ser vedete daqueles olhares ébrios e dissolutos. Diante disso, amável até com os pecadores. O relato de Ester, enfim, aponta para
o rei encolerizou-se, despedindo-a, como lição a todas as mulheres do os desígnios inefáveis da Providência divina na libertação do povo eleito
reino (c. 1). Funcionários da corte recolheram moças virgens e belas, e na punição dos inimigos.
para que o rei escolhesse a sua nova esposa. Ester, jovem israelita mui Bibliografia: Ter r 1 e n, La A1i:re des Hommes, J, p. 519ss; Piro t, L.-C 1 a-
linda, sobrinha e adotada de um tal Mardoqueu, Jíder hebreu, figurava me r, A., La sainte Bible, IV, ad 1., Paris 1952; Ar na J d i eh, L., Biblia Comen-
tada (Salamanca), VT, II, BAC, A1adrid 1952.
entre as candidatas. A preferência do rei recaiu sobre ela, tornando-a
como esposa e, conseqüentemente, rainha (c. 2). Enquanto isso, os ju-
deus passavam por maus momentos sob Amã ( c. 3). Mardoqueu dirigiu- Matheus F. Giuliani, S.A.C.
se então a Ester a fim de, como esposa amada, interferir junto a Santa Maria, RS
Assuero em favor dos judeus (c. 4).
Foi quando Ester, depois de 3 dias de jejum e oração com seu Segunda Leitura: Ap 12,1.5.13a.15.16
povo (4,16), apresentou-se toda majestosa mas também angustiada no
interno do palácio, diante do trono real, não sem invocar a Deus pro- Feuillet atribui a Ap 12 um sentido eclesial e marial e discorda
vidente e salvador. Pode-se deduzir do texto e contexto tenha ela so- daqueles autores que opõem estes dois sentidos como duas alternati-
licitado uma audiência que lhe foi concedida, graças ao encanto de vas que se excluem.
sua beleza pessoal, que dirimiu a indignação inicial de Assuero face ao
imprevisto, tornando-o meigo e afável para com ela (e. 15). A atitude O sentido eclesial
de Ester não foi tanto para agradar ao rei, quanto para levá-lo a sus-
peitar da gravidade do assunto. Aliás, o pedido de Ester podia parecer Para entender «o sinal do céu» que consiste em «uma mulher ves-
de pouca monta e ser interpretado como um capricho feminino. Entre- tida do sol, com a lua debaixo de seus pés e uma coroa de doze estre-
tanto, era de grande alcance, pois a sagacidade do rei percebeu (5,6) las na cabeça» ( 12, l), referimo-nos, primeiro, aos textos onde aparece
que a proposição de Ester ocultava algo que transcendia o âmbito de a expressão «sinais do céu'> (Me 8,11; Mt 16, 1) ou «sinal do céu» (Mt
suas palavras. Havia algo de dramático e emocionante nesta visita im- 24,30). O contexto em que se usa ai esta -expressão faz desconfiar que
prevista. A 1' resposta (5,4) foi talvez decepcionante. Acontece, porém, ela em Ap 12 tem um sentido escatológico e se liga à instauração per-
que não estavam preparados para aquilo que Ester iria pedir. feita do Reino de Deus. Em segundo lugar referimo-nos a On 37,9. No
O texto litúrgico compõe-se de 2 perícopas tiradas dos cap. 5 e 7 seu segundo sonho josé viu que «o sol e a Jua e onze estrelas se
(5,lb-2; 7,2b-3). No intermeio relata-se que Ester pediu ao rei o com- prostravam diante dele». O sol e a lua representam o pai e a mãe de
parecimento, com Amã, a um banquete (5,3ss). Pelo fim do mesmo, As- José e as onze estrelas seus irmãos. Isto faz sugerir que a mulher de
suero a interpelou de novo sobre a natureza de seu pedido (5,6). Ester Ap 12,1 representa o povo de Deus, cujas doze tribos descendem dos
uma vez mais os convida a banquete (5,8). Enquanto isso, cresciam doze filhos de jacó. Inclui também a possibilidade de simbolizar o novo
as divergências entre Amã e Mardoqueu, a ponto de aquele tramar povo de Deus, fundado sobre o;; doze apóstolos.
uma conjuração contra este para liquidá-lo (5,9-14). Mardoqµeu, como A figura da «mulher vestida do sol com a lua debaixo de seus
r~c:nmo.e.nsa de haver denunciado urna sublevação contra o rei, foi con- pés:t> faz ainda lembrar Is 60. Ai Jerusalém é imaginada corno urna

572 573
mulher, esposa de Deus e mãe do povo de Deus escatológico. Ela le- morte e ressurre1çao do Messias-jesus (Jo 12,31-33) e pelo testemunho
vanta-se como um esplêndido nascer do sol, uma vez que ela é iluminada dos que n'Ele acreditam, isto é, dos cristãos (Ap 12,11). Por enquanto,
pela própria luz de Deus (Is 60,1.19-20). Logo depois o profeta su- porém, o Dragão persegue a Mulher com fúria redobrada, porque sabe
blinha como esta nova Jerusa1ém dará a vida a um povo santo e que os seus dias estão contados (Ap 12,12). A Mulher, para escapar
numeroso, o do tempo da graça (60,21-22), a posteridade abençoada à sua fúria, recebe «duas asas de grande águia; a fim de voar para o
por Deus (61,9; 65,23). Estes textos são citados aqui como em ou- deserto... onde é alimentada> (v. 14). A imagem das duas asas de
tros contextos do Ap (cf. Ap 21,23 e Is 60,19-20; 21,24 e Is 60,3; 21,25 águia é tomada de empréstimo de Ex 19,4 e Dt 32,11. Nestes textos
e Is 60,11; 21,26 e Is 60,3.5.J 1). apresenta-se Deus levando o Seu povo através do deserto até a Terra
Esta Mulher é ameaçada pelo Dragão ou antiga Serpente. Além Prometida, como uma águia traz os seus filhotes e os alimenta. Con-
de aludir a Gn 3, o nome Dragão evoca os oráculos de Isaías, onde forme Is 40131 Deus dá àqueles que n'Ele confiam «asas de águia» em
o aniquilamento do Dragão ou Serpente por Deus, seja nos primórdios vista do novo êxodo da Babilônia, terra do exílio, de volta à Terra
(e!. Is 51,9), seja nos tempos escatológicos (Is 27,1), encontra-se em Prometida. O alimento de Ap 12,14 pode ser interpretado com· ajuda de
conexão com a restauração da Mulher-Sião. jo 6. Aí o maná do deserto do Antigo Testamento é ultrapassado e
substituído pelo maná do Novo Testamento (Jo 6,31-35.49-51) que, em
Em Ap 12,2 e 5 diz-se que a «Mulher está grávida, grita de dores última análise, é o alimento espiritual da Eucaristia (Jo 6,52-58).
e dá à luz um filho, um menino, aquele que deve reger todas as na-
ções com cetro de ferro». Acrescenta-se logo que este filho «foi arre- A estadia no deserto é de 1260 dias (Ap 12,6) ou de três anos e
batado para junto de Deus e de Seu trono». Todos os autores estão de meio (12,14). Estes algarismos são derivados de Dn 7,25; 12,7. Em
acordo que este arrebatamento diz respeito â ressurreição e ascen- Daniel dizem respeito à duração da perseguição durante Antíoco Epí-
são de jesus. Muitos acham que o nascimento diz respeito ao nasci- fanes. Indicam, no Ap, todo o período de provação que precede a ins-
mento de Jesus. Feuillet, porém, está convencido de que não se pode tauração perfeita do Reino de Deus.
aplicar ao nascimento virginal do Menino Jesus em Belém, o que se A conclusão de todas estas observações parece óbvja: a Mulher
diz aqui. Conforme ele não se trata das dores físicas de um parto do- a1imentada por Deus no deserto é a lgreja cristã alimentada com a
loroso, mas das dores messiânicas que engendram o Messfa. s_. Ou, em Eucaristia e protegida por Deus ao longo de sua peregrinação ter-
ou~ras pa1avras, dos. sofrimentos da paixão e morte na Cruz, logo se- restre, em expectativa da Parusia. Depois de ter dado à humanidade o
g111das pela ressurreição. A mãe que sofre estas dores não seria Ma- Messias, o povo de Deus do AT passa a ser a Igreja cristã. Como os
ria, mas o povo de Deus. O autor do Ap inspirou-se em Is 2617 e demais autores do NT, o autor do Ap está convencido de que a cisão
66,7, textos que cita implicitamente. O primeiro texto fala dos gritos entre as duas economias de salvação não impede uma continuidade en-
que acompanham o parto. O segundo, na tradução dos LXX combina o tre ambas, porque se trata do mesmo desígnio divino de salvação f!Ue _
tema do nascimento doloroso de uma criança com o da f~ga (cf. Ap se realiza progressivamente. Depois de ter atacado em vão o Messias
12,6). il interessante que em ]o 16,19-20 jesus !ala de sua paixão e a Mulher, sua Mãe, o Dragão se dirige contra gs cristãos, «O resto
m~rte e ressurre~ção em termos metafóricos de. um parto dolorosO, se-: da descendêncílll> da Mulher (v. 17).
gmdo pela alegria pelo nascimento de um novo homem, aludindo aos
mesmos textos de Is, a saber, 26,17.20 e 66,14. Em Jo 16 20 e 22 fica
claro que são os discípulos que sofrem na carne este «n~scimento pe- O sentido_ marial
nosoJ> do Messias através da morte.
No ~ovo Testamento a ressurreição é, às vezes, interpretada como Uma vez que o parto de 12,2.5 há de ser interpretado da paixão
um nascimento, nomeadamente onde se lhe aplica SI 2 7: cTu és o meu e morte de Jesus e que a Mulher tem outra descendência além do Mes-
filho, ~u hoje te gerei> (At 13,33; Rm 1,4; Hb 1,5; '5,5). Ora, em Ap sias (v. 17), parece excluir-se um sentido marial da Mulher. Feuíllet,
12,5, cita-se v. 9 deste mesmo Salmo. Esta comparação de textos for- porém acha que uma interpretação maria] permanece possível e até
tifica a hipótese de que as dores de parto aludem à paixão e morte e melho; fundada. Ele liga os textos de Nossa Senhora ao pé da Cruz,
o nascimento com o arrebatamento para junto de Deus à ressurreiÇão próprios de jo 19,25-27, com os textos de Ap 12 e observa que:
e à ascensão do Messias. 1) nos dois contextos se usa a palavra «Mulher»;
O Dragão ou a antiga Serpente persegue sucessivamente a Mulher 2) jesus , dá à Sua Mãe, Maria, como !ilho espiritual o Seu discí-
(vv. 4.6.13-16), o seu !ilho-Messias (v. 4) e o cresto da descendência pulo muito amado, representante dos cristãos; Ela 'em portanto outros
da Mulher» (v. 17.). Estes dados representam um desenvolvimento do !ilhos além de jesus;
prato-evangelho de Gn 3,15, que anuncia uma, luta sem tréguas entre 3) esta maternidade espiritual está ligada intimamente à pruxao e
a Mulher e a Serpente e entre a descendência da Mulher e a da morte de jesus. Como o. discípulo muito amado parece representar todos
Serpente. os cristãos, assim Nossa Senhora parece representar a Mãe---Jgreja.
• No <intervalo» de Ap 12,7-13 descreve-se como no céu se <limpa Blbllograjla: A. P eu 1 J J e t, Le Messle et sa Mêre d'aprês le Cbap. XII de
a area~ para receber o Messias e o povo messiânico pela expu1são do
Dragão.. A ~ua de~rota celeste será seguida por sua derrota terrestre. 1 l'Apocalypse, em: Jd.~ Eludes jobannlques, Paris 1962, p. 27~10.

Como ele !01 vencido e lançado fora do céu para a terra por Miguel ' Raul Ruijs, O.F.M.
e seus anjos, assim ele será vencido e lançado !ora deste mundo pela Petrópolis, RJ

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L
.!

gelista. No apelativo «mulher» de jo 2,4 e 19,26, eles vêem uma re-


Terceira Leitura: ]o 2,1-11 ferência à mulher de Gn 3,15 («Porei inimizade entre ti e a mulher,
entre a tua descendência e a dela»). Assim Maria aparece como a
«Que tenho eu e tu com isso, mulher?» Nova Eva, mãe de todos"'os viventes da era da graça. No momento de
sua morte, Jesus lhe confia «O discípulo amado», figura representativa
A transformação da água em vinho é apresentada pelo quarto evan- de todos os discípulos de Cristo. Ela se torna a Mãe da Igreja, Ma-
gelista como o «início dos sinais» operados por jesus (2,11). Nesta pas- ter Ecclesiae, na linha do pronunciamento feito pelo Papa Paulo VI
sagem, como aliás através de todo o evangelho, o termo «sinal~ é
empregado de um·a forma caracteristicamente joanina. Designa os mi- por ocasião do encerramento do Concílio Vaticano II: «Portanto para
lagres de jesus. O autor não se restringe ao conteúdo exterior ou ma- a glória da Virgem e para o nosso conforto, proclamamos Maria San-
terial dos acontecimentos. Ele procura o seu significado. Os milagres tíssima, Mãe da Igreja~ isto é, de todo o povo de Deus, tanto dos fiéis,
revelam em Jo mais claramente .que nos Sinóticos o sentido profundo como dos pastores».
dos atos de jesus, eles revelam quem Ele é. Assim a cura do cego Este paralelismo entre o livro do Gênesis e o quarto evangelho
de nascimento (jo 9) nos manifesta Jesus como a luz do mundo (9,5: se torna tanto mais convincente quando notamos em jo 1-2 a pre-
«Enquanto estou na· mundo, sou a luz do mundo»), a ressurreição de sença de vários temas e expressões já mencionados no início do pri-
Lázaro (Jo 11) nos revela o Cristo corno «a ressurreição e a vida» meiro livro da Sagrada Escritura («no principio», luz, trevas, vidaJ o
(11,25). poder criativo da palavra divina e a cronologia dos seis dias da cria-

l Uma das idéias centrais de jo 2,1-11 é o tema da substituição das


realidades antigas pelas novas. Este tema pervade todo o quarto evan-
gelho. Em 1,14., a tenda da aliança, lugar privilegiado da presença de
Deus no povo eleito, é substituída pela humanidade de Cristo («E
o Verbo se fez carne e tomou sua tenda entre nós e nós vi nos a sua
ção). O Cristo é o Novo Adão, começo de uma nova humanidade, da
qual Maria é a Mãe.
O evangelista conclui a pericope com as seguintes palavras: ce os
discípulos creram nele» (2,11). Tal expressão é característica das eon-
clusões dos relatos joaninos (4,39-41; 4,53; 6,69; 12,42; 20,31). A pas-
j' glória ... ). Em 2,21, o templo de Jerusalém dá lugar ao n• vo templo
que é o corpo de jesus (-tEle, porém, falava do templo dl seu cor- sagem é oferecida aos leitores como modelo da atitude que eles devem
po»). Em 4,21-24, o culto em jerusalém ou no monte Garizi1ri torna-se tomar. Ela possui um objetivo catequéticoJ pedagógico, exemplar. Ela
um culto «em espírito e verdade». Em 6,49-50, o maná do deserto é é interpretada existencialmente. O Cristo é o único meio de salvação
substituído pelo «pão descido do céu». oferecido aos homens. No plano divino, porém, Maria é a Mãe de todos
Como tal tema se manifesta em jo 2,1-11? Aqui, as seis talhas os cristãos, a protetora da Igreja na luté! contínua contra as forças
de pedra para a purificação dos judeus, «contendo cada uma de duas do mal.
a três medidas» (2,6), representam o Judaísmo. E a enorme quantidade
Bibliografia: Os comeotârlos sobre o quarto evangelho de C. K. Bar r e t t, ; . .,;
de vinho - 480 a 720 litros - é já no Antigo Testamento (Amós R. H. Li g h t f o o t, j. Mar s b, J. N. San d e r -s, R. E. Brown e R. Se h na c-
9,13-14 e Os 14,8)-:· sinal da presença dos tempos messiânicos. k e n b u r g. ~~
Por conseguinte, a afirmação de Maria: «eles não têm vinho» (2,3)
é uma constatação simples e clara da esterilidade ou fim do judaísmo. Gabriel Selong, S.V.D.
E a exclamação do mestre-sala dirigida ao noivo (o Cristo!): q:tu Rio de Janeiro, RJ
guardaste o bom vinho até agora!» (2,10) é uma proclamação da
chegada dos tempos messiânicos. Esta interpretação é confirmada pelo Sugestões para a Homilia
contexto do relato, isto é, uma festa de bodas (2,1-2), símbolo também
•1 da presença do Messias (cf. Mt 22,1-14). Em outras palavras, diante
1' do Cristo, as instituições judaicas perdem o seu sentido. Jesus é agora Introdução
o único caminho que leva ao Pai. Ele é a manifestação plena e defi-
nitiva de Deus entre os homens. Numa festividade em que se honra Nossa Senhora, não
Nesta mesma direção deve ser interpretada a resposta de Jesus podemos esquecer sua prerrogativa fundamental, donde lhe vêm
à sua Mãe: 4:Que tenho eu e tu com isto, mulher? A minha hora ainda todas as outras; ela é a Mãe de Deus. Mas ·não podemos, ou-
não chegou:> (2,4). O apelativo «mulher» por parte de um filho e in-
sólita. Não encontra paralelos seja na literatura bíblica, seja na li- trossim, esquecer a prerrogativa que está mais próxima à nossa
teratura profana. Jamais um filho se dirigiu à sua mãe com estas realidade humana de caminheiros: ela é nossa Mãe. Dentro des-
palavras. E contudo, tal título aparece em Jo 2,4 e jo 19,26 precisa- ta dupla maternidade se estabelece a glória de Maria, sua co-
mente no início e no fim do ministério público de jesus. Em 19,27 rea- laboração no mistério salvífico, sua atuação ativa na Igreja e
parece também o termo «hora» tão significativo no quarto evangelho:
A q:hora» que não tinha chegado em 2,4 torna-se presente em 19,27 sua influência sobre cada indivíduo. Seu trabalho é o de me-
(«E a partir dessa hora, o discípulo a recebeu em sua casa>). diar, estar no meio, estar entre Deus e os homens, qual mis-
Estas observações impelem muitos autores a procurar um signi-
ficado mais profundo no termo «mulher>. Longe de ser depreciativo,
afirmam eles, o título revela a visão e intenção teológica do evan-
577.
576
--------- -- -
- -- . - - - - - - -
·11,--~
~-

1.
!~t
i teriasa escada, por onde a bondade de Deus desce continua- Razão tinha São Bernardo em rezar: nunca se ouviu dizer que
t~ alguém que a vós tivesse recorrido, com confiança, tivesse fi-
mente em gestos concretos e a nossa necessitada humanidade
sobe à busca de auxílio. cado desatendido ...

Corpo
Conclusão
1. lntercessora na previsão
Em todos os tempos, a fgrej a proclamou de mil modos
Interceder é colocar-se entre dois partidos e inclinar-se para esta mediação e intercessão de Maria: constituiu-a padroeira
o mais fraco, o mais débil, a fim de conseguir que entre os de muitíssimas obras, dedicou-lhe igrejas e santuários em todos
dois se encontre um termo médio, do qual possa brotar a paz os recantos do mundo, produziu obras de alto valor no campo
e a compreensão. IÉ este o papel de Ester no AT: intercede do pensamento e da fé, destacou-a na liturgia ao lado do Fi-
por seu povo, a parte fraca, junto ao rei, a parte forte, para lho. O povo cristão não apenas aceitou este culto, mas provo-
salvá-lo do extermínio que a iniqüidade dos inimigos havia pla- cou-o, numa demonstração incontida de fé e de afeto por aquela
nejado. Revestiu-se ela de trajes especiais, isto é, tornou sua que nos deu o Cristo. Entre as muitas formas de reconheci-
presença agradável, presença esta que fez a bondade despon- mento destaca-se o costume de proclamar Maria Rainha e Pa-
tar nos olhos do rei e achar graça na intercessora. Não graça droeira do Povo ou Nação, colocando sob sua particular pro-
no sentido meramente estético ou passional, mas no sentido vi- teção a terra que lhe coube como pátria, as instituições e leis
vencial e profundo de cativação e conquista de coração. Con" que o governam, as pessoas que constituem a nação, os pro-
quistado o coração, atendido estava o pedido. Eis a bela figura blemas e perigos que constantemente a ameaçam como pátria
de Maria que surge do fundo do Velho Testamento: revestida e como povo. A proclamação de Rainha e Padroeira é um ato
de graça, que o Anjo reconhece, ela se apresenta a Deus, cons- coletivo de fé e de afeto na mediação desta Mãe de Deus e
tantemente, na missão de interceder pelo povo peregrino e por dos homens. Há momentos em que, de modo particularíssimo,
cada peregrino em particular. Mãe que amparóu o Cristo-Me- se faz sentir a necessidade desta proteção: a Virgem deve re-
~. nino, continua preocupada com o Cristo histórico que vive em petir sua aparição para dizer aos homens a palavra de fé,
......... sua Igreja, ajudando a alcançar a maturidade plena. de encorajamento, de responsabilidade coletiva, de interesse pe-
los problemas e sobretudo p-elas pessoas. Parece que andamos
muito precisados de que a Virgem Aparecida se nos coloque
2. lntercessora do presente como o sinal vitorioso e forte, contra- todas as forças do ma-
ligno, como aparece na segunda leitura.
joão, no capítulo das bodas de Caná, captou a intercessão
de Maria, numa força tal, que parece alterar até os planos do Frei Hugo D. Baggio, 0.F.M.
próprio Filho, a fim de livrar os noivos de um aperto. Pediu, Guaratinguetá, SP
esperou, alcançou. Cristo agiu ali, como age hoje e sempre na
!~ sua economia divina: está sempre atento aos pedidos da Mãe.
Ir a ele, naturalmente, pode-se ir diretamente. Mas podemos
fazê-lo também «através de». E aqui entra a intercessão de
Maria Santíssima: intercessão que significa ascendência sobre o
coração do doador e condescendência sobre o coração do pe-
dinte. Bem merece ser chamada a «Onipotência suplicante»,
porque enquanto Deus é onipotente porque tudo pode. fazer,
ela o é porque tudo pode alcançar. Nossa fé e nosso amor,
nossa entrega e nossa confiança participam desta onipotência,
pois pela intercessão de Maria alcançamos todo o carinho do
Pai, toda a atenção de Cristo, toda a força do Espírito Santo.
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l
J'
•·
que a morte é apenas passagem para lá, lhes infundiam heroísmo,
Dia de Finados resignação e alegria nos tormentos que os afligiam, confiando em Deus
que os livraria de tudo. Foi isso que animou os Macabeus, sua mãe,
a permanecerem fiéis às tradições que possibilitam tantos mártires por
Pistas Exegéticas Cristo. Os sofrimentos não passavam de leve correção em comparação
con1 a felicidade imensa que os aguardava (Rm 8,18; 2Cor 4,17), - de
Primeira Leitura: Sb 3,1·9 prova de sua fidelidade e amor a Deus, que os fizera dignos dele. A
bem.aventurança eterna não é apenas mereciníento (2,22), senão funda-
A l'- parte do livro da Sabedoria (1-5), secção central, apresenta a mentalmente dom de Deus: Deus nos prova como provou a Abraão
sabedoria como fpnte de felicidade e imortalidade; o cap. 1° propõe (Gn 22,l) para que se manifeste a fidelidade dos seus amigos.
as exigências da sabedoria e a origem da morte, enquanto o 2° mostra Os salmistas timidamente se referiram a uma vida no além, me-
a mentalidade dos ímpios e o juízo do autor sacro, apresentando a lhor do que a presente (SI 15,!0s; 16,15; 48,16; 72,24); são os Sábios
sorte dos justos e dos ímpios já nesta vida: aqueles, oprimidos, - que, reinterpretando tais passagens, forjaram a esperança na imortali-
estes, entregues aos prazeres. Assim sendo, será Deus justo? Sb busca dade; pela primeira vez aparece o termo «imortalidade» em sentido de
solução ao problema que angustiava a Jó e ao autor do Eclo: a esta vida plena e sem fim (v. 4; 4,1; 8,13.17; 15,3; 1,15).
vida terrena sucederá outra, eterna, no além, onde os justos receberão Deus, com a provação e o sofrimento, purificava as almas como o
a recompensa de seus sofrimentos e os ímpios, o castigo de sua ma1- ouro na fornalha (v. 6; SI 65,10; Pr 17,3; 27,21; Eclo 2,5; Jó 23,10) e
dade. O cap. 39 salienta o contraste entre o destino dos justos e dos desta- forma podiam ser oferecidas como holocausto ao Senhor. No
iníquos: prêmio e castigo eternos. holocausto parte alguma da vitima era reservada aos que ofereciam, pois
A luz da imortalidade, Sb dá solução a três interrogações dos era consumida toda. É imagem adequada para dizer que as correções,
justos nesta vida: sobre o sofrimento (3,1-12), sobre a esterilidade (3, em especial o martírio, são o sacrifício mais perfeito e agradável que
13-4,6) e sobre a morte prem!ltura (4,7-19). o homem possa oferecer a Deus. Dizia Inácio de Antioquia: «Sou trigo
<!'Mas» - contraste! - as a~mas dos justos estão sob a proteção de Deus. . . que seja moído pelos dentes das feras, para que me torne
divina, nesta e na outra vida. «Na mão de Deus» significa o domínio pão puro Qe Cristo. . . rogai por mim a fim de que, por· estes instru-
absoluto dele sobre a criação (7,16; 11,17; 16,15); na bíblia «a mão n1entos, venha a ser uma hóstiá» (Rm 4).
de Deus> tem sentido ora desfavorável (2Cr 32,13ss; Jó 19,21) ora Os vv. 7-9 são distintos do contexto imediato pelo estilo e colo-
favorável (10,20; D! 33,3; SI 30,6; Lc 23,46; Jo 10,28s). Aqui e nps rido apocalíptico: apontam para a vida ultraterrena (vv. 1-3), onde se
vv. seguintes, o autor reitera sua fé na imortaJidade da alma, confe- manifestará o prêmio dos justos. Fala-:se da glória dos justos no final
rida por D~us, depois da morte, segundo os méritos - doutrina então dos tempos. Quando Deus lhes outorga ~a glória da imortalidade, res-
mui discutida e incerta (5,1.15); sua visão supera de longe a concep- plandecerão nos céus. «No dia de sua visita» (v. 7) brilharão como
ção do sheoljhadesh dos antigos judeus (SI 6,6; Eclo 17,27; Br 2,17; estrelas no firmamente (Dn 12.3), como o sol no reino do Pai (Mt
Is 38,10). Nesta- vida, as perseguições e sofrimentos ampliarão as vir- 13,43). Tal ~isita» (2,20: episcopé = inspecção), a que serão" subme-
tudes, resultando uma glória maior; na outra, receberão do Senhor tidos por Deus os justos nesse juízo escatológico, equivale à proclama-
Uma felicidade plena e eterna, sem sofrimento, a qual não lhes será ção oficial e púb1ica da inocência e fidelidade dos mesmos no seio das
tirada. tribu1ações desta- vida. O fogo devorador, na bíblia, é metáfora comum
Para os sem fé e sem esperança no além, para os perseguidores, para designar vitória sobre os inimigos (Is 5,24; 47,14; Jl 2,5; Ml 3,19;
a morte do justo pareceria uma infelicidade, um aniquilamento (v. 3), Zc 12,6). Há uma alusão a Ah 18 e ls 1,31 - vitória de lsrael sobre
porquanto reina também sobre os justos. O erro dos maus se deve os povos - mas com sentido universa1ista, de vitória dos bons sobre
à sua ignorância dos mistérios de Deus (2,22) e à sua insensatez. Aos os maus.
poucos, os rabinos foram adotando a verdade da retribuição imediata «Correr como centelhas na palha» (v. 7) pode exprimir a claridade
a bons e maus depois da morte. Para Sb a morte física do justo não e agilidade dos corpos ressuscitados ou ainda, dada a rapidez do in-
tem grande importância; como na Jiturgia cristã: «vita mutatur, non cêndio devorando tudo, assim a glória e resplendor dos justos redu-
to1litur». Mesmo entre pagãos (Platão, Cícero) a morte não era tida zirá a nada os perseguidores. Em vida foram oprimidos, sem defesa
c·omo um mal absoluto. diante dos ímpios; agora serão seus juízes (v. 8) - prerrogativa que
Na realidade, porém, a coisa é bem outra: a morte foi para eles Jesus conferiu aos apóstolos e Paulo, a todos os ·cristãos (Mt 19,28;
princípio de vida plena junto a Deus, cheia de paz (v. 3); a «paz» era Lc 22,30; !Cor 6,2; Ap 20,4). Não é domínio temporal de lsrael, mas
. l ' triunfo dos justos no reino de Deus: é a concepção neotestamentária
a soma de todos os bens e de toda felicidade, com a ausência do nlal. ~
O próprio Messias trará a paz (Is 9,6; Lc 21 14). Os primeiros cristãos da bem-aventurança como um reino. Julgá-los-ão, não como em tribu-
colocavam esse termo nos túmulos para designar a felicidade junto a nal forense, mas com sua ·conduta exemplar, à guisa de reprimenda e
Deus, Jogo após as perseguições e lutas. Segundo a ótica humana, o condenação para os maus (Lc 11,31). «Dominarão os povos» (v. 7) é
sofrimento do justo parece castigo; na fé, porém1 é correção, provação eco de vários salmos (48,15; 2,9s; 71,8-11; 109,1;" 149,6-9; cf. Dn 7,
permitida por Deus (vv. 5s). Sa1ienta-se aqui o valor das provações 22.27). Será um domínio espiritual, não humano-temporal, como os ju-
dos jüstos, os quais foram durante a vida atormentados pelos maus; deus esperavam. Reinarão para sempre com Deus na glória. Cristo lhes
todavia, a esperança em Deus e na imortalidade feliz, a consciência de entregará seus poderes, quando tenha conquistado todos os remidos,

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,,
1.

r~ para ·que Deus seja tudo em todos (lCor 15,28). É a apoteose, a glo- Jo 3,5) e que como tal era celebrado na comunidade (e!. AI 2,38-41).
I' rificação dos justos. Esse batismo significando e sendo por imersão surge como um símbolo
No v. 9 é descrita a vida íntima dos justos na eternidade junto da morte. Imerso o cristão está desaparecido aos olhos dos homens
a Deus: é uma passagem com aspectos neotestamentários. Pelo fato e como o Cristo sepultado marcha para a ressurreição, a vida nova.
de terem confiado no Senhor, lhes é dada agora a compreensão da Nessa dinâmica, ressurreição será a emersão da água.
conduta divina, que enviara aflições enquanto os ímpios gozavam. Por A morte batismal, então, não é castigo mas meio, instrumento de
terem sido fiéis na terra, permanecerão agora eternamente com Ele no salvação. Nela morre a figura do homem velho, adarnítico, que será
gozo de seu amor - fruto da bondade e misericórdia divina, que se sepultada para sempre. A morte, como o batismo, é um fato único no
compraz em fazer o bem aos eleitos. «Verdade» (5,6; 6,22) é mais tempo, e por conseguinte não repetível A ressurreição, qual vida nova,
do que o grego «alêtheia» (verdade, veracidade, sinceridade, abertura); é um desabrochar para uma nova dimensão; e corno isso não foi um
é o hebraico «'emeth», que denota firmeza, estabilidade, fidelidade (1Sm fato histórico verificável como a morte, igualmente a vida nova do
2,35; Is 7,9; 49,7). A verdade é sobretudo a fidelidade de Deus (Gn cristão não acontece em um momento, mas é um desenvolver-se e re-
24,27; D! 7,9; 2Sm 2,6; SI 70,22; 87,12; 88,2s.6). novar-se constantemente.
Esse texto era lido na liturgia dos mártires. O livro da Sabedo- O batismo -é então a expressão sensível da fé interior, e o seu
ria resolve aqui com simplicidade e clareza, nunca antes. conhecidas, rito - imersão - é em si eficaz, tanto assim que Paulo atribui a
o problema da dor que tanto preocupara os hagiógrafos anteriores. O ambos os mesmos efeitos (cf.- 01 2,16-20 e Rm 6,3-9). O banho por
cristianismo completará essas noções com a idéia do valor redentivo imersão sepulta o pecador na morte de Cristo, de onde sai com ele
do sofrimento (Cl 1,24) e com a imitação de Cristo crucificado (Lc pela Ressurreição, como nova criatura, homem novo. Esta ressurreição
9,23). Aí está uma resposta satisfatória ao mistério da dor, permitida que só sera definitiva no fim dos tempos, se rea1iza desde agora por
por Deus, que nossa sensibilidade recusa com vigor. uma vida nova segundo o Espírito. Vida nova que não acontece na
Bibliografia: Cf. 230 domingo comum, Ano C. ordem cronológica mas na metafísica; jã agora foi suspensa a su-
cessão adamítica, pela morte do batismo e o nascer da vida nova.
Pe. Matheus F. Giuliani, S.A.C. Estruturalmente os vv. 6.7, sobre o fiel, correspondem aos vv. 8.9.
Santa Maria, RS l O sobre Cristo, e que são fundamento teológico ~as afirmações an-
tropológicas anteriores, «O que se afirma do crente deriva sua vera-
cidade do que é verdadeiro de Cristo» (Leenhardt, 162). Nosso destino
Segunda Leitura: Rm 6,3-9 liga-se ao de Cristo, de modo misterioso mas efetivo, o corpo de pe-
cado/homem velho deve desaparecer. Seria errado pensar em «corpo
«Se morremos com Cristo, temos fé de que também viveremos com ele» de pecado» como sendo nosso corpo enquanto distinto da alma, ou
seja, enquanto matéria; haveria então interpretação maniqueísta, tan-
Paulo explica a doutrina sobre o batismo que as comunidades já tas vezes presente quando se vê o corpo e suas aptidões como peca-
conheciam mas que parece não ter sido assimilada por todos, sobretudo minosos. No texto «corpo de pecado}> equivale a homem velho.
no que tange a nova vida a ser vivida. Pois a idéia de viver em
pecado é contraditória ao cristão. Juridicamente com a morte do réu cessa o processo. Paulo usa
O batismo é o acontecimento central da vida do cristão, por ele
essa imagem para indicar a cessação da- imputação do pecado ao ho-
o cristão é tirado do mundo e submergido no Cristo: Aqui em Rm mem. Na dimensão do pecado, o batismo é a morte que faz cessar
diz-se «em Cristo», em 1Cor 10,2 usa-se a expressão «em Moisés», isso a pena que pesa sobre nós. Jgualmente os rabis afirmavam que os
significa que Moisés e Cristo são instrumentos do desígnio redentor de mortos estão livres da observância da lei e dos preceitos. Assim o
Deus. Estar unido a Moisés era condição para os israelitas participa- batizado morreu para o pecado, foi justificado, passa a ser reeonhecido
como justo. Ingressa na vida da Justiça.
rem do plano de Deus, o mesmo se diga do cristão para com Cristo,
que leva à perfeição a obra iniciada em Moisés. Portanto, de Cristo, Esta vida nova. inaugurada aqui e que chegará a seu termo com
qual novo Adão, nasceu um novo povo. a ressurreição dos mortos, só é percebida pelos olhos da fé. Por
O fiel vê no oferecimento de Cristo, como sacrifício de propicia- isso Paulo diz: «estamos persuadidos, convencidos, temos fé», porque
ção por parte de Deus, o significado de sua morte com Cristo. Con10 à Juz dos olhos humanos nada mudou. A fé portanto é no Deus que
o fiel israelita oferecia seu sacrifício a Deus, o cristão se identifica ressuscitou Jesus Cristo, como primogênito/primícia, e que abriu aos
com o Cristo e é oferecido com ele, morre com ele. Deus causa e crentes a possibilidade de urna vida nova.
aceita o sacrifício. O batismo é essa morte, que faz desaparecer o Além disso a soberania absoluta de Jesus Cristo ressuscitado di-
homem adâmico e provoca uma ruptura com o pecado. Ser batizado é rime toda dúvida que possa restar, ele já não morre, a morte foi
aceitar morrer com Cristo; pelo batismo então o cristão está morto definitivamente vencida. Como Cristo, o fiel morre uma vez por todas,
para o pecado. Justificado, o homem tem_ de romper totalmente com e sua vida nova floresce e surge todos os dias na medida em que
o pecado, isto é, com a força do mal presente no mundo e no homem ele tem fé, ama e vive para Deus (01 2,19; 2Cor 5,15). Por conse-
e que procura levá-lo para longe de Deus e dos irmãos. guinte as exortações, como a que se segue na carta, têm razão de
Não há dúvida de que Paulo fala do batismo sacramento instituído ser enquanto orientam o crente no seu viver a vida de homem novo,
por Cristo como porta de ingresso na Igreja (cf. Mt 28,19; Me 16,16; longe do pecado.

582 583

1'
l
O batismo é por isso urna parábola vivida. Somos nele uma só
coisa com Cristo, como o enxerto e a planta (cf. v. 5; ]o 15,5). Fo-
mos crucificados sepultados e vivificados com ele e como ele: «Já
'l e~a possível até o terceiro dia, acreditavam os judeus). Durante sete
dias, parentes e amigos visitavam a casa para consolar a famí1ia. É
nes~a situação que se situa a chegada de Jesus. Nas aldeias da Pa-
não snrnos nós que vivemos, mas Cristo que vive em nós» (01 2,20).
lestina, a chegada de um visitante era percebida de longe. Marta
Bibliografia: F. J. L e e n h ar d t, Epistola aos Romanos, Aste, São Paulo c?nh~cida na tradição evangWica por causa de sua prontidão e ser~
1969; B1blia Comentada, BAC, Madrl 1975; O. K u s s, Carta a los romanos, Her- v1çahdade (cf. Lc 10,38-42), sai ao encontro de Jesus, quando este
der, Barcelona 1976.
Pe. Carlos A. da Costa Silva, S.C.j. vem chegando pelo caminho. Maria, a «contemplativa», fica em casa.
Paulista, PE Nos vv. 21-24, temos o início do diálogo de revelação. Muitas
vezes, em Jo, tais diálogos começam com um «ma1-entendido joanino~

Terceira Leitura: jo 11,17-27


'
í
(cf. 3,4ss; 4, 10ss; 6,34ss; 6,52ss; 11,1 lss, etc.). Estes mal-entendidos
indicam que o interlocutor está ainda no nível da «carne» (o modo
humano de ver e julgar, mesmo quando se trata de assuntos religiosos),
1

1. Contexto enquanto Jesus fala no nível do «espírito» (o verdadeiro conhecimen-


to de Deus, cf. 3,6ss). Por isso, à observação de Marta dizendo que
O texto do evangelho de boje é o diálogo central do episódio de Lázaro não teria morrido se jesus tivesse estado aí ~ste responde
Lázaro. Neste, ]o narra o último e maior «sinal» de Jesus, pouc.? an- confirmando que Lázaro ressuscitará, o que é passí~el de diversas
tes da Páscoa de sua morte (cf. 11,55). É a suprema revelaçao de compreensões: 1) A compreensão de Marta é a mesma do judaísmo
jesus em sinais. A partir dai, termina o tempo dos sinais e chega a farisaico: pensa na ressurreição da carne no último dia (cf. Dn 2,12;
«Hora» (12,23), em que a obra de Jesus. ~ le.vada a termo (1~,l~ss; 2Mc 7,9.11.14.23; 14,46). Mas, 2) para Jesus, esta crença judaica é
17,lss; 19,30). Assim, este sinal é um preludio a «morte-e-ressur~e1çao» apenas um ponto de partida para uma revelação nova do sentido da
ressurreição.
- a «Exaltação» na cruz e na glória - de Jesus mesmo. Ass1'!1.. ~o­
Ê nos vv. 25-26 que encontramos a mensagem própria de jesus
mo nos outros sinais ele se deu a conhecer como dom mess1an1co
(e do evangelista) a respeito da ressurreição. É uma das sentenças
(vi~ho e pão), luz e 'água (Siloé), assim também se dá a conhecer, introduzidas por «Eu sou», características do 4° evangelho. O R·evela-
aqui, como «Ressurreição e Vida». dor, enviado do Pai, fala, qual a Sabedoria, de seus próprios atri-
No episódio de Lázaro se podem distinguir os seguintes momentos: butos (cf. Pr 8,12ss; Eclo 24; estes textos refletem-se também no
1º) 0 prelúdio: o anúncio da doença de Lázaro, a den;wra de Jesus Prólogo de Jo); e também, este «Eu sou» lembra as auto-revelações e
e o mal-entendido dos discípulos (]o 11,1-16); 2') o encontro com o «nome» de Javé (cf. Ex 3,14.6). Com esta introdução indubitavelmente
Marta fora da cidade um «diálogo de revelação» (ll,17-27: o evan- teologal, Jesus se proclama ser «Ressurreição e Vida».
gelho· de hoje); 3°) o 'encontro com Maria, fora da ci~ade.! e a emoção
'
'
de Jesus (I 1,28-37); 4•) a ida ao sepulcro e ressusc1taçao de ~~~ro
(11,38-44). Mas a história não termina aí; fica presente nos ep1sod1os
t Parece, portanto, que o Jesus de João vem reinterpretar as cate-
gorias judaicas. Assim como, no cap. 6, ele dá um novo sentido ao
«pão do céu» (para os judeus: o maná), assim ele dá, no presente
seguintes, a saber, a condenação de jesus (11,45-;54) e a entrada em texto, um novo sentido aos conceitos de ressurreição e vida eterna
Jerusalém (12,1-19), cujo caráter festivo é exphcado pela «façanha» (para os judeus: recobramento da vida fisica no «Último dia»). E
de jesus quando da ressurreição de Lázaro (12,9.17). este sentido novo é realizado na sua própria pessoa. O que os judeus
esperavam para a ressurreição no último dia, está presente em jesus
;:: mesmo.
2. Exegese de ]o 11,17-Zl Já no cap. 5 (v. 25) foi dito que «agora é a hora em que "os
mortos ouvirão a voz do Filho de Deus», que chama à vida. Esta
Os vv. 17-27 formam a parte mais teológica da narração.. Prov~­ vida é a «vida do êon (vindouro)», isto é, a vida de qualidade divina,
velmente são uma explicitação que não se encontrava na maneira pri- a indefectível presença junto a Deus, o «Ver a face de Deus», su-
mitiva d~ narrar a história. Supõe-se que, numa primeira fase, constava premo desejo de todo judeu piedoso. O homem do AT achava a morte
só a conv.ersa com Maria (cf. vv. 32ss), da qual o diálogo com Marta tão horrível, porque ele não mais enxergaria a face de Deus e cantaria
parece ser uma cópia antecipada e ampliada (compare v. 32 com v. 21). seu louvor (cf. por exemplo, SI 115,14). Por isso, gostava de viver
Por isso mesmo devemos considerar o diálogo com Marta como ex- muito tempo (SI 16,9-11; e!. Dt 5,16; 6,3, etc.). Com a crise da per-
tremamente imp~rtante na ótica do evangelista, embora a figura de seguição e o martírio dos justos, no tempo de Antíoco Epífanes (2°
Maria pertença mais intimamente à narração. João tem o costume de século aC.), os judeus tinham que escolher entre a morte e a apos-
utilizar personagens do segundo pia.no, para provocar «dis.c~rsos de r1:- tasia. Na mentalidade tradicional, apegada a uma longa vida física
velação» de Jesus (não apenas apostolas como André, Fthpe .e Tome, como prova do amor de Deus, parecia que em ambos os casos - tanto
mas também pessoas alheias à companhia de Jesus, como Nicodemos, na morte quanto na apostasia - perderiam a presença de Deus. Foi
a Samaritana e o cego de nasc.ença). nesta crise que se formou a fé na ressurreição, como saída deste hor-
Os vv. 17-20 descrevem a situação do diálogo com Marta. jesus rível dilema. Graças à ressurreição, que agora eles descobriam na
chega em Betânia e1 por causa de sua demora (cf. V: 6), e~coní!a «re-leitura» dos Salmos e outros textos (por exemplo SI 169-11 · 49
Lázaro morto, seguramente morto, pois já é o quarto dia (rean1maçao 16), eles poderiam ver a face de Deus, ainda que m~rtos, o~ m~lhor:
exatamente porque mortos por causa de seu nome.
584 585
Ora, o que jesus anuncia, em jo 11,25-26, é que a ressurreição 3. Função na Liturgia
no último dia não é necessária para ver a salvação de Deus. Para
estar com Deus, para ver sua face e viver sua vida, basta estar Na presente liturgia, o texto de ]o vem rerorçar o da 2"' leitura
com jesus e aderir a e1e. Na sua despedida, anunciando sua ida ao (Rm 6,3ss), que de.BQreve a existência cristã como uma existência de
Pai e a preparação de uma moradia para os seus, jesus provoca uma ~o-ressur!eição com Cristo. i:,ambém para Paulo, a existência na fé
discussão sobre o caminho para ir ao Pai. A conclusão é semelhante Já antecipa o que a linguagem escatológica chama o céu. Portanto
à de ]o 11,25-26: para ver o Pai basta olhar para jesus (]o 14,1-9). parece que a liturgia de hoje realmente convida a deixarmos de Jad~
Para ver a face de Deus, não é preciso olhar para o futuro; basta as exageradas especula~ões S?~re um inimaginável futuro e a dirigirmos
olhar para jesus, que está presente. Ele é o que a vida eterna, na no~so olha~ para a vida d1v1na, que não é outra coisa que «viver
ressurreição, era suposta oferecer~ Cnsto», ho1e. A memória dos falecidos nos sirva de lembrete de que
Agora surge a pergunta: o que depois de jesus? Se a pri;sença é agora que devemos realizar esta existência com Cristo.
de jesus podia ser equivalente à vida eterna na presença de Deus,
.1 que então depois de seu afastamento? Novamente, encontramos a res-
b
r
Bibliografia: R. S e h n a e 1c e n b u r g, Das ]ohannesevangelium II
p~~;g o~fZ 1 ·19f4 530-5:6:a2~·
s- • P· 1 • • ºon el n1gas, CEncontro
Herder Frl
com o Quarto EvtÍngelho, Vozes:

~; posta naquele mesmo 19 discurso de despedida de jesus que já refe- p P a 1 1 e, A Teologia do Quarto Evangelho
rimos (Jo 14): Jesus vai, mas não nos deixa órfãos. Vem a nós, no p:~n~:i:
11 São pi~ti 0 91'~ 5 ;· d.G2i~r:iJ: E. Brown, Evangelho de João e Epistolas;
Espírito que anima a comunidade. A existência na fé, em união com
Cristo e animada pelo Espírito, é equivalente à vida eterna. Pe. ]ohan Konings
1· No 49 evangelho, a escatologia futura, concentrada no juízo e no Porto Alegre, RS
'Ii .último dia, não é abolida (cf. ]o 5,28 etc. - observemos, porém, que
conforme Bultmann e outros estes textos são uma complementação ul-
terior do evangelho de Jo). João não condena a representação da res- Tema Principal
surreição no último dia, a ressurreição universal, etc. Mas é evidente
que acha estas representações secundárias e as reinterpreta no sentido A VIDA QUE VEM DA MORTE
da presença escatológica em Cristo. E, portanto, isso ai que devemos
dele aprender: quem crê em Cristo, enquanto vive, já tem a vida eterna Sugestões para a Homilia
e não conhece a morte (11,26; cf. 5,24). Subentende-se aqui, além dum
sentido especial de «vida», também um sentido -especial de «morte». Introdução
Morte é afastamento de Deus, condenação (ou, para os antigos judeus,
pura e simplesmente o «Xeob). Ora, estas realidades já não existem A celebração do dia dps finados é dia de saudade e de
para quem crê em Jesus.
João não tem inte"resse em rebater a idéia de uma ressurreição esperança. Os cemité'rios ficam floridos, os templos se enchem
futura, como certos intérpretes querem fazer entender. Antes, assume a ~e'.11ória dos falecidos é evocada. Os cristãos sabem que'.
esta idéia, como fazendo parte da linguagem escatológica. Mas seu in- mais 1~portantes do que as flores ou as velas, são as preces
teresse mesmo é proclamar que esta ressurreição futura não traz nada e oraçoes elevadas até o céu em sufrágio das almas dos fa-
que já não está presente em Cristo e na fiel adesão a ele. Crer em
Cristo é viver a vida divina, é a plena realização da vida. Observar lecidos. Sabem que a Igreja tem o costume de rezar pelos
sua palavra é ter já passado pela crise do juízo. mortos sobretudo no momento da celebração da Eucaristia. A
Existencialmente falando, isto significa que o cristão já é um res- Igreja peregrinante se une à triunfante para pedir pelos
suscitado, alguém que pertence ao êon de Deus. A nossa preocupação, falecjdos.
então, não deve ser: o que acontecerá no ú}timo dia? mas: o que
hoje estou vivendo? estou vivendo, hoje, Cristo e Deus, na minha si-
tuação concreta? A vida eterna se realiza hoje. Mas isto é verdade Corpo
somente na medida em que adira a Cristo. No fundo, em todos estes
textos, Jo não fala tanto das representações escatológicas, quanto do J. As opções dos homens
sentido decisivo que Cristo tem em minha vida. Ai, poderia subscrever
a frase de Paulo: «Para mim, viver é Cristo» (Fl 1,21). Esconde-se no coração de todos os homens o desejo de
No texto que estamos comentando, esconde-se ainda um paradoxo: conseguir a felicidade. A criança cresce e torna-se jovem e adul-
«Quem crê, ainda que morra, viverá. . . e não morrerá jamais». A to. Surgem as metas e os objetivos de toda ordem. Realização
morte já não t-em seu sentido negativo para quem crê. A fé supera
a ameaça e insegurança que a morte significa. · humana, profissional, afetiva. Trilhos e caminhos os mais varie-
Então, diante desta exigência «Vital» da fé em jesus Cristo, a gados são escolhidos. No âmago dessa luta pela consecução da
pessoa de fé proclama: «Eu creio que tu és o Cristo, o Filho de felicidade há pessoas que se encontram com Cristo. Na Igreja
Deus, que devia vir ao mundo» (v. 27). Esta profissão de fé .é a de- homens e mulheres compreendem que o sentido mais último de
cisão de encontrar em Cristo sua verdadeira vida, o céu na terra.

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l---~------------- --
sua caminhada é viverem unidos intimamente com Cristo. Mor- têm desespero em seu semblante, mas calmamente vestem-.se de
rem com ele pelo batismo, vestem-se das virtudes do Evan- esperança. Sofrem com a separação física, lamentam que seus
gelho, alimentam-se regularmente da Eucaristia, unem-se diante queridos os tenham deixado, -preparam-se para enfrentar a du-
do Senhor no sacramento do matrimônio. Vão fazendo assim reza da solidão, sofrem profundamente em ver a agonia de seus
escolhas nas quais se regem pela claridade que lhes vem de entes queridos, mas apresentam seus mortos ao Deus da vida
Cristo vivo e atuante em nosso meio. Nem sempre conseguem na esperança da ressurreição.
ser fiéis a todas as exigências da vida nova. Deixam-se le- 3. Rezar pelos mortos
var pela fantasia dos sonhos loucos e da busca de si próprios.
Pessoal e comunitariamente esses cristãos são obrigados a re- É nossa obrigação rezar pelos mortos. Importa levar nos"
conhecer que deixaram sua veste nova de batizados s~ man- sos doentes a se prepararem para esse momento inevitável.
char. Esquecem os outros, prejudicam os irmãos de cammhada, Importa chamar um sacerdote que administre aos moribundos
servem-se deles como se fossem objetos, não dizem profunda e aos que se acham gravemente enfermos_ o sacramento da
e constantemente a verdade total, associam-se a esquemas de unçã_o dos enfermos. Importa oferecer a vida de nossos mortos
aniquilamento e destruição do irmão. Arrependem-se diante do a Deus, num belo e tocante ofertório. Respeitamos o corpo de
Senhor. Mas sabem muito bem que seu coração sente saudade noss!JS falecidos e piedosamente os levamos ao sepulcro onde
de Deus e que para poderem ver totalmente o semblante ~o seu corpo esperará a ressurreição da carne. Mandamos celebrar
Senhor precisariam voltar ao primeiro amor. De repente sao missas por eles. Queremos que na oferenda de Cristo ao Pai
ceifados pela irmã morte que vem quando_ menos s~ espera. que sé repete todos os dias na celebração da Ceia do Senhor
Nesse momento final fazem ainda uma opçao por Cnsto, mas nossos falecidos sejam aí incluídos. Cristo reza por eles aó
seu coração ainda não está plenamente preparado para o face Pai e pede que seus méritos junto ao Pai sirvam para a com,
a face com o Eterno. piela purificação do irmão que morreu. Nada de impuro podê
ter acesso a Deus. Rezar pelos mortos é professar nossa fé na
2. Uma nesga de esperança vida que nunca acaba. Rezar pelos mortos é unir-se ao Deus
que queria que sua Igreja fosse pura e imaculada, sem rugas
Os cristãos que assim viveram sabem muito bem que a nem manchas. Rezar pelos mortos é crer no que diz Paulo: se
última palavra não é da morte, mas da vida. Sabem que Cristo morremos com Cristo podemos ter a convicção de que com ele
mesmo viveu o drama da morte. Sabendo que ele depois de ressurgiremos. Rezar pelos mortos é admitir a existência de um
viver nossos amores, sofrer nossas dores, viveu nossa morte estado de purificação chamado de purgatório. É não aceitar a
humana. Desceu até o âmago da terra para colocar seu corpo reencarnação, mas professar o fato de que temos uma única
morto na terra fria e na rocha sem vida. Crêem também os vida e que esta vida precisa ser vivida à luz de Deus. Rezar
cristãos que os que morrem no Cristo viverão. A vida não lhes pelos mortos é confiar a vida de nossos queridos aos cuidados
é tirada mas transformada. Seus queridos comparecerão diante da misericórdia de Deus.
do Senhor que é juiz dos vivos e dos mortos. Marta e Maria
choraram a morte de Lázaro. Mas a morte não era nada para Conclusão
Cristo. Ele chama Lázaro para fora e o morto vive. Essa res- A oração pelos falecidos pertence à mais antiga tradição
surreição de Lázaro era apenas uma figura da ressurreição do da Igreja. Esta pede que brilhe para os mortos a luz que não
próprio Cristo e nossa. Os cristãos já estão na vida eterna. conhece ocaso, pede por todos os que repousam em Cristo,
Já deram sua palavra a Deus. Não p~dem mais viver pa~a pede também por todos os mortos cuja fé 6omente Deus co-
si próprios. Uma vez batizados e conscientes de sua vocaçao nhece. Pedindo pelos que morreram pedimos também a Deus
não vivem para si mas vivem para Cristo. São os ramos da que faça crescer nossa fé em Cristo ressuscitado a fim de que
videira. Permanecem em Cristo e formam com ele uma só rea- seja mais viva nossa esperança na ressurreição de nossos
lidade. Alimentam-se da Palavra da Vida e do Pão daqueles irmãos.
que são caminheiros da eternidade. Há germes de vida eterna Almir Ribeiro Guimarães, O.F.M.
no caminho do tempo. Os familiares de um cristão falecido não Sorocaba, SP

588 589
Festa da Dedicação Em Ez 47,1-12 o profeta anuncia a salvação para as áreas per-
manentemente enfermas do pais, enquanto em outros textos anuncia
da Basílica do Latrão a salvação para as áreas mais sadias do pais fel. Ez 34,26-30; 36,
8-12; 37,25-28), no momento destruidas e abandonadas. A função de
,, Ez 47,1-12 no contexto dos capítulos 4.()..48 é mostrar de maneira muito
clara os efeitos salvíficos da presença eterna e definitiva do Senhor
Pistas Exegéticas
em seu templo (43,7-9; 48,35). Estas bênçãos divinas para Israel ·se-
Primeira Leitura: Ez 47,1-2.8-9.12 gundo o profetaJ só podem provir do lugar no qual Deus habita ,para
,1 sempre no meio de seu povo (Zimmerli, 1200).
O texto de Ez 47,1-12 faz parte da grande visão sobre o futuro O evangelho de João que hoje lemos contrapõe Cristo ao templo
templo e a restauração de Israel (Ez 4[}-48), que Ezequiel teve em (Jo 2,13-22). Ele é o novo «lugar» de adoração, de encontro com
Babilônia por volta de 573 aC. Ao lado de outros textos (40,1-37.47-49; Deus. Ao morrer, seu lado é traspassado e dele brotam sangue e água
41,1-15; 42,15·20; 44,1-2) perte1.ce, ao que tudo indica (c!. Zimmerli, (Jo. 19,34), simbolos da nova vida trazida pela morte de Jesus e pelo
li ii
1247), aos textos autênticos de grande profeta do exílio. Batismo. Os que crêem em Cristo já não necessitam nem do Garizim
O profeta é trazido de volta (<me fez voltar», v. 1) do lugar para nem do templo de Jerusalém, mas adorarão o Pai em espírito e ver-
onde antes !ora conduzido. Como a porta oriental ficava fechada (44,1), dade (Jo 4,18-21). Doravante a fé e a união com Cristo serão a
;, sai pela porta norte, dando uma volta por !ora, até chegar à !rente fonte de vida para o cristão: «Se alguém tiver sede venha a mim
' da porta Teste do templo (v. 2). Ali ele vê água jorrando do lado di- e beba. Quem crê em mim, como diz a escritura; do ~eu interior cor-
reito do templo- em tão grande quantidade, que logo se transforma num rerão rios de água viva• (Jo 7,38s).
rio caudaloso._:Recebendo a ordem de explorar este rio, ele o mede qua- Bibliografia: Comentários: W. Z i m m e r J i, Ezechfel CBK Xlll/2) Neu'ldrchen
tro vezes · (ilV. 3.4a.4b.5), número que em Ezequiel indica totalidade: 1969;_ 'V. E i e b r o d t, Der Prophet Ezvkiel (ATD 22;a), Ooetttng'en 1966; J.
quatro seres vivos (Ez 1), quatro cenas de pecado (Ez 8), quatro cas- S t e 1 n m a n n, Le prophete ,Ezéch/el, Paris 1953.
tigos divinos (Ez 14,12ss) e quatro ventos (Ez 37,9).
· A região percorrida por este maravlJhoso rio é o deserto de Judá. L. Garmus, O.F.M.
·Seu destino é o mar Morto, assim chamado exatamente porque nele Petrópolis, RJ
hão há vida alguma, pois suas águas altamente salinosas (26% de .;
sais!) não a permitem. Ao longo do percurso as margens· banhadas Segunda Leitura: lCor 3,9b·ll.16·17
pelo rio transformam-se num paraíso cheio de árvores frutíferas de toda
espécie, permanentemente verdes e da.ndo a cada mês os seus frutos; ~ leitura inicia-se com duas imagens qu~ são freqüentemente usa-
até suas folhas têm propriedades medicinais (v. 12). As águas mortas das, isoladas ou em paralelo, para indicar a ação de Deus no meio dos
do mar, que lembram a maldição de Sodoma e Oomorra situadas nesta ltomens. Seara e Edifício espelham duas situações vitais e segundo o
região ( Gn 19), são saneadas ao simples contacto das águas brota- a~d.it?rio ao qual se dirige, o pregador usa uma ou ouÍra, ou ambas.
pas do templo. Mas o que nelas antes era bom permanecerá: Haverá D1ng1ndo-se a agricultores fala da seara vinha de Deus· a homens
em suas margens lagunas e a1agados que continuarão servindo ~e sa- da cidade, de edifício de Deus (e!. E! 2,2[}-22; lPd 2,4-8)'.
linas (v. 11). Os peixes do Jordão antes fugiam destas águas fatídicas,
como no-lo mostra o célebre Mada de Madeba. Agora as águas ficam Pau1o, sendo da cidade e escrevendo para hom.ens da cidade de-
povoadas de vida e nelas «pululalD» animais e peixes de 1odas as es- senvolve a segunda imagem: a comuni"dade é o edifício de De~s Ã
péci~s (vv. 8-9). As margens outrora ermas e inóspitas serão dora-
primeira vista a comunidade resta passiva, pois os agentes na constr~ção
vante secadouros permanentes de redes de pescadores, pois o mar Morto d~ tal edifício são os .apóstolos e seus colaboradores. O contexto po-
terá todas as espécies de peixes encontráveis no Mediterrâneo, (v. 10). rem quer enfatizar a ação dos pregadores como cooperadores de Detis
A visão de Ezequiel lembra a descrição do paraíso (Gn 2-3) e os e não afirmar a passividade da comunidade. A obra é de Deus e dos
seus quatro rios, bem como o relato sacerdotal de Gn 1,20ss, onde homens, pregadores e ouvintes (cf. vv. 6.7; lTs 3,2; Me 16,20).
se diz que as águas «pululavam» de vida. lmpressionado com o sistema Estabelece-se, então, uma relação entie o apóstolo que lançou os

r,,
'I
1
de canais de Babilônia,· onde a irrigação transformava desertos em
vergéis, Ezequiel anuncia em nome de Deus a mesma transformação
para as regiões desérticas de seu país. Evidentemente trata.se de uma
fundamentos, e os que vieram após ele, que recebeu __ de modo especiaJ
a graça da pre~ação. Pau1o tinha consciência profunda da graça que
Deus lhe confenra. Quem vi.era após ele não podia lançar outro fun-
damento, não deveria recomeçar mas continuar a construção assim ·o
visão utópica, sobretudo se considerarmos os escassos recursos de água
'I·1· f.ornecidos pela única fonte da cidade, o Gion. Já o salmista recorria que era anunciado deveria dar continuidade e ter conexão c~m o que
à mesma linguagem simbólica num dos Salmos de Sião: «Os braços Paulo pregara, Jesus Cristo. O fundamento não poderia ser melhorado
de um rio alegram a cidade de Deus, as moradas santas do Altíssimo» ~em ser ba~eado .na sabedoria h~mana, em filosofias, reJigiões ou mís:
(SI 46,5). Tanto aqui como em Ezequiel (e!. 20,40; 40,2) temos alu- t1cas naturais, tena de ser o Cristo Jesus, único principio de sa1vação
sões ao motivo mitológico da montanha divina, do umbigo da terra (ci. 2Cor 11,4; OI 1,7·8; Ei 1,10).
(38,12), entendidos como morada de Deus, e ao tema do paraisa de Assim a responsabilidade dos colaboradores de Deus é imensa. Ele
abundantes águas que irrigam toda a terra (Gn 2,1[}-14). Deus, é o agente principal da obra, Iiós _somos ministros e nos pedirá

590 591
1

u
contas da m1ssao que nos foi confiada. Somos ministros, servos da co- Sugestões para a Homilia
munidade e cooperadores de Deus. Por conseguinte o pregador tem
mais responsabilidades que honras a receber, ele é apenas «diácono» Introdução
da comunidade.
A construção da comunidade foi feita em 3 etapas: o lançamento A celebração da dedicação de uma Igreja é a celebração
dos fundamentos, feito por Pauto (vv. 10-11), a construção propria- mesma de sua Páscoa. Ela visa o eclesial em seu dar-se con-
mente dita feita pelos sucessores de Paulo (vv. 12-14) e a ocupação creto no tempo e no lugar. A celebração da dedicação da
por parte do inquilino: Deus (vv. 1~17). Esses aspectos porém não 1'
1
negam o fato da comunidade estar sempre em construção; corno uma basilica do Latrão, catedral do Papa, é uma forma de se cele-
casa precisa de conservação, também a comunidade não pode parar, o brar a missão histórica da Igreja de Roma e de se fazer emer-
renovar-se constante é condição de sua existência. gir, de entre os seus acertos e seus erros, o significado desta
Realizada a obra, Deus habita nela. Também em 6,19 e 2Cor 6,16 mesma missão. Nesse propósito, muito aproveita remontar ao
Paulo falará da comunidade como habitação de Deus, e falando a simboHsmo do templo: este era, nos tempos mais remotos con-
judeus e prosélitos usa o termo «templo». Para os judeus o único
templo era o de ]erusaJém que na seqüência histórica substituira o Ta- cebido como a morada da divindade, do que lhe deco/reu a
bernáculo, e continuava a ser o sinal da presença de Deus no meio condição mais conhecida de lugar privilegiado do culto. Esta
dos homens. A adoração a Deus em espírito e verdade acontece então segunda condição assinala um incremento de intimidade que, na
na comunidade como tal e não mais em templos feitos pelas mãos de história bíblica, é inaugurada pela tenda de reunião ou de en-
homens (Jo 4,23). contro, o santuário do deserto e do êxodo. O Templo há de
O lugar da habitação de Deus é um lugar santo e por isso deve
ser respeitado. Para nós é difícil perceber a seriedade com que os ser o seu sucessor e abrigar a Arca, sacramento da presença.
antigos consideravam santos os templos e santuários. Toda profanação P.or isso, ele há de demarcar, com sua tríplíce destruição, a
era considerada como passível de punição que às vezes era severís- história do Povo. Na tradição cristã isto se transforma: é im-
sima (cf. At 21,27ss quanto ao templo de Jerusalém). Sendo santo portante ponderar o alcance de uma tal transformação.
o lugar, a posse é exclusiva de Deus. Do mesmo modo a comunidade
que era santa, tornava-se propriedade exclusiva de Deus. Se alguém
ensinava doutrinas falsas que pudessem desagregar, destruir a comu-
nidade ele era responsável e seria destruído pelo próprio Deus, pois Corpo
todos criam que quando se punia um profanador a divindade agia pelas
mãos dos que o puniam. A visão do profeta Ezequiel tem por horizonte a histó-
Na comunidade de Corinto, corno em todas, o Espírito de Deus ria que se desdobra até o exilio e abre-se ao futuro mediante
habitava em cada um dos batizados, e por isso mesmo unia e santi- o templo: este é investido de um estatuto especial: o de prin-
ficava a -comunidade. Trata-se de uma presença que vai muito além cípio genético do Povo. As águas que dele medram crescem
de um templo ou estátua que representa o deus, pois o Espírito Santo
progressivamente até se transformarem em um rio que fecunda
. está presente individualmente em cada um. Por ele, Deus _habita o
coração dos homens e não os templos de pedra. A comunidade é então toda a terra e tão grande é o seu poder que o próprio mar
'~·
um edifício de pessoas cimentadas no e pelo Espírito. Paulo, como os Mofto torna-se habitação da vida. Com isto, o povo remonta
mong-es de Qumrân, encontrou no VT o fundamento da doutrina da às origens sempre presentes de sua vocação e divisa mais cla-
comunidade como um Novo Templo: «que templo podeis construir-me, ramente o essencial de seu destino. Refluindo do Templo, a
ou qual será o lugar da minha morada?» (Is 66,3); «aproxima-se a
hora. . . já estamos nela, em que os verdadeiros adoradores adorarão existência do povo reflui do próprio Javé e transcende a es-
o Pai em espirita e em verdade» (Jo 4,23). O Templo de Deus são treiteza de certas concepções messiânicas. Ele é alguém face a
seus filhos. Javé porque o seu próprio ser lhe provém deste. Todavia, isto
Blbliograjla: O. K u s s, Cartas a los Corintlos, Herder, Barcelona 1976; Blblia comporta ainda uma límitação em suas relações com Javé; de-
Comentada. BAC, Madri 1975; E. W a 1 ter, Prima Jettera ai Corintl, Città Nuova,
Roma 1970. pende ele ainda de um mediador material: o templo como lu-
gar da Glória e do Culto.
Pe. Carlos A. da Cosia Silva, S.C.J. .j
Paulista, PE O cristianismo emerge como uma religião sem templo, des-
vinculando-se do judaísmo tradicional em razão de incompatibi-
Terceira Leitura: ]o 2,13-22 lidades doutrinais. Por outro lado, após a ressurreição, ele não
• 1: pôde mais contar com a mediação visível de seu mestre. As
Veja a Pista Exegética do Terceiro Domingo da Quaresma, Ano
B, p. 96.
primeiras cartas de São Paulo refletem este problema e, na

592 593
primeira carta aos Coríntios, ele já começa a resolver-se sob a toda a exterioridade objetiva se elimina, com o que se implan-
forma de uma presença sacramental da mediação do próprio ta, no plano igualmente objetivo, o regime da verdadeira liber-
Cristo, excluindo-se qualquer mediação paralela em sentido pró- dade. Como «Corpo de Cristo», a Igreja é eminentemente
prio. Na passagem desta mesma carta assumida como segunda templo, mas enquanto «koinonia», enquanto comunidade, não
leitura desta liturgia, a Igreja ou, mais amplamente, a comuni- enquanto lugar. Resta que, em sua subjetividade, as igrejas
dade aparece como um edifício cujo fundamento foi lançado realizem esta interioridade, esta unidade e esta liberdade que
pelo Apóstolo e a construção cabe a outros, tanto os sucesso- lhes são dadas; resta que elas sejam efetivamente o Cristo vi-
res por este deixados, quanto aqueles que a própria comuni- vente, o Homem presente Hoje e hoje Deus com os homens.
dade determinar. Fundada sobre um único alicerce, o Cristo, a A celebração da dedicação da Igreja de São João do Latrãd
Igreja se edifica como o Santuário no qual Deus está presente dá ensejo a que se medite esta responsabilidade e este com-
no Espírito Santo. Esta teologia será retomada nos escritos
dêutero-paulinos e a imagem do Corpo deixará claro que o
promisso, e que se o faça em termos de unidade ecumênica, •
de efetiva universalidade e de efetiva eclesialidade.
novo templo não é um lugar da presença, distinto da comuni-
dade e, menos ainda, um intermediário entre o Cristo e esta, 1 Pe. Benjamin de Souza, O.S.B.
mas a forma orgânica de presença do Cristo no Homem. São Paulo, SP
O IV Evangelho desenvolve uma teologia, a mais acabada,
desta mediação e a sua leitura da purificação do templo é o 1
1
momento decisivo da mesma. O rito em que esta consistia re-
cebe aí a forma plena de uma ação; todavia, esta é ainda o l
elemento exterior de tudo. Assim, quando interpelado sobre o í

~,
sinal que autorizava uma semelhante iniciativa, Jesus contrapõe
a qualquer sinal particular o Sacramento, em que ele próprio
e sua ação se erigiam, não porém aquela ação ainda voltada
para a ordem antiga, mas a áção pascal, simbolizada pelo con- 1;:•
texto em que o episódio se desenrolava. São dois os momentos . 1
segundo os quais o sinal anunciado toma forma: o primeiro
coincide com a resposta à questão sobre a sua competência e 1
nele o seu corpo, isto é, a sua humanidade, se erige em novo '
templo. O segundo momento, propriamente pascal, será aquele
em que, destruído, este mesmo corpo e este mesmo homem se
«erguerá» investido de uma vida nova e plenamente capaz de
sua humanidade, porque plenamente capaz do dom do espí-
rito, principio da vida. A luz de Páscoa há de permitir à Igre-
ja que divise o significado da humanidade de seu Senhor,
reconhecendo-lhe o valor do Novo Templo no qual se exerce o
único sacerdócio. E na força desta fé ela há de divisar o seu
próprio significado.
Concl11São

O cristianismo é uma religião sem templo, mas só na con-


cepção particular deste. Ele é uma religião sem templo no sen-
tido de o ser sem um lugar da presença para a comunidade:
ao contrário, esta, enquanto ekklesia, é para si mesma o lugar
da Presença e da Glória de Deus enquanto Igreja. Com isto,
594 595
penas (3,14-19), Deus começa pela ·serpente (3,14s). E cada um é
Festa da Imaculada Conceição punido por quem ele seduziu: a serpente pela mulher, a mulher pelo
de Maria Santíssima homem, e o homem pela terra por cujo fruto se deixou seduzir. Isto
se expressa também na formulação das frases da última parte, que todas
têm a mesma estrutura:
Pistas Exegéticas
3,15b: «Ela te ferirá a cabeça,
Primeira Leitura: Gn 3,9·15.20 e tu lhe ferirás o calcanhar>
3,16b: «Teu desejo (te Impelirá) para o teu marido,
1. Na liturgia lê-se, muitas vezes, s.omente uma parte de uma unidade e ele te dominará»
literária maior. Isto é inevitãvel. Mas para entender esta parte não 3,18a: «Ela te produzirá espinhos e abrolhos,
se pode dispensar do contexto maior. Este abrange, no caso, a
da criação, da elevação e da queda (On 2,4b-3,24). Esta unidade é
na:ração e tu comerds a erva da terrm>
reconhecível por uma figura literãria que se chama cinclusão>. Jsto 2. A narração de On 3 apresenta em uma forma literãria bem pen-
quer dizer que um texto começa e termina com um mesmo elemento sada e talvez até rebuscada, uma etiologia do mal no mundo. Para este
Jiterário, entre os quais os demais elementos estão incluídos. Os elerrlentos ' fim o autor imagina, na parte da criação e da elevação (On 2,4b-25),
um mundo paradisíaco de que ele eliminou todos os traços negativos
extremos funcionam como uma moldura. No caso de On 2,4b-3,24 existe
urna correspondência de contraste entre o início e o fim da narração: que caracterizavam o mundo real em que vivia e que descreve na parte

Qn 2,7-8: início

•O Senhor formou o homem do


Qn 3,19-23: fim

« ... até que voltes à terru de que


t da queda (On 3,1-24). As duas partes são como o negativo e o positivo
de um mesmo retrato. A realidade nua e crua da vida de cada dia, com
suas ocupações, preocupações e sofrimentos que desembocam na morte,
é o ponto de .partida lógico da narração. O autor pergunta pelo porquê
pó da terra ... > foste tirado; porque és pó e em da desgraça no mundo. Ele não era o primeiro que se colocava esta
pó te hás de tornar> questão. Ao idealizar e compor sua narração ele é devedor de idéias e
narrações mais ou menos míticas, que circulavam no meio do povo de
Israel e dos povos vizinhos. Ele lançou mão delas com a intenção de
<Depois o S.enhor Deus plantou
* *<0*Senhor Deus expulsou-o do jardim )
reinterpretá-las à luz de sua fé no Deus-criador. Queria, como se diz
um jardim no bden. . . e nele de bden, a fim de cultivar a terra hoje, desmitologizá-las. Infelizmente, os leitores de hoje, muitas vezes, se
rolocou o homem». da qual fora tirado>. impressionam mais com os resquícios de elementos míticos e primitivos
que sobraram, do que com a reinterpretação e transformação radicais
Também a estrutura literária da narração da queda é bastante trans- de outros traços míticos e maneiras de apresentação próprias dos mitos.
parente e simples. Ela consiste em três partes, em que se descrevem Escapa-lhes, por isso, o avanço teológico enorme que a narração re-
a queda (3,1-6), a inquirição (3,9-13) e a sentença (3,14-19). Nestas presenta na história da revelação. Quis o autor ensinar que não se
três partes voltam três vezes os três protagonistas, nesta seqüência: pode culpar Deus do mal que existe no mundo. Mesmo que o mundo
paradisíaco que o autor inventou, talvez corresponda mais ao mundo
3,1-6: a serpente (A) - a mulher (B) - o homem (C) como Deus o quer do que ao mundo como Deus o fez, o homem rtão
3,9-13: o homem (C') - a mulher (B') - a serpente (A') se pode desculpar de sua responsabilidade pela origem da desgraça no
3,14-19: a serpente (A") a mulher (B") - o homem (C") mundo.
E.m várias narrações míticas em que se colocava o problema do mal
1
li
Aqui lançou-se mão de uma outra figura estilfstica, muito comum na
literatura habraica, que se chama quiasmo, da letra X do a1fabeto grego.
no mundo, a serpente desempenhava um papel peculiar. Parece o mais
mítico resquício da narração bíblica. É bem possível que o autor o tenha
Nesta figura, vãrios elementos literários se repetem de taJ modo em conservado de propósito. Em vez de eliminá-la, preferiu mantê-la para
redor·· de um · elemento central que existe uma correspondência entre eles. poder reinterpretar o papel simbólico muito grande dela nos- cultos míticos
Esta correspondência aparece na fórmula: da época. De um lado atribuiu-se a más divindades, por ela. simboÍizadas,
a culpa das desgraças, desculpando assim o homem. Esta crença em
A - B - e / e· ,.- B' - A' / A" - B" - C" deuses maus a quem se atribuía o mal do mundo e dos homens levava
a uma passividade fatalista e resignada frente aos males da existência
humana. E, de outro lado, em vez de apelar à responsabilidade humana
para /combater o mal e diminuir os seus efeitos, procurava-se apaziguar
Esta figura literária é muito expressiva: apesar de que se trabalhe J os deuses maus por meio de cultos mágicos e supersticiosos, em que
com um número muito reduzido de elementos, a narração não dá a im- de novo a serpente era usada como símbolo.
pressão de cair em repetições. A variação na seqüência quebra a mo-
notonia. Esta figura, porém, não somente embeleza a forma da narração, 3. Por todos estes motivos Gn 3,15 é muito importante: a serpente
eJa opera também sobre o conteúdo da mesma. Por sua aplicação aqui, será vencida pelo homem. Em linguagem direta: o homem não é mera
em On 3,1-19, a seqüência de 3,1-6 é igual à de 3,14-19. Ao inlligir as vítima do mal, nem o vencerá por ritos mágicos e supersticiosos, mas

596 597
por urna ação e uma Juta livres e responsáveis, que o farão triunfar se dirigiu Ef já era trinitária, não e de estranhar qtie se chegasse a
sobre o mal. compor hinos batismais trinitários. Conhece-se o texto de Mt 28, 19: «ba-
Propriamente dito o texto afirma que a serpente será vencida pela tizem-nos em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo~. Antes que
mulher. Graças a isto, Gn 3,15 revestiu-se, através da tradição da Igreja, esta fórmula pudesse ser usada para, desta maneira, encerrar um evan-
de um poder simbólico novo. «Depois que a histórja caminhou e que gelho já deve ter sido consagrada por um uso demorado.
Cristo ressuscitou, a esperança vaga de Gn 3,15 se esclarece e assume A divisão das estrofes do hino trinitário seria: vv. 4-6a; vv. 6b-12 e
contornos mais concretos para nós. A mulher que gera os homens de vv. 13-14. V. 3 parece uma introdução onde Paulo, fa1ando de cDeus
fé pode ser identificada com Nossa Senhora, que gerou para o mundo e Pail>, do «Senhor Jesus Cristo» e da .;:bênção espiritual» já faz uma
Jesus Cristo. Jesus é a descendência vitoriosa da mulher que esmagou alusão às três pessoas, inclusive ao Espírito Santo, mencionado mais ex-
a cabeça da serpente na sua ressurreição. Na ressurreição de Cristo, plicitamente em vv. 13-14, isto é, na estrofe que lhe é reservada. A
o poder e a fidelidade de Deus lançaram a primeira pedra da cons- própria introdução já é, pois, trinitária e prepara o aproveitamento do
trução definitiva do paraíso futuro. A ressurreição de Cristo é a prova hino.
cabal de que o projeto de Deus vingará, qualquer que seja a força da
serpente em contrário» (C. Mester s, Paraíso Terrestre: Saudade ou 3. Nem o hino original, nem o texto de Paulo pretenderam ser uma
Esperança?, Petrópolis 1971, p. 7Is). exposição poética ou teórica do dogma da Santíssima Trindade. Os dois
textos enaltecem a vida cristã. Ela é trinitária nas suas raizes e rumos.
Raul Ruijs, O.F.M. Na primeira estrofe ensina-se que o Pai nos escolheu (v, 4) e pre-
Petrópolis, RJ destinou à filiação (v. 5). Na segunda estrofe, que somos graciosamente
acolhidos no seu Filho bem-amado (vv. 6b-8). Com Ele, que é chefe do
Segunda Leitura: Ei 1,3-6.11-12 universo (v. 10), temos parte como herdeiros (v. 11). Na terceira estrofe,
que somos marcados_ com o selo do Espírito Santo (v. 13), que nos foi
t. Loisy e Nygren caracterizam o inicio da Carta aos Efésios corno dado como <entrada> da herança futura (v. 14).
uma concatenação monstruosa de frases e urna inextricável balbúrdia de
palavras. Muitos perguntam-se: será que os cristãos a quem Paulo di- Além destas dimensões trinitárias desvendam-se duas outras linhas
rigiu suas cartas teriam entendido o que ele escreveu? Onde se acha a de pensamento. Uma que esboça as raízes e rumos transcendentais da
dificuldade? Do lado do texto, do autor Paulo, dos destinatários daqueles história da salvação; outra que tematiza as raízes e rumos da existência
tempos, ou dos leitores de boje? Será que Paulo teria escrito numa cristã de cada um dos fiéis.
linguagem que ninguém entendeu? Ou tinha urna capacidade didática A história de salvação tem a sua origem no eterno desígnio salvífico
e catequética tão excepcional que os leitores já estavam preparados para do Pai. A rea1ização deste plano chegou a seu auge na figura histórica
entender sua linguagem? Ou serâ que os modos de pensar e a mundivisão (cf. «pelo seu sangue>!) de Jesus Cristo. Esta história alcançarâ a sua
daqueles tempos e ambientes eram tão diferentes dos atuais, que aquilo realização plena através do Espíritó Santo que é dado aOs fiéis que
que para os leitores antigos era inteligível à primeira vista, agora só vieram do antigo povo eleito (v. 12b) ou dos pagãos (v. 13; cf. a
é acessível através de muitos estudos? De tal forma que o comum dos transição de <nós, que fomos os primeiros a pôr nossa esperança em
fiéis jamais terá um acesso direto ao sentido do texto? Ou a dificuldade Cristo~ para «vocês também que, quando ouviram a verdadeira mensa-
se acha do lado daqueles que atualmente são responsáveis pela instrução gem. . . creran1 em Cristo»). A existência cristã dos fiéis deve a sua
dos fiéis, isto é, dos pregadores, catequistas, professores de religião, etc.? origem à vocação e predestinação eterna do Pai. Ela realiza-se pela fé e
Porque pode ser que São Paulo sempre e exclusivamente focalizava as pelo batismo em Jesus ·Cristo. A fé e o batismo, por fim, comunicam
verdades básicas da fé e da doutrina cristã, de tal modo que o conteúdo ao cristão o Espírito Santo como penhor da herança eterna em Cristo.
das cartas não causasse nenhuma dificuldade aos leitores, já há muito A história da salvação e o desenvolvimento da existência cristã não
familiarizados com estas idéias. Pode ser, então, que o nosso povo encontre são processos separados e isolados. Eles estão unidos entre si pela ex-
dificuldade nestes textos porque, .mais do que com as verdades centrais pressão cem Cristo», que se usa onze (11) vezes neste trecho rela-
da fé, está familiarizado com verdades periféricas do deposilum jidei. tivamente pequeno. Nem é assim que os cristãos gozam individual e
Seja como for, recentes pesquisas levaram à hipótese de que Paulo passivamente os frutos da redenção realizada em Cristo. Eles são agentes
tenha aproveitado um texto litúrgico e que o início de Ef seja a adaptação da história de salvação, inseridos em comunidades cristãSi, chamados para,
de um hino batismal. Se for verdade, é claro que o texto era mais aces- em Cristo e no Espírito, reaJizarem a plenitude dos tempos pela re-capi:-
'1 sível ao auditório do que parece à primeira vista. E esta hipótese poderá tulação de tudo em Cristo. Cristo hã de se tornar «de novo~ (= re-)
1 nos ajudar para fazer o sentido do texto mais acessível aos fiéis. «:a cabeça» ou o chefe da criação ou do universo (v. 10). Deste modo
·I realizar-se-á o fim Ultimo do desígnio eterno do 'Pai, expresso no estri-
2. Um dos argumentos em que se baseia a hipótese de que Paulo bilho:- a celebração de sua glória, cheia de graça.
tenha aproveitado um hino conhecido é este, que volta três vezes, como Bibliografia: Os comentãrios de S e h 1 J e r e Z e r w l e k; S. L y o n n e t, La Béné-
um estribilho, a doxologia: clouvemos a sua grandeza» (vv. 6.12.14; tra- diction de Eph 1,3-14 et son arriêre-plan judalque, em: A la Rencontre de Dieu. ldémorlal
A. Gelin, 1961, p. 341-352; E r n s t-G ü n t h e r, em: EESF 21, p. 647-653; E r n s t-
dução da Biblia na Linguagem de Hoje). Este estribilho dividia o hino S c h n ide r, em: EESF 6, p. 88-97.
em três estrofes, uma dedicada ao Pai, outra ao Filho e a terceira ao Raul Ruijs, O.F.M.
Esplrito Santo. Se a fórmula batismal, usada nas comunidades às, quais Petrópolis, RJ

598 599
IT'·~---------------~---- -- --...- -
li
~r'l Terceira Leitura: Lc 1,211-38 que Lhe pertencem (2,41-52). Através de toda esta compos1çao literária
há três elementos de união, que se tornam visíveis na passagem de um
A bibliografia sobre os Evangelhos da Infância de Mt e Lc é imensa. quadro para outro (veja-se o tríp1ice estribilho: «O ir-se embora~: 1,28.
Citar-se-ão no fim algumas publicações em português de fácil acesso aqui 38.56; 2,20.39.51; <O menino crescia»: 1,80; 2,40.52; «Maria conservava
L.1
no Brasil Porque no Ciclo do Advento e de Natal se lêem várias partes todas estas coisas no seu coração»: 2,19.51); por estas ligações entre
do Evangelho da Infância de Lucas, aproveita-se a ocasião para dar as partes o todo forma urna composição bem coerente» (DEB, 725s).
uma introdução mais geral a ele. No nosso quadro acima reproduzido, acrescentaram-se ainda os cânticos
Lc 1-2 é uma composição literária muito trabalhada. As figuras ou louvações inseridos nas passagens -centrais do conjunto, em que se
centrais são jesus e joão Batista. Eles aparecem alternadamente em pas- dão interpretações altamente significativas dos eventos narrados.
sagens que se correspondem :
Estes e outros dados literários deste Evangelho da Infância de
Anunciação do Nascimento Anunciação do Nascimento Lucas inspiram muito cuidado na análise de tais textos: « ... não se
podem entender se não se ambientam no «gênero literário» e «contexto
• de joão Batista (1,5-25)
A visitação
de jesus (1 ,26-38)
literário» do passo, lembrando ainda que na exegese «uma das maneiras
mais seguras de errar» (Lyonnet) é o não se preocupar com o gênero
(J,39-56) (Magnificai) literário» (Saldarini, p. 445).
Bibliografia: O. Saldarini - L. Moraldi, As Duas Anunciações. O .Cântico. Be-
Nascimento de João Batista Nascimento de Jesus nedictus, em; T. B a 11 ar i n i e outros, Introdução à Bíblia com Anto/og1a Exegettca,
Volume IV, Os Evangelhos, Petrôpolis 1972, p. 444-497; J. H eu s c h e n, verbete:
(1,57-80) (Benedictus) (2,1-21) (Glória) "Infância, Evangelho da", em: D1cionlirlo Enciclopédico da Blblia, Petrópo:is 1971.
. 1 col. 724-727; E. V a 11 a u ri, A Exegese .Moderna diante da Virgindade de Maria, em:
REB 34 (1974/134) 375-399; R. La u r e n ti n. Bre.ve Tratado de. Teologia 11lariana,
Apresentação de Jesus no Templo Petrôpolis 1965, especialmente as páginas 21-35; j. D a n i ê 1 ou, Os Evanpelhos da
>1 (2,22-40) (Nunc dinúttis) ln/dncla, Petrôpolis 1965; H. Correi a La u ri n i, Esquemas exegêtico-liturg!cos de
Lc 1-2, em: Revista de Cultura Biblica li (1974) 12-33; J. E. Martins Terra,
A i\i\editação do Antigo Testamento no Novo Testamento, no livro do mesmo autor:
jesus aos doze anos no Templo A Oração no Antigo Testamento, São Paulo 1974, f,· 151-221; L. B e r t r a o d o
O o r g u Ih o, jesus nasceu em Belém, em: Converg nela 13 (1967/150) 11-12; L.
(2,41-52) B o f f. jesus Cristo Libertador, cap. IX: "O processo cristolôgico continua. Os relatos
da infância de Jesus: teologia ou história?"; A. Lã p p 1 e, A Afensagem dos Evange-
lhos Hoje, São Paulo 1971, p. 409-453; E. C y w i n s k i, Historicidade do Evangelho
1 \

Heuschen escreve a respeito: cDuas séries de quadros, que corres- da Infância segundo São Lucas, em: Revista de Cultura Bibfica 5 (1968) 15-29; J.
pondem entre si, uma sobre a vida do Batista, a outra sobre Jesus, S a 1 v a d o r, Biblla e Meios de Comunicação Social, em: RCB 11 (1974) 58-67.
formam, tudo junto, um impressionante políptico: há dois dipticos (o
das anunciações 1,5-25 e J,26-38, e o dos nascimentos: 1,57-80 e 2,1-21), Raul Ruijs, O.F.M.
cada um composto conforme as leis de paralelismo e contraste. En- Petrópolis, RJ
caixilhados entre o primeiro e o segundo díptico, e entre o segundo e o
quadro final, que é tipicamente semítico (2,41-52), há mais dois painéis Tema Principal
correspondentes (1,39-56 a visitação e 2,22-40 a apresentação no templo).
Os dois dípticos são pintados conforme a mesma técnica (o mesmo men- Os textos falam da primeira Eva pela qual entrou o pecado e a per-
sageiro especializado dos mistérios do temp~ messiânic.oj fórmulas aná- versão no mundo. Falam também do desígnio de Deus de criar uma hu-
Jogas de saudação, reação da pessoa agraciada, ultenores detalhes da manidade santa e imaculada. Maria é apresentada como aquela que
mensagem, etc.), mas nos dois casos o primeiro quadro ~ apenas a realizou por primeiro o plano de Deus. E toda pura e não há mácula
preparação do segundo (diferente alcance das mensagens, diferente res- de pecado nela, desde a sua conceição. :É a segunda Eva, a verdadeira,
posta dos agraciados; nascimento ex sterili e nascimento ex virgine; o pela qua1 entrou a vida imortal e definitiva no mundo.
precursor e o próprio Cristo). Os acontecimentos são narrados de tal
maneira que as características dos dois personagens principais (S. João A IMACULADA COMO O NOVO COMEÇO DA HUMANIDADE
e jesus) são realçadas o mais possível, conseguindo-se até que ~ plena
luz caia propriamente na pessoa, para a qual todos os acontecimentos Sugestões para a Homília
convergem, e que a todos explica: a pessoa de Jesus, com a qual a
de sua mãe fica inseparavelmente unida. Isto evidencia-se também cla- Introdução
ramente nos dois painéis suplementares. No primeiro (a visitação: o
primeiro encontro entre o AT e o NT: 1,39-56) as duas agraciadas Todos nós fazemos uma expenencia paradoxal: buscamos
reúnem-se numa atmosfera de alegria messiânica, enquanto a velha Isabel a bondade e fazemos o mal; queremos ser justos e acabamos
reconhece a superioridade de sua jovem prima. No segundo, uma espécie
de apoteose, no templo, as figuras proféticas de Simeão e A_na aplicam atropelando as pessoas; sonhamos com um mundo fraterno e
à pessoa de jesus a essência de toda a esperança de salvaçao, do AT. não conseguimos construi-lo. Os padres conciliares durante o
O quadro final traz a transição para a vida pública: o filho da virgem último concilio ecumênico testemunharam: «Ioda a vida humana,
mãe tem que estar na casa de seu Pai, e é responsável pelas coisas individual e coletiva, se apresenta como uma luta, por certo
600
601
dramática entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas. O egoísmo para com os bens da terra. Em Maria se mostrou pos-
homem porém se sente incapaz de dominar com eficácia os sível um novo começo para a humanidade, conforme o desígnio
ataque~ do maÍ. Sente-se aferrolhado em cadeias» (Gaudium et santo de Deus. Em Maria o paraíso não ficou totalmente no
Spes, n. 13). A fé nos diz que todos os. i;iales dest~. mundo, passado, o Reino não permaneceu definitivamente no futuro. Pa-
em última instância, se devem ao pecado ongmal que vicia tod:is raíso o Reino se fazem presentes.
as dimensões da vida. A criação assim como está e o homem assim
como se encontra não são dignos do Reino de Deus. Para que b) Em consideração de jesus Cristo, Salvador do gênero hu-
possa se inaugurar o Reino de Deus que é a sitnação onde tudo mano: Maria é imaculada por ação de Deus em vista da redenção
é sanado, reto, justo e santo, deve haver um novo começo e de Cristo. Ela representa a mais completa redenção de Jesus. Como
dever-se-á gerar uma nova humanidade. pôde Jesus redimir Maria se Ele nasceu depois dela? Para compre-
endermos este aparente paradoxo precisamos nos coloc~r na po-
Corpo sição de Deus. Para Deus tanto o ontem quanto o amanhã são
um eterno hoje. Para Ele, a redenção futura de Jesus Cristo é
l. Maria foi livre do pecado original. Que quer dizer? já um presente. Então, em consideração da redenção universal
e plena do seu Filho, Maria é isenta e preservada. Como dizia
Maria é o primeiro ser da criação totalmente livre do pecado acertadamente Dante: Maria é filha do seu Filho, porque por
original. A 8 de dezembro de 1854 o Papa Pi~ _IX proclamou Ele foi totalmente livre do pecado original e do próprio débito
oficialmente: «No primeiro instante de sua conce1çao, pela graça do pecado.
e pelo privilégio de Deus todo-poderoso_ e em consideraçã~ aos Maria pertence à história dos homens; nasceu de pais pe-
méritos de Jesus Cristo, Salvador do genero humano, a .v~rgem• cadores; viveu dentro de um mundo onde grassava em sua volta
Maria foi preservada e isenta de toda mancha do pecado ongm_al.'.'. o pecado. Mas por graça de Deus permaneceu incontaminada.
Não só. Ela foi cumulada de tantas graças e de tanta perfe1çao
que não se pode imaginar maior depois. de Cristo e de Deus. 2. Maria é cheia de graça: que quer dizer?
Tentemos explicar os termos de nossa fe:
Dizer que Maria é imaculada e isenta de pecado é dizer
a) Preservada e isenta do pecado originn~: Que. é o peca~o muito, mas não tudo. Ela é ·a cheia de graça, a bendita entre
original? Sem maiores explicações podemos dizer: e a sliuaçao todas as mulheres. Que quer dizer cheia de graça? Graça não
deficiente em que se encontra cada homem, mostrando-se como é, certamente, um algo misterioso na alma. Graça é a comuni-
incapacidade de amar a Deus de todo o coraçã.o,. de se doa~ cação do próprio Deus à vida humana, fazendo desta vida ainda
aos irmãos desinteressadamente, fechamento ego1st1co sobre si mais vida, plena, santa, humàna, afável, forte, transparente, livre
mesmo impossibilidade de se relacionar livremente com os bens para Deus, para os outros e para as verdadeiras tarefas no mundo.
da terr~. Esta situação gera, por sua vez, toda sorte de iniqüidade, O céu inteiro mora no coração de Maria, a SS. Trindade e .. à
de injustiças, de violências, de pecados. Cada homem, desde o seu glória celeste. Com toda esta glória, ela não deixa de ser a
primeiro momento, participa deste p~c~d.o do mundo -:- co':1~ o simples mulher do povo, que trabalha de sol a sol, que varre a
chama São João - e sentimo-nos sohdanos com o destmo trag1co casa, cozinha para Jesus e José, que visita os parentes, que
de todos. Maria foi isenta e preservada desta situação. Não por entretém longas conversas com o esposo, meditando as maravilhas
méritos próprios, mas por graça e privilégio de Deus. Desde_ o que Deus operara nela. A graça de Deus não dispensa da mo-
momento de sua conceição. Ela pertence a outra ordem, nao notonia do quotidiano, transfigura-o.
mais ao velho mundo do pecado, mas ao novo, inaugurado agora
1 Pelo fato de ser cheia de graça não sofre menos, não se
1
por Deus. vê transportada para o céu. Não é livre das paixões e pulsões
Enfim Deus fez surgir uma criatura que é só bondade, cujo humanas, porquanto estas pertencem à condição terrestre de nossa
olhar é transparente e sem qualquer malicia, cujo gesto é sem existência. Cada paixão possui sua tendência própria, umas para
nenhuma ambigüidade, cujos atos são todos orientados para .º a carne, outras para o espirita, outras para a terra, outras para
certo cuja vida se encontra totalmente aberta para Deus, d1- a comunhão com outros etc. O homem sem o pecado original
mensÍonada amorosamente para os outros e relacionada sem conseguia orientar todas estas energias para um projeto voltado
602 603
,·.·"
filialmente para Deus, fraternalmente para o outro e soberana- ABREVIATURAS DOS LNROS DA BIBLIA
mente para o mundo. Era a justiça original. O pecado destruiu
esta harmonia e integração cheia de tensões. Agora cada paixão Ab Abdias
Ag Ageu
segue seu livre curso. A concupiscência dilacera a orientação equi- Am Amós
librada da vida. Maria, preservada do pecado e cheia de graça, Ap Apocalipse
consegue orientar tudo para um projeto santo; goza da integridade At Atos dos Apóstolos
de todas as dimensões de sua vida. Não deixa de sofrer; an- Br Baruc
gustia-se; sente os limites de uma existência espiritual vivendo CI Carta aos Colossenses
!Cor 1' Carta aos Coríntios
dentro do peso da carne. Tudo isso pertence à vida mortal, criada 2Cor 2' Carta aos Coríntios
assim por Deus. Mas tais limites, ao invés de serem motivo de !Cr 19 Livro das Crônicas
lamúria, de revolta e de desesperança, potenciam ainda mais a 2Cr 29 Livro das Crônicas
vida. Ela, por causa da plenitude da graça, acolhe-os como Ct Cântico dos Cânticos
Dn Daniel
pertencendo à criação, e compreende-os como convites para as- Dt Deuteronômio
pirar ao céu e buscar insaciavelmente Deus. Nela tudo é cristalino Ecl Eclesiastes
sem ser simplista, tudo é puro sem ser frágil, tudo é livre sem Eclo Eclesiástico (Sirácida)
ser desmedido. \ E! Carta aos Efésios
Esd Esdras
Est Ester
3. O que foi verdade uma vez vale para todos
1
Ex Êxodo
l Ez Ezequiel
i Evidentemente a imaculada conceição é um privilégio único Fl Carta aos Filipenses
Fm Carta a Filêmon
para Maria. Mas este fato salvífico diz-nos respeito porque «O que G! Carta aos Gálatas
foi verdade uma vez, vale para todos». Todos nós somos chamados Gn Gênesis
a sermos imaculados e, um dia, na consumação do mundo se rea- Hab J-Jabacuc
lizará: seremos também totalmente puros e, numa medida própria a Hb Carta aos Hebreus
Is Isa ias
cada um, repletos do amor de Deus. Maria antecipa na história Jd Carta de S. Judas
o nosso destino por vir. Nela, temos a certeza de que o mundo Jl Joel
tem um futuro bom. Nem tudo está perdido. Deus não nos Jn Jonas
abandonou em nossa desgraça. Ele criou uma humanidade nova, Jo João (Evangelho)
cheia de graça. Maria é as primicias. Vivemos, por isso, cercados 1Jo 1' Carta de S. João
pelo amor de Deus. Em Maria se realiza já agora o desígnio 2Jo 2' Carta de S. João
3Jo 3' Carta de S. João
: ~,
de Deus sobre todos nós, desígnio que Paulo nos revelou na Jó Jó
1
1.
i' leitura da epístola aos E!ésios: fomos escolhidos, antes da criação Jr jeremias
do mundo, para sermos santos e irrepreensiveis, na sua presença, Js Josué
~ Jt Judite
por amor (cf. Ef 1,4). Jz Juizes
1'
Le Lucas
Leonardo Boff, 0.F.M. Lm Lamentações
Petrópolis, RJ Lv Levítico
Me Marcos
!Me 1° LiVro dos Macabeus
2Me 2° Livro dos Macabeus
MI Malaquias
Mq Miquéias
Mt Mateus
Na Na um
Ne Neemias
Nm Números

604 605
Os Oséias iNDICE DAS PERICOPES BIBLICAS
!Pd l' Carta de São Pedro
[; 2Pd 2~ Carta de São Pedro Gn 2,18-24 (MO) 27° Domingo do TC
Provérbios
l Pr
Rm Carta aos Romanos
3,9-15 (MO)
3,9-15.20
1Q'J Domingo do TC
Imaculada Conceição
r lRs 1 Livro dos Reis
i;i
9,8-15 (AB) 1° Domingo da Quaresma
1' 2Rs 201 Livro dos Reis 22,1-18 (LO) Vigília Pascal
Rt Rute 22,l-2.9a.10-13.15 (AB) 29 Domingo da Quaresma
f Sb Sabedoria
Ex 12,1-8.11-14 (OS) Quinta-feira Santa
Sf Sofonias
SI Salmos 14,15-15,l (LO) Vigília Pascal
1 Livro de Samuel 16,2-4.12-15 (RR) 18° Domingo do TC

'
lSm O)

2Sm 21) Livro de Samuel 20,1-17 (AB) 39 Domingo da Quaresma


Tb Tobias 24,3-8 (PK) Corpo de Deus
Tg Carta de São Tiago Lv 13,12.45-46 (RR)
1' Carta a Timóteo 6° Domingo do TC
lTm
2Tm 2' Carta. a Timóteo Nm 6,22-27 (RR) Ano Novo: Oitava do Natal
lTs 1' Carta aos Tessalonicenses 11,25-29 (LO) 26' Domingo do TC
2Ts 2' Carta aos Tessalonicenses 21,4-9 (AJS) Exaltação da Santa Cruz
Tt Carta a Tito
Zacarias Dt 4,1-2.6-8 (PK) 229 Domingo do TC
Zc
4,32-34.39-40 (PK) SS. Trindade
OUTRAS ABREVIATURAS 6,2-6 (PK) 31 01 Domingo do TC
7,6-11 (PK) Sagrado Coração de jesus, A
AB Aguinelo Burin 18,15-20 (LO) 4Q Domingo do TC
AJS Airton josé da Silva
CACS Carlos Alberto da Costa Silva
Js 24, l-2a.14-l7.l 8a (PK) 21° Domingo do TC
CB Constantino Bombo
EMO Emanuel Messias de Oliveira lSm 3,3b-J0.19 CRR) 2° Domingo do TC
ES Etienne Sarnain
os Gabriel Selong 2Sm 7,1-5.Sb-11.16 (RR) 4o;. Domingo do Advento
HA Hugo D'Ans
lRs 17,10-16 (RR) 32' Domingo do TC
JK johan Konings
ij Ludovico Garmus 19,4-8 (MO) 19' Domingo do TC
LO
MO Matheus Giuliani 2Rs 4,42-44 (RR) 17' Domingo do TC
PK Pedro Kramer
Raul Ruijs 2Cr 36,14-16.19-23 (AB) 4Q Domingo da Quaresma
,, RR
H Homilia
11 Pista Exegética Est 5,lb-2; 7,2b-3 (MO) N. S. da Conceição Aparecida
PE
TC Tempo Comum Jó 7,1-4.6-7 (RR) 5o;. Domingo do TC
38,1.8-11 (RR) 12Q Domingo -do TC
Sb 1,13-15; 2,23-24 (RR) 13° Domingo do TC
1, •I
2,12.17-20 (RR) 25° Domingo do TC
3,1-9 (MO) Dia dos Finados
7,7-11 (MO) 28' Domingo do TC
' ~;
'li Ec1o 3,2-6.12-14 (3,3-7,14-17a) (AB) Sagrada Família
1

1
Is 7,10-14 (AJS) Anunciação do Senhor
9,1-6 (RR) Natal: Primeira Missa
35,4-7a (AB) 23' Domingo do TC
40,1-5.9-11 (AB) 2Q Domingo do Advento
43,18-19.21-22.24b.25 (RR) 7o;. Domingo do TC

607
606
49,1-6 (AJS) Natividade de São João Batista 5,21-43 (OS) 1311 Domingo do TC
50,4-7 (RR) Domingo de Ramos 6,1-6 CRR) 14,,. Domingo do TC
50,5-9a (AB) 249 Domingo do TC 6,7-13 (RR) 15° Domingo do TC
52,7-10 CRR) Natal: Terceira Missa 6,30-34 (RR) 16° Domingo do TC
52,13--53;12 (RR) Sexta-feira Santa 7,1-8.14-15.21-23 (RR) 22° Domingo do TC
53,10-11 (AB) 29° Domingo do TC 7,31-37 CRR) 23° Domingo do TC
54,5-14 (LO) Vigilia Pascal 8,27-35 CCB) 24° Domingo do TC
60,1-5 (RR) Epifania do Senhor 9,2-10 (RR) 211 Domingo da Quaresma
l 61,l-2a.10-l I (AB) 3° Domingo do Advento 9,29-36 (CB) 25° Domingo do TC
62,1-5 (RR) Vigilia do Natal 9,38-43.45.47-48 CRR) 26° Domingo do TC
62,11-12 (RR) Natal: Segunda Missa 10,2-16 (RR) 27 11 Domingo do TC
1 63,16b-17.19b; 64,2b-7 (AB) } 9 Domingo do Advento 10, 1'l-30 (RR)
10,35-45 CRR)
28° Domingo do TC
299 Domingo do TC
Jr 23,1-6 CRR) 16° Domingo do TC 10,46-52 (RR) 30° Domingo do TC
31,7-9 (LO) 3Q'I Domingo do TC 11,1-10 CRR) Domingo de Ramos
' 31,31-34 (AB) 511 Domingo da Quaresma 12,28b-34 ( HA) 3P' I)omingo do TC
14.' Domingo do TC 12,38-44 (RR) 32° Domingo do TC
; Ez 2,2-5 (LO) 13,24-32 (RR) 33° Domingo do TC
17,22-24 (LO) 11° Domingo do TC
Sagrado Coração de jesus, C 13,33-37 (RR) 19 Domingo do Advento
34,11-16 (LO) 14,1-15,47( 15, 1-39) CRR) Domingo de Ramos
47,1-2.8-9.12 (LO) Dedicação da Basilica do Latrão
14,12-16.22-26 (RR) Corpo de Deus
i Cristo Rei 16,1-8 (RR) Vigília Pascal
Dn 7,13-14 (MO)
l 12,1-3 (AB) 33' Domingo do TC 16,15-20 (MO) Ascensão do Senhor
'' Os 2,16b.17b.21-22 (LO) 8° Domingo do TC Lc 1,26-38 (RRJ 49 Domingo do Advento
li, l.3-4.8b-9 (LO) Sagrado Coração de Jesus, B 1,26-38 CRRJ Imaculada Conceição
1,39-56 (jK) Assunção de Nossa Senhora
JI 2,12-18 (RRJ Quarta-feira de Cinzas 1,57-66.80 (HA) Natividade de São joão Batista
1511 Domingo do TC 2,1-14 (RRJ Natal: Primeira Missa
Am 7,12-15 (LO) 2,15-20 (RRJ Natal: Segunda Missa
jn 3,1-5.10 (RRJ 3' Domingo do TC 2,16-21 (ijR) Ano Novo: Oitava do Natal
~ .
2,22-40 (RRJ Sagrada Família
MI 3,1-4 (AJS) Apresentação do Senhor 2,41-51a São josé, esposo da Virgem Maria
15,3-7 Sagrado Coração de Jesus, C
Mt 1,1-25 (OS) Vigília do Natal 24,35-48 (RR) 3., Domingo da Páscoa
2,1-12 (RR) Epifania do Senhor
5,l-12a (RR) To dos os Santos Jo 1,1-18 (OS) Natal: Terceira Missa
6,1-6.16-18 Quarta-feira de Cinzas 1,6-8.19-25 (JK) 3 9 Domingo do Advento
11,25-30 (HA) Sagrado Coração de Jesus, A 1,35-42 (JK) 2'1 Domingo do TC
16,13-19 São Pedro e São Paulo 2,1-11 N. S. da Conceição Aparecida
1 ! 28,16-20 (RR) SS. Trindade 2, 13-25 (JK) 3° Domingo da Quaresma
1; 3,13-17 (RRJ Exaltação da Santa Cruz
Me 1,1-8 (RRJ 2i;i Domingo do Advento 4o:> Domingo da Quaresma
1 r. 3,14-21 (JK)
1,Bb-11 (JK) Bàtismo do Senhor 4,5-42 (JK) 3o:> Domingo da Quaresma
1 ,i 1,12-15 (RRJ to:> Domingo da Quaresma 6,1-15 (JK) 17° Domingo do TC
1,14-20 (jK) Jo:> Domingo do TC 6,24-35 (JK) 18' Domingo do TC
1,21-28 (JK) 4° Domingo do TC 6,41-51 (JK) 19' Domingo do TC
1,29-30 (JK) 5o:> Domingo do TC 6,51-58 (JK) 20' Domingo do TC
. ·',, 1,40-45 (JK) fio:> Domingo do TC 6,60-69 (JK) 21' Domingo do TC
"
'i' 2,1-12 (RRJ 7o;1 Domingo do TC 9,1-41 (RRJ 4o;1 Domingo da Quaresma
2,18-22 (RR) So:> Domingo do TC 10,11-18 (JK) 4o:> Domingo da Páscoa
2,23--3,6 (HA) 9o:> Domingo do TC 12,12-16 (JK) Domingo de Ramos
3,20-35 (HA) 10° Domingo do TC 12,20-33 (JK) 5o;1 Domingo da Quaresma
4,26-34 (RRJ t Jo:> Domingo do TC 13,1-15 (OS) Quinta-feira Santa
4,35-41 (RRJ 12' Domingo do TC

608 609
15,1-8 (JK) 5 01 Domingo da Páscoa 3,2-3a.5-6 (RR) Epifania do Senhor
15,9-17 (JK) 69 Domingo da Páscoa 3,8-12.14-19 (EMO) Sagrado Coração de jesus, Ano B
18,1-19,42 (RR) Sexta-feira Santa 4,1-6 (CACS) 17• Domingo do TC
18,33b-37 (JK) Cristo Rei 4,17.20-24 (CACS) JS• Domingo do TC
19,31-37 (JK) Sagrado Coração de jesus, B 4,30-5,2 (CACS) 19• Domingo do TC
20,1-9 (RR) Domingo da Páscoa
20,19-23 (JK) Domingo de Pentecostes- E! 5,15-20 (CACS) 20° Domingo do TC
20,19-31 (RR) 29 Domingo da Páscoa 5,21-32 (CACS) 21° Domingo do TC
At 1,1-11 (RR) Ascensão do Senhor Fl 2,6-11 (RR) Domingo de Ramos
2,1-11 (RR) Domingo de Pentecostes
301 Domingo da Páscoa CI 3, 12-21 ( CACS) Sagrada Família
3,12-15.17-19 (MO)
4,8-12 (MO) 4° Domingo da Páscoa ITs 5,16-23 (CACS) 3° Domingo do Advento
• 4,32-35 (MO) 2° Domingo da Páscoa
~ 9,26-31 (RR)
10,25-26.34-35.44-48 (MO)
5., Domingo da Páscoa
69 Domingo da Páscoa
2Tm 4,6-8.17-18 São Pedro ~ São Paulo

Domingo da Páscoa Tt 2,11-14 (RR) Natal: Primeira Missa


10,34a.37-43 (MO) 3,4-7 (RR) Natal: Segunda Missa
13,16-17.22-25 (MO) Vigília de Natai
13,22-26 Natividade de São João Batista Hb 1,1-6 (RR) N-ãtal: Terceira Missa
São josé, esposo de Maria 2,9-11 (CACS) 27° Domingo do TC
Rm 4,13.16-18.22 2,14-18 (LO) Apresentação do Senhor
6,3-11 (SV) Vigília Pascal
Sagrado Coração de jesus, c 4,12-13 (CACS) 28' Domingo do TC
5,5-11 (CACS) 4,14-16 (MO)
8,14-17 (CACS) SS. Trindade 29° Domingo do TC
4,14-16; 5,7-9 (RR) Sexta-feira Santa
8,31b-34 (CACS) 29 Domingo da Quaresma 5,1-6 (MO) 30' Domingo do TC
16,25-27 (CACS) 4º Domingo do Advento 5,7-9 (CACS) 5° Dorilingo da Quaresma
7,23-28 (CACS) 31° Domingo do TC
JCor 1,3-9 (MO) 1 Domingo do Advento
9
9,11-15 (MO) Corpo de Deus
1,22-25 (CACS) 39 Domingo da Quaresma 9,24-28 (MO) .32° Domingo do TC
11,23-26 (OS) Quinta-feira Santa 10,4-10 (MO) Anunciação do Senhor
,. 5,6b-8 (CACS) Domingo da Páscoa 10,11-14.18 (MO) 33° Domingo do TC
.• 6,13c-15a.17-20 (MO) 2° Domingo do TC
l 7,29-31 (MO) 3° Domingo do TC Tg l,17-18.2lb-22.27 (MO) 22º Domingo do TC
2,1-5 (MO) 23° Domingo do TC
~ 7,32-35 (MO) 4° Domingo do TC
9,16-19.22-23 (MO) 5° Domingo do TC 2,14-18 (MO) 24° Domingo do TC
10,31-11,1 (MO) 6° Dpmingo do TC 3,16-4,3 (MO) 25° Domingo do TC
11,23-26 (RR) Quinta-feira Santa 5,1-ir(MOJ 26° Domingo do TC
12,3b-7.12-13 (RR) Domingo de Pentecostes
Assunção de Nossa Senhora IPd 3,18-22 (MO) 19 Domingo da Quaresma
15,20-26 (MO)
2Cor 1,18-22 (CACS) 70 Domingo do TC 2Pd 3,8-14 (MO) 29 Domingo do Advento
3,lb-6 (CACS) 8° Domingo do TC
5,6-10 (MO) 11° Domingo do TC ljo 2,1-5a (MO) 39 Domingo da Páscoa
5,14-17 (MO) 12° Domingo do TC 3,1-2 (MO) 49 Domingo da Páscoa
5,20-6,2 (RR) Quarta-feira de Cinzas 3,1-3 (MO) Todos os Santos
8,7.9.13-14 (MO) 13° Domingo do TC 3,18-24 (MO) 5" Domingo da Páscoa
12,7-10 (MO) 14° Domingo do TC 4,7-10 (MO) 6" Domingo da Páscoa
4,7-16 Sagrado Coração de jesus, Ano A
OI 4,4-7 (RR) Ano Novo: Oitava do Natal ',, 4,11-16
5,1-6 (MO)
7" Domingo da Páscoa
2" Domingo da Páscoa
E! 1,3-14 (CACS) J5° Domingo do TC
1,3-6.11-12 (RR) ]maculada Conceição Ap 1,5-8 (CB) Cristo Rei
1,17-23 (RR) Ascensão do Senhor 7,2-4.9-14 (RR) T-odos os Santos
2,4-10 (CACS) 49 Domingo da Quaresma ll,19a; 12,1-6a.l0a (ES) Assunção de Nossa Senhora
2,13-18 (CACS) 16° Domingo do TC 12,1.5.13a.15-16a (RR) N. S. da Conceição Aparecida

f 611
610
! 1 '
:l
iNDICE DE COLABORADORES 248-250, 256-258- 264-267, 274-276, 368-
371, 376-379, 385-388, 400-402, 505-508,
532-535, 584-587.
BAGGIO, H. H: 55-56, 99-101, 107-109, 371-373, j50-452,
577-579. KRAMER, P. PE: 217-219, 226-228, 294-295, 397-398, 405-
406, 477-478, 524-525.
BERG, A. van den H: 9()-93, 222-225.
H: 73-75, 210-212, 466-468, 508-510.
LIBANJO, J. B. H: 393-396.
BETTO, Frei
NEEFJES, F. H: 213-216.
BOFF, C. H: 443-445.
OLIVEIRA, E. M. de PE: 529-531.
BOFF, L. H: 37-40, 125-127, 143-145, 149-152, 191-193,
232-234, 276-278, 323-326, 554-556, 565- PEREIRA, C. H: 15-18, 363-365, 417-419.
567, 601-604.
t RUIJS, R. H: 46-49, 57-66, 258-261, 473-476, 491-494.
.
1 BOMBO, C. PE:
PE:
422-426, 504-505.
11-12, 19, 26-27, 76-77, 84-85, 94-95, 110-
PE: 13-15, 21-22, 34-37, 53-55, 79-81, 86-90,
BURIN, A. 119-124, 134-137, 141-143, 157-158, 166-
111, 413-414, 420-421, 462-463, 495-496. 168, 185-186, 221-222, 230-232, 235-236,
245-247, 262, 271-272, 279-280, 281-384,
BUUL, O. van H: 23-25, 131-133. 289-291, 320-322, 326-327, 329-330, 333-
CAVALCANTI, T. H: 379-382. 334, 345-348, 355, 359, 361-363, 366, 374-
375, 391, 408-'409, 415-417, 430-431, 433-
COSTA SILVA, C. A. PE: 27-28, 35-36, 85-86, 95-96, 103-104, 111- 435, 441-442, 448-450, 455-458, 465-466,
471-472, 487-488, 489-491, 497-500, 557-
112, 148-149, 219-220, 280-281, 288-289, 559, 573-575, 596-601.
295-296, 308-309, 353-355, 360-361, 367-
368, 375-376, 384-385, 392, 398-400, 447- SCIADINI, P. H: 179-184.
448, 454-455, 517-518, 535-537, 582-584, SELONG, O. PE: 43-45, 50-52, 128-131, 337-338, 551-553,
591-592.
562-565, 576-577.
,, D'ANS, H. PE: 297-300, 309-312, 480-482, 525-528, 541-
SILVA, A. J. da PE: 511-512, 522-523, 540-541, 568-569.
544.
" SILVEIRA, 1. H: 537-539.
GARMUS, L. PE: 254-255, 287-288, 317-342, 252-253, 439-
440, 469, 512-513, 528-529, 548-550, 590- SOUZA NETO, F. B. de H: 70-72, 81-83, 115-116, 137-140, 251-253,
591. 291-293, 330-332, 388-390, 513-516, 544-
546, 569-571, 593-595.
GIBIN, M. H: 169-172.
' TABORDA, F. H: 158-161, 201-205, 301-304, 312-316, 426-
1 GIULIANI, M. PE: 12-13, 20-21, 41-43, 77-78, 146-148, 153-
157, 162-166, 173-176, 186-188, 194-198,
429, 458-461, 483-486.
206-210, 228-230, 237-238, 255-256, 262- TONIN, N. J. H: 241-244, 284-286.
264, 272-273, 305-307, 318-319, 317-319, WINDEN, T. van
327-329, 335-336, 343-345, 383-384, 406- H: 500-502.
408, 414-415, 421-422, 432-433, 440-441,
446-447, 453-454, 463-464, 470-471, 478-
480, 488-489, 496-497, 503-504, 559-561,
572-573, 580-582.
! i,
GUIMARAES, A. R. H: 31-33, 267-270, 338-341, 409-412, 518-521,
587-589.

1 ·;
KESSELMEIER, C. H: 356-358, 435-438.
KONINGS, J. PE: 28-31, 67-69, 96-99, 104-107, 112-114, 117-
119, 177-179, 188-191, 198-201, 239-241,

612 613
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